domingo, 6 de maio de 1984

O ESPÍRITO INTERNACIONALISTA

(Depoimento de Viagem XI – Jornal da Cidade - 06/05/84)
“Cubanos e norte-vietnamitas têm em suas veias o mesmo sangue vermelho da revolução” – Cartaz cubano.
Uma das constantes de todos os discursos de Fidel Castro é o incentivo ao internacionalismo. Em 1 de janeiro, dia do 25 aniversário da vitória da revolução traçou bem o retrato dessa atitude cubana: “Os Estados Unidos têm seus corpos de paz; as igrejas têm seus missionários ; Cuba sozinha conta com mais cidadãos dispostos a cumprir voluntariamente essas tarefas (internacionalistas) em qualquer parte do mundo do que os Estados Unidos e todas as igrejas juntas.”
Mas, os discursos de Fidel simplesmente refletem uma realidade profundamente arraigada na consciência do cidadão comum. Ouvi comoventes depoimentos de pessoas do povo sobre a invasão americana à Granada. Sentiam a morte de Maurice Bishop, ex –dirigente granadino, como se fosse a morte de um parente ou de um irmão. Os operários cubanos que resistiram nas montanhas de Granada transformaram-se em verdadeiros heróis nacionais. Os que tombaram nessa resistência tinham suas fotografias estampadas em todos os locais de trabalho, nos quadros murais das escolas e nas ruas.
Sentem os cubanos as ameaças à revolução nicaraguense como se fossem ameaças à seu próprio país. Quando foram solicitados professores para ajudar a Nicarágua ofereceram-se 30 mil voluntários. Meses depois, quando alguns mestres foram assassinados, 100 mil ofereceram-se para substituí-los.
Existem em Cuba , 20 mil estudantes bolsistas de países da Ásia, África e América Latina. Só de Angola são 5 mil. Fazem seus cursos em todos os níveis e em todas as áreas. Sairão das escolas cubanas os futuros quadros técnicos para ajudar no desenvolvimento desses países. A maioria desses bolsistas faz seus estudos na Ilha dos Pinos, para onde Fidel ficou preso após o fracasso do ataque ao Quartel Moncada. Hoje a ilha foi transformada em um enorme centro escolar e passou a ser conhecida como Ilha da Juventude.
Conheci alguns desses estudantes de Angola, Guiné, Moçambique e Etiópia. Jovens ainda, saíram de seus países, de suas aldeias convocados pelos seus movimentos revolucionários com importante missão no exterior: estudar, aproveitar ao máximo os ensinamentos dos cubanos para futuramente empregarem seus conhecimentos em benefício de seus compatriotas. São jovens saudosos de sua terra natal, de suas famílias (têm férias em casa a cada três anos) mas mostram u amadurecimento e uma consciência social e política altamente desenvolvida, sentem-se peças fundamentais das revoluções que se desenvolvem em seus países de origem.
Um fato narrado por um amigo cubano, retrata o interesse e a atenção especial que o governo dedica a esses estudantes: o consumo de maconha, proibido e inexistente em Cuba, é admitido para os angolanos. Em Angola, muitas tribos consomem essa erva sem caracterizar de vício, e o governo cubano então, para não violar a cultura de seus visitantes, permite o seu consumo pelos estudantes angolanos.
Existem 3 mil médicos cubanos no exterior. De alguns países, como Etiópia, Cuba recebe pagamento por tais serviços. A Etiópia, que tinha antes da sua revolução apenas 125 médicos para uma população de 35 milhões de habitantes, paga com petróleo. Estes destacamentos médicos prestam serviços a 26 diferentes países.
Os exilados políticos que vivem em Cuba também são alvo de calorosa solidariedade. Têm os mesmos direitos que todos os demais cidadãos cubanos e além disso são cercados pelo carinho da população. Qualquer brigada de construção ao concluir um conjunto habitacional, quando da distribuição das residências entre os participantes do mutirão, reserva sempre algumas casas para os exilados políticos . Isto retrata bem o espírito do internacionalismo. O que Cuba destina em ajuda ao exterior é algo que lhe faz falta , que sacrifica a cada um dos cubanos, mas é assumido conscientemente como um dever para com o resto da humanidade. Nas palavras do próprio Fidel, “o que é o que temos feito pelos outros comparando com o que já fizeram por nós em tantos terrenos? A cooperação econômica que temos recebido, quanto vale? Mas devemos ajudar os outros independentemente disso. O internacionalismo é um dever moral, um dever revolucionário, um dever de princípio, um dever de consciência , um dever ideológico”.
Por isso tudo, a Revolução Cubana soube receber de um outro país, a Argentina, um internacionalista-símbolo, Ernesto Che Guevara, e fez dele um de seus comandantes, um herói nacional, um ministro. Sofrendo a ausência desse seu filho adotivo, enviou-o pelo mundo afora para divulgar a possibilidade de um mundo melhor para todos os povos oprimidos . Assistiram então os cubanos, juntos que acreditam num futuro melhor para a humanidade, a sua heróica luta, a sua perseguição e morte nas selvas bolivianas, nas mãos dos títeres dos novos imperadores do mundo. Esta paixão e morte moderna expressa bem o internacionalismo que é uma das características da Revolução Cubana.


