domingo, 30 de dezembro de 2018


O ANO DE OGUM

  
Pelo candomblé, 2019 será regido por Ogum, nosso São Jorge, o santo guerreiro. Filho de Iemanjá, dono do ferro e da espada, é representado por Marte, o planeta vermelho. É o prenúncio de dias muito intensos com grandes obstáculos a serem enfrentados, com muitas decisões difíceis e inadiáveis.
  Na política, 2019 sinaliza um ano de muitas esperanças e muitos medos.
  Credenciado nas urnas democráticas por 39% do eleitorado, Bolsonaro e equipe começa o governo visto por 75% dos brasileiros como 'no caminho certo', segundo recente pesquisa Ibope. Nosso povo, reconhecidamente, tem sobrenome de esperança, e torce para que tudo dê certo.
  Por outro lado, o discurso agressivo, conservador, xenófobo, alinhado a Trump, socialmente insensível, incentivador da intolerância, causa grande receio e medo a outros muitos brasileiros. Estes terão o desafio de organizar a oposição. 
  Não será fácil Bolsonaro atender as expectativas da população, é muito grave a situação econômica do País. O orçamento para 2019 prevê um déficit fiscal de 139 bilhões de reais, medida da distância entre o que precisaríamos gastar e o que conseguiremos arrecadar. Esse é o tamanho do rombo no cheque especial dos brasileiros.
  O Congresso também deixou para o futuro presidente, algumas bombas fiscais.  É o caso da concessão do reajuste do funcionalismo, da revisão salarial do Judiciário e da manutenção dos incentivos à indústria automobilística.  A equipe econômica terá ainda de respeitar o teto de gastos e a regra de ouro (proibição de tomar empréstimos para cobrir despesas de custeio).
  Entre outros, talvez o problema mais aflitivo seja o desemprego, cuja taxa está próxima de 12% da força de trabalho, levando ao desespero milhões de famílias.
  Mas, o eleitorado do novo presidente vai ter pressa e Bolsonaro despertou expectativas que não tem condições de atender. É normal o povo querer ver tudo resolvido, ao mesmo tempo e agora. Isso não é possível acontecer. As prioridades da população nem sempre baterão com as prioridades da administração, essa tendo que se virar com restrições orçamentárias, óbices legais, viabilidade política entre outras. É provável que caiam a ficha de muita gente e a boa vontade com o novo governo.
  Já se disse, 2019 será o ano da oposição.
  Para a oposição achar seu caminho é necessário, primeiramente, assumir a sua derrota.  Centro, centro esquerda e a esquerda foram esmagados em eleição democrática. Há que se respeitar a vontade do povo e trabalhar com paciência histórica e modéstia.
  No horizonte já despontam três oposições ao governo Bolsonaro.
  A primeira uma frente de “resistência”, tendo como adversário o moinho de vento do fascismo, articulada por um isolado Partido dos Trabalhadores. Nesta ainda predomina o vitimismo e a narrativa da perseguição. Se não se cuidar, vai para o isolamento.
  Também, uma frente de esquerda que está sendo articulada em torno da liderança de Ciro Gomes (PDT, PSB e PCdoB), aglutinada pela visão do nacional-desenvolvimentismo herdada do PT. Terá que se abrir para o centro político se quiser ter futuro.
  E, por último, uma frente democrática, de maior amplitude política, com estratégia mais aglutinadora, disposta ao diálogo, inclusive com os futuros descontentes, eleitores que votaram em Bolsonaro, de boa fé, e logo se frustrarão. Assim foi a frente democrática que derrotou politicamente a ditadura.
  Para essa o desafio, como assinala o Prof. Marco Aurélio Nogueira (UNESP) é necessário o abandono de dogmas e roteiros já experimentados e que, de olho no século 21, articule iniciativas que sejam claramente democráticas, abertas, laicas, flexíveis, com capacidade de expansão e de negociação, que reverberem no Parlamento e nos ambientes da sociedade civil, compondo o que há de vida ativa no Brasil.
  Salve Ogum! Feliz 2019 aos brasileiros.

