segunda-feira, 22 de abril de 2019


SOCIEDADE DE RISCO
  O mundo tem assistido, atônito, uma sequência de desastres “naturais” e de infraestrutura.
  São furacões, tsunamis, deslizamentos de terra, incêndios florestais e inundações. São pontes, viadutos, barragens, edifícios e tantos outros que vão entrando em colapso. Também na área de alta tecnologia podem ser citados os recentes acidentes com os aviões Boeing 737 Max 8. Estávamos ainda lamentando pelo incêndio do Museu Nacional, quando somos surpreendidos pelo incêndio da Catedral de Notre Dame.
  Segundo alguns autores, vivemos hoje uma sociedade de risco. De acordo com o sociólogo britânico Anthony Giddens, uma sociedade de risco é "uma sociedade cada vez mais preocupada com o futuro, o que gera a noção de risco".
  Ulrich Beck  aponta que toda ação humana, neste mundo desequilibrado, implica em riscos que podem superar os aspectos positivos buscados.
  Esses, cada vez mais, estão fugindo do controle das instituições sociais. É preciso retomar as rédeas, apela Maria Fernanda Espinosa Garcés, presidente da Assembleia Geral da ONU: “temos a ciência, a tecnologia e ferramentas nas mãos. É preciso conectar o tempo da política com o tempo da natureza”.
  Na época em que vivemos, o meio ambiente está em profunda transformação. As mudanças climáticas implicam em alterações das temperaturas, no regime pluvial, na trajetória e velocidades dos ventos. As obras sofrerão a ação desses fatores, praticamente incontroláveis. O tratamento desses fatores usa padrões estatísticos, portanto sempre poderão ocorrer episódios atípicos não previstos.
  Os projetos da obra podem contar atualmente com importantes ferramentas de análise estrutural. Entretanto, para alimentar seus algoritmos, estará a pessoa humana, mais ou menos preparada e responsável. Aqui, também se manifesta, muitas vezes, uma inadequação na utilização da Lei das Licitações quando os projetos são avaliados por seus preços. Um projeto mais barato pode, eventualmente, significar uma obra mais cara e insegura.
  A execução das obras é um momento altamente preocupante. É a esfera onde se manifesta mais a lógica do lucro. Substituições de materiais especificados, por outros de menor qualidade, são comuns bem como a pressão sobre o tempo de execução. Por último, é preciso levar em conta que, após a conclusão, as construções sofrerão a prova do tempo. Todas começarão a fenecer. Não existem obras eternas, o desgaste é inexorável. É quando surge o desafio da manutenção, para controlar o risco. Nas grandes obras, normalmente é onde surge a responsabilidade do poder público. Manter custa caro, mas não gera reconhecimento político e administrativo.
  Entre as responsabilidades do calculista, do executor e do mantenedor é onde, normalmente, após os acidentes, surgem as narrativas contraditórias.
  Cito um caso histórico e paradigmático – o desastre, em 1971, do Pavilhão de Exposição da Gameleira (Belo Horizonte), projetado por Niemayer, que se encontrava no exílio. Este evento levou à prisão, por dois anos, do calculista Joaquim Cardoso, o grande parceiro de Niemayer, que a ele se referia como "o brasileiro mais culto que existia". Cardozo era engenheiro estrutural, poeta, contista, dramaturgo, professor universitário, tradutor, editor de revistas de arte e de arquitetura, desenhista, ilustrador, caricaturista e crítico de arte. Após as apurações ficou provada a inocência de Cardozo, a condenação das construtoras e do Governo de Minas, cujo governador pressionava pela conclusão da obra antes do fim do seu mandato.
  Por fim, como alerta o Professor Marco Aurélio Nogueira, o mundo não está acabando e precisamos olhar além das desgraças cotidianas. Temos de aprender a conviver com os riscos típicos da “sociedade do risco”, que são complexos, multifatoriais e proveem da estrutura da vida.
  Para Fernando Pessoa, “o valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que elas acontecem”.

