sexta-feira, 27 de março de 2020


CORONAVIRUS E CANCELAMENTO DAS ELEIÇÕES
Coronavírus e a possibilidade de adiamento das Eleições Municipais ...
  A pandemia do COVID-19 está abalando o país. Só espero que ela não coloque em quarentena também a democracia brasileira. A realização de eleições regulares e periódicas é vital para a democracia.
  Atualmente, está posta a possibilidade de cancelamento das eleições municipais deste ano. A ideia, posta em circulação pelo ministro Mandetta, imediatamente mereceu críticas da presidente do TSE, ministra Rosa Weber, bem como de seu sucessor, ministro Luís Roberto Barroso. Rodrigo Maia, presidente da Câmara também a apontou como equivocada, extemporânea e dispersiva.
  Não é fácil cancelar eleição. A Constituição Federal estabelece a realização de eleições municipais no primeiro domingo de outubro deste ano. O cancelamento ou o adiamento destas depende da aprovação de emenda constitucional. Com tal objetivo já existem várias propostas no Congresso Nacional.
  De fato, não há como desconsiderar o impacto da pandemia no processo eleitoral desse ano. Não há clima psicossocial para realização de eleições.  A prioridade absoluta no momento atual é salvar vidas, quase não há quem o negue. O próprio comprometimento do trabalho da Justiça Eleitoral problematiza a realização de convenções, campanhas e votações. O calendário eleitoral está comprometido e terá que ser ajustado, tão logo se enxergue uma luz para o fim da pandemia, mas não tão apressadamente com querem alguns.
  Entretanto, algumas questões de fundo tem que ser colocadas claramente. Uma coisa é adiamento, em função das circunstâncias, outra coisa é cancelamento de eleições.
  Alguns defendem o cancelamento das eleições, por serem favoráveis à coincidência de todas as eleições, no caso, em 2022. Fazer coincidir eleições locais com eleições gerais não é boa coisa, porque tira o foco da questão local, que interessa, muito mais, à cidadania. A eleição municipal deve ser preservada, diante do caráter plebiscitário e ideologizado das eleições nacionais.
  A ideia de cancelamento das eleições deste ano implica em prorrogação de mandatos de prefeitos e vereadores, medida espúria que favorece àqueles que já estão no poder e receiam enfrentar a insatisfação popular e o clamor por renovação política. Estender mandatos é tão condenável quanto cassá-los.
  Não se sabe quanto tempo a crise do coronavirus vai durar. A previsão do ministro da saúde é de que vá até setembro. O mandato dos atuais prefeitos e vereadores vai até 31 de dezembro. Isso dá um prazo de dois meses para remanejamento do calendário eleitoral, sem cancelamento de eleições. 
  Se de tudo, esse prazo se revelar insuficiente, poderemos ter eleições nos primeiros meses do ano, sempre no espírito de manter as regras do jogo. Como diz o Ministro Barroso, do STF, se o adiamento vier a ocorrer, ele deve ser apenas pelo prazo necessário e inevitável para que as eleições sejam realizadas com segurança para a população.
  Não se trata de uma nova eleição, com novas regras e condições. Trata-se de realizar, no menor prazo possível, as mesmas eleições que seriam realizadas em 4 de outubro, sem ampliar nem retirar as condições existentes até essa data, ou seja, prazo de filiação, mudanças de partido, entre outras coisas.  As normas eleitorais gerais devem ser mantidas e uma PEC deve ser feita com regra temporária só para esse pleito.
  Há muita gente querendo, honestamente, adiar as eleições de 2020 por conta da pandemia, mas também existem aqueles que agem por puro cálculo político. Também os que, tendo pouco apreço pela democracia, gostariam mesmo é de cancelar eleições em definitivo, apostando inclusive na decretação de estado de sítio.
  Outros parecem estar usando a crise como uma tábua de salvação, pois sairão dela fragilizados e sabem que precisarão de um prazo maior para respirar, inclusive com a prorrogação de seus mandatos. Estão de olho apenas nos seus interesses imediatos. Fazem cálculos de vantagens políticas enquanto o País conta seus mortos.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro e professor aposentado da UFMS


