quinta-feira, 28 de maio de 2009

REFORMA POLÍTICA E LISTAS ELEITORAIS

28.05.2009
Não há reforma que dê conta de “resolver” todos os problemas da política e da cultura política hoje existentes. É preciso ter claro que, a cada problema resolvido, surgirão problemas novos, correlatos às novas situações criadas. Defensores e beneficiários do status quo sempre vão acenar com os novos problemas para conseguir que tudo fique como sempre esteve.
Há que ser ter clareza de que não se trata, portanto, de buscar soluções mágicas e sim de comparar custos e benefícios de cada medida que for adotada, sempre partindo do entendimento de que, tal como se encontram hoje, as coisas não podem ficar. Há um claro esgotamento do modelo vigente ao mesmo tempo em que há uma cobrança forte da opinião pública.
Com relação à mudança de listas pós-ordenadas para listas pré-ordenadas, o que deve ser analisado é se o parlamentar deve ser dono do seu mandato, com possibilidade de negociá-lo nos mercados das vantagens pessoais ou eleitorais ou se ele dever representar as idéias e programas constantes dos programas partidários.
Embora devamos ter presente que há um processo de crise estrutural das formas-partidos, tais como as conhecemos hoje, não há como avançar sem fortalecimento programático dos partidos em relação às representações individualistas que caracterizam a chamada “classe política”. Nesse sentido, tudo que fortalece os partidos é melhor do que aquilo que fortalece a “portabilidade” dos mandatos.
Primeiramente é preciso dizer que entre os países que se utilizam do sistema de eleição proporcional, apenas dois, o Brasil e a Finlândia utilizam o sistema de listas pós-ordenadas.
Atualmente, as eleições para os legislativos são feitas através do sistema proporcional, em listas pós-ordenadas. Ou seja, o número de assentos nos parlamentos é distribuído, entre os partidos, proporcionalmente ao numero total de votos obtidos pela listas de candidatos que apresentaram. Definido o número de vagas a que tem direito os partidos, são conduzidos aos mandatos aqueles mais votados da lista, provocando, portanto, uma disputa interna, pessoal, entre os candidatos do mesmo partido.
Na nova proposta, as eleições continuarão a serem feitas no sistema proporcional, mas as listas seriam ordenadas, anteriormente, pelos partidos.
Aparentemente, há uma diminuição do poder do eleitor. Mas na verdade, o eleitor quando vota, mesmo que não o perceba, primeiro escolhe o partido quando digita os dois primeiros números e só depois é que escolhe o candidato, quando digita o restante dos números.
Além disso, poucos mais de 50% dos eleitores “ganharam” as últimas eleições realizadas em MS, ou seja, viram serem eleitos os seus escolhidos, tanto para deputados federais como para deputados estaduais. O resto “votou, mas não levou” e ainda alguns viram serem eleitos deputados com votações inferiores aos obtidos pelo seu deputado que ficou de fora.
Na eleição em listas pré-ordenadas, desde que todas as listas elejam representantes, a totalidade dos eleitores pode “ganhar”.
Com a lista pré-ordenada evitaríamos também a danças dos trânsfugas, deputados mudando de partidos, portanto fraudando os eleitores qualificados que votam pela opinião política expressa nos programas partidários.
Mesmo que possa haver distorções nas primeiras eleições, pelos vícios da tradição política hoje existente, e elas são previsíveis, sob vigilância dos meios de comunicação e da opinião pública, com o tempo, os partidos teriam que construir as listas mais representativas programaticamente, que melhor expressam os seus compromissos e valores.
Para ficar em alguns exemplos práticos, figuras representativas como Ulisses Guimarães, Mário Covas ou Tancredo Neves, se vivos, ou Gabeira, Freire, Simon, profundamente representativos dos programas dos seus partidos seriam, necessariamente, os puxadores das listas pré-ordenada. Lembro que a cada eleição o velho Ulisses Guimarães sempre corria o maior risco de não ser eleito. Não é muito diferente a situação dos outros lideres citados.
O sistema de listas abertas, pós-ordenadas, permite exatamente o oposto, ou seja, a potencialização das oportunidades daqueles que são capazes de mobilizar volumosos e escandalosos financiamentos eleitorais, ou daqueles que são portadores de visibilidade despolitizada ou populista na mídia. Mudando a regra, dificilmente um parlamentar que “lixasse para a opinião pública”, ou que fosse envolvido em escândalos, teria chance de encabeçar uma lista pré-ordenada e ter prioridade em uma eleição. Atualmente são esses os grandes beneficiários das regras vigentes.
Um aprimoramento que ainda poderia ser contemplado na reforma seria a abertura das listas à participação de lideranças não filiadas à legenda, tal como acontece em alguns partidos europeus, possibilitando uma interface dos partidos políticos com os movimentos e os novos atores políticos e sociais, cada vez mais numerosos e diferenciados da sociedade moderna. Essa proximidade poderia produzir uma grande oxigenação da política partidária.
Outro aspecto de relevância é que haveria uma grande economia nas campanhas e a simplificação do controle dos gastos eleitorais. Em vez de fiscalizar centenas de contas individuais, uma de cada candidato, a justiça eleitoral teria que fiscalizar uma única conta referente a cada lista partidária. Nesse sentido, o sistema de eleições por listas partidárias fechadas é, praticamente, uma condição imprescindível para o estabelecimento do financiamento público responsável das campanhas eleitorais.
Os opositores dessa proposta acenam à opinião pública, com a falta de credibilidade dos partidos, e a pouca confiabilidade das direções partidárias. Mas o desgaste dos partidos fundamentalmente vem do desgaste da maneira como os políticos votam e como exercem seus mandatos privados. Ao mesmo tempo, não se pode pensar a política futura com os partidos resultantes do sistema eleitoral atual.
A aprovação das listas partidárias fechadas provocará uma modificação na consciência do cidadão que será forçado a melhorar a sua informação política, saindo do alcance da baixa política hoje dominante. Mudando o sistema eleitoral tenderá a mudar a visão dos eleitores e, portanto, mudarão para melhor os partidos e os políticos eleitos.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro civil e professor da UFMS