FAUSTO MATTO GROSSO,
Engenheiro e professor aposentado da UFMS.

sábado, 15 de dezembro de 2018


A TRÊS COLUNAS DO FUTURO GOVERNO
  No primeiro dia do mandato, o governante aperta o botão e a máquina não funciona. Não é para desesperarmo-nos, pode ser que ele consiga seu intento antes de terminar o mandato. O tempo é um recurso escasso que começará a ser gasto no dia da posse. A ampulheta é fria e insensível.
  Conseguirá bons resultados o governante que trouxer na bagagem um bom plano de governo, conseguir construir governabilidade e montar uma boa equipe com capacidade tecnopolítica. Essas três colunas são interdependentes. Falhando uma delas acabam sendo afetadas as outras.
  Vejamos a situação do próximo governo federal, quanto aos três requisitos.
  O programa do próximo Presidente, se existe, é pouco claro. Foi construído durante a campanha, acessando grande diversidade de demandas de um eleitorado com raiva e “mal estar” diante da política tradicional. Os eleitores sabiam o que não queriam, mas não tinham muita ideia do que fazer. O capitão ganhou esses eleitores pela emoção, repetindo dogmas ultrapassados a acenando com fantasmas.
  Hoje, o programa parece ser uma colcha de retalhos, com cada pedaço terceirizado para uma pessoa “competente”, o que confirma a falta de clareza do que fazer. Um programa retrô, que não aponta para o futuro, e o que é um programa de governo senão um caminho para onde ir.
  O programa que estiver na cabeça do Presidente é muito importante, afinal nenhum governo pode ser melhor do que seu governante. A qualidade do líder é um teto para a eficácia de governo.
  O segundo fator, a governabilidade, é vital para as realizações do governo. Em termos gerais é a expressão do grau de controle que o presidente tem sobre os recursos políticos. Indica a maior ou menor capacidade política para tomar iniciativas e sustenta-las. Ela tem que existir tanto na sociedade, como no Congresso Nacional.
  A grande votação de Bolsonaro – 39% do eleitorado – é praticamente igual à de Dilma em 2014.  Depurada dos votos úteis contra o PT, o apoio na sociedade deve ser algo entorno de 20% na sociedade. Expressa uma boa base política como ponto de partida. Para mantê-la e amplia-la, precisa, entretanto, resultados rápidos. O povo tem pressa e vai querer todos os resultados prometidos, de imediato. Diante da grande crise fiscal do País esse desafio torna-se muito difícil.
  No Congresso, o novo Presidente, tenta montar sua base em negociações com as grandes bancadas temáticas, especialmente agronegócios, evangélica e da segurança. Diz não estar havendo negociação com os partidos políticos. A grande maioria dos analistas, entretanto, sinaliza que esse arranjo heterodoxo não deve dar certo. As regras de funcionamento do Congresso são assentadas nos partidos políticos, na Mesa Diretora, nas lideranças, nas comissões e nas bancadas partidárias.
  Parece haver problemas de governabilidade na sua própria equipe de governo. Há superposição de atribuições, principalmente na articulação política e na coordenação de governo. A equipe nasceu fracionada entre o grupo liberal, o evangélico, o militar, o ideológico e o familiar, embora esse sem cargos no governo. O vice-presidente tem expressado sua frustração com relação às funções de coordenação geral de governo que pretendia exercer. O Presidente poderá também ter dificuldades em conciliar a agenda liberal com a agenda nacionalista.
  Por último, mas não menos importante, o pilar da capacidade de governo. Fez bem o Presidente em aproveitar alguns técnicos competentes do governo Temer. A maioria dos outros, ministros e técnicos novos, necessitará do tempo próprio de aprendizado. Mesmo aqueles provenientes do mercado, terão que aprender que a atividade de governo não é uma função simplesmente ideológica ou técnica, é tecnopolítica. Como se darão, por exemplo, os quadros militares com a necessária componente política do jogo governamental?
  O povo vai querer resultados. Boa sorte ao Senhor Presidente.
FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro e professor aposentado da UFMS
13.12.2018

