quarta-feira, 25 de dezembro de 2019


MEGA-SENA DA VIRADA


  As loterias são jogos de azar, ou seja, para que um tenha sorte, todos os outros têm que ter azar. Eis uma bela metáfora sobre a sociedade.
  A loteria teria surgido na Babilônia de Nabucodonosor II. O imperador, um personagem do Primeiro Testamento, era dado a ter sonhos cujo interprete era o profeta Daniel. Certa vez o sonho avisou que ele teria uns tempos de maluco beleza o que, de fato, aconteceu.
  Por ser um assunto importante, trataram de loterias os intelectuais Jorge Luís Borges e Zigmunt Bauman e até os malucos belezas Raul Seixas e Paulo Coelho
  Pelo conto de Borges, fica-se sabendo que a loteria na Babilônia era um jogo de caráter plebeu. Comprava-se dos barbeiros, em moedas de cobre, retângulos de osso ou de pergaminho adornados de símbolos. Quando dos sorteios, os contemplados recebiam os prêmios em moedas de prata.   Depois de certo tempo, essas "loterias" fracassaram. A sua virtude moral era nula. Não se dirigiam a todas as faculdades do homem: unicamente à sua esperança.
  Adveio então uma reforma: a intercalação de alguns números adversos entre os números favoráveis.  Os números de azar poderiam conduzir o apostador ao pagamento de uma multa, à prisão ou até a mutilação de algum dedo. Mediante essa reforma, os compradores expunham-se ao duplo risco de ganhar ou ser castigado, ou seja, às vicissitudes do terror e da esperança. Esse perigo despertou, como é natural, maior interesse do público.
  Dialogando com o conto de Borges, Bauman observou que a loteria é uma instituição que recicla a vida mortal, transformando-a numa sequencia interminável de novos começos. Cada novo começo pressagia outros riscos, mas num pacote que compreende novas oportunidades. Nenhum dos começos é definitivo e irrevogável. Assim a vida caminha acompanhada da incerteza e da esperança.
  O século XX foi um período em que era possível planejar e criar metas à longo prazo. Hoje, é preciso ser rápido, planejar a curto prazo, o que torna tudo inseguro e passível de mudanças. É sociedade líquida de que fala Bauman. A vida nunca é definitiva e o recomeço tem que ser feito a cada três ou quatro dias.
  Assim, vivemos de domingo a quarta, dia de megasena, e recomeçamos tudo novamente de quinta a sábado, sempre instigado pelo maluco beleza Raul Seixas, que ensinava que, “como não sabemos por inteiro, ganhar dinheiro, o que é muito fácil, não podemos parar”.
  Afinal, para nossa tranquilidade espiritual, ganhar dinheiro não é pecado. Respeitáveis estudiosos mostram que a Bíblia não condena o jogo. A Bíblia, entretanto, nos alerta para que fiquemos longe do amor ao dinheiro (I Timóteo 6:10; Hebreus 13:5). As Escrituras também nos encorajam a que fiquemos longe das tentativas de “enriquecimento fácil” (Provérbios 13:11; 23:5; Eclesiastes 5:10). Certamente o jogo gira em torno do amor ao dinheiro e inegavelmente tenta as pessoas com a promessa de riqueza fácil e rápida, mas jogar por distração é pratica aceitável para os seguidores de Deus. Espero que não haja discriminação quanto aos outros.
  Para que seja legal e moral, basta que tenhamos merecimento. Afinal, quem de nós não levou buzinada neurótica, só porque estava dentro do limite de velocidade? Quem não teve que esperar no 0800, escutando musiquinha ou marketing, enquanto ansiava pelo inatingível atendimento de uma pessoa humana atenciosa? Quem não procurou cortar caminho pelo atendimento digital e ao final este mandou ligar para o atendente inacessível? Quantos esperaram por cartões de créditos, nos últimos três meses e quando o cartão chegava, não vinha a senha, ou vice-versa? Quantos foram colocados como caloteiros, na compra de aplicativos e outros serviços digitais porque o número do cartão mudou sem que pedíssemos? Espero que esses méritos sejam computados nos critérios da premiação. Que vençam os justos e os oprimidos
  Se não é pedir muito, em 2020, espero que a Reforma Fiscal não acabe com esse único imposto justo, o imposto sobre a esperança.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro civil e professor aposentado da UFMS

