LEMBRANÇAS DA LUTA SINDICAL
João José de Souza Leite
Éramos uns poucos e o sentimento do mundo, como diria
Drummond. José Rodrigues dos Santos, negro das Minas Gerais, fugira de casa
quando criança e nunca mais voltou. Inventou seu nome, sobrenome e idade e
colocou na sua tardia certidão de nascimento.
Meteu-se na vida sindical através do Partido, foi parar na primeira
direção da CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura.
Tinha verdadeiro pavor de jagunço. Traiçoeiro e ruim, falava. Quando ficava
brabo dizia que fulano de tal merecia uma surra com relho de umbigo de boi.
Chegou a Campo Grande, vindo do Paraná e fundou o Sindicato dos Trabalhadores
Rurais. Gostava de dar festas no Sindicato chamando mulheres e crianças, aquela
alegria! Tinha muitas namoradas. Sua contabilidade sindical era uma confusão.
Dava úlceras na direção partidária. Que também lhe dava úlceras.
Jovelino Teodoro dos Santos, da construção civil, idoso,
tinha grandíssima antipatia pelo esquerdismo, nunca se esquecia de quando foi
para Dourados organizar a resistência ao Regime de 64, fizeram uma reunião
clandestina no meio do mato para recebe um bam-bam-bam dirigente partidário que
começou a ler um calhamaço analisando a situação política nacional e
internacional e antes do meio da reunião mais da metade de seus participantes
já estavam dormindo profundamente. Caiu fora. Veio para Campo Grande cuidar da
mulher e dois filhos, comprou um lote na Vila Jockey Clube e construiu sua
moradia. Foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da
Construção e do Mobiliário. Quando uma situação estava muito esculhambada dava
seu veredito: uma casa de puta comandada por viado. Risos. Hoje a reação dos
ouvintes seria outra. Coisas da época
Antônio Benjamin Fontoura Corrêa da Costa, de família
tradicional mato-grossense. Na Enersul organizou a fundação do Sindicato dos
Eletricitários. Foi mandado embora. Uma luta para registrar a papelada na
Delegacia Regional do Trabalho e obter o registro sindical. Luta maior ainda
para obter na Justiça do Trabalho seu retorno. Ficou muito tempo sem salário.
Sofreu. Mas se esquecia com frequência das reuniões. Que eram feitas às
escondidas, pensava esse time. Santa ignorância!
Celso Pereira da Silva volta e meia me telefonava e se
comunicava por códigos secretos: o jovem Lino, o beija as cobras, etc., para
tratar dos nossos assuntos. Reuniões
para quê? Prá avaliar as lutas nos sindicatos e não deixar transbordá-las de
seus objetivos, luta por melhores salários, se transformasse uma correia de
transmissão de partido político.
Como se vê nossa divergência com o PT é antiga. Éramos assim,
normais, mais ou menos, comemorávamos o dia das mães, dos pais, das crianças,
nos benzíamos passando por um cemitério e ligadíssimos na política. Nossa
militância sindical foi se definhando à medida que a política se transformava:
vieram as eleições para governador, campanha das diretas, campanha da
Constituinte, finalmente a redemocratização.
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