WILSON E O PARTIDÃO
(Esta crônica será publicada no livro Histórias que Ninguém Iria Contar)
Não sei se Wilson Barbosa Martins tinha um plano para si no
cenário político do nascente estado de Mato Grosso do Sul, mas o Partidão tinha
um plano para ele. Deputado Federal por duas vezes, advogado defensor de presos
políticos, respeitado pelo seu compromisso democrático, cassado com base no
AI-5, com grande estatura intelectual e moral, tinha todos os requisitos para
assumir a liderança da luta contra a ditadura em nosso estado. Essa foi a
trajetória que, modestamente, ajudamos a construir, conforme reconhecido por
Wilson, na sua própria biografia.
Nem sempre houve concordância entre o que defendíamos. Essas
discordâncias ajudaram a identificar os limites políticos do nosso
relacionamento. Wilson desejava nossa ajuda, mas não queria ser confundido
conosco, o que entendíamos e respeitávamos.
O primeiro passo do plano foi viabilizar sua candidatura a
presidente da OAB-MS. Tínhamos há anos a liderança na entidade, o que facilitou
sua eleição. Com seu mandato na OAB, Wilson ampliou a sua visibilidade política
no estado e sua articulação nacional através do Conselho Federal da OAB.
O passo seguinte foi eleição para governador em 1982. Uma
ampla frente se formou em apoio a Wilson naquela que foi a primeira eleição
direta para governadores. Foi uma vitória memorável, com o PMDB se impondo
nacionalmente e no estado. A luta democrática colheu um importante resultado.
A partir daí, nossa relação com o governador, de certa forma,
passou a ser mais discreta, quase clandestina. O Partidão, nem seus principais
dirigentes jamais compareceram à Governadoria. O local das nossas conversas era
o escritório de advocacia do governador. Nossos principais interlocutores eram
Onofre Costa Lima e Carmelino Rezende, com os quais Wilson mantinha relações de
camaradagem.
Apesar dessa relação discreta, Wilson começou a ser cobrado
como tendo concedido muito espaço ao Partidão o que não correspondia à
realidade, mas causava grande desconforto tanto aos pemedebistas históricos
como aos aliados mais conservadores do governador. Essa situação acabou gerando
uma pressão anticomunista contra o governo, inclusive por parte da imprensa. É
nesse contexto, tendo em vista a formação de uma ampla frente para isolar a
Ditadura, que apoiamos a indicação de Lúdio Coelho a prefeito nomeado de Campo
Grande. Era preciso dar um fôlego para o governo começar a governar.
O governador, diante da grande disputa pelo cargo de prefeito
nomeado, principalmente entre os autênticos do PMDB, decidiu que ouviria o
diretório municipal do PMDB, onde se abrigavam os comunistas, que detinham um
terço dos seus membros. O voto decisivo
dos comunistas para a indicação de Lúdio se deu dentro da nossa perspectiva de
frente democrática, onde todos que participaram da campanha estavam
credenciados a participar do governo. O grupo de pecuaristas representados por
Lúdio estava nessa condição e ajudaria a dar governabilidade a Wilson.
O partido nunca pediu
cargos no governo, mas ajudamos o governador a escolher secretários
qualificados, sem relação partidária conosco.
Isso permitiu formar um bom secretariado, de perfil decente e
progressista. Em função disso, importantes avanços foram conseguidos na
educação, na saúde e na segurança pública, entre outras áreas. A bem da
verdade, durante esse período, tivemos dois companheiros nossos ocupando
cargos: na Enersul Ricardo Bacha e na Secretaria de Trabalho o advogado João
José de Souza Leite, ambos atendendo convites pessoais do governador, sem
nenhuma interferência partidária.
Desavenças nossas
existiram com a área de obras públicas, ocupada por quadros ligados ao senador
Marcelo Miranda. Discordávamos do caráter faraônico das obras, que seguiam
ainda o velho padrão do milagre brasileiro. A partir de posição que passamos a
ocupar no governo Lúdio e na Câmara Municipal de Campo Grande travamos essa
discussão pública. Uma das vitórias nossas nesse período foi salvar os Córregos
Prosa e Segredo do completo envelopamento, caro e não ecológico.
O governo Wilson foi um marco na luta democrática e da
moralização da gestão pública inscrevendo nosso estado no contexto nacional das
mudanças. A campanha por eleições diretas cresceu com o firme apoio do
governador, assim como a luta pela anistia e direitos humanos. Apoiamos e
participamos de todas essas lutas, primeiramente dentro do próprio PMDB, até
1985, quando foi legalizado nosso partido, depois continuamos nossa relação
dentro da Aliança Democrática formada pelo PMDB, PFL, PCB e PCdoB.
Em 1988, veio a nossa ruptura com o PMDB durante o processo
eleitoral para prefeito de Campo Grande. Terminava meu mandato de vereador e a
reeleição era considerada certa. O candidato a prefeito era Plínio Barbosa
Martins, nosso tradicional aliado político, portando, estávamos apostando em
uma confortável aliança política. Aprovamos em nossa convenção a coligação com
o PMDB quando, para nossa surpresa, esse partido, unilateralmente recusou a
coligação com o PCB, que havia sido combinada com Wilson. Esse mal explicado episódio selou nosso
rompimento com o PMDB e nos levou a uma desesperada campanha com uma
candidatura própria a prefeito, com Alan Pithan e Onofre da Costa Lima, que não
logrou atingir o quociente eleitoral para vereador. Assim, foi encerrado o meu
mandato na Câmara Municipal de Campo Grande.
Essa Wilson ficou nos devendo.
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