A EXQUERDA E A SUA SINA
O
Professor Cristóvam Buarque é um frasista emérito. A primeira vez que vi a
palavra exquerda foi em um artigo seu de 2016. A palavra voltou a minha mente
na recente entrevista de Lula na comparação entre Ângela Merkel e Daniel Ortega.
Porque uma pode ficar 16 anos no poder e o outro não pode? Como pudemos
envelhecer a esse ponto, como nos afastamos tanto das causas democráticas!
O
alinhamento de certa esquerda latino americana, melhor dizendo exquerda é o
pior possível: Maduro, Cuba, Daniel Ortega e Xi Jinping. Este detém controle
sobre as três esferas de poder mais elevadas do país: Partido Comunista da
China, Conselho de Estado da República Popular da China e o Exército de
Libertação Popular. Para justificar cada caso temos uma narrativa negacionista.
Apoio a ditaduras revela uma esquerda anacrônica, afirma historiador Alberto
Aggio, que diz que Lula tem papel ambíguo entre a ideia da revolução e a socialdemocracia.
Essa
situação me lembra das denúncias de Kruschov sobre os crimes do stalinismo em
1956. Durante muitos anos, o relatório esteve escondido pelas burocracias dos
partidos comunistas, inclusive do PCB. Isso atrasou o processo de nossa
renovação política. Só em 1958, através da Declaração de Março, pudemos retomar
o compromisso do socialismo pela via democrática.
O
mundo vive hoje uma grande crise. Por trás da nova realidade, uma modificação
profunda na civilização: a Revolução Científica e Tecnológica, que está
enterrando as instituições nascidas da Revolução Industrial, entre elas, os
partidos tradicionais de esquerda.
Essa nova era da
civilização, baseada nas tecnologias de informação e comunicação, as TICs,
surge impactando todas as esferas da vida em sociedade. O mundo se globaliza. As coisas, que pareciam sólidas, se
desmancham no ar. Surgem novos valores, novas práticas e novas regras que
demandam novas instituições.
A polarização entre esquerda
e direita continuará válida enquanto houver desigualdades e o fundamentalismo
liberal. Essa polarização não é mais
suficiente para dar conta do mundo mais complexo. Novas questões se colocam e a
política pensada de maneira unidimensional torna-se insuficiente. Há uma
demanda por uma visão pluridimensional, considerando outras polarizações, para
responder à complexidade crescente.
Nenhum dos grandes problemas
contemporâneos pode ser resolvido sem ampla cooperação internacional. Isso está
claro na questão ambiental, mas também é válido para o comércio, a circulação
de pessoas, os fluxos financeiros, a articulação do conhecimento, o combate ao
crime organizado, o clima e as doenças. Nessa questão, há uma clara disjuntiva
que opõe nacionalistas, xenófobos e a esquerda globalista, herdeira das
melhores tradições internacionalistas.
A questão ambiental
contrapõe negacionistas e sustentabilistas estes últimos não aceitam ações
predatórias dos homens, responsáveis pela destruição do planeta. Quanto à
organização da vida política, há clara contradição entre democratas e
autoritários.
Uma organização partidária
que se pretenda progressista, no mundo atual, tem de ter flexibilidade
organizativa e conjugar os valores da equidade, da democracia, da
sustentabilidade, do conhecimento científico e do globalismo. Só assim a
política poderá se libertar do sectarismo e da simplificação. E sobreviver.
Um mundo novo pede passagem.
Ou a esquerda se conecta, ou não terá futuro.
FAUSTO MATTO GROSSO,
Professor aposentado da UFMS,
Membro do Grupo Conjuntura