domingo, 25 de abril de 2004

EM DEFESA DA POLÍTICA

Das múltiplas facetas da crise brasileira, a mais perigosa é a da descrença da política como meio de enfrentar os desafios do País.
Em pesquisa recente sobre a democracia na América Latina, feita pela ONU, 56% da população acha o desenvolvimento econômico mais importante do que a democracia, 54,7% apoiaria um governo autoritário se este resolvesse os problemas econômicos e 36% concorda que o Presidente não leve em consideração os Partidos e o Congresso.
Esse quadro perigoso e preocupante chama a atenção para a imperiosa necessidade de recuperar a confiança na política como meio civilizado de resolver conflitos e problemas, mas também exigem intervenções profundas que modifiquem a maneira com se faz política no Brasil atualmente.
A Reforma Política é a mãe de todas a reformas, a que deveria ter merecido prioridade. Um processo verdadeiro de mudanças deveria começar por ela, pelo potencial que tem de mobilizar a opinião política da cidadania para a solução dos problemas.
Existe, entretanto, um paradoxo que se constitui numa dificuldade real para as mudanças. Anos e anos de prática dessa política tradicional, hoje desacreditada, criou na cidadania um sistema de crenças em falsas premissas, que não permite que se enxergue para além desse sistema político que está em crise.
É o caso, por exemplo, da crença de que o mais importante é votar no candidato e não no partido. Para ficar apenas nas últimas eleições, em 2002 foram registradas candidaturas de 88 deputados federais, apenas 8 foram eleitos. Somando os votos desses candidatos constata-se que 54% dos eleitores não lhes destinaram votos, ou seja, a maioria da população não escolheu seu deputado. Os votos dados aos perdedores ajudam a somar números para a legenda, quantitativo esse que vai definir, pela regra da proporcionalidade, a participação de cada partido na bancada, ou seja, votando em candidatos estamos, na verdade votando em listas partidárias "abertas”, sem termos uma percepção muito clara disso.
Mais ainda, no Congresso, na maior parte dos casos, esses deputados não votam e são representados ou orientados pelos votos das lideranças dos partidárias. Nas questões decisivas, os partidos “fecham questão” unificando partidariamente os votos.
Trocando em miúdos, na democracia representativa, quem faz a política são os partidos e não os parlamentares individualmente. Vem daí a necessidade de tornar esse jogo claro e fazer a cidadania optar conscientemente pelo conjunto de idéias em que acredita e que julga representativa dos seus interesses.
A Reforma Política que se encontra tramitando no Congresso cria o sistema de listas partidárias “fechadas” para substituir o atual sistema de listas “abertas”. Neste último caso, são eleitos os mais votados da lista, nem sempre os mais representativos da política partidária que praticarão e sim aqueles que dentro de cada partido conseguem montar uma maquina eleitoral mais poderosa.
Prevalecendo a proposta das listas fechadas, proposto pela Reforma, todos os cidadãos terão a condição de escolherem a política que desejam ver praticada. A lista fechada, tira a falsa ilusão criada pelo voto no indivíduo, avança a educação política da população e fortalece os partidos, sem os quais não existem pratica democrática nos marcos do nosso estágio civilizatório atual.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil, Professor da UFMS

