sábado, 27 de dezembro de 2014

O REENCONTRO DA ESQUERDA DEMOCRÁTICA



Neste mês de dezembro, foi anunciada a criação de um Bloco Parlamentar na Câmara dos Deputados composto pelo PSB, PPS, PV e o Solidariedade. Juntos esses partidos possuem a segunda maior força política no parlamento, 67 deputados, somente menor do que a bancada do PT com 70 deputados. Essa articulação nacional é o embrião de uma Federação entre esses partidos que deverá ser rebatida nas esferas estaduais e municipais, na interlocução com a sociedade e com os movimentos sociais.
A aproximação atual entre PPS e PSB não fortuita, pois ao longo da história brasileira esses partidos protagonizaram, no mais das vezes, ações convergentes que dão sentido ao projeto político que recomeçam a construir.
Em 1927, formamos o “Bloco Operário e Camponês” que em 1930, lançou o primeiro operário à Presidência da República, o vereador do PCB, Minervino de Oliveira.
Diante da ascensão do fascismo no mundo, em 1935 formamos, junto com outras forças democráticas, a Aliança Nacional Libertadora, que chegou a ter 1.600 diretórios organizados em todo o país. Os socialistas defenderam sua transformação em partido político, mas precipitação radical do PCB, liderado por Prestes, levou à decretação da ilegalidade da ANL. Isolado, o PCB tentou a improvável insurreição armada, duramente esmagada. Embora discordantes, os deputados socialistas no Congresso Nacional, tomaram a frente na denuncia da Lei de Segurança Nacional, duramente aplicada contra os comunistas. Essa postura levou à cassação prisão do deputado socialista João Mangabeira.
Com legalização em 1945, o PCB lança a candidatura presidencial de Yedo Fiuza. Os socialistas, organizados na Esquerda Democrática se aliaram com o a oposição liberal, integrando-se à UDN que lançou o Brigadeiro Eduardo Gomes. Ambos saem derrotados por Eurico Gaspar Dutra.
O PSB é reorganizado em 1947 e buscou se diferenciar do PCB por críticas ao modelo soviético, propondo um socialismo democrático e pluralista. Em 1947 o PCB é cassado e entra os anos 50 na ilegalidade e isolado, com uma política estreita, de extrema-esquerda, que só vai se alterar a partir de 1958, com ruptura com o stalinismo e a adoção do compromisso com a via democrática.
Apesar dessas diferenças, nova convergência entre o PCB e o PSB foi a constituição da Frente do Recife, a partir de 1947, que logrou eleger Arraes, em 1960, prefeito de Recife e, posteriormente Governador de Pernambuco, posição onde se encontrava quando do Golpe de 1964.
PSB e PCB voltam a se reencontrar durante a resistência democrática. Ambos apontam o caminho da Frente Democrática contra a ditadura e participam, mesmo na ilegalidade, da fundação do MDB. Em 1974, no contexto da eleição indireta, o MDB lançou a “anticanditatura” à Presidência da República de Ulisses Guimarães e do socialista Barbosa Lima Sobrinho, e ajudou na formação de uma forte bancada de 161 deputados peemedebistas.
Derrotada a campanha pelas “Diretas já”, o PMDB participa da eleição indireta, contra Maluf, elegendo, no Colégio Eleitoral, Tancredo Neves e José Sarney. No governo Sarney, em 1985, o PCB conquista a sua legalidade e o PSB se reorganiza com líderes como Antônio Houaiss, Evandro Lima e Silva, Jamil Haddad e Evaristo de Moraes Filho, entre outros.
Na Constituinte de 1986 os dois partidos, embora com pequenas bancadas PPS (3) e PSB (6) tiveram uma expressiva participação no bloco de centro-esquerda. Juntaram forças contra o mandato de cinco anos para Sarney e a favor do parlamentarismo.
Nas eleições de 1989, quando a disputa se faz contra Collor, o PSB participa da Frente Brasil Popular em torno do Lula e o PCB, após a candidatura presidencial de Roberto Freire, vai se juntar nessa articulação somente no segundo turno.
No Governo Collor, Evandro Lins e Silva, fundador do PSB participou da comissão de juristas responsável pela elaboração do pedido e impeachment, cabendo ao socialista Barbosa Lima Sobrinho, representando a ABI, entregar esse documento à Câmara dos Deputados.
Os dois partidos participam do Governo Itamar, um virtual momento “parlamentarista” de salvação nacional. Freire foi líder do Governo na Câmara dos Deputados e os socialistas Haddad (Saúde) e Houaiss (Cultura) participaram do Ministério, apoiando o lançamento do Plano Real, para o enfretamento da inflação. Em 1993 no plebiscito, ambos compõem a Frente Parlamentarista.
Nas eleições de 1994, o PPS, sucedâneo do PCB, e o PSB participam da coligação em torno de Lula, derrotado no primeiro turno por Fernando Henrique Cardoso.
A partir daí, fruto da disputa de projetos de poder, o Brasil passa a viver a polarização PT x PSDB. Essa divisão do campo de centro-esquerda levou a um sistema político onde, cada um por sua vez, esses dois partidos tivessem que governar em alianças com a direita e o atraso fisiológico.
Assim chegamos a 2014, com PSB e PPS, no campo da oposição, articulando um projeto alternativo, primeiro com Eduardo Campos, depois com Marina Silva. Esse é o momento que Roberto Freire chamou de “reencontro da esquerda democrática”.
O Bloco da Esquerda Democrática, surgido dessa articulação, que incorpora, também, a contemporaneidade da pauta do PV e a base sindical da Solidariedade surge com o desfio de “contribuir de forma efetiva para o fortalecimento das instituições democráticas, resgatar as boas práticas republicanas e promover as mudanças que o povo exige para que o Brasil volte a crescer e melhorar a qualidade de vida dos brasileiros”.
O Bloco se apresenta, assim, como um importante polo para a aglutinação de uma grande quantidade de quadros progressistas que se acham ausentes, ou dispersos na política brasileira.

