sábado, 10 de julho de 2021

 

WILSON E O PARTIDÃO
(Esta crônica será publicada no livro Histórias que Ninguém Iria Contar)



Não sei se Wilson Barbosa Martins tinha um plano para si no cenário político do nascente estado de Mato Grosso do Sul, mas o Partidão tinha um plano para ele. Deputado Federal por duas vezes, advogado defensor de presos políticos, respeitado pelo seu compromisso democrático, cassado com base no AI-5, com grande estatura intelectual e moral, tinha todos os requisitos para assumir a liderança da luta contra a ditadura em nosso estado. Essa foi a trajetória que, modestamente, ajudamos a construir, conforme reconhecido por Wilson, na sua própria biografia.

Nem sempre houve concordância entre o que defendíamos. Essas discordâncias ajudaram a identificar os limites políticos do nosso relacionamento. Wilson desejava nossa ajuda, mas não queria ser confundido conosco, o que entendíamos e respeitávamos.

O primeiro passo do plano foi viabilizar sua candidatura a presidente da OAB-MS. Tínhamos há anos a liderança na entidade, o que facilitou sua eleição. Com seu mandato na OAB, Wilson ampliou a sua visibilidade política no estado e sua articulação nacional através do Conselho Federal da OAB.

O passo seguinte foi eleição para governador em 1982. Uma ampla frente se formou em apoio a Wilson naquela que foi a primeira eleição direta para governadores. Foi uma vitória memorável, com o PMDB se impondo nacionalmente e no estado. A luta democrática colheu um importante resultado.

A partir daí, nossa relação com o governador, de certa forma, passou a ser mais discreta, quase clandestina. O Partidão, nem seus principais dirigentes jamais compareceram à Governadoria. O local das nossas conversas era o escritório de advocacia do governador. Nossos principais interlocutores eram Onofre Costa Lima e Carmelino Rezende, com os quais Wilson mantinha relações de camaradagem. 

Apesar dessa relação discreta, Wilson começou a ser cobrado como tendo concedido muito espaço ao Partidão o que não correspondia à realidade, mas causava grande desconforto tanto aos pemedebistas históricos como aos aliados mais conservadores do governador. Essa situação acabou gerando uma pressão anticomunista contra o governo, inclusive por parte da imprensa. É nesse contexto, tendo em vista a formação de uma ampla frente para isolar a Ditadura, que apoiamos a indicação de Lúdio Coelho a prefeito nomeado de Campo Grande. Era preciso dar um fôlego para o governo começar a governar.

O governador, diante da grande disputa pelo cargo de prefeito nomeado, principalmente entre os autênticos do PMDB, decidiu que ouviria o diretório municipal do PMDB, onde se abrigavam os comunistas, que detinham um terço dos seus membros.  O voto decisivo dos comunistas para a indicação de Lúdio se deu dentro da nossa perspectiva de frente democrática, onde todos que participaram da campanha estavam credenciados a participar do governo. O grupo de pecuaristas representados por Lúdio estava nessa condição e ajudaria a dar governabilidade a Wilson.

 O partido nunca pediu cargos no governo, mas ajudamos o governador a escolher secretários qualificados, sem relação partidária conosco.  Isso permitiu formar um bom secretariado, de perfil decente e progressista. Em função disso, importantes avanços foram conseguidos na educação, na saúde e na segurança pública, entre outras áreas. A bem da verdade, durante esse período, tivemos dois companheiros nossos ocupando cargos: na Enersul Ricardo Bacha e na Secretaria de Trabalho o advogado João José de Souza Leite, ambos atendendo convites pessoais do governador, sem nenhuma interferência partidária.

  Desavenças nossas existiram com a área de obras públicas, ocupada por quadros ligados ao senador Marcelo Miranda. Discordávamos do caráter faraônico das obras, que seguiam ainda o velho padrão do milagre brasileiro. A partir de posição que passamos a ocupar no governo Lúdio e na Câmara Municipal de Campo Grande travamos essa discussão pública. Uma das vitórias nossas nesse período foi salvar os Córregos Prosa e Segredo do completo envelopamento, caro e não ecológico.

O governo Wilson foi um marco na luta democrática e da moralização da gestão pública inscrevendo nosso estado no contexto nacional das mudanças. A campanha por eleições diretas cresceu com o firme apoio do governador, assim como a luta pela anistia e direitos humanos. Apoiamos e participamos de todas essas lutas, primeiramente dentro do próprio PMDB, até 1985, quando foi legalizado nosso partido, depois continuamos nossa relação dentro da Aliança Democrática formada pelo PMDB, PFL, PCB e PCdoB.

Em 1988, veio a nossa ruptura com o PMDB durante o processo eleitoral para prefeito de Campo Grande. Terminava meu mandato de vereador e a reeleição era considerada certa. O candidato a prefeito era Plínio Barbosa Martins, nosso tradicional aliado político, portando, estávamos apostando em uma confortável aliança política. Aprovamos em nossa convenção a coligação com o PMDB quando, para nossa surpresa, esse partido, unilateralmente recusou a coligação com o PCB, que havia sido combinada com Wilson.  Esse mal explicado episódio selou nosso rompimento com o PMDB e nos levou a uma desesperada campanha com uma candidatura própria a prefeito, com Alan Pithan e Onofre da Costa Lima, que não logrou atingir o quociente eleitoral para vereador. Assim, foi encerrado o meu mandato na Câmara Municipal de Campo Grande.  Essa Wilson ficou nos devendo.


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