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019


20 ANOS DEPOIS


  Em artigo recente relatei a elaboração do MS-2020 - Cenários e Estratégias de Longo Prazo para Mato Grosso do Sul, vinte anos atrás, durante o governo Zeca do PT.
  É natural que se indague sobre os resultados dessa iniciativa. Deu certo ou não? Quais os resultados atingidos? Vale a pena planejar o longo prazo?
  O plano anunciava que “em 2020  Mato Grosso do Sul será uma sociedade integrada, com justiça social, alicerçada numa economia competitiva em bases tecnológicas modernas e ambientalmente sustentáveis, num quadro político de governabilidade e elevada competência gerencial”. 
  Apesar de termos avançado em vários aspectos, esse não é o retrato atual de Mato Grosso do Sul. Muito distante ainda estamos do que se pretendia. Há um déficit em inclusão social, prosperidade econômica, sustentação ambiental, informação e conhecimento, governabilidade e competência gerencial.
  Nosso PIB deveria atingir U$ 46 bilhões (equivalente ao Paraná na época); um PIB per capita de U$ 11.754 (equivalente à Espanha na época); e um IDH de 0,930.
  Na realidade, em valores aproximados, atingimos um PIB de U$ 23 bilhões, a metade do pretendido; um PIB percapita de U$ 8.533, cerca de 75% do previsto e nosso IDH é de 0,729, muito aquém do que se pretendia.
  O fato é que um plano de longo prazo depende de variáveis sobre as quais não se tem controle, como o contexto internacional e nacional. Por isso mesmo, o plano é apenas um ponto de partida, o mais importante são seus ajustes racionais ao longo de sua trajetória de avaliação e gestão.
  O sucesso de um plano de longo prazo depende também, da estatura dos governantes. Um plano não consegue ser maior que seu líder (Matus). A palavra estratégia vem do grego, e significa a exatamente a “arte do general”. A agenda do governador tem, pois, que “dialogar” permanentemente com o Plano.
  O MS 2020 não produziu apenas uma agenda de projetos governamentais, mas também de ações dos agentes econômicos e sociais. Um plano não é obra do acaso, é uma construção social (Godet). Nesse sentido, o plano é uma ferramenta tecnopolítica e demanda a confiança nos líderes e continuidade nas ações.
Os sucessivos governadores, após a elaboração do plano, não cumpriram esses requisitos. A tradicional descontinuidade nos governos e as diferentes visões sobre a importância do planejamento fizeram o Plano perder centralidade. Essa é uma das razões da insuficiência de seus resultados.
  Mas de qualquer forma, a elaboração do plano representou um momento criativo. Foram feitas leituras técnicas e políticas cuidadosas da nossa realidade, que influenciaram a pauta na sociedade. Em todos os municípios do estado foram feitas oficinas com a participação de lideranças locais. Sementes foram plantadas.
  Assim, várias das iniciativas apontadas no MS 2020, foram colocadas na agenda dos sul-mato-grossenses. A transformação de Dourados em uma cidade universitária, isto se materializou; o fortalecimento econômico da Costa Leste pela vantagem locacional e incentivos fiscais está acontecendo; e o aumento da competitividade da agropecuária e do turismo da mesma forma.
  O pólo minero-siderúrgico, o pólo gás químico, a saída para o Pacifico, a ferrovia para Dourados, o fortalecimento do eixo industrial Campo Grande – Três Lagoas continuam na ordem do dia. Da mesma forma a agenda de meio ambiente, desenvolvimento social e qualidade de vida.
  Sistematizando uma resposta para as questões colocadas inicialmente, apesar da insuficiência dos resultados, valeu a pena ter feito o MS 2020. Os planos não se esgotam em si, porque constituem um importante momento de aprendizado da sociedade.
  O desafio da construção do futuro é árduo. Como disse Eduardo Galeano, a utopia está lá no horizonte, quando me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais o alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.

FAUSTO MATTO GROSSO
Ex- Secretário Estadual de Planejamento, Ciência e Tecnologia de MS


sexta-feira, 29 de novembro de 2019


20 ANOS ATRÁS



  Vinte anos atrás, nosso estado viveu um momento de ineditismo. Pela primeira vez, após a redemocratização, foi eleito um governador de esquerda no Brasil. Tratava-se de um momento de esgotamento da política tradicional que aqui vinha opondo pedrossianismo e peemedebismo. Venceu a eleição um improvável candidato, José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT, liderando uma frente eleitoral com o PT, PDT, PPS, PSB e PCdoB, que contou com o apoio de Pedrossian no segundo turno.
   Para conquistar e manter o poder, ensina a teoria política, são necessários dois predicados: a liderança intelectual e a liderança moral.  A moral tinha sido atribuída pelas urnas recém-conquistadas. Era necessário apenas alongar o seu prazo de validade. Para o desafio da construção da liderança intelectual, era necessário construir um programa político, amplamente agregador, para promover a coesão do novo bloco político formado na sociedade.
  Esse foi o papel atribuído ao Plano MS 2020 – Cenários e Estratégias de Longo Prazo para Mato Grosso do Sul.
  Cenários são fotografias, possíveis, do futuro. São obtidos por combinações de hipóteses sobre as incertezas. Servem para orientar a tomada de decisões no presente, tendo em vista um futuro desejado.
  Em 1999, foram desenhados quatro cenários possíveis para MS em 2020.   O Cenário Vôo do Tuiuiú tinha como idéia força o desenvolvimento com integração na economia global, apoiado em um projeto social-liberal; o Cenário Piracema de desenvolvimento com inclusão social como resultado de um projeto social-reformista; o Cenário Rapto do Predador, caracterizado pelo crescimento excludente, resultante de uma política liberal; e o Estouro da Boiada, caracterizado por instabilidade e crise econômica, social e ambiental, o pior dos mundos, resultado de uma descontinuidade crônica de projeto político.
  Os quatro cenários foram submetidos à análise de suporte político da sociedade. O Vôo do Tuiuiú tinha apoio majoritário dos atores sociais. O Piracema era o com segundo maior apoio. Vivíamos nacionalmente a hegemonia do PSDB de Fernando Henrique, mas aqui fora vencedora uma coligação de esquerda. Estava posto o dilema da governabilidade e da responsabilidade política. A opção foi a escolha de uma visão de futuro, construída a partir dos pontos convergência entre esses dois cenários de maior aprovação.
  Nosso horizonte utópico, ou visão de futuro foi definida como: “Em 2020  Mato Grosso do Sul será uma sociedade integrada, com justiça social, alicerçada numa economia competitiva em bases tecnológicas modernas e ambientalmente sustentáveis, num quadro político de governabilidade e elevada competência gerencial”. Assim foi definido destino a ser perseguido, afinal, como ensinava Drucker “a melhor maneira de prever o futuro é criá-lo”.
  A partir dessa visão de futuro, foram definidas as opções estratégicas, as macro-prioridades, os objetivos e estratégias. Consolidando essas orientações, foi elaborada uma Carteira de Projetos.
  Em complementação, o plano estratégico foi rebatido em oito regiões de planejamento com seus respectivos planos estratégicos regionais, submetidos ao controle de oitos Conselhos Regionais de Desenvolvimento. A elaboração do Plano MS 2020 passou por cada um dos 75 municípios existentes na época.
  No primeiro governo Zeca, o MS 2020 foi uma espécie de cartão de visitas, principalmente quando se falava para investidores, para embaixadores, para visitante ilustres e até quando se falava no exterior.  A propósito, em uma reunião com empresários em São Paulo, o ex-presidente da FIESP, Mário Amato, que havia ameaçado ir para o exterior no caso de uma eventual vitória de Lula, para surpresa geral, afirmou que se o PT fosse o governador de MS, ele o apoiaria para a presidência da República.
  Mas, nem tudo eram rosas. No interior do próprio governo o MS 2020 não era tão unânime assim. Com o fim da aliança política do primeiro governo, o Plano acabou perdendo muito do seu patrocínio.