25 de abril de 2004

domingo, 18 de abril de 2004

DESAFIOS

Tantos quantos de nós receberam visitantes nos últimos tempos devem ter ouvido elogios à nossa cidade. De alguns, inclusive, a referência à semelhança com Curitiba.
Campo Grande encanta seus visitantes, principalmente porque só costumamos mostrar-lhes o lado bonito da cidade.
Mas levantamentos de opinião feitos por Universidades locais mostram, também, que há um reconhecimento generalizado sobre o trabalho de todos nossos prefeitos das últimas três décadas. O povo, muitas vezes, lhes cita as obras e os feitos.
O Plínio Martins, do primeiro plano diretor. O Mendes Canale, da Infraestrutura do Bairro Amambaí. O Levi, da canalização da Maracajú, das melhorias do São Francisco e do uniforme dos escolares. O Marcelo Miranda, das obras no Santo Amaro. O Lúdio Coelho, do asfaltamento das linhas de ônibus, da integração do transportes e da Leste-Oeste. O Juvêncio da Fonseca, da Planurb e da Norte-Sul. Ultimamente, o mesmo reconhecimento é dado a André Puccinelli, realizador de portentosas obras de Infraestrutura.
Não somente obras realizaram esses prefeitos, mas estas constituíram, sempre, a face mais visível da suas administrações. Campo Grande de hoje é, portanto o fruto do empreendedorismo de todos eles, cada qual, pensando a cidade a partir de sua visão pessoal.
Com esse acúmulo parece não ser muito difícil administrar Campo Grande, pelo menos em termos convencionais. A cidade está relativamente bem estruturada, a Prefeitura arrecada bem, o próximo prefeito, provavelmente, estará com seu futuro político assegurado.
Mas há um grande salto a ser dado atualmente que é o de fazer a cidade a partir da visão coletiva da cidadania. Há que se construir um projeto de cidade que ultrapasse os mandatos e a visão pessoal dos mandatários. A cidade não lhes pertence. Mudanças realmente profundas exigem compromissos de continuidade que só um processo mais coletivo pode garantir. Qualquer peão que construa cerca sabe que esta não pode ser feita colocando-se um poste depois do outro, sem balizamento de um poste a longa distância.
A democratização da gestão pública, para acolher a visão de tantos quantos constroem a cidade, é um imperativo e um desafio para quem pretende governa-la com visão contemporânea. A cidadania organizada e participante é a condição para que a cidade seja pensada independentemente dos mandatos e dos mandatários e, portanto, possa enfrentar problemas estruturantes, de maior significado e envergadura.
Alguns desses problemas saltam aos olhos.
Nossa cidade deve crescer indefinidamente para ser uma grande metrópole ou deve buscar uma estabilização que permita o desenvolvimento sustentável? Dentro dessa ótica, como deve ser sua relação com as cidades vizinhas, polarizadas pela capital? Não estaria na hora de pensar Campo Grande como região metropolitana integrada com os municípios lindeiros?
No âmbito da democracia participativa que papel devem ter os vários conselhos regionais e setoriais? Tais conselhos, existentes em grande número, no geral, têm baixíssima efetividade, como melhorar esse quadro?
Na área social, quais os níveis desejáveis e factíveis de desenvolvimento humano a serem perseguidos pelos programas e projetos que as diversas administrações forem criando? A criação do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDH-M, calculado pelo IPEA/PNUD, serve exatamente a esse propósito e cria uma base para a avaliação, objetiva e independente, da responsabilidade social das administrações. Com publicização dessa informação a cidadania estará melhor protegida dos balanços ufanistas e propagandistas que os governantes fazem de si mesmos.
Transformar Campo Grande de uma cidade bonita que cresce, numa cidade que se desenvolva com qualidade de vida crescente muito orgulhará o campo-grandense ao mostrá-la, por inteira, aos nossos futuros visitantes.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil e professor da UFMS

18 de abril de 2004

quinta-feira, 8 de abril de 2004

PERÚ COM CHAMPAGNE (II)