sexta-feira, 13 de março de 2020


UMA NOVA BATALHA DE ITARARÉ
  

A crise política atual foi contratada ainda durante o Governo Dilma Rousseff. Sob o comando de ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, hoje preso, foram aprovadas as emendas impositivas, para cabrestear o Executivo petista, com o entusiasmado apoio do então deputado Jair Bolsonaro. Agora chegou a fatura.
  Bolsonaro foi eleito dentro de um clima de profunda revolta da população contra os políticos e os partidos e fez sua campanha eleitoral surfando nessa descrença. Irresponsavelmente.
  Durante a formação do governo, sem dar trela aos partidos, o Presidente montou sua equipe com quadros militares e do grupo ideológico olavista, pelo qual mantinha simpatia. Negociou também indicações e apoios com as bancadas temáticas: ruralista (119 votos), evangélica (82 votos) e da segurança (32 votos). Com essas pretendia montar base de apoio no Congresso.
  O governo vende para a população a falsa ideia de que não fez o toma lá dá cá e que a sua é uma administração virtuosa que não aceita pressão dos políticos. É mentira. Houve sim o loteamento anárquico entres seus grupos de apoio que, aliás, vivem em choques. O mérito, no sentido da qualificação, passou longe.
  No Congresso o Governo não conseguiu formar uma base de apoio. A aposta que fazia nas bancadas temáticas não deu certo, como se previa, pois todo o processo legislativo é baseado nas estruturas dos partidos políticos, com destaque para as lideranças partidárias. Elas é que decidem o rumo e a articulação das votações, juntamente com os poderosos presidentes das duas Casas.
  Bolsonaro hoje é uma espécie de primeiro-ministro sem maioria no Congresso. Como já reclamou, sente-se uma rainha da Inglaterra, no reino de Rodrigo Maia e Alcolumbre. De um total de 513 deputados, apenas 89 são alinhados com o governo, 268 são incertos e 156 são de oposição. Entre os 81 senadores, 16 são alinhados com o governo, 43 são incertos e 22 são de oposição. Os incertos são os comandados pelos presidentes da Câmara e do Senado.
  Embora seja da tradição brasileira que todo presidente consegue montar maioria e controlar o Congresso, tal não está acontecendo. O que se vê é o Legislativo, valendo-se da sua autonomia, assumindo o protagonismo da inciativa política, para desconforto do Presidente.
  É comum, partidos fazerem coligações para conseguir eleger seus candidatos. Bolsonaro praticamente não a fez, de maneira semelhante a Collor. Nessa situação está obrigado a fazer negociações parlamentares para governar.  Foi assim com o PSDB que teve que negociar com o PFL; O PT se uniu ao grupo político do senador empresário José Alencar, fazendo-o vice de Lula; e Dilma foi procurar o PMDB de Michel Temer para governar. Goste-se ou não, essa é a realidade dura, pelo menos enquanto não ser fizer a reforma política.
  Bolsonaro tentou montar uma base parlamentar a partir do PSL, partido pelo qual foi eleito, mas brigou com os seus dirigentes por causa das verbas partidária e eleitoral. Está tentando montar um novo partido, mas se encontra completamente isolado. Não fez coligação, não tem condições de fazer coalizão, opta então pelo governo de colisão.
  Isolado e com equipe fraca, não consegue ter iniciativa e governar. Na falta de resultados, apela para a vitimização e culpa o Congresso e o STF. Junta-se a isso os números pífios do crescimento, a crise financeira e a epidemia coronavirus e está pronto o clima para a tentativa aventureira de zerar o jogo, a lá Jânio Quadros. É nesse contexto que apoia, de maneira populista e irresponsável, a realização de manifestações. Esse apelo direto à população, por cima das instituições é uma das características do fascismo.
  Comecei a escrever este artigo quando a manifestação do dia 15 ainda estava marcada, mais tudo mudou. Mas não precisava nem do ilustre vírus, nem mesmo do gás de pimenta, era só o Supremo, mandar algum estagiário jogar uma pitada de rapé e o ato heroico e patriótico, se transformaria em uma nova versão da Batalha de Itararé, a que não houve.
FAUSTO MATTO GROSSO,
Engenheiro e professor aposentado da UFMS