quinta-feira, 14 de outubro de 2021

 

O SAARA É AQUI



No final do mês de setembro, um fenômeno assustador se manifestou no interior dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. Tendo como epicentro a cidade de Jales (SP), assustadoras tempestades de areia escureceram as cidades em pleno dia.

Tais fenômenos podem ocorrer quando há temperatura elevada, baixa umidade relativa do ar e ventos fortes. Esse combo pode provocar a formação de áreas de instabilidade, com tempestades de areia que lembram as do Saara.  

 Em nosso país esse tipo de tempestade de areia, ou de poeira, é incomum, mas elas estão surgindo no país cada vez com maior frequência. Neste ano de 2021, devido à seca que quebrou recordes históricos, esse fenômeno se manifestou, principalmente em áreas agrícolas em que, na preparação do solo para a próxima safra remove-se a vegetação deixando a terra nua. Com isso, perde-se o solo consolidado, que une as partículas, deixando-as soltas para serem carregadas pelo vento. Nosso modelo agrícola que planta areia só poderá colher tempestades, de areia.

Esses fenômenos surgirão novamente no próximo ano? Farão parte do nosso novo normal? Especialistas indicam que é bem provável que essas tempestades de areia devam voltar a ocorrer. Os ciclos de calor estão se repetindo a cada ano, da mesma forma a seca anualmente tem castigado nosso rios e reservatórios, provocando uma crise hídrica que tem se repetido anualmente. Todos os cenários apontados para o planeta, indicam o avanço do aquecimento global e mostram um aumento da frequência de extremos climáticos, como ondas de calor, secas, tempestades de alto volume de chuva causando inundações e quebras de safra. É impossível negar esses efeitos das mudanças climáticas em nosso cotidiano.

  Mas além destas, serão determinantes para esses eventos extremos, nosso modo de vida, nosso modo de produção e de consumo. Todos esses acontecimentos climáticos colocam em discussão a habitabilidade do planeta ou de certas regiões hoje povoadas. O desmatamento e as queimadas podem apressar esse processo de degradação, inclusive na Amazônia e no Cerrado.

A adaptação à nova realidade climática vai custar muito caro. Mas, a conta será mais elevada quanto mais tempo forem adiadas as providências. Ainda é tempo, dispomos de conhecimentos científicos e tecnológicos necessários para construir uma sociedade fundada sobre a sobriedade e o consumo sustentável.

  Schumpeter, economista e cientista político austríaco, foi um dos primeiros a considerar as inovações tecnológicas como motor do capitalismo. Criou o conceito de destruição criativa, afirmando que o sistema estaria fadado a destruir o velho para avançar no seu próprio processo de desenvolvimento, nesse aspecto é previsível o sucateamento dos nossos recursos naturais. Nenhum capitalista investe onde é mais necessário, mas sim onde é mais lucrativo. Segundo ele, não há possibilidade de compatibilizar o capitalismo de crescimento com princípios ecológicos. O economista austríaco afirmava que o capitalismo só poderia prosperar em um planeta infinito.

Mas a Terra é apenas um pequeno planeta com 12.742 km de diâmetro, o quarto do sistema solar, perdido no universo infinito. Embora diminuta, protegida pela sua atmosfera, ela abriga um dos bens mais importantes e excepcionais: a vida, tanto a humana, quanto a dos demais viventes. A Terra continuará a existir, independente de nós, terá o mesmo tamanho e seguirá sua trajetória absolutamente indiferente à existência ou não de vida em sua superfície. Isso só interessa a nós humanos.

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro, professor aposentado da UFMS

sábado, 2 de outubro de 2021

 

PASSAPORTE SANITÁRIO

A participação de Bolsonaro na 76ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unida foi um vexame. Sua teimosia terminou em pizza comida em pé nas ruas de Nova York, por não ter o passaporte sanitário para entrar nos restaurantes.

Em Nova York, o Brasil ficou colocado na condição de um pária entre as nações. Nosso presidente é o único entre os 20 líderes do G20 que não tomou a primeira dose do imunizante. Disse que apoiava a vacinação - o que só o fez tardiamente e de maneira relutante - mas marcou posição contrária ao passaporte sanitário.

                Bolsonaro, com o seu negacionismo, opõe mecanicamente o interesse individual ao interesse público, num liberalismo pobre e caolho. As diversas teorias que explicam a origem do estado moderno ensinam que nesse arranjo civilizatório, houve um tempo em que isso já se resolveu. Pela força ou pelo juízo, os indivíduos abriram mão em parte de seu arbítrio para que o Estado o exerça em benefício do interesse coletivo. Não fosse assim conviveríamos com a lei da selva.

Essa compreensão é útil para vivermos na pandemia. O problema não é a liberdade dos que não se vacinam, mas a ameaça que ele representa aos que com ele convivem. Você pode ser individualista, mas o vírus é coletivista.

O passaporte sanitário é o instrumento que diversos países do mundo encontraram para sanar duas questões: dar transparência a cada indivíduo sobre a saúde sanitária dos ambientes onde convive e também induzir a que cada indivíduo se vacine para garantir a sua saúde pessoal e que essa está de acordo com o interesse coletivo.

Bolsonaro está contra o passaporte sanitário, mas pelo Brasil afora ele começa a ser usado, tanto em estados como em municípios grandes e até pequenos. Uma grande força contra esse instrumento é o comércio e suas entidades, normalmente muito coesas e organizadas que influenciam politicamente os governantes. Às vésperas de eleições, os políticos ficam mais vulneráveis.

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n° 1674, de 2021, de iniciativa do Senador Carlos Portinho (PL/RJ) que cria o Passaporte Nacional de Imunização e Segurança Sanitária (PSS). Esse projeto já foi aprovado no Senado e remetido à Câmara Federal em junho deste ano. O Presidente Bolsonaro já anunciou que vai vetá-lo.

Segundo o projeto, governos estaduais poderão utilizar o Passaporte Digital de Imunização como mecanismo de controle sanitário e de acesso a espaços públicos e privados e de meios de transporte ou qualquer local onde haja aglomeração de pessoas como shoppings, restaurantes, shows, academias e outros espaços de uso comum, podendo determinar multas e penalidades. Segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), algum tipo de passaporte sanitário já está em uso em 245 cidades.

Na opinião pública existe grande divisão sobre o assunto que, grosso modo, segue a linha divisória entre bolsonaristas e seus opositores. Essa é a guerra do momento. Os dois lados devem elevar a temperatura do debate.         Em torno da questão do Passaporte Sanitário será travada uma luta política renhida.

FAUSTO MATTO GROSSO

Membro da coordenação da Frente Ampla pela Democracia