FAUSTO MATTO GROSSO.

Engenheiro e professor aposentado da UFMS

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

"Emendas parlamentares"


(Foto: Divulgação)

“Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!” (Stanislaw Ponte Preta)
Durante as campanhas eleitorais, o discurso de grande parte dos candidatos a deputados e senadores é o de que vão trazer dinheiro de Brasília para o nosso Estado. Aliás, essa coisa de trazer dinheiro de Brasília é um assunto que não deveria ser comentado na sala, em frente das crianças, muito menos nos horários eleitorais quando os inocentes, mesmos aqueles de maior idade, ainda estão acordados. 
Naturalmente não me refiro às pessoas, mas sim a uma mazela estrutural da política brasileira, que precisa ser desnudada. É preciso falar o que muitos sabem, mas se calam por conveniência ou leniência. Isso é importante até para que políticos íntegros e bem-intencionados, imagino que existam, possam escapar desse lodaçal.
Para a maioria dos nossos “representantes”, a missão mais importante do mandato tem sido conseguir emendas parlamentares. É aí que se estabelece o jogo espúrio e imoral, promíscuo, entre o Executivo e o Legislativo. A emenda é, ao mesmo tempo, instrumento de o parlamentar fazer política clientelista e instrumento de controle político exercido pelo Executivo sobre o Legislativo.
A farra começa na montagem de um “pacotão” fantasioso de emendas que os parlamentares levam “para as bases” para montar o jogo, com governadores, prefeitos e entidades. É o famoso “me engana que eu gosto”. Depois vem a realidade. Somente uma parcela ínfima do “pacote de bondades” entra, efetivamente, no orçamento. Na execução deste, apenas uma parcela, ainda menor, das emendas parlamentares é liberada – nos últimos 10 anos, apenas 16,9% - assim mesmo, nos momentos das votações decisivas para o Governo. É quando funciona no Executivo o famoso franciscanismo do “é dando que se recebe”.
Durante a execução dessas emendas, o escândalo é ainda maior.  As emendas têm “donos” que, não raro, ficam com o direito de cobrar “pedágio” para que esse dinheiro chegue até a realidade da obra executada. É preciso que se diga que o orçamento geral é apenas uma lei que autoriza o governo a gastar em determinados programas ou ações, mas não lhe impõe a obrigação de fazê-lo. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014, surgiu uma novidade. Em um ato de “rebeldia”, os deputados colocaram a cláusula que torna impositiva a execução das suas emendas.   
As regras das chamadas emendas impositivas obrigam o governo a executar 1,2% da receita corrente líquida da União em emendas individuais dos parlamentares. Com isso abriram-se as portas, também, para o atendimento do “baixo clero” da oposição. Por enquanto, o efeito dessa dinâmica ainda é duvidoso diante de um Executivo imperial e uma maioria cartorial, simplesmente homologatória, no Legislativo. Exemplo disso aconteceu ainda agora, quando o aumento e a liberação de recursos para as emendas parlamentares ficaram condicionados à aprovação da farra fiscal do Governo.
Pilhada em “malfeitos” com relação às despesas públicas, a Presidente Dilma escancarou, no Diário Oficial, o Decreto nº 8.367/14, que aumenta em mais R$ 750 mil, para cada deputado, o valor das emendas, condicionando-as, com todas as letras, à aprovação do projeto que a livraria do crime de responsabilidade. Com isso o valor total destinado aos 594 parlamentares chegará a cerca de R$ 6,9 bilhões, ou seja, a Bolsa Deputado, depois da aprovação do decreto, será de R$ 11,6 milhões per capita, para ser usada na política clientelista.