Fausto Matto Grosso, engenheiro, professor aposentado da UFMS.


sábado, 6 de abril de 2019


DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DA ESQUERDA
  
Há hoje, uma grave crise mundial de legitimidade que atinge todos os partidos, entre eles os de esquerda. É preciso mudar ou morrer.
  Um momento fundador dos partidos da esquerda, tal como existem hoje, pode ser considerada a Revolução de 1917 (fevereiro e outubro), liderada pelo Partido Operário Social Democrata Russo. Esse partido acabou rachado entre bolcheviques, defendendo uma ruptura revolucionária, e os mencheviques que propunham uma revolução moderada, permitindo primeiro a democracia e o pleno desenvolvimento do capitalismo para só depois implantar o socialismo. Essas foram as divergências que geraram os partidos comunistas, em oposição aos partidos sociais democratas.
  A base material sobre a qual esse processo se desenvolveu foi a economia da Revolução Industrial, cujos reflexos produziram no operariado “o sentimento e a necessidade de organizar-se enquanto classe, com o objetivo de combater a burguesia”. Esse mundo mudou, por mais que isso não seja reconhecido por certa esquerda conservadora.
  Por trás da nova realidade, uma modificação profunda na civilização: a Revolução Cientifica e Tecnológica, que está enterrando a instituições nascidas da Revolução Industrial, entre elas os partidos tradicionais de esquerda.
  Essa nova era da civilização, baseada nas tecnologias de informação e comunicação, as TICs, surge impactando todas as esferas da vida em sociedade. O mundo se globaliza.  As coisas, que pareciam sólidas, se desmancham no ar. Surgem novos valores, novas práticas e novas regras, que demandam novas instituições.
  As pessoas hoje tem mais acesso à informação, organizam-se em redes que articulam os cidadãos em suas lutas e demandas. Elas não precisam mais de partidos, embora estes devam continuar existindo por conta da democracia representativa. Os cidadãos não querem ser tutelados por organizações que representam a velha ordem. Vocês não nos representam, gritam nas ruas! Não adianta fingir que não é conosco também. Um mundo novo pede passagem.  Ou a esquerda se conecta, ou não terá futuro.
  A polarização entre esquerda e direita, continuará válida enquanto houver desigualdades e o fundamentalismo liberal que pretende não apenas uma economia de mercado, mas também uma sociedade de mercado.   Essa polarização não é mais suficiente para dar conta do mundo mais complexo. Novas questões se colocam e a politica pensada de maneira unidimensional torna-se insuficiente. Há um demanda por uma visão pluridimensional, considerando outras polarizações, para responder à complexidade crescente.
  Há hoje uma nova ordem mundial globalizada. Nenhum dos grandes problemas contemporâneos pode ser resolvido fora dela, com cooperação internacional. Isso está claro na questão ambiental, mas também é válido para o comércio, a circulação de pessoas, os fluxos financeiros, a articulação do conhecimento, o combate ao crime organizado, o clima e as doenças. Nessa questão, há uma clara disjuntiva que opõe nacionalistas, xenófobos e isolacionistas, normalmente de direita, e a esquerda globalista, herdeira das melhores tradições internacionalistas.
  A questão ambiental contrapõem sustentabilistas e negacionistas, estes últimos não aceitam que as ações predatórias dos homens sejam responsáveis pela destruição do planeta. Quanto à organização da vida política, há clara contradição entre democratas e autoritários.
  Há que se pensar também uma nova forma-partido, permeável à participação da cidadania. Não mais partidos fechados, verticalizados, aparelhados e centralizadores. Tem que se pensar em uma forma intermediária ente os partidos atuais e os movimentos, um partido-movimento. Instrumento da sociedade e das suas demandas e não pretendendo tutela-la. Aberto também às manifestações eleitorais da cidadania, abrigando as candidaturas independentes e avulsas.
  Uma organização partidária, que se pretenda progressista, no mundo atual, tem que ter flexibilidade organizativa e conjugar os valores da equidade, da democracia, da sustentabilidade e do globalismo. Só assim a política poderá se libertar do sectarismo e da simplificação. E sobreviver.
Fausto Matto Grosso,
Engenheiro civil e professor aposentado da UFMS.