FAUSTO MATTO GROSSO

domingo, 15 de abril de 1984

O PODER POPULAR E O SISTEMA ELEITORAL

(Depoimento de Viagem (X) – Jornal da Cidade 15/04/84 )
“Primeira vez que em Cuba se celebran unas eleciones sin bayonetas y sin fusiles a las puertas de las escuelas. Y esto es lógico, porque estas no eran elecciones de rapinã, no era una pugna por repartirse un botín, sino las elecciones del pueblo revolucionário.” (Fidel Castro – 1974 )
Pegar “carona”em excursões alheias é macete que todo turista econômico utiliza. Usando tal expediente incorporei-me por um dia a u grupo de advogados brasileiros cuja programação em Cuba incluía uma semana de palestras na Universidade de Havana. Na Faculdade de Direito, local onde o universitário Fidel Castro Ruiz iniciou sua carreira de agitador, assisti a longa exposição de um renomado constitucionalista sobre a estrutura do Estado cubano. Sem dúvida posso afirmar que foi esta uma das atividades mais aproveitáveis que tive durante minha viagem.
O Estado cubano tem uma estrutura unitária mas, descentralizada. Cada cidade tem sua Assembléia Municipal do Poder Popular, órgão máximo do poder dentro do município. De forma semelhante, a nível da Província existe a Assembléia Provincial do Poder Popular e nacionalmente a Assembléia Nacional do poder Popular.
Os membros da Assembléia municipal são eleitos em cada circunscrição eleitoral em que é dividido o Município, após terem sido lançados pelas organizações populares (Comitês de defesa da Revolução, Sindicatos, Federação das Mulheres, etc..) ou pelo Partido Comunista. Os representantes devem prestar contas semestralmente a seus eleitores em reuniões especialmente convocadas para esta finalidade sendo seus mandatos revogáveis, em qualquer tempo, no caso de não estarem satisfazendo a expectativa dos seus representados.
O Poder Municipal é altamente fortalecido, sendo ele o encarregado de eleger (indiretamente portanto) os delegados à Assembléia Provincial e deputados à Assembléia Nacional do Poder Popular.
Em qualquer nível, a função de representação política não é remunerada, seja de representante municipal, provincial ou nacional (Deputado). O representante continua recebendo seu salário normal e também não se afasta de suas atividades na produção, a não ser em casos especiais ou nas ocasiões das reuniões da Assembléia a que pertence.
O Estado cubano é unitário, não existindo uma nítida diferença entre o poder executivo e o legislativo, sendo sua estrutura , quer a nível municipal, provincial ou nacional semelhante a parlamentarista. A Assembléia Municipal escolhe entre seus membros um Comitê Executivo, órgão permanente, coletivo, que coordena a atuação das diversas Direções Administrativas (equivalentes às nossas Secretarias Municipais). A mesma estrutura repete-se a nível da Província e Nacional, só que neste último caso o Comitê Executivo denomina-se Conselho de Estado e as unidades administrativas são os Ministérios. A articulação dos diversos Ministérios se faz através do conselho de ministros. O número dos ministérios, bem como das direções administrativas municipais e provinciais ( equivalentes às nossas Secretarias Estaduais ou Municipais) é bastante grande , refletindo uma maior complexidade da gestão do Estado Socialista, decorrente tanto do planejamento centralizado como da propriedade social dos meios de produção. Assim temos Ministérios como o da indústria Sídero-Mecânica, da Gastronomia(cuida da alimentação e dos restaurantes), da Construção, do cinema, da Atenção à Infância, do Comércio, etc.
Ë interessante ressaltar que, embora as Direções Administrativas Municipais (ou Provinciais) se subordinem politicamente às Assembléias Municipais do Poder Popular (ou Provinciais), são estabelecidos, entre os organismos semelhantes dos diversos níveis do Poder, uma hierarquização e uma integração pelo planejamento centralizado. Assim, por exemplo, a Direção Administrativa Municipal de Saúde se subordina à Assembléia Municipal (que a escolheu) mas se articula profundamente no seu trabalho técnico com a Direção Administrativa Provincial de Saúde e com o Ministério da Saúde. Este tipo de integração dá um caráter descentralizado mas unitário do Estado Cubano, permitindo ao mesmo tempo o controle local (portanto mais democrático) de todos os serviços mas dando uma eficiência invejável a toda sua máquina administrativa.
Uma situação que chama a atenção na política cubana é a grande influência das organizações populares e do Partido Comunista na estrutura de Poder do país. O Secretário Geral da Central de trabalhadores de Cuba (C.T.C) , mesmo não sendo membro da Assembléia Nacional, tem direito garantido de participação nas sessões do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros. As direções nacionais das diversas organizações populares (Central de Trabalhadores de Cuba, Associação Nacional de Agricultores Pequenos, Direção Nacional dos COR’S, Federação das Mulheres Cubanas, Federação Estudantil Universitária, etc.) podem Ter, em igualdade de direitos com qualquer deputado, o poder de iniciativa para apresentar projetos de lei, direito que também goza qualquer grupo de 10.000 eleitores.
A percentagem de militantes do partido Comunista e da União dos Jovens Comunistas nos órgãos do Poder Popular varia com o nível da representação. Nas Assembléias Municipais é da ordem de 58 por cento, das Assembléias Provinciais e cerca de 75 por cento e na Assembléia Nacional em torno de 85 por cento. Analisando esta alta presença da militância comunista no Poder Popular, Fidel Castro, Presidente do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros, argumenta que isso é conseqüência da rigorosa seleção dos quadros do PCC , que recruta e forma os trabalhadores mais conscientes, mais avançados, a vanguarda da classe operária e da intelectualidade, os cidadãos exemplos em termos de convivência no local de trabalho e de moradia. Pena que os comunistas que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá.

