segunda-feira, 8 de agosto de 2005

CASO DE POLÍTICA

O avanço dos trabalhos das CPIs tem revelado o verdadeiro mar de lama que tem envolvido a política brasileira desde há muito tempo.
O PPS nunca se enganou a respeito do PT. Sempre disputamos com ele o projeto de esquerda. Lançamos nas últimas quatro eleições, três candidatos a presidente, exatamente para nos diferenciarmos – Freire, Ciro e Ciro. Se em alguns momentos estivemos juntos, isso se deveu mais a faltas de alternativas do que a uma política de alinhamento. Não nos furtamos em nos afastar dos governos petistas quando sentimos que passavam das medidas e insistiam em erros. Entregamos cargos e excluímos quadros que não seguiram essa orientação, a exemplo do Ministro Ciro Gomes.
O surgimento do PT precisa ser mais conhecido, porque ali podemos encontrar seus cromossomos políticos e perceber que a crise atual não é apenas caso de polícia e sim um grande caso de política equivocada.
Documentos dos arquivos do General Golbery esclarecem que o surgimento do PT foi facilitado pela Ditadura. O receio da ditadura era que o velho Partidão pela sua política de alianças amplas, pudesse transformar o PMDB num grande partido de massas e de esquerda. O regime amarrou as mãos e os pés do PCB e do PcdoB e liberou o PT para tomar a dianteira e ocupar o espaço de esquerda.
Assim nasceu o PT, organizado a partir de três matrizes históricas e políticas. A primeira delas foi o sindicalismo “moderno” do ABC, apoiado fortemente pela central norte-americana AFL-CIO. Enquanto os sindicatos de esquerda se organizavam no interior da Federação Sindical Mundial que tinha como objetivo levar a luta dos trabalhadores para a superação do capitalismo, a central americana ensinou ao ABC de que seu papel era simplesmente lutar pelo aumento do valor de venda da força de trabalho. Daí a autoproclamada verdade de que Lula nunca foi socialista.
Outra componente importante da estrutura político-ideológica do partido foi a esquerda clerical católica. Essa lhe forneceu cultura dogmática e maniqueísta, misturando religião com política, criando a explosiva combinação fundamentalista. Existiam apenas duas verdades antagônicas e entre elas nenhuma mediação: o céu e o inferno, o bem e o mal, os crentes e os infiéis, nós puros e essa gente que ai está.
Esse pensamento maniqueísta marcou o comportamento histórico do PT: não à frente democrática – cheia de burgueses, não ao colégio eleitoral – expulsou deputados que votaram em Tancredo, não à assinatura da Constituição de 88 – porque tinha hegemonia burguesa, não ao Parlamentarismo – porque queriam ganhar sozinhos com Lula. A visão do líder messiânico, salvador da Pátria, achou campo fértil na cultura religiosa do povo brasileiro.
A terceira componente fundante da concepção petista é representada pelos derrotados quadros da luta armada, muitos deles oriundos de dissidências esquerdistas do PCB, o mais representativo deles, o deputado José Dirceu.
Desde a ruptura com o stalinismo em 1958, o Partidão adotou a via democrática para o socialismo, reforçada pela autocrítica modernizadora após a crise do socialismo real. Sempre existiram inconformados com o compromisso democrático do partido. Após 1964 essas correntes com vocação vanguardistas e autoritárias foram abandonando o partido e construindo as organizações guerrilheiras apoiadas por Cuba. São esses, que após a anistia, vão se aninhar no PT onde conquistaram posições importantes para o aconselhamento de Lula, levando junto consigo um profundo desprezo à democracia e uma visão conspiratória e golpista. Nunca discutiram programas com os “aliados” e sim os comprava com espaços de poder.
Na verdade, falsos discípulos que eram, sentiram a oportunidade de usar o inocente carisma salvacionista de Lula em atalho para a “revolução”. A teia foi construída. Se no passado assaltavam bancos para financiar a guerrilha, que mal haveria em comprar uns trezentos deputados picaretas?
A via sacra petista está sendo dolorida, mas o PT vai passar por essa crise. Ótimo se aprender com ela. Ótimo se concluir que o poder acima da sociedade não é revolucionário. Tenho certeza que o ajuste de contas com a sociedade vai ser feito a partir de seu núcleo democrático e ético. Daí poderemos contar com o PT para a luta democrática e de esquerda.

FAUSTO MATTO GROSSO
Executiva Nacional do PPS

Artigo para Correio do Estado em 8 de agosto de 2005