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018


UM FALSO TSUNAMI
  Antes da eleição de Bolsonaro, a imensa maioria dos analistas e das lideranças políticas apontava que o capitão era um candidato inviável. Poderia até ir ao segundo turno, mas seria derrotado ao final. Quem de nós não se enganou, também.
  O resultado eleitoral, nos primeiros momentos, parecia um tsunami. Algo inesperado, que surgia de surpresa, destruindo tudo pela frente. Mas, era um falso tsunami. Suas premissas já estavam sendo construídas há tempo. Era só olhar para a Europa, para a eleição de Trump, assim como para as jornadas de junho de 2013. A globalização fundia todos esses fatos.
  Na Grécia, o Syriza, um partido socialista, para as eleições de 2019, está 20% atrás do ultradireitista Nova Democracia. Para o Parlamento italiano, o Partido Democrático (ex-PCI), encontra-se atropelado fortemente pelo partido direitista 5 Estrelas para a disputa de 2019. Na França assistimos o último exemplo da implosão dos partidos tradicionais, com o novo La République en Marche, que hoje domina o Parlamento e tem Macron, a ocupar o Champs-Élysée. Ao mesmo tempo ressalta-se o nítido crescimento  do Frente Nacional, de Marine Le Pen, atualmente em segundo lugar.
  Em 2017 aconteceram, na Europa,  eleições presidenciais chaves, nas quais os partidos de extrema direita, embora derrotados, tiveram grande crescimento e ameaçam o futuro. Na Alemanha, o partido Alternativa para Alemanha se tornou a terceira maior força política no parlamento alemão. E, na Holanda, o Partido para a Liberdade ficou em segundo lugar no pleito. Polônia e Hungria são países cujos governos são considerados ultradireitistas;
  Resta a exceção de Portugal governado desde fins de 2015 por uma coalizão política de esquerda, liderada, do Partido Socialista. Tão deslocada do panorama europeu que é conhecida como “a geringonça”. Essa articulação é citada como modelo por muitos líderes do PT, entre eles Tarso Genro, que tentam articular aqui uma frente de esquerda.
  Seria viável, uma solução à la portuguesa, aqui no Brasil?  Segundo Theófilo Rodrigues (UFRJ) o Bloco de esquerda em Portugal tem 53% da Assembleia da Republica, no Brasil, tem pouco mais de 23% da Câmara dos Deputados. Falta muito para isso.
  Parodiando Paulinho da Viola, as coisas estão no mundo globalizado, só que é preciso aprender.
  Outra questão importante para compreender a vitória de Bolsonaro, é perceber as mudanças provocadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação. O eleitor é outro e a política tradicional não entendeu isso. Bolsonaro parece que sim.
  Vivemos outro momento, com outros cidadãos e com outros eleitores. Hoje convivemos com a cidadania líquida, que não tem passado, tampouco tem futuro, é o aqui e agora radical.
  Nessa nova sociedade do consumo, somos mercadoria a nos expor nas redes sociais, absolutamente vulneráveis às fake-news, o que, aliás, não é novidade na história.
  O historiador Robert Darnton (Harvard) conta que as notícias falsas são relatadas pelo menos desde a Idade Antiga: “Procópio foi um historiador bizantino do século VI, famoso por escrever a história do império de Justiniano. Mas ele também escreveu um texto secreto, chamado “Anekdota”, e ali ele espalhou “fake news”, arruinando completamente a reputação do imperador Justiniano”.
  Com as redes sociais é possível disseminar informações discriminatórias e violentas que seriam excluídas pelos meios de comunicação tradicionais. Porém, nas redes sociais, esses conteúdos circulam com mais facilidade. Até quem inventou a mentira acaba acreditando nela.
  Se fosse adepto da teoria da conspiração, estaria procurando quem passou a Bolsonaro, a tecnologia de mapeamento dos algoritmos, ou seja, da cabeça dos eleitores. Ele fez um discurso individualizado à cada eleitor-consumidor, esse, ávido por resolver o seu problema ou frustação imediatas. Se isso ainda não aconteceu, devemos nos preparar, porque brevemente as eleições poderão ser disputadas pelos algoritmos. O problema é quem está por trás deles.
Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor aposentado da UFMS
07.12.2018