FAUSTO MATOGROSSO

domingo, 1 de abril de 1984

AS ORGANIZAÇÕES POPULARES E O PCC

(Depoimento de Viagem (IX) - Jornal da Cidade – 01/04/84)
“La obra realizada en estos años la llevaron adelante hombres muy modestos salidos de las filas del pueblo”
FIDEL CASTRO/1984
Perguntado por um funcionário cubano, não tive a menor dúvida: o que mais me impressionou em Cuba foi o nível de organização de seu povo. E entre as organizações populares existentes a que mais chama a atenção dos visitantes é a dos Comitês de Defesa da Revolução (C.D.R).
Os CDRs agrupam cerca de 5 milhões e 100 mil homens e mulheres, o que representa 80 por cento da população maior de 14 anos. Se me contassem, talvez não acreditasse: em cada quadra existem quatro CDRs, um para cada rua que circunda o quarteirão. Ë como se em cada quadra existissem quatro associações de moradores.
Surgiram os CDRs, na época da maior atividade contra-revolucionária , no início dos 60, quando instigados pela CIA os atos de terrorismo e sabotagem eram freqüentes e vitimaram grande número de cubanos. Fidel entendeu então que só o povo organizado para a defesa da Revolução poderia aparar os golpes do inimigo. E assim foi feito.
Hoje, entretanto, os CDRs têm uma função muito mais ampla e diversificada, pois além da defesa organizam toda a vida social da comunidade. Os CDRs cuidam da situação de saúde dos moradores , tanto ao nível de solidariedade com os doentes , como assegurando a plena cobertura das campanhas de vacinação, de exame de sangue, etc. Tratam de acompanhar junto às famílias a situação escolar das crianças, ajudando a resolver problemas que possam gerar evasão ou baixo rendimento no aprendizado. Ajudam na organização do lazer, das atividades cívicas e culturais, revelam as lideranças populares e lançam os candidatos aos cargos eletivos.
A grande campanha que hoje é assumida pelos CDRs é a do recolhimento de todo papel usado (jornais, revistas,embalagensetc.) para possibilitar matéria-prima para a impressão de 50 milhões de livros por ano, desafio lançado por Fidel à indústria gráfica, e que representa o impressionante índice de cinco livros para cada cidadão cubano.
Mas, inegavelmente, a defesa é a principal finalidade do CDR. Se a contra-revolução é hoje uma ameaça sepultada, a preocupação com a ameaça externa é permanente em Cuba, e para enfrentá-la a população está plenamente preparada política, psicológica e militarmente. Na eventualidade de uma agressão americana à Cuba, a população lutará quadra por quadra, casa por casa, cômodo por cômodo. Os EUA sabem que isto significará enfrentar mil Vietnãs juntos.
Além de organizados por local de moradia os trabalhadores se vinculam aos inúmeros sindicatos articulados nacionalmente ela mais poderosa das organizações de massa, a Central de Trabalhadores de Cuba (CTC) , com 2 milhões e 200 mil filiados. Os camponeses(donos da própria terra até o limite de 54 hectares) agrupam-se na Associação Nacional de Agricultores Pequenos (ANAP), com 190 mil membros. As mulheres, que ocupam posição de destaque na sociedade cubana, organizam-se através da Federação das Mulheres Cubanas, com 2 milhões e 300 mil filiadas, equivalente a 81 por cento da população feminina acima dos 14 anos. Os estudantes, em nível nacional, são representados pela Federação de Estudantes do Ensino Médio e pela Federação Estudantil Universitária , que desenvolvem grande trabalho político com as massas estudantis.
Até as crianças (menores de 14 anos) têm sua articulação de massa. São 2 milhões e 100 mil filiados na Organização de Pioneiros José Martí, cujo objetivo essencial é “contribuir para a formação das novas gerações, trabalhar para incentivar o interesse pelo estudo, amor ao trabalho , consciência das responsabilidades sociais, assim como desenvolver o amor à Pátria e sua história, sentimento de amizade e solidariedade com todos os povos que lutam por sua soberania , independência e pela paz.”Desenvolve a Organização dos Pioneiros intensas atividades sociais organizando o tempo livre das crianças com atividades desportivas, culturais e recreativas.
O palácio dos Pioneiros Che Guevara, situado no Parque Lênin, é a sede nacional dos Pioneiros, onde além de toda a infra-estrutura para a atividade da organização, existe uma moderna usina de açúcar, operada pelos próprios jovens, com finalidade de desenvolver o espírito de dedicação ao trabalho e também gerar recursos para a atuação da entidade.
Visitando o Parque Lênin , conversamos com muitos pioneiros. Alegres e expressivos, falavam de seus planos para o futuro, de seus estudos e de suas aspirações políticas – todos queriam ser selecionados para pertencer, após os 14 anos , à União dos Jovens Comunistas(UJC).
A UJC, com 500 mil militantes , entre 14 e 28 anos , é uma espécie de antecâmara do Partido Comunista. Extremamente ativa , influenciando todas as organizações de massa da juventude, a UJC é uma verdadeira escola de militância política. Entre 24 e 28 anos os membros da UJC podem solicitar o ingresso no Partido, o que é admitido após uma austera e severa análise de sua militância.
O Partido Comunista Cubano, com seus 500 mil militantes , não se considera um partido de massas, mas sim um partido de quadros selecionados . Pretende ser a organização da vanguarda, do que existe de mais combativo, de mais revolucionário na sociedade cubana. Por isso, a análise de um pedido de filiação é rigorosíssima. Ë investigada a militância política do candidato, a sua atuação nas organizações de massa , sua convivência social no local de moradia, no local de trabalho, na família. Além de satisfazer critérios políticos, o postulante deve ser um cidadão exemplar. Apesar disso, encontrei depoimentos unânimes de não filiados , segundo os quais o fato de ser quadro do Partido Comunista não confere nenhum privilégio à pessoa.
Depoimento interessante deu-me um importante funcionário cubano, que não conseguiu filiação em virtude de irregularidade em sua vida familiar. Apesar disso, era o chefe de um importante órgão do Governo e tinha sob sua chefia e subordinação hierárquica grande número de militantes e até de dirigente comunista.
Se o fato de ser membro do PCC não confere privilégios, representa por outro lado grande responsabilidade. O quadro comunista , a qualquer momento pode ser expulso do partido por comportamento político, social ou pessoal julgado inadequado. Se entrou por ser exemplar, terá de continuar a sê-lo.

