sexta-feira, 22 de maio de 1998

NÃO VAMOS QUEBRAR NOSSAS MÁQUINAS

No início da Revolução Industrial os operários, tentando resistir a opressão, reagiam quebrando as máquinas (Luddismo) como se fossem elas a causa de sua desgraça. Levou algum tempo para que o movimento dos trabalhadores percebesse o erro e apontasse formas adequadas de lutas econômicas e principalmente percebesse a necessidade da luta política pela propriedade social dos meios de produção.
Os professores universitários, nas suas lutas demoravam um certo tempo para se assumirem como trabalhadores, trabalhadores intelectuais. E quando o fizeram, trataram de copiar as formas da luta sindical dos trabalhadores industriais. Aí surgiu ontem entre nós a greve como forma de luta econômica.
Temos bastante claro que essa forma de luta, entretanto, tem para nós algumas particularidades que não podem ser desprezadas.
Enquanto a greve, que paralisa a fábrica, causa prejuízo ao trabalhador (perda do salário), muito maior é o prejuízo do patrão. Isto é que o obriga a negociar e ceder. Nesse caso é um risco calculado, pois o movimento, se não forte, pode gerar a perda do salário e do emprego. Daí o seu uso só quando esgotadas todas as outras possibilidades.
Para os professores universitários a situação é entretanto bastante diferente. A greve como arma na luta econômica não é tão eficiente. Se, em princípio, não ameaça nosso emprego, também não causa prejuízo econômico direto ao empregador. Daí as greves de tempo sempre demorado de duração.
Além disso, nosso trabalho intelectual tem características muito especiais. É um trabalho, no geral, desalienado, que desenvolvemos construindo a nós mesmos. Para uma pesquisa, um programa de estudo, uma elaboração de projeto para financiamento é como cortar a nossa própria carne. Interromper nossas aulas ou nossos projetos de extensão é como tomar terceiros, que poderiam ser nossos aliados, como reféns, na nossa luta contra o governo.
Por isso é imperioso dar um salto de qualidade em nossa luta e perceber que o maior prejuízo que podemos causar em nosso empregador é o prejuízo político. Temos que buscar formas que lhe desnudem o pouco caso com que tratam a educação e o trabalho. A essência da nossa luta deve ser, portanto, a pressão política.
É ai que surgem contradições terríveis em nossas formas tradicionais de luta. As greves, na realidade, esvaziam a Universidade (de professores, técnicos e estudantes), diminuindo a possibilidade de ações políticas massivas.
Também problematizam nossas ligações com a sociedade, imprescindiveis para que nossa luta, de caráter político, possa surtir efeito. Só não percebe isto o corporativismo, verdadeira doença do infantilismo político que grassa entre nós. A luta política, para dar resultados, necessita de alianças, de amplitude, de construção de hegemonia. Portanto nada que nos isola serve aos nossos propósitos.
Essas reflexões que fazemos, e nós sempre estivemos solidários na luta do movimento docente, não tem nenhum sentido desmobilizador. Pelo contrário, buscam tensionar nosso movimento e nossa criatividade para encontrarmos formas alternativas de luta, mais eficientes. Que não nos isole do contexto social.
Ficarmos apenas nesses comentários genéricos significariam pouca contribuição.
No contexto de uma greve já deflagrada (se assim não fosse, outras alternativas poderiam ser discutidas), apontamos a necessidade de analisar algumas outras possibilidades:
a) Greve por tempo determinado curto (sucessivas se necessário). Esse tipo de proposta já surgiu em nossas assembléias e tem o mérito de minimizar o esvaziamento da Universidade, garantir assembléias com maior presença e buscar sintonia permanente entre a vontade de luta da nossa base e posição de nossos delegados e entidades;
b) Diante de perspectiva de longa duração, adotarmos a greve intermitente (em dias alternados) que teria o mérito de não permitir o esvaziamento da Universidade, principalmente estudantes, garantindo base de apoio para nossas ações políticas, além de reduzir pela metade nossas reposições de aula e atividades acadêmicas (o que só mentalidades de completa irresponsabilidade social pensam em não fazer).
c) Não interrupção de atividades que liguem a Universidade a sociedade. É aqui que devemos dar o sinal mais claro de amadurecimento, de ruptura com o corporativismo e de afirmação do caráter político da nossa luta. Devemos manter em funcionamento absolutamente normal o Hospital Universitário, o Teatro Glauce Rocha, o Estádio e tantos outros projetos à comunidade. E devemos fazê-lo assumindo que tais atividades servem à nossa luta por estarem servindo à sociedade e ampliando, portanto, a nossa, legitimidade social.
Esperamos que estas reflexões possam contribuir para dar nova qualidade ao nosso movimento. Não recusemos o desafio de repensar nossas formas de luta. Não façamos greve contra nós mesmos. Não façamos greve contra a sociedade. Não recusemos o desafio de construir nossa hegemonia política. Não vamos, já no final do século XX, continuar a quebrar as nossas “máquinas”.

