sábado, 24 de janeiro de 2009

QUANTO MAIS MUDA, MAIS FICA A MESMA COISA

A Hidra de Lerna na mitologia grega tinha um corpo de dragão e dez cabeças enormes de serpentes, que exalavam um hálito mortífero, e que se regeneravam à medida que iam sendo cortadas, ou seja, matava-se uma e surgia imediatamente outra em seu lugar. Apenas uma das cabeças era mortífera e Hércules teve que encontrá-la para liquidar o monstro.
Qual será o segredo da tão clamada mudança da política em nosso Pais? Haverá solução para a sua mal-cheirança? Haverá algum ponto chave para o abate dessa coisa monstruosa? na qual se transformou “a mais nobre das atividades dos homens”, como a caracterizava Aristóteles.
No meio a uma enorme expectativa de mudanças da política existente na sociedade, a última eleição representou mais do mesmo, ou seja, quanto mais mudou, mais ficou a mesma coisa.
Se perguntarem à maioria dos candidatos a vereadores, eleitos ou não, o que tinha mudado nessa última eleição em relação à de 2004, é provável que poucos tenham consciência que disputavam um mandato que não lhes pertenceria e sim aos seus partidos com os seus programas respectivos. Essa foi a decisão do TRE em outubro de 2007, que causou enorme e positiva expectativa na opinião pública, como sinalização de que se ferira de morte a velha política.
Diante disso, era de se esperar que a última eleição municipal se processasse em um clima totalmente novo, pois afinal quem disputaria seriam os partidos, as idéias e os programas, e não os candidatos. Qual nada, a velha e fedorenta hidra continuou exalando o hálito mortífero, contra as esperanças de mudanças, foi uma eleição igualzinha às outras. Continuou a prevalecer o conceito criado nos últimos tempos, descaradamente, de que política é coisa para “profissionais” e não para o habitante da polis, o cidadão.
Os partidos, salvo alguns pequenos de esquerda, praticamente não existiram no último processo eleitoral. Não se discutiram diferenças político-ideológicas ou programáticas em relação à cidade. Toda a campanha foi feita no singular do discurso individualista dos candidatos inclusive prometendo coisas que não lhes competiria realizar, a não ser através de uma inaceitável relação de troca com o Executivo.
Fui um dos que procuravam os partidos nos adesivos dos automóveis. Quanta dificuldade. Em alguns, precisava-se encostar o dedo no vidro, pois só a essa distância era possível enxergar o nome do partido-candidato. É possível que com essa dificuldade, muita gente tenha votado no preposto e não no partido-candidato, talvez se caracterizando uma eleição-estelionato.
Haveria condição para uma eleição diferente? O povo entenderia e se contentaria em escolher o partido – como o faz sem saber – em vez do candidato? Uma mudança na cultura política dos eleitores não é assim tão fácil, tenho consciência disso, mas se perdeu uma enorme oportunidade de começar um processo de educação e qualificação política dos eleitores. Como falou Gabeira, vitorioso politicamente no Rio de Janeiro, já passou da hora de banir a hipocrisia da política. Mas contra isso se postaram os representantes-beneficiários da política tradicional, diante da omissão indesculpável dos partidos.
Construídos da maneira como o foram, como funcionarão nos novos parlamentos municipais? Serão os palcos dos partidos e programas, como manda a lei, e a boa política, ou serão a continuidade do vôo solo dos projetos pessoais.
Como serão as relações institucionais entre as câmaras e os executivos? As novas alianças terão bases programáticas, envolvendo os partidos-eleitos ou continuarão a serem marcadas pela cooptação por meios, não raro, pouco dignos?
Dizia o velho nordestino que “pau que nasce torto morre torto”. Quem sabe a política em nosso Estado nos cause uma surpresa agradável que possa desmentir esse adágio e comece a ser feita com a grandeza que merecemos nós os cidadãos.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro e Professor da UFMS

OBAMA – O PRIMEIRO LIDER GLOBAL

Surfando uma imensa onda de esperança, Obama chegou à Casa Branca. Na sua posse afirma que o mundo mudou e que os Estados Unidos vão se ajustar a esse mundo novo retomando a inspiração fundadora dos ideais da Revolução Americana.
O novo Presidente americano ganhou as eleições em todos os países do mundo globalizado e na sua posse além dos milhares de americanos presentes, outros milhões de homens e mulheres, dos mais distantes rincões do mundo, tomaram posse do presidente americano, como líder.
Pela primeira vez, está posta a possibilidade de um líder global, que baseia sua força, não no arsenal bélico que comanda, mas na sintonia com o tempo em que vive e na liderança moral que foi construindo na sua campanha, lavando a alma de jovens, de excluídos, de celebridades do mundo das artes, de cientistas, de ambientalistas, de libertários e humanistas de todos os matizes, do mundo inteiro.
Antes isso não seria possível, o mundo novo permitiu esse espaço, o mundo da multipolaridade. A seu tempo, talvez só o líder Gorbatchov tenha conseguido tamanho consenso na opinião pública mundial, mas o mundo ainda era o velho mundo da Guerra Fria, que ele conseguiu desarmar. Apesar disso caiu derrotado pelo conservadorismo do Estado Soviético, e pelas máfias já incrustadas nas estruturas de poder. Isso aponta um alerta para o novo presidente americano.
Por seu lado, Obama, por enquanto, conseguiu derrotar, eleitoralmente, as forças mais reacionárias dos interesses americanos, especialmente as da indústria da guerra, fazendo uma campanha memorável de 10 milhões de endereços eletrônicos, de militância de milhares de jovens voluntários, de engajamento das ONGs, de personalidades do mundo da cultura e dos movimentos sociais. Se mantiver a sustentação interna e externa, pode o novo Presidente, estabelecer um novo estilo de liderança dos Estados Unidos no mundo.
A possibilidade de existir um primeiro líder realmente mundial está colocada, esse é o desafio do Presidente norte-americano. Vencerá a crise econômica sem jogar a conta para países pobres? Conseguirá o recolhimento dos seus exércitos do Iraque e do Afeganistão? Fechará Guantánamo? Modificará a posição dos Estados Unidos em relação a Cuba? Esses são os primeiros “rubicões” que terá que atravessar depois da posse rodeada de jovens esperançosos, dos shows gratuitos de grandes bandas, U2 à frente, e dos 50 grandes bailes.
Fora as questões internas da crise econômica, do desemprego, do deficiente sistema de proteção social e à saúde, ao longo do mandato terá imensos desafios globais a enfrentar. Reposicionará estratégicamente os Estados Unidos no mundo multipolar? Ajudará a criação de uma nova ordem econômica mundial, inclusive com maiores controles sobre o sistema financeiro? Apoiará a reformulação do sistema das Nações Unidas? Levará seu país a uma posição mais responsável diante da crise ambiental mundial?
O bom é saber que ele não está sozinho no front interno. Antecedendo à posse, a serviço dessa obamamania militante que o elegeu, importantes organizações progressistas americanas, que apoiaram sua campanha, já articularam uma plataforma de apoio às mudanças e à mobilização da opinião pública para que o sentido de “união nacional” necessário para o enfrentamento da crise não subverta os compromissos com as mudanças. Essa governabilidade ampla, na sociedade, pode fazer toda a diferença, e se constituir na garantia do cumprimento da promessa de mudanças.
Todas as mudanças anunciadas são possíveis e o mundo inteiro torce por elas. Estará o líder americano à altura dessas expectativas e desafios? Agora sim, vai ser testado se Obama pode. Se a sociedade americana pode. Se o mundo está, mesmo, diante do primeiro líder global.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro e Professor da UFMS