FAUSTO MATOGROSSO

terça-feira, 20 de março de 1984

DESAPARECENDO AS DIFERENÇAS

(Depoimento de Viagem VIII – Jornal da Cidade - )
“Artículo 1. La República de Cuba es um Estado socialista de obreros y campesinos y demás trabajadores manuales e intelectuales”- Constituição Cubana – 1976.
Santa Maria del Mar, acerca de 40km de Havana, é uma região procuradíssima pelas suas praias. Visitá-las faz-nos entender a afirmação dos cubanos de que conhecer Havana é desconhecer Cuba. O governo investe o fundamental de seu esforço fora da capital e uma das provas é esta região de veraneio, com uma excelente estrutura para o turismo interno e externo.
Os hotéis (alguns imensos e equivalentes aos nossos 4 estrelas) e as casas de veraneio são implantadas em meio a enormes parques sombreados por pinheiros . Na época de nossa visita, estavam lotados de estrangeiros: americanos , holandeses, alemães e franceses que tiravam, com os pés nas costas, o inverno cubano de 20 graus.
Entretanto, no verão , estrangeiro não tem vez; a maior parte das vagas é ocupada pelos trabalhadores destacados, selecionados pelos próprios companheiros de trabalho e que recebem do governo toda a gratuidade para suas férias.
Em Santa Maria del Mar, embarcamos em um microônibus Toyota, lotado de estrangeiros, com guia poliglota para conhecer um pouco do campo cubano. No caminho, passamos por extensos campos petrolíferos (que produzem cerca de 30 por cento do consumo nacional) e pela fábrica do Run Havana Club (antigo Run Bacardi), a cujas instalações não são permitidas visitas.
Em Cuba, existem no campo três tipos de propriedade: a camponesa (limite de 54 há e nesta modalidade estão 30 por cento das terras agricultáveis), a cooperativa (30 por cento) e a estatal (40 por cento). A Comunidade Rural de Jibacoa, que visitamos , é uma típica fazenda estatal e nela se pratica a criação de gado, tanto para engorda como para leite.
Pudemos ver então, com nossos próprios olhos, o que a propaganda socialista sempre alardeou com orgulho: a tendência ao gradativo desaparecimento das diferenças entre a vida no campo e na cidade.
Jibacoa, possui uma população de 1 500 pessoas (é interessante comparar com as fazendas de gado que conhecemos) concentradas na sua bem urbanizada sede. Entre os serviços colocados à disposição desses trabalhadores encontramos: barbearia, cabeleireira, creche, biblioteca (com alguns clássicos brasileiros como Machado de Assis e Jorge Amado) auditório polivalente (cinema, teatro, reuniões), escola primária e secundária , salão de exposições (arte e artesanato – por ocasião de nossa visita exibia uma exposição de artesanato mexicano), restaurante, bar, loja de roupas, supermercado e posto médico com ambulância.
As habitações são blocos de apartamento de 4 pavimentos, muito bem conservados. Cada bloco possui seu Comitê de Defesa da Revolução –CDR- e exibe no seu hall de entrada a relação dos moradores que se destacam pelo trabalho voluntário e pelo espírito revolucionário. Visitamos um desses blocos, onde fomos agradavelmente recebidos pelo seus moradores. Os apartamentos têm dois ou três quartos , sala , cozinha banheiro e pequena área de serviço. Não se paga aluguel. Como o problema habitacional ainda não está satisfatoriamente resolvido em Cuba, as boas condições de habitação oferecidas no campo são grandes atrativos para os moradores das cidades , muitos dos quais acabam indo morar e trabalhar no campo.
Pelo fato de nossa visita ter sido em um Domingo, não conseguimos ver a fazenda em sua produção rotineira, mas nos deu a oportunidade de entrar em contato com muitos trabalhadores que curtiam o seu dia de descanso, freqüentando a biblioteca , preguiçosamente jogando dominó, cartas ou xadrez e praticando esporte, numa agradável vida comunitária. Confundidos no meio de turistas norte-americanos, canadenses e europeus, pudemos entender entretanto os espanhólicos e latínicos gracejos que dirigiam às mulheres da nossa excursão. Até nisso desapareceu a diferença entre a cidade e o campo.
Visitamos também uma propriedade camponesa, vizinha à Comunidade Jibacoa. Nesta pequena área de cerca de 12 há, vivia um casal que não tinha aderido ao plano estatal (o que é voluntário) e dedicava-se ao plantio de feijão e mandioca, além da cultura de subsistência. A residência desse casal, embora bem mais modesta que as habitações da fazenda estatal, ofereciam condições dignas de moradia. O teto era de sapé, mas bem vedado, o chão ladrilhado, as paredes de madeira pintada impecavelmente de cal. A mulher já era aposentada e ganhava o salário mínimo (equivalente a Cr$ 85 000,00 ) e o marido, além de tocar a pequena roça, era leiteiro prestador de serviços na vizinha fazenda estatal, onde recebia remuneração mensal de Cr$ 150 000,00. Além disso, tinham todos os benefícios dos demais trabalhadores , tais como cota de alimentação pela “liberta” (subsidiada), assistência médica (que é gratuita).
As propriedades camponesas, embora pertençam individualmente a seus donos, normalmente produzem segundo uma orientação do Planejamento Nacional, do qual elas participam através da sua entidade representativa – a poderosa Anap (Associação Nacional dos Agricultores Pequenos ) – e nesta medida sempre encontram mercado e preços compensadores para seus produtos, que podem então ser vendidos livremente ou ao Estado.
Comparando as condições de vida e trabalho dos camponeses cubanos com as dos camponeses brasileiros, a diferença é da àgua para o vinho, mas a diferença com a fazenda estatal também é bastante grande.
Por isso, através do livre convencimento, o governo espera a gradativa transformação dessas propriedades camponesas em formas mais avançadas e produtivas como são as cooperativas e as estatais.
Mas, nesta andança pelo campo cubano, uma coisa me impressionou muito especialmente: próximo a um dos blocos de apartamentos da Comunidade Jibacoa estava preservada uma velha choupana , típica de antes da Revolução. Os mais velhos, que viveram o antigo regime , disso não precisam, basta-lhes o entusiasmado depoimento de vida que orgulhosamente fazem ao turista. A velha choupana comparada com a sede atual da fazenda faz o mesmo contraste do machado de pedra com o satélite artificial, do arado rudimentar com o moderno trator soviético, do antigo povo analfabeto e doente com o atual povo cubano. Segundo eles, a diferença entre o seu passado e o seu futuro é a mesma entre a exploração e a cooperação recíproca, entre o capitalismo e o socialismo.

FAUSTO MATOGROSSO

segunda-feira, 5 de março de 1984

IMPRENSA, O QUARTO PODER

(Depoimento de Viagem VII – Jornal da Cidade – 05/03/84)
“ ... o rádio, a televisão, o cinema e outros meios de difusão de massa são de propriedade estatal ou social e não podem ser objeto, em nenhum caso, de propriedade privada, o que assegura seu uso à serviço exclusivo do povo trabalhador e do interesse da sociedade” - Constituição Cubana – 1976”
“ Deram o quarto errado pra gente , este daqui está ocupado”. Esta foi a primeira reação que tive ao abrir a porta de nosso quarto e enxergar sobre o criado mudo um rádio portátil. Melhor inspecionando o recinto concluímos, eu e minha mulher, que o rádio não tinha sido ali deixado pelo ocupante anterior e sim fazia parte, juntamente com uma garrafa térmica cheia de água gelada , das “mordomias” do Hotel Vedado, que não oferecia TV e geladeira nos aposentos, luxo considerado muito dispendioso em um país pobre como Cuba. Mas, talvez fosse até desnecessário o rádio, pois, vizinho ao nosso hotel , e transmitindo com alto-falantes para a rua, funcionava a famosa Rádio Rebelde, a emissora que, clandestinamente durante a luta na Serra , infernizava Batista com suas irradiações subversivas.
Durante o tempo de nossa permanência no quarto do hotel, ouvimos compulsoriamente a Rádio Rebelde. Mesmo quando ligávamos o rádio(de fabricação soviética) em outra estação, não conseguíamos nos livrar da sua transmissão de rua . Até que , rendendo-nos à realidade, passamos a sintonizá-la com exclusividade, desta forma conseguindo a mesmo som dentro e fora do quarto.
Mas, de qualquer forma era boa a qualidade de sua programação. Música cubana, latino americana e inclusive brasileira. Os noticiários eram freqüentes , substanciosos e profundamente educativos , com grande cobertura de política internacional.
Outra emissora que nos chamou a atenção foi a Rádio Relógio, que entremeia sua função de relógio com um noticiário contínuo de 24 horas por dia, com análises excelentes sobre o que está acontecendo em Cuba e no resto do mundo.
Não tive oportunidade de sintonizar a emissora mais conhecida dos brasileiros que é a Rádio Habana Cuba, com a qual a Revolução reagindo ao bombardeio sobre território cubano efetuado pelas rádios do “mundo livre” (especialmente dos Estados Unidos), contra-ataca com suas emissões para todos os continentes em espanhol, francês, inglês, português e árabe. Conheci entretanto alguns de seus funcionários da seção de língua portuguesa, um deles brasileiro exilado, gente finíssima , que além de me entrevistar, arranjou-me uma das relíquias que trouxe de Cuba – a gravação completa do discurso de Fidel Castro no aniversário de 25 anos da Revolução.
A Rádio Habana Cuba já teve uma audiência muito maior no Brasil, principalmente na época em que nossa imprensa estava sob o tacão da censura , mas ainda hoje ´e ouvida por muita gente, principalmente do interior do país, que gosta de “conferir” as notícias que nos chegam pela imprensa nacional. Pude constatar essa audiência encontrando, ao aqui chegar, algumas pessoas que haviam escutado minha entrevista . Mas, o que me chamou atenção foi o fato de tais ouvintes não serem propriamente simpatizantes do socialismo e sim pessoas de “boa família”.
O primeiro contato com os jornais cubanos tive já na viagem México-Havana onde, a bordo da Cubana de Aviação, é distribuída a edição de resenha semanal do “Granma”, órgão oficial do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba.
Além do Granma (resenha semanal e edição diária de 500 mil exemplares) encontrei à venda em Havana , o “Juventud Rebelde” (da União dos Jovens Comunistas,200 mil exemplares diários) , o “Trabajadores” (da Central de Trabalhadores de Cuba), o “Tribuna de La Habana”, o semanário infantil “Pioneiro” (da Organização de Pioneiros José Marti) e o jornal cultural e de crítica literária “ Caiman Barbudo” (jacaré barbudo).
No geral o aspecto gráfico dos jornais não é bom, comparando-se com o padrão da nossa grande imprensa. Letras pequenas, diagramação monótona, poucas páginas. Mas, o conteúdo é riquíssimo, com grande cobertura da política internacional e nacional, com reportagens, entrevistas e artigos de opinião mas também com as tradicionais colunas de anúncios de cinema , de televisão, de emprego, de pequenos negócios (onde se encontra ofertas de trocas de casas, venda de eletrodomésticos usados, venda de automóveis e até cães de raça).
Antes de 1959 a imprensa cubana era totalmente vinculada à ditadura batistiana e aos monopólios americanos, de onde saiam seus “subsídios” e os milionários contratos de publicidade, em troca naturalmente de sua subserviência e da sua posição política conservadora e entreguista . Não havia liberdade de imprensa e a censura oficial controlava tudo. Apesar disso, ao triunfar a Revolução não se tocou nos jornais , nem se decretou nada contra eles.