Assim, como nunca acontecera neste País, o Governo Dilma passa para a história, de maneira vergonhosa, como legalizador do outrora clandestino troca-troca das emendas parlamentares por votos governistas. Foi criada a “jurisprudência” sobre a legalidade do voto vendido. Simples assim!

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Fausto Matto Grosso: "Esquerda e direita"


 
Nas eleições deste ano, principalmente nos debates nas redes sociais, toda e qualquer crítica ao PT e à sua candidata Dilma Rousseff era acusada de “coisa da direita”. Chegaram assim a acusar, com tais, Marina Silva e Aécio Neves e todos os seus partidos de apoio. A primeira questão que se coloca é da validade dos conceitos de esquerda e direita na atualidade. Esse tipo de questão tornou-se mais comum após a crise do socialismo real, quando muitos começaram a acreditar que o capitalismo triunfante seria o ponto final da civilização e a história teria, então, acabado.
Uma das mais consagradas análises a respeito da questão é a do pensador italiano Norberto Bobbio. Para o autor tais termos, que fazem parte do imaginário da sociedade e da identidade dos atores políticos, são absolutamente pertinentes. Ressalta ainda que esses termos são “antitéticos”, ou seja, não se pode ser ao mesmo tempo de esquerda e de direita.
Esquerda é aquele que assume que a ideia de que a igualdade é condição para a liberdade e a direita pressupõe que a liberdade é a condição da igualdade. Bobbio, considerando esse parâmetro reparte o espectro político dos partidos, em quatro posições: extrema esquerda (simultaneamente igualitários e autoritários); centro-esquerda (simultaneamente igualitários e libertários); centro direita (simultaneamente libertários e inigualitários) e extrema-direita (simultaneamente antiliberais e antigualitários).
Ressalta ainda o autor que os termos direita e esquerda podem representar diversos conteúdos conforme o tempos. Assim, na Revolução Francesa a burguesia e a pequena-burguesia, na luta pela igualdade, contra o feudalismo, eram forças de esquerda, que se assentavam no lado esquerdo da Assembleia Nacional, dai a origem das designações esquerda e direita. Quanto ao aspecto histórico, uma boa referência para a análise é a Segunda Internacional ou Internacional Socialista (1889-1916) uma organização dos partidos socialistas e trabalhistas, criada por influência de Friedrich Engels.
Entre seus membros estava o Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR). Cabe informar aos amigos petistas, “radicais, porém sinceros”, que Lênin liderou a Revolução Russa exatamente com o POSDRb, só depois, isolado no contexto pós-Segunda Guerra Mundial, surgiu a Terceira Internacional e o poderoso Partido Comunista da União Soviética.
Trinta e cinco anos depois, em 1951, resurge a Internacional Socialista (IS) que busca a divulgação e implementação do socialismo democrático através da união de partidos políticos social-democratas, socialistas e trabalhistas. A IS é uma das maiores organizações partidárias em atividade. Entre seus mais notórios dirigentes, figurou Willy Brandt (1976-1992) que através da sua “ostpolitik” buscou a aproximação com o bloco comunista. Esse processo resultou no degelo político leste-oeste e teve como consequência o reconhecimento de Gorbatchov, de que, comunistas e sociais-democratas eram partidos do mesmo tronco histórico, portanto partidos irmãos. 
Da Internacional Socialista, como membro pleno, participa hoje apenas o PDT. O PT flerta com ela, na condição de observador e o PSDB, ao buscar sua filiação, foi vetado por influencia sectária de Brizola, não por conta da sua doutrina, mas por conta de sua aliança com o PFL. 
Resumindo a história, feliz o país que teve, desde a redemocratização, à exceção da aventura Collor, apenas candidatos competitivos de centro-esquerda, o PSDB, o PT, o PSB e o PPS. A direita foi escorraçada, pelo processo democrático, só tem figurado, como mero coadjuvante em todas, e em cada uma, das candidaturas presidenciais. O resto é ranço autoritário, estreiteza de projetos hegemonistas de poder, críticas de quem tem, ainda, um pé na visão de partido único da esquerda.


Fausto Matto Grosso é engenheiro e professor da UFMS