(Prof. Fausto Matto Grosso)

Jornal da Adufms

terça-feira, 19 de maio de 1998

DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO

Poucas coisas chocam tanto os sul-mato-grossenses como a descontinuidade administrativa. Acostumada a ver o poder ser ocupado, alternadamente, pelo pedrismo e pelo anti-pedrismo conservador, nossa gente assiste a cada quatro anos as prioridades mudarem, as obras pararem, as armadilhas serem armadas para o sucessor, o dinheiro público se perder e tantas outras irresponsabilidades administrativas.
Alguém já definiu que estadista é aquele que governa pensando nas próximas gerações e não apenas nas próximas eleições. Nesse sentido tem faltado aos governantes de Mato Grosso do Sul a estatura de estadistas e o compromisso democrático.
Comportam-se como se não tivessem plano algum de longo prazo. Se os têm, a sociedade deles não toma conhecimento e não participa.
Recentemente, a Petrobrás, preocupada com os seus investimentos no gasoduto, patrocinou ao Governo do Estado uma importante consultoria para a elaboração de um estudo de cenários de Mato Grosso do Sul para o ano 2010. Desse trabalho resultaram importantes diretrizes estratégicas, saudadas com entusiasmo por todos que tiveram acesso ao documento. Infelizmente nenhuma iniciativa foi tomada visando transformar tais indicações em ação governamental.
A arrojada tentativa da sociedade civil sul-mato-grossense em intervir nessa discussão, através do Fórum MS, acabou se desestruturando, pela completa insensibilidade do Governo diante da possibilidade dessa interlocução.
Entretanto esse deve ser o caminho. O futuro de Mato Grosso do Sul deve ser definido pela participação da sua sociedade civil e os governos e governantes serem simples executores dessa vontade coletiva construída em consensos pluralistas e democráticos. Dessa maneira os governos, transitórios que são, passarão e, sucessivamente, adicionarão iniciativas construtoras de um projeto de longo prazo.
Esse é o exemplo que tem sido dado, nos últimos anos, pelo Ceará. Após o enfrentamento e a derrubada do poder dos coronéis, a nova elite cearense, da qual fazem parte Tasso Jereissati e Ciro Gomes, organizou o chamado "Pacto de Cooperação do Ceará". Essa articulação das forças vivas da sociedade cearense construiu de um projeto de longo prazo que está na raiz do atual processo de desenvolvimento da região. Pensou-se grande, com um horizonte de 25 anos.
As ameaças - sol e pedra - foram transformadas em oportunidades. O sol virou fruticultura e indústria turística. A pedra virou exportação de mármore e granito. As cadeias produtivas foram desamarradas e seus gargalos resolvidos um a um. Foi atribuído um papel claro a cada agente de desenvolvimento, inclusive para as Universidades da região.
O resultado é que o Ceará, um Estado dos mais miseráveis, de uma região das mais miseráveis do Brasil, começou a ganhar prêmios internacionais pelas seus resultados na área da saúde, da infância e pela melhoria de todos os seus indicadores sociais.
Esse processo hoje, praticamente, independe de quem governa o Estado. A dinâmica implantada na sociedade não admite reversão das metas construídas em parcerias democráticas e consolidadas.
Esse é um exemplo a ser seguido. Que o próximo governo de Mato Grosso do sul seja escolhido pela capacidade de liderar um processo semelhante de desenvolvimento sustentável democraticamente.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro civil e professor universitário. Presidente do PPS/MS

19/05/98

quinta-feira, 14 de maio de 1998

UM PROFESSOR CONTRA A UNIVERSIDADE

As Universidades Federais estão paradas. Nunca um movimento grevista conseguiu, entre nós, tamanha abrangência. Todas as 52 instituições de ensino superior do sistema federal aderiram à paralisação.
Mesmo em algumas delas, como é o caso da UFMS, a adesão não sendo total, não diminui a importância do movimento. Seguramente a maior parte dos que assim procedem, não o fazem por satisfação com a nossa situação atual, mas sim por não depositarem nenhum crédito na sensibilidade do governo FHC.
A greve atual é um grito de resistência da Universidade brasileira contra a sua humilhação, destruição e extinção.
Triste fim. A eleição do professor Fernando Henrique Cardoso, por certo, despertou grande expectativa nas Universidades. Afinal seu rico currículo acadêmico e político assim o justificava. Passados menos de 4 anos, o presidente , que viaja o mundo recebendo homenagens de instituições estrangeiras, talvez seja, nas Universidades, o mais desacreditado presidente das últimas décadas.
Afinal, ao ser empossado, ele mesmo pediu que esquecessem o que já tinha escrito. Repudiar, repentinamente, idéias antes defendidas, tudo em nome da nova aliança conservadora, é inaceitável em uma instituição que se dedica a produzir idéias e utopias . Foi seu primeiro gol contra.
A política universitária desenvolvida a partir daí foi de humilhação, terrorismo e falta de respeito.
Três anos sem reajuste salarial reduziram pela metade o já aviltado nível salarial e de vida dos professores e técnicos . O resultado disso é a desesperança e o desestímulo. A Universidade, que deveria ter condições de selecionar e manter os mais competentes quadros da sociedade, hoje, é empurrada para a mediocrização.
O terrorismo feito em torno da reforma da previdência jogou para fora das instituições públicas de ensino um enorme contingente dos mais titulados professores. Gente na qual o dinheiro público foi investido durante décadas foi cair, de graça, no sistema privado. Tudo isso poderia ter sido evitado se, em vez de anunciar iminente perda de direitos, fossem criados incentivos à continuidade na atividade acadêmica. Um governo que se pretende moderno teria necessariamente tal política.
Para completar o serviço, o governo do professor Cardoso não permite a reposição, em nível adequado, das vagas geradas pelas aposentadorias. Sem autorização para abertura de concurso, as Universidades vem sendo obrigadas a contratar, em número insuficiente e a título precário, professores substitutos. Isso está gerando uma situação profundamente desigual, injusta e inaceitável no aspecto acadêmico. Tais professores pagos por prestação de serviço, dedicam-se apenas às aulas sem poderem participar de atividades de pesquisa, de extensão e de qualificação docente que completam, na essência, a missão constitucional da Universidade. O governo FHC implantou o sistema de bóia-frias no ensino superior público.
Corte de verbas, corte de bolsas, semeadura de desesperanças. Por aí vai o professor Fernando Malvadeza. Com seu discurso modernizador e a sua prática de destruição do patrimônio universitário brasileiro produzido, a duras penas, com trabalho de muitas décadas, por professores, cientistas, pensadores que jamais mandariam esquecer aquilo que escreveram e sonharam.

FAUSTO MATTO GROSSO,
Engenheiro civil e professor universitário. Presidente do PPS/MS

14/05/98

terça-feira, 5 de maio de 1998

CINCO DEDOS

Durante este final de semana o PPS esteve apresentando, em panfletagens nas principais cidades brasileiras, o seu balanço político sobre o governo FHC.
A mão inteira espalmada na campanha de 94 revelou-se enganosa e pitôca dos cinco dedos.
O "mindinho" da Agricultura foi desmoralizado pelo descrédito agrícola. Após a safra recorde de 94/95, caiu a área plantada, caiu a produção agrícola e o país perdeu 4,5 bilhões de reais. O juro alto sufocou o produtor rural que não consegue pagar as dívidas, obter financiamentos e ter preços competitivos. Aumentou o desemprego no campo com a perda de cerca de 1,5 milhão de postos de trabalho. A falta de uma política agrária estimulou a violência e o desespero dos excluídos do campo.
O "seu vizinho" da Segurança foi substituído pela ampliação da insegurança. Não conseguiu reformar as polícias militares e civis e teve de enfrentar greves armadas. A criminalidade cresceu e virou poder paralelo nas grandes cidades. As rebeliões nos presídios viraram fatos corriqueiros. Prometeu reformular o Código Penal e captar recursos no exterior para melhorar o sistema penitenciário. Não fez e não captou um dólar furado. O cidadão tem hoje mais medo de andar nas ruas.
O "pai de todos" do Emprego revelou o fracasso maior. Quando FHC assumiu o governo, em janeiro de 95, a taxa de desemprego era de 4,42 %. Em janeiro deste ano foi de 7,25 % , a mais alta desde o fim do regime militar. A agricultura e a construção civil reduziram 98,5 mil vagas com carteira assinada nos 3 primeiros anos do governo. O Brasil tem a maior taxa de juros do mundo, o que está sufocando a produção: o número de falências e concordatas é a maior da nossa história.
O "fura bolo" da Saúde gangrenou. A principal promessa de FHC era garantir recursos públicos estáveis para a saúde: não cumpriu. A dengue explodiu, aumentando 4 vezes em 3 anos. As verbas da saúde, aumentadas com um novo imposto, a CPMF, entraram por uma porta e saíram por outra, inclusive servindo de "moeda" para uma barganhas políticas pouco saudáveis. O Sistema de Saúde Pública no Brasil é um caos. As epidemias estão de volta com força total: aumentaram os casos de malária, dengue, leptospirose, tuberculose e sarampo.
O "mata piolho" da Educação prometeu acabar com o analfabetismo. Não acabou. Pelas taxas atuais, as metas propostas só poderão ser alcançadas no século 21. Prometeu garantir vagas para todas as crianças de 7 a 14 anos: 1,5 milhões de jovens continuam fora da escola. Prometeu reformular o crédito educativo: bolsas estão sendo canceladas por falta de recursos. Os professores universitários, sem reajustes há 3 anos, estão em greve e o Ministro da Educação se nega a dialogar, submetendo-se à ditadura consentida da equipe econômica. A universidade brasileira perdeu, por terrorismo e falta de respeito, um terço de seu professores.
Triste fim para um político de passado democrático e progressista. Acenou com a mão e deixou o povo na dita cuja.

FAUSTO MATTO GROSSO, engenheiro civil e professor. Presidente do PPS/MS - 05/05/98