O novo governo, concedeu completa liberdade de imprensa mas suspendeu os “subsídios”, começando então a enfrentar uma crescente oposição dos jornais que passaram a denunciar as medidas “comunistas” do novo regime. Fidel, requisitando horário na televisão, toda Sexta-feira, respondia uma por uma das críticas da semana. Os trabalhadores da imprensa também começam a reagir e inventaram a “coletilla” – ao final de cada editorial ou artigo que eles consideravam falso , escreviam: “os vendedores de jornais e os trabalhadores da imprensa declaram que o precedente artigo não está de acordo com a verdade, nem com a mais elementar ética do jornalismo...”
O público por sua parte se deu conta de que os jornais não diziam a verdade e simplesmente começou a deixar de comprá-los. Os comunistas começaram a reeditar seu jornal “ Hoy” (proibido por Batista) e o movimento 26 de Julho (de Fidel Castro) fundou o seu “Revolución”, sob protestos da imprensa conservadora que achava que liberdade assim já era demais.
Desta forma , sem subsídios oficiais , sem contar quase com anúncios, e sem vendas, os jornais conservadores ou faliram ou foram abandonados por seus donos que fugindo do país , prometeram voltar com as tropas “libertadoras” (americanas) e estão hoje a esperar este dia nas praias de Miami. O mais conservador dos jornais cubanos da época o “Diário de La Marina” (fascista) foi ocupado pelos trabalhadores (sua primeira manchete foi então: “Un dia com el pueblo, despues de ciento e veinte ocho anõs de reacion) e passou a sediar o “Hoy” que mais tarde mudando de nome passou a chamar-se Granma (abreviatura de grand-madre).
Em Havana existem dois canais de televisão, no total são sete no país inteiro. A qualidade de imagem, à cores, é muito boa e a programação excelente. Destaque todo especial merecem os noticiários. São abundantes, educativos e vibrantes. O apresentador é substituído como figura central, pela imagem direta dos eventos que estão sendo noticiados e , mesmo quando ele aparece, sua imagem ocupa apenas uma parte do vídeo, ou tem como pano de fundo a filmagem dos acontecimentos. Na parte internacional, a notícia quase sempre vem ligada com informações e análise sobre a situação política, econômica ou social do país a que se refere e, nesta medida, é profundamente educativa. Pudemos constatar isto na conversa com o povo, que nos pareceu profundamente informado. Quando dizíamos que éramos brasileiros, quase sempre nos perguntavam “ de que Estado?” , mostrando conhecer nossas realidades regionais , ao contrário do que acontece em muitos outros países onde se pensa que nossa capital é Buenos Aires.
Tive oportunidade de assistir em 31 de dezembro, um programa de resenha dos sucessos musicais do ano. Entre as músicas e autores mais ouvidos, estavam Chico Buarque, Milton Nascimento, Djavan, Roberto Carlos e Nelson Ned e para minha surpresa muita música estrangeira e americana: Liza Minelli, Simon e Garfunkel, Sérgio Mendes, Julio Iglesias, Rod Stewart e muitos outros roqueiros da moda.
Interessante citar é que lá também existem muitos programas de auditório e gincanas. Os competidores entretanto, recebem perguntas do tipo bem diferente das que estamos acostumados a ver por aqui: “ quantos médicos cubanos existem no exterior prestando solidariedade internacional?” “quantos guerrilheiros compunham a coluna do Comandante Che Guevara quando esta chegou a Havana?” “ quantos dias ficou Fidel Castro preso na Ilha de Los Pinos”, quando internacionalistas cubanos perderam a vida ajudando o povo irmão de Angola?”. Enfim, cada povo tem o seu Silvio Santos para “ alegrar” o Domingo.
Sucesso absoluto na TV cubana fez a série Malu Mulher que é assunto obrigatório em qualquer roda onde são recebidos os brasileiros. Através dela, os cubanos ficam sabendo de problemas que ainda não resolvemos e que para eles parecem pré-históricos: a discriminação da mulher descasada, a humilhante situação da empregada doméstica, o desemprego, a preocupação com o futuro, o pagamento do médico e do ensino, o consumo de drogas, o medo da violência nas cidades. \este tipo de programa , além de fazê-los compreender a importância da obra construída pela sua Revolução provoca no cubano uma viva solidariedade para com a luta dos brasileiros . Tornam-se então torcedores da nossa vitória , com o mesmo fervor que por aqui muita gente ainda reza para que em Cuba a história volte para trás.
Mas, se Malu Mulher ajudou os cubanos a entenderem um pouco da nossa realidade, a nova série que está sendo comprada pela TV cubana, “O Bem Amado”, fará com que eles entendam um pouco das nossas dificuldades em fazer qualquer luta séria no país dos Odoricos.