faustomt@terra.com.br

domingo, 17 de maio de 2009

REFORMA POLÍTICA E CULTURAL

Mais uma vez retorna à luz dos holofotes a questão da reforma política, agora contando com a articulação ostensiva do Poder Executivo e de sua base de apoio. Carregando a complexidade do tema e a diversidade dos interesses envolvidos, estão na ordem do dia o estabelecimento da votação em listas eleitorais pré-ordenadas para os legislativos, o financiamento público das campanhas, a “janela” para mudança de partidos um mês antes das convenções e o fim das coligações nas eleições proporcionais.
Muitos outros temas correm por fora, como é o caso do voto distrital e do estabelecimento do sistema parlamentarista de governo, este último, mesmo sendo o mais importante, pode, mais uma vez, vir de maneira casuística para resolver eventual impasse na sucessão presidencial.
O certo é que nenhuma medida pontual será capaz, sozinha, de produzir o milagre da recuperação da crença na política, assim como, mudança mais profunda no sistema político, não poderiam se resumir, a mudanças das regras eleitorais e partidárias, mas sim exigiriam um verdadeiro choque na cultura política das instituições e dos cidadãos.
Para começar, teríamos que contrapor o conceito de representação política ao de “classe política” composta de donatários de mandatos pessoais com “portabilidade”. Teríamos que acabar com a promiscuidade entre a máquina pública e as campanhas eleitorais. Teríamos que acabar com a imoral votação por amor, comprado.
Teríamos ainda que por fim a esse jogo cínico existente entre políticos de profissão e cidadãos-clientes, bem como ao jogo espúrio entre políticos investidores e os financiadores-de-mandatos. Nos dois últimos casos a ávida cobrança vem depois sob a forma de favores pessoais ou do ressarcimento dos investimentos feitos, sempre debitados ao erário público. Por trás de todas essas causas, que produzem a crise da representação, se encontram a fragilidade da cidadania, a debilidade da participação política e a fragilidade dos partidos políticos. Brasileiros que “não gostam” de política não podem reclamar da política que resulta das suas omissões.
Não há possibilidade de democracia sem participação cidadã. A democracia também não pode prescindir de políticos e de partidos políticos fortes, construídos em cima de programas nos quais se possa acreditar. É a esse déficit cívico que deve ser atribuída a qualidade, tão criticada, dos nossos representantes. Iguais aos jabotis em cima das árvores, nossos deputados e senadores só ascendem aos mandatos por votos conferidos pelos seus eleitores.
Nesse sentido, a qualidade da representação está diretamente ligada à qualidade da participação dos cidadãos. Mesmo considerando a profundidade da mudança necessária, alguns avanços, se adequadamente dirigidos, podem ajudar a desatar o atual nó da crise da política e da crise da democracia representativa. Uma grande marcha começa com o primeiro passo, já ensinava o professor Mao Tsé Tung. Entretanto, se de um lado a crise atual da representação pode ser a parteira de mudança, é preciso ter claro que ela será feita pelos políticos nascido das velhas formas que entraram em crise.
É necessário, portanto a pressão e a vigilância da opinião pública para que as expectativas hoje existentes não se frustrem e a reforma não se constitua em mero artifício esperto, para abrir as janelas para mudanças de partidos ou para aprovar um terceiro mandato presidencial, como alguns analistas têm apontado.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro civil e professor da UFMS
faustomt@terra.com.br

Publicada no Jornal da Cidade - 17/05/2009