Através dos vidros imensos, o Presidente olha o gramado do Palácio. Amanhã começará o seu segundo mandato, após uma vitória apertada nas urnas. Será um dia extenuante, de muita festa.
Seu pensamento voa. Sente-se amadurecido após tantos embates, acertos e erros. Lembrou-se de outros Presidentes. Tinha virado as costas para o Sarney quando morreu Tancredo. Tinha virado as costas para o Itamar após o desastre Collor. Eles que se danassem! Passado o tempo sentia agora o quanto o tinha errado e sido pouco grandioso.
Nos dois primeiros anos do seu governo pagara um alto preço da inexperiência. Faltara-lhe um programa de governo claro e objetivo. A história da herança maldita passou a não colar mais. Pensava que a simples negação, que aprendera a fazer na oposição, lhe credenciaria para fazer as mudanças. Enganara-se. Não bastava honestidade de propósito. Governar é complexo, não bastava a generalidade do “modo petista de governar”. Ninguém consegue governar sozinho. Aprendeu isso à duras penas.
Só conseguiu mudar esse quadro quando a crise se aprofundou em 2004. Apelou para a Nação. Quem diria! Foi à televisão pedir “não me deixem só!” . Pior é que se percebera só e mal acompanhado.
Mas teve apoio da Nação para fazer as mudanças. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, depois de modificado, foi seu grande trunfo para mudar o eixo da governabilidade. Firmara ali o seu Pacto de Moncloa. Pactuou ali as mudanças pelas quais o País clamava. No Congresso, pode então construir uma aliança, mesmo que tática, com forças com as quais nunca imaginara poder contar. Fora ali a sua salvação. Conseguiu uma sólida base congressual baseada num programa de mudanças e não no toma lá da cá de cargos e do manejo das emendas parlamentares. Conseguira se livrar daquela coisa nojenta.
Foi uma mudança dura, que lhe causara muita dúvida e muito desgaste. Mas, afinal, já estava consciente que o pior era continuar como vinha nos dois primeiros anos do governo.
Às denuncias sobre deslizes éticos respondera com a transparência. Orientara a aprovação das CPIs para investigar livremente as denúncias. Tivera, é certo, que afastar seu Ministro mais importante. Mas teve a satisfação de vê-lo voltar, depois, com a ficha limpa. Tudo não passara de uma tempestade em copo d’água. Mas entendeu que aquele episódio era apenas a ponta de um iceberg. Demonstrava o grande descontentamento da Nação com a crise econômica e com os resultados pífios do seu governo.
Naquele momento começou a implementar uma nova política econômica que permitira ao país voltar a crescer. Não conseguira, é certo, os 10 milhões de empregos, mas recuperou a esperança do povo. Quanto lhe doía ver o Brasil, que tantos imigrantes acolhera, ter virado exportador de gente.
Tivera que bater duro contra a cultura financista da sua equipe econômica. À política de responsabilidade fiscal, mandou sobrepor a política de responsabilidade social. Exigiu metas de desenvolvimento social.
A Reforma Agrária começou a andar efetivamente. Muito ainda terá que se fazer no segundo mandato, mas o clima de guerra e de intranqüilidade diminuiu sensivelmente no campo. A agricultura familiar começou a dar frutos tão importantes quanto à agricultura de exportação.
Tivera, é certo, que enfrentar o seu partido. Anos de oposição contra tudo e contra todos o tornara arrogante e de dono da verdade. Trouxera isso para o Governo. Demonstrara, também, que tinha vícios do empreguismo, foi um problema sério que teve que enfrentar. A deformação hegemonista, que carregava, transformou-se em política de cooptação sem princípios, não de parceiros, mas de apoiadores interesseiros.
Teve que colocar seu partido no seu devido lugar, fora do governo. Esse era o principal papel do partido, aliás, de qualquer partido. O partido que se subordina às razões de Estado, e não as razões da Sociedade, se deforma. Governo é Governo, partido é partido. Os dois são importantes, mas fundi-los pode levar ao mesmo desastre que acometera a União Soviética. Se tivesse aprendido isso a tempo, não teria perdido tantos companheiros valorosos, da esquerda do partido.
Tivera a coragem, também, de liderar a proposta do parlamentarismo. Carregara durante muitos anos o sentimento de culpa por não ter, no passado, apoiado essa luta, velha bandeira da esquerda democrática. Tinha cedido à visão golpista de que o parlamentarismo naquela ocasião era para barrar-lhe o caminho. Terá agora um segundo mandato como Chefe de Estado e de Governo, mas o seu substituto em 2010 já terá funções diferentes e governabilidade baseada na co-responsabilidade do Congresso.
Com as mudanças empreendidas pudera recuperar os índices de popularidade do início do governo. Isso lhe deu fôlego para voltar novamente às ruas e as urnas. Pode associar a sinceridade do seu discurso com a esperança que ainda despertava no povo sofrido. A batalha foi dura, mas a esperança venceu a descrença! O povo voltara a acreditar que o Brasil ainda era um país viável!

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro e professor da UFMS. 8/4/2004