FAUSTO MATTO GROSSO
Ex- Secretário Estadual de Planejamento, Ciência e Tecnologia de MS

  

quinta-feira, 14 de novembro de 2019


O PACOTE MAIS BRASIL
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  Depois de forte disputa política e ideológica, foi concluída a Reforma da Previdência. Na discussão desse projeto, o Congresso mostrou forte protagonismo, diante da falta de base do Governo e de visível inapetência do Presidente pela política.
  Apresenta agora o ministro Guedes, o seu Plano Mais Brasil de reformas do Estado. Compõe-se de três Projetos de Emendas Constitucionais: a do Pacto Federativo, a dos Fundos Constitucionais e a do Estado de Emergência; soma-se a isso um conjunto de projetos de lei e medidas provisórias.
  Apesar das muitas e justas ressalvas quanto às medidas é inegável que os problemas identificados pelo governo são reais e teriam que ser enfrentados por qualquer governo responsável que estivesse no seu lugar.
  Não dá para o governo continuar gastando mais do que arrecada, aumentando a dívida pública; não dá para continuar o descontrole das isenções fiscais, muitas concedidas sob a forma de privilégios inconfessáveis; não é aceitável a manutenção e a criação de novos e custosos municípios, no mais das vezes, criados por puros interesses eleitorais; é inaceitável a continuidade de orçamentos que se consomem em despesas obrigatórias, pouco ou nada deixando para investimentos no desenvolvimento para a geração de empregos; não é possível convivermos mais com estados e municípios quebrados, insolventes e sem responsabilidade fiscal.
  É louvável que o Governo tenha colocado esses temas em discussão, superando o imobilismo de tantas décadas, mas é obrigação da sociedade e das forças políticas democráticas a análise acurada das propostas. 
  O Pacote de Guedes, sem proteção aos mais pobres, provoca resistência até em liberais do Congresso. Para o presidente Rodrigo Maia, tudo leva a crer que essa iniciativa “tem cheiro de jabuti em cima de uma árvore”.
  Afinal o governo se orienta por uma visão liberal economicista, isenta de preocupações sociais, onde o povo é apenas um grande estorvo. Paulo Guedes segue mesma concepção dos anos da ditadura militar, quando se acreditava que bastava melhorar os índices econômicos para gerar mais empregos e retirar a população da pobreza.
  O exemplo recente das revoltas no Chile, de cujas reformas Guedes participou, deve nos levar uma cuidadosa reflexão sobre essas idéias.
  Diante de tudo isso, também se coloca uma questão: como as forças democráticas, entre elas a esquerda, devem se comportar diante dessas iniciativas? 
  Esta esconderá a cabeça na areia, como fazem os avestruzes, e como fizeram quando da Lei de Responsabilidade Fiscal ou irão para o tudo ou nada como fizeram na Reforma da Previdência. A esquerda cumprirá seu papel mudancista ou se transformará em ex-querda, como caracteriza o professor Cristovam Buarque? Em uma situação de grave crise econômica e social, como vivemos hoje, será inaceitável a omissão, ou a simples marcação de posição, com perspectiva eleitoral.
  Há muito convivemos na sociedade com ideologias político-sociais conservadoras e reformistas. A primeira com a sua radicalização reacionária e a segunda com sua forma extrema, revolucionária. O caminho das reformas é o caminho responsável para enfrentar os enormes problemas do País.  O exemplo da Reforma da Previdência mostra as possibilidades de melhorar as iniciativas do Governo, no Congresso, escoimando-as de formulações mais conservadoras e reacionárias.
  Importante papel deverá ser jogado pelo ex-presidente Lula, pela sua incontestável liderança e carisma. Aí poderá ser, mais uma vez, julgado perante a história. Travará a batalha democrática e reformista, ou estará mais uma vez pavimentando o caminho de Bolsonaro para 2022?

