segunda-feira, 28 de junho de 2021

 

LEMBRANÇAS DA LUTA SINDICAL

João José de Souza Leite

(Esta crônica será publicada no livro Histórias que ninguém iria contar)



Éramos uns poucos e o sentimento do mundo, como diria Drummond. José Rodrigues dos Santos, negro das Minas Gerais, fugira de casa quando criança e nunca mais voltou. Inventou seu nome, sobrenome e idade e colocou na sua tardia certidão de nascimento.  Meteu-se na vida sindical através do Partido, foi parar na primeira direção da CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura. Tinha verdadeiro pavor de jagunço. Traiçoeiro e ruim, falava. Quando ficava brabo dizia que fulano de tal merecia uma surra com relho de umbigo de boi. Chegou a Campo Grande, vindo do Paraná e fundou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Gostava de dar festas no Sindicato chamando mulheres e crianças, aquela alegria! Tinha muitas namoradas. Sua contabilidade sindical era uma confusão. Dava úlceras na direção partidária. Que também lhe dava úlceras.

Jovelino Teodoro dos Santos, da construção civil, idoso, tinha grandíssima antipatia pelo esquerdismo, nunca se esquecia de quando foi para Dourados organizar a resistência ao Regime de 64, fizeram uma reunião clandestina no meio do mato para recebe um bam-bam-bam dirigente partidário que começou a ler um calhamaço analisando a situação política nacional e internacional e antes do meio da reunião mais da metade de seus participantes já estavam dormindo profundamente. Caiu fora. Veio para Campo Grande cuidar da mulher e dois filhos, comprou um lote na Vila Jockey Clube e construiu sua moradia. Foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário. Quando uma situação estava muito esculhambada dava seu veredito: uma casa de puta comandada por viado. Risos. Hoje a reação dos ouvintes seria outra. Coisas da época

Antônio Benjamin Fontoura Corrêa da Costa, de família tradicional mato-grossense. Na Enersul organizou a fundação do Sindicato dos Eletricitários. Foi mandado embora. Uma luta para registrar a papelada na Delegacia Regional do Trabalho e obter o registro sindical. Luta maior ainda para obter na Justiça do Trabalho seu retorno. Ficou muito tempo sem salário. Sofreu. Mas se esquecia com frequência das reuniões. Que eram feitas às escondidas, pensava esse time. Santa ignorância!

Celso Pereira da Silva volta e meia me telefonava e se comunicava por códigos secretos: o jovem Lino, o beija as cobras, etc., para tratar dos nossos assuntos.  Reuniões para quê? Prá avaliar as lutas nos sindicatos e não deixar transbordá-las de seus objetivos, luta por melhores salários, se transformasse uma correia de transmissão de partido político.

Como se vê nossa divergência com o PT é antiga. Éramos assim, normais, mais ou menos, comemorávamos o dia das mães, dos pais, das crianças, nos benzíamos passando por um cemitério e ligadíssimos na política. Nossa militância sindical foi se definhando à medida que a política se transformava: vieram as eleições para governador, campanha das diretas, campanha da Constituinte, finalmente a redemocratização.


 

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