FAUSTO MATOGROSSO

domingo, 4 de março de 1984

TRABALHO GARANTIDO, SALÁRIO SUFICIENTE. A UTOPIA FEITA REALIDADE

(Depoimento de Viagem VI – Jornal da Cidade - 04/03/84)
“...não haverá homem ou mulher, em condições de trabalhar ,que não tenha oportunidade de obter um emprego com o qual possa contribuir aos fins da sociedade e á satisfação de suas próprias necessidades” – Constituição Cubana
Em um dos nossos passeios por Havana deparamo-nos com um grande edifício circular, no centro de uma praça , defronte ao qual estava formada uma longa fila, às 9 horas da manhã. Pela aparência do prédio, pensamos tratar-se de algum museu, teatro ou coisa parecida. Qual não foi a nossa surpresa ao sermos informados que estávamos diante da famosa Sorveteria Copélia. A longa fila aguardaria ainda até às 10 horas quando as portas seriam abertas. Este episódio fez-nos entrar em contato com uma das instituições mais típicas de Cuba: a fila.
Existe fila , e bem organizada, para quase tudo. Nos restaurantes, nos pontos de ônibus, para comprar pão e leite, nas farmácias e segundo dizem , até nos motéis. Ao contrário do que aparentam, as filas não significam a dificuldades de abastecimento e o caso da sorveteria é bem ilustrativo desse fato. A explicação que encontramos é a seguinte: existe uma grtande deficiência na estrutura de prestação de serviços. Falta mão-de-obra para tal tipo de trabalho. As farmácias, por exemplo, são atendidas na maioria dos casos , por uma única pessoa. Conversando com um funcionário cubano ficamos sabendo que este é um grande problema não só de Cuba mas de quase todos os países socialistas. Há por parte da população, uma supervalorização do trabalho diretamente produtivo e um certo desprezo por outro tipo de trabalho manual. Todos querem ser operários da grande indústrias metalúrgica , química ou mecânica, mas ninguém quer ser um balconista , um escriturário, uma secretária. Daí toda uma deficiência na área de prestação de serviços, problema que o governo tenta enfrentar com uma política de valorização dos trabalhadores deste setor.
Mas, de qualquer forma , o cubano faz fila numa boa, até para tomar sorvete, e não chega a entender nossa curiosidade em encontrar explicações . Perguntado a respeito, quase todos estranham a indagação e respondem com outra pergunta – Por acaso existe alguma outra forma democrática de organizar um grupo de pessoas que esperam alguma coisa?
Em Cuba se trabalha 8 horas por dia , de Segunda à Sexta e também em sábados alternados. O salário mínimo equivale a Cr$ 85 000,00 e o máximo Cr$ 500 000,00(fixados em lei). Mas com as diversas pessoas que conversamos nunca encontramos trabalhadores de salário mínimo. Um policial ganha o equivalente a Cr$ 200 000,00, um motorista de ônibus Cr$ 225 000,00, uma secretária Cr$ 175 000,00, um soldador Cr$ 220 000,00 um capitão de navio pesqueiro Cr$ 375 000,00 um médico cerca de Cr$ 450 000,00 , a nossa guia com curso superior de tradutora e turismo, ganhava Cr$ 198 000,00.
Com estes salários, todos são unânimes em afirmar, o trabalhador cubano leva uma vida austera mas digna e segura , com condições de atender a suas necessidades essenciais de alimentação, vestuário, educação (o ensino e o material escolar são gratuitos) saúde e lazer, situação bem diferente da que existia antes da revolução e isto é sempre lembrado, mesmo quando não perguntado, pelas pessoas mais velhas. A preocupação com o emprego não existe . A Constituição cubana garante o direito ao trabalho e a política de pleno emprego é diretriz central para o planejamento econômico.

Os preços em Cuba têm grande estabilidade, pois, não flutuam ao sabor dos mecanismos de mercado. O Estado controla tanto a produção como a distribuição , além é claro, do planejamento econômico. Isto faz com que praticamente inexistia inflação. Paga-se hoje os mesmos Cr$ 45,00 que se pagava 25 anos atrás por uma passagem de ônibus. O mesmo acontece com o pão, o leite e muitos outros gêneros alimentícios.

domingo, 26 de fevereiro de 1984

UM POVO SADIO

( Depoimento de Viagem V – Jornal da Cidade – 26/02/84)
“ Es nuestro deber brindar el trato humano, solidario, dulce y solicito que merece nuestro pueblo trabajador” - Fidel
Chegando ao Aeroporto Internacional Jose Marti, antes mesmo da apresentação do passaporte, o turista recebe um cartão de “advertência” onde se lê: guarde este cartão em sua carteira, já que você procede de um país onde existem enfermidades transmissíveis não mais presentes em Cuba. Caso você apresente qualquer sintoma deverá mostrar este cartão ao médico que lhe atender. Qualquer informação adicional poderá ajudar ao médico a efetuar um rápido e correto diagnóstico. Ministério da Saúde Pública.
Este “cartão de visita”, que impressiona o turista, foi nosso primeiro com o Sistema de Saúde Cubano.
A Política Nacional de Saúde passou a ser discutida e programada desde os tempos anteriores à vitória da Revolução, a partir de observações feitas pelos próprios guerrilheiros das condições de vida dos camponeses. A idéia das Policlínicas rurais (postos de saúde) já havia surgido nesta ocasião.
Em 1959, logo após a revolução, Cuba contava com apenas três mil médicos aglutinados nos grandes centros. O maior problema foi conseguir levar tais médicos para áreas rurais. Não havia número suficiente de profissionais mesmo porque muitos haviam saído de Cuba após a Revolução. A Escola de medicina de Havana, única do País, era acanhada. Não havia enfermeiras e técnicos de saúde. Rapidamente foram criadas escolas e cursos para atendentes de enfermagem (curso com duração de 3 meses) e cursos para auxiliares de enfermagem (com duração de 1 ano). Hoje em Cuba, existem 18 escolas de medicina onde se formam 2 272 médicos por ano, incluindo estudantes bolsistas do terceiro mundo. No total existem hoje 40 000 enfermeiros universitários e somente dois mil auxiliares de enfermagem sem curso superior.
A relação atual é de um médico para cada 874 habitantes. Quando indagamos sobre a necessidade deste número elevado de escolas e de médicos recebemos a seguinte resposta: “Hoje o povo procura a assistência médica. Até 1985 conseguiremos levar o médico ao local de trabalho0 do operário e do camponês. Hoje existem potenciais armamentistas, mas nós, cubanos, seremos uma potência médica”.
De fato, o ensino médico é rigorosíssimo. Consta de 11 anos, cinco dos quais dentro da Universidade. Depois, o estudante passa um ano em regime de internato em clínicas e hospitais, dois no serviço médico rural e mais três em Residência Hospitalar.
Além de tudo isto, o espírito internacionalista do cubano é incalculável, atualmente existem três mil profissionais médicos em 26 países entre os quais a Argélia, Etiópia, Tanzânia, Angola, Moçambique e Nicarágua.
As policlínicas, tanto rurais como urbanas, possuem quatro departamentos: clínica médica, ginecologia, pediatria e odontologia. A partir das Policlínicas os doentes são encaminhados para os hospitais municipais , distritais ou para o Hospital Central em Havana , que possui 860 leitos; unidades de transporte renal; cirurgia cardíaca; tomografia computadorizada , enfim uma medicina de alto padrão sem nada a dever aos países desenvolvidos.
Além disso, notamos uma