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro e professor aposentado da UFMS
14.11.2019


quinta-feira, 31 de outubro de 2019


PAIXÃO POLÍTICA E CEGUEIRA
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  Ultimamente, tenho ficado surpreso e assustado com a radicalização das pessoas. Todas são donas da sua verdade e ficam cegas à complexidade do mundo e das situações. Nesse contexto a sociedade passa a ser dominada pela lógica amigo – inimigo.
  Será que o brasileiro deixou de ser o “homem cordial” de que nos falava Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil?
  A expressão “cordial” é comumente mal interpretada. Não significa, ao contrário do que se pensa, apenas bons modos e gentileza, virtudes muito elogiadas pelos estrangeiros. Cordial vem do radical latino “cordis” isto é, relativo a coração. Ou seja, somos pessoas que, de fato, se orientam mais pela paixão do que pela razão.
  Talvez a palavra mais adequada, devesse ser sentimental e não cordial. O próprio Buarque chamava a atenção: “a inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, visto que uma e outra nascem do coração”.
  A rapidez com que o brasileiro passa do caráter amável para a hostilidade seria uma das fortes características do nosso povo. As reações de amor e o ódio têm provocado nas ruas e nas redes, atitudes que desconhecem os limites do que é civilizado. 
  Para ampliar nosso entendimento, talvez devêssemos nos socorrer, também, de Zygmunt Bauman, especialmente em “O Mal-Estar da Pós-modernidade”.  Segundo o sociólogo, vivemos com uma sensação de que algo está errado com a humanidade. O mal-estar social é resultado de algo instalado na consciência do homem atual como uma angústia, que o faz viver como um peregrino sem rumo histórico.
  Assinala ainda que a sociedade contemporânea vive um sentimento de fracasso por não alcançar a tão almejada felicidade. As utopias se desmancharam no ar, as ideologias coletivas se fragmentaram em aspirações individuais.
  As questões da nossa identidade enquanto povo, combinadas com os sinais dos novos tempos talvez expliquem os fenômenos políticos que temos assistido no Brasil.
  Nos últimos anos, especialmente após a campanha presidencial, temos convivido com uma onda de ódio e discriminação jamais vistos em nossa história. Fake news, calúnias injúrias, e todo tipo de palavrões marcaram esse período. Esse tempo está mostrando os sentimentos “cordiais” de intolerância e de falta de polidez no nosso convívio social.
  Quem seguiu as redes sociais, e os programas eleitorais se deu conta dos níveis baixíssimos de respeito mútuo e de falta de sentido democrático de convivência com as diferenças.
  Após as eleições, o clima não se desanuviou, muito pelo contrário. O pior é que o próprio presidente, e seu entorno familiar e ideológico, milita diretamente nessa radicalização.
  O reposicionamento internacional do Brasil tem sido feito de maneira desastrosa, implicando em potenciais prejuízos para a nossa economia. A questão ambiental das queimadas na Amazônia demonstrou a insensibilidade do Governo com a questão ambiental. A poluição das nossas praias mostrou um governo despreparado para lidar com crises. As reações quanto às mudanças políticas e eleitorais na América Latina tem sido desastrosas e apontam para o nosso isolamento.
  As ações políticas do governo normalmente tem se processado fora da institucionalidade, com o uso irresponsável das redes sociais, que lhe conduziram, inclusive, a um vergonhoso puxão de orelha pelo Supremo.
  Enquanto isso o país vive sobressaltado à espera do que pode vir a acontecer com a institucionalidade democrática. Essa preocupação parece se estender, também, à cúpula das Forças Armadas que aparentemente não estão seduzidas pelo entorno ideológico do presidente Jair Bolsonaro. Nesse clima, tem predominado a teoria da conspiração que tem induzido seus seguidores a posições extremadas e ingênuas.
  Hoje cada um tem a sua própria narrativa, o que lhe é de direito, mas é impossível cada um ter seu próprio fato. A paixão política tem conduzido o brasileiro à cegueira e o país à incerteza.
FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro civil, professor aposentado da UFMS


  

sexta-feira, 18 de outubro de 2019


NOBEL DA PAZ BEM ESCOLHIDO
  O primeiro-ministro da Etiópia Abiy Ahmed Ali agraciado com o Nobel da Paz vencendo a disputa com 301 candidatos sendo 223 personalidades e 78 organizações.
  A lista completa dos candidatos é reservada, por 50 anos, mas entre as personalidades indicadas estavam a jovem ativista ambiental Greta Thunberg e dois brasileiros, o Cacique Raoni e o ex-presidente Lula.
  Desde 1901, o Nobel da Paz tem sido atribuído, segundo o critério deixado no testamento do seu idealizador, às pessoas que "fizeram o melhor ou o melhor trabalho pela fraternidade entre as nações, pela abolição ou redução de exércitos permanentes e pela realização e promoção de congressos de paz”.
  Atualmente se entende como Paz, não apenas a ausência da guerra, mas a existência de sociedades pacíficas e inclusivas (ODS-ONU). Desta forma, o prêmio tem sido atribuído também para ativistas, personalidades e instituições que se empenham pelos direitos humanos, contra a pobreza, pela defesa do meio ambiente, entre outros. Devido à sua natureza política, o Prêmio Nobel da Paz, tem sido sempre objeto de inúmeras controvérsias.
  A Etiópia, país do último premiado compõe com a Eritreia, o Djibuti e a Somália a região chamada de Chifre da África, que margeia o Mar Vermelho pelo lado oeste.  É, portanto, uma região estratégica por conta das rotas do petróleo e, por muitos anos, foi disputada por americanos e soviéticos, sendo palco de inúmeros conflitos armados locais.
  A Etiópia de Abiy Ahmed é um dos sítios mais antigos da existência humana, sendo considerando, por cientistas, o lugar em que o Homo Sapiens se originou. Foi reino da Rainha de Sabá que, segundo passagens bíblicas, foi seduzida e engravidada pelo rei Salomão, iniciando assim a linhagem dos seus imperadores até Haile Selassie  que reinou até 1974.
  Tem uma tradição de independência. Quando o continente africano foi dividido entre as potências europeias na Conferência de Berlim (1885), a Etiópia foi um dos três países africanos que mantiveram sua independência. A nação foi membro da Liga das Nações após a Primeira Guerra, e após um breve período de ocupação italiana, tornou-se membro das Nações Unidas, após a Segunda Guerra.
  Conhecida no Ocidente como Abissínia, com a separação da província da Eritréia, a Etiópia virou um país interior, sem saída para o mar, uma das razões da guerra entre os dois países.
  É nesse contexto que surge o líder Abiy Ahmed Ali. Engenheiro de computação por formação, ingressou ainda jovem no grupo armado que forçou a queda do ditador Mengistu, que havia derrubado o Imperador Haile Selassie em 1974.  Posteriormente, entrou no Exército, onde realizou tarefas de comunicação e inteligência cibernética.
  Abiy Ahmed Ali, em abril de 2018 foi eleito primeiro-ministro da Etiópia, tendo se dedicado, desde então, à efetivação de um acordo de paz com a Eritreia, encerrando uma guerra de duas décadas. Notabilizou-se, também pela mediação no processo de transição no Sudão, que levou este ano a um acordo entre civis e militares.
  Considerado um líder carismático e reformista, iniciou uma verdadeira revolução democrática em seu país. Concedeu anistia a dissidentes políticos, libertou jornalistas encarcerados, nomeou mulheres para 50% dos cargos de seu gabinete e encabeçou a campanha para o plantio de 350 milhões de árvores na Etiópia. Apoiou para a presidência do país Sahle-Work Zewde, a única mulher chefa de Estado na África.
   A premiação de líder etíope é um forte incentivo para a pacificação dessa região da África.
  A jovem ativista ambiental Greta Thunberg, com seus 16 anos, tem tempo para esperar. O Cacique Raoni, prestes a completar 90 anos, já teve a sua nova candidatura lançada para 2020, pela Fundação Darcy Ribeiro.          
  Quanto ao ex-presidente Lula, com inegáveis méritos relativos à inclusão social durante seu governo, não conseguiu repetir Mandela, prisioneiro político que emocionou o mundo.
FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil, professor aposentado da UFMS

terça-feira, 8 de outubro de 2019

TRABALHO, RENDA E FUTURO
  Há hoje no mundo, uma intensa controvérsia a respeito dos impactos das novas tecnologias, na vida social. Uma das mais preocupantes é sobre como será afetado o mundo do trabalho.
  Há aqueles que defendem que para cada posto de trabalho extinto, surgirão outras novas oportunidades.
  Outros imaginam que as novas tecnologias de informação e os robôs criarão um explosivo mundo de humanos descartáveis. Além desse desemprego estrutural, haverá estagnação da demanda e agravamento das crises sociais no mundo inteiro.      Todos os grandes saltos tecnológicos, da revolução agrícola até a revolução tecno-científica do século passado, impuseram perdas para muitos e redefiniram ganhadores e perdedores. Mas a humanidade acabou fazendo as transições.
  Será que a mesma lógica prevalecerá para o nosso futuro próximo? A que preço? Eis a grande questão.
  Por conta disso, urge pensar a sociedade pós-trabalho, a economia pós-trabalho e a política pós-trabalho. No mínimo por precaução.
  Isso não é fácil, pois a lógica que preside nosso tempo é a lógica do trabalho. A Reforma Protestante reconceituou o trabalho indicando-o como um dever para que se possa merecer a graça divina. Também David Ricardo com sua teoria do valor-trabalho apontou que a criação de qualquer valor só poderia vir do trabalho humano, conceito esse apropriado também pelo pensamento marxista.
  Trabalhar significava dar sentido à vida, e passou a ser considerada a fonte de dignidade humana. Tudo isso agora está em xeque, quando caminhamos para uma sociedade sem trabalho, onde a inteligência artificial e os robôs trabalharão desempregando as pessoas. Mudar essa maneira de pensar significa uma verdadeira revolução que provavelmente será disputada por diferentes visões de mundo
           O próprio baronato do Vale do Silício, que vive próximo do futuro, começa a articular alternativas para esse cenário devastador. O bilionário Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, em recente discurso de formatura em Harvard, se manifestou “Chegou a hora de nossa geração definir um novo contrato social”. Apontou também que os Estados devem garantir uma renda mínima a seus cidadãos, para que eles deem conta de despesas básicas como alimentação, moradia, saúde e requalificação profissional permanente.
  Isso mesmo, proposta semelhante àquela do projeto do ex-Senador Suplicy, sua razão de vida, transformado em lei em 2004 e que nunca foi regulamentado.
  Mas Zuckerberg não é doido, nem está sozinho. Ele faz parte de um grupo de lideranças do Vale do Silício que, por estarem muito próximos da fronteira do futuro, estão preocupados em encontrar saída, no mesmo sentido.
  Países como Holanda, Finlândia, Canadá e Quênia (este, com ajuda de recursos do Vale do Silício) têm projetos em fase inicial de adoção. Cidades da Escócia e da Espanha discutem a ideia. Mas ainda há um longo caminho pela frente até que iniciativas do gênero sejam adotadas em larga escala.
  Enquanto isso, a esquerda, que se julga a maior responsável pelos interesses dos trabalhadores, no dizer de Tessa Morris (New Left Review), tem fracassado em aplicar análises mais profundas quanto às transformações econômicas implícitas na economia do conhecimento. Ainda estão perplexas sem saber onde foi parar a mais valia, no geral, pensando o mundo atual com o ferramental que Marx usou para entender o capitalismo do Século 19.
  São necessárias perspectivas novas e críticas sobre as profundas mudanças econômicas pelas quais estamos vivendo – mesmo que isso envolva um risco real de “heresia" ou ao fuzilamento por “revisionismo”
   Há que se disputar o futuro, para não deixar as iniciativas para os neoconservadores que vendem a idéia de que a revolução digital trará um mundo perfeito, com final feliz para todos.      
   
FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil e professor aposentado da UFMS

quinta-feira, 19 de setembro de 2019


NACIONALISMO, CLIMA E FUTURO

           A propósito do clima atual, que está incendiando o país, veio à minha lembrança “Não verás país nenhum”, livro escrito por Ignácio de Loyola Brandão, lá pelos idos dos anos 1980.  O pano de fundo da narrativa era a ameaça nuclear. A obra, uma anti-utopia, descrevia o que poderia vir a ser a vida em um futuro distante.
  Apesar de toda a descrição assustadora, o que mais me ficou na memória foram pessoas fugindo do forte sol que aniquilava qualquer vida que fosse atingida. Todos tinham que se abrigar, em pé, debaixo de imensas Marquises Monumentais, construídas pelo Ministério de Obras Faraônicas Populares. Controlando tudo havia o “Esquema”. Apenas uns poucos subversivos cultivavam sementes sobreviventes em subterrâneos.
  Essas descrições, mutatis mutandis, poderiam servir para retratar nosso planeta queimando com as mudanças climáticas. Já a sentimos na Amazônia virando fumaça, na Groenlândia derretendo e nas Bahamas atingida por tempestades devastadoras, cada vez mais frequentes.
  Cada vez mais, sugamos recursos do meio ambiente, devolvendo-lhe lixo e veneno, o que tem mudado a composição da atmosfera, do solo e da água.
  É certo que o homo sapiens existe a centenas de milhares de anos e sobreviveu a inúmeras idades do gelo e ondas de calor. Resistirá a essa? Mesmo que a civilização se adapte, quantas vítimas perecerão?
  Para muitos, esses fenômenos parecem distantes, mas não o são. As mudanças climáticas já são uma realidade para a população mundial e as evidências já fazem parte do dia-a-dia do brasileiro.
  Erupções vulcânicas no Peru já fecharam aeroportos no Centro-Oeste. Os incêndios da Amazônia encobrem o céu em São Paulo. O fogo nos países africanos também já poluem cidades brasileiras. É impossível saber se o oxigênio que respiramos é nacional ou importado.
  O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas - organismo científico nacional - em relatório recente, apontou como serão afetados alguns aspectos importantes da vida cotidiana dos brasileiros. A quantidade e a qualidade de agua potável estarão em xeque; a produção de energia correrá risco; as edificações sofrerão graves danos por deslizamento de encostas e inundações; acenderá um alerta vermelho para o sistema de saúde, pois alterações do meio ambiente e os eventos climáticos também causam impactos negativos sobre a saúde das pessoas. Apontou também que a parceria é chave para enfrentar os problemas, eis aí uma questão chave.
  Onde se encaixa o nacionalismo?  Conforme chama a atenção Yuval Harari, nenhuma nação, mesmo poderosa, será capaz de fazer parar o aquecimento global. Para que medidas sejam eficazes tem que ser adotadas em nível global. Quando se trata de clima, os países simplesmente não são soberanos.
  A reação dos europeus ao aumento das queimadas na Amazônia foi mal recebida pelo governo brasileiro. Embora existam muitos interesses inconfessáveis, a proteção do bioma amazônico é do interesse do Brasil, mas é um interesse coincidente com o dos demais países do planeta. O que serve para a Europa, neste caso, serve também para o Brasil. Precisaríamos dar o exemplo da responsabilidade ambiental.
  Em recente artigo “Chega de gols contra” Fernando Henrique Cardoso apontou que em lugar de reagir toscamente, negando dados empíricos e insultando cientistas e chefes de Estado de outros países, deveríamos ter reagido prontamente para combater as queimadas e mostrar, na prática, o compromisso soberano do Brasil com a proteção do meio ambiente. Afirma ainda que patriotismo não se mede por bravatas nacionalistas, sobretudo com insultos.
  Daqui para frente, nossa preocupação não deve ser apenas cuidar melhor do meio ambiente, mas também das nossas escolhas políticas.
FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro civil, professor aposentado da UFMS


quinta-feira, 5 de setembro de 2019


DEUSES E FOGO NA FLORESTA


  A natureza e as florestas sempre foram protegidas pelos deuses. Na mitologia grega tínhamos Pã, deus dos bosques e dos campos. Metade homem, metade bode, era filho de Zeus com sua ama de leite, a cabra Amalteia. Vivia flanando pelos bosques tocando flauta e dançando com sedutoras ninfas. 
  Já os etruscos tinham Flora. Os sumérios, Inana, Os romanos, Sivano e Fauno. Os gauleses, Cerridwen e os celtas a deusa Jhanna.  Também os encontramos na mitologia egípcia, hindu e maia. A Amazônia está mesmo precisando da proteção dos deuses. Que não nos faltem a proteção de Iara e Jaci, nossas deusas tupi guaranis.
  Meio ambiente e desenvolvimento sustentável têm se tornado assuntos de todos. As expressões caíram na boca do povo. Existem duas possibilidades. Ou viraram um chavão, destituído de significado real, ou representa um conceito que realmente se tornou o zeitgeist – o “espírito dos tempos”, termo criado por filósofos alemães – da nossa era.
  Essa última hipótese parece ser a mais verdadeira. O meio ambiente se tornou um dos problemas globais mais candentes e se tornou um desafio da civilização. Meio ambiente e desenvolvimento tem que caminhar juntos.
  O termo desenvolvimento sustentável foi definido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, da Organização das Nações Unidas, em 1987. Desenvolvimento sustentável é aquele que “satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Ou seja, não é apenas a questão da nossa qualidade de vida, mas sim a dos nossos descendentes, portando é também, um desafio ético.
  A questão não pode ser entendida como um problema que possamos resolver dentro das nossas fronteiras e sim exige grandes articulações civilizatórias, com acordos e entendimentos amplos, pactuados em grandes fóruns globais, com os quais devemos ter compromissos, embora nosso governo esteja sendo relutante quanto a eles.
  Dentro deste contexto surgem os incêndios na Amazônia. É certo que existem muitas falsas verdades e muitos mitos nessa discussão. É falsa, por exemplo, a idéia de que a Amazônia seja pulmão do mundo. Igualmente é mito que os defensores do meio ambiente são pessoas radicais, fanáticas, poetas, inocentes-úteis que se mantêm alienadas da realidade, sonhadores com um paraíso inexistente. Esses preconceitos nos cegam e tiram nossa racionalidade.
  A inteligência nos remete a filtrar as narrativas, com a ajuda da ciência, que infelizmente anda tão maltratada ultimamente. Mas ela é nossa única ferramenta na busca da verdade.
  Segundo Fernando Henrique Cardoso, precisamos de bom senso e racionalidade, virtudes que ele considera difíceis num país polarizado. Patriotismo não se mede por bravatas nacionalistas, sobretudo quando insultuosas. A proteção do bioma amazônico é, acima de tudo, do interesse do Brasil, um interesse coincidente com o dos demais países que compartilham esse bioma e também com o do planeta.
  Nestes dias da crise das queimadas, a questão não pode ser tratada como tema ideológico. Tem ficado claro que o presidente não tem a maioria da opinião pública ao seu favor, fato comprovados pelas recentes pesquisas do Datafolha e da Consultoria XP. Segundo esta última, as pessoas acham que os principais responsáveis são fazendeiros e posseiros (39%), que a atuação do governo tem sido ruim e péssima (49%), que o país deve aceitar a ajuda do G7 (70%), mesmo que esse tenha como motivação os interesses políticos e econômicos (62%).
  O Brasil precisa, pois, de políticas ambientais ditadas pelo equilíbrio, como tem demandado a população. Que os deuses da floresta nos protejam. Apelemos para a mitologia indígena. Que o Curupira e a Caipora protejam o ambiente de seus predadores humanos, ludibriando-os para que se percam na floresta, espantando suas presas, batendo nos cães de caça e desorientando os caçadores com toda sorte de ruídos.
Fausto Matto Grosso
Engenheiro Civil e professor aposentado da UFMS

sexta-feira, 23 de agosto de 2019


QUEM ESTÁ CUIDANDO DISSO?

  O mundo está envolvido em um processo alucinante de mudanças, que na vida cotidiana, muitas vezes não conseguimos acompanhar, diz Klaus Schwab, fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial.
  De fato, se o século passado foi marcado pela velocidade das mudanças, hoje vemos a aceleração destas. O que parece coisa distante, de repente, já se encontra entre nós: engenharia genética, veículos não tripulados, impressoras 3D, nanotecnologia, biotecnologia, internet das coisas, robótica e inteligência artificial.
  Vivemos a Quarta Revolução Industrial, com a fusão dos domínios físicos, digitais e biológicos, impulsionado pela biotecnologia e pela inteligência artificial. Isso começa a abrir, para o homem, a possibilidade da imortalidade, da felicidade e da divindade, ou seja, sua transformação em Homo Deus, nas palavras do israelense Yuval Harari, com três livros entre os cinco mais vendidos da Veja.
  Na perspectiva da história da humanidade, nunca houve um momento tão potencialmente promissor e ao mesmo tempo tão perigoso. Diante disso tudo, não há como pensar nossa vida pessoal e profissional, o desenvolvimento do país e das nossas cidades, sem olhar para os problemas de hoje, com o olhar prospectivo das grandes ameaças e possibilidades.
  As mudanças climáticas, em escala global, nos atingem em todos os lugares do mundo. As queimadas em nossa região produzem efeitos danosos em várias outros lugares do país. O mundo olha nossa Amazônia como maior reserva de biodiversidade do planeta. Estão aí as chuvas cada vez mais volumosas e frequentes, danificando nossas infraestruturas urbanas. O aumento da temperatura global deverá repaginar a produção agrícola dos países e regiões. A própria pecuária poderá ser ameaçada pela questão ambiental.
  A questão energética vai impulsionando mudanças na direção de energias limpas e sustentáveis, como a solar, a dos ventos e do aproveitamento das ondas do mar. Os meios de transportes correm hoje, na direção da sustentabilidade. Trens, de baixo consumo, começam a recarregar suas baterias a partir do próprio movimento.
  No mundo do trabalho vive-se a perspectiva de tornar as pessoas descartáveis e irrelevantes. Os robôs vão substituindo as pessoas com grande economia. O que faremos com elas? Vivemos um desemprego enorme no Brasil, com crescente “precarização” do trabalho, sob o impulso da intensa uberização das atividades humanas. Como me disse um amigo: hoje, se abrirem vagas para escravos, remunerados por comida e moradia, as filas serão enormes.
  Retomado o crescimento econômico, não garante que os mesmos trabalhadores retornarão aos seus empregos. Nesta semana foi publicado relatório do SINE indicando que das 481.485 vagas ofertadas até maio, apenas 37% delas foram ocupadas.
  Nossas cidades vivem um verdadeiro “apagão da mobilidade”, com seu trânsito caótico e engarrafamentos crônicos. Várias respostas a esse problema já são visíveis em outras paragens, tanto no transporte de massas como no transporte individual.
  Estão vindo aí, com muita rapidez, os carros e ônibus sem motoristas, movidos por combustíveis renováveis. Daqui a pouco tempo conviveremos com os veículos aéreos, sem piloto. A própria questão do transporte individual está em xeque.
  Daqui a pouco tempo os edifícios não precisarão mais de garagens, pois veremos a completa uberização do transporte. Ou então as vagas serão mínimas, apenas suficientes para os carros compartilhados do condomínio. A separação tradicional entre local de trabalho e de moradia, perderá muito o sentido. Os edifícios precisarão sim, ter locais de coworking e heliportos. Será que os códigos de obras serão permeáveis a essa mudanças?
  Tais questões são de alta indagação que terão que ser resolvidas. Quem, na sociedade e nos governos está cuidando disso?
  Esse é o desafio das lideranças, que devem buscar ter o olhar da águia e não das galinhas e patos dos quintais.
FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro civil, professor aposentado da UFMS


segunda-feira, 12 de agosto de 2019


O mandato do Presidente Bolsonaro vai até 31 de dezembro de 2022. Por mais que muitos o odeiem, ninguém poderá tirá-lo do poder a não ser ele mesmo, por seus atos ou omissões. Por que então, veladamente, tantos se perguntam, até quando ele se aguenta?
  Um governo tem que, entre acerto e erros, apresentar sempre um balanço minimamente positivo.
   O economista chileno Carlos Matus, em seu clássico “Estratégias políticas”, indicava que o balanço geral de governo, deve ter três componentes fundamentais – a macroeconômica, a política e a da solução dos problemas sentidos pela população.
  Na esfera macroeconômica o governo não apresenta resultados satisfatórios.  A previsão da taxa de crescimento do PIB para 2019 chegou a 0,81%, após 20 reduções consecutivas. A inflação deve chegar a 3,89% este ano, o menor desde maio de 2006, revelando uma grande redução do consumo das famílias.
  A taxa básica de juros deve encerrar o ano em 5,50%, com viés de alta para os próximos dois anos.
  A cotação do dólar saltou para 4,10 reais, acumulando a maior alta semanal desde agosto do ano passado. Quando o dólar sobe, facilita a vida dos nossos exportadores e também poderia atrair mais investimento estrangeiro. Mas a política externa do Presidente Bolsonaro, de total alinhamento com os EUA, cria problemas para o País, especialmente em relação à China, nosso maior mercado comprador e com grande potencial de investimento.
  Diante desse quadro macro-econômico, o próprio presidente do Banco Central afirmou que sua única certeza, é de que o crescimento econômico do Brasil será muito baixo, acompanhando também todas as economias do planeta. É por essa razão que as expectativas dos analistas de mercado e investidores, com relação ao desempenho da economia brasileira, mesmo com uma alvissareira aprovação da reforma da Previdência, são pessimistas ou moderadas.
  No aspecto político Bolsonaro também não se sai bem. Eleito em um partido de ocasião, não consegui, até agora formar base estável no Congresso Nacional. Isso o tem levado a perder protagonismo político, inclusive no caso do seu principal projeto estratégico que é o da Reforma da Previdência. Todo o mérito é atribuído à Câmara Federal e ao seu presidente Rodrigo Maia. Na relação com o Judiciário, colhe sucessivas derrotas, como por exemplo, quanto à reedição de medidas provisórias derrotadas.
  Na política interna do Governo predomina o conflito com as áreas técnicas, interferindo de maneira ditatorial e imprudente. Sua solução para esses conflitos é a pressão, a desqualificação, a destituição e a substituição por gente alinhada ao seu viés ideológico.
  Na relação política com a sociedade o estilo Bolsonaro é baseado no conflito permanente.  Voluntarista, desconstrói perigosamente a sua base eleitoral. É bom lembrar que a sua surpreendente votação foi circunstancial, pois pelos menos um terço dos seus votos foi dado contra o candidato do PT.
  Por fim, vai mal, também, na solução dos problemas que afetam a população. A mais recente pesquisa de opinião, contratada pela Confederação Nacional da Indústria, aponta que os principais problemas sentidos pela população são: desemprego (56%), corrupção (55%), saúde (47%) e segurança pública (38%).
   A falta de resultados positivos nessas áreas de interesse público é medida pelas últimas pesquisas de opinião que mostram que o Presidente está mal. Tem menos apoio, nesse primeiro semestre, do que seus antecessores Collor, Sarney, Fernando Henrique, Lula e Dilma em idênticos períodos. Atualmente, suas ações polêmicas visam garantir o apoio do terço dos seus eleitores incondicionais. Mais até para isso tem que mostrar resultados.
  A sobrevivência de Bolsonaro está em suas mãos. Infelizmente não elegemos um estadista, mas um boquirroto despreparado para o cargo. Mas, enfim, o Brasil sobreviverá, mesmo pagando um alto preço. Quanto ao Presidente, essa é a grande dúvida. Quousque tandem?
Fausto Matto Grosso
Engenheiro civil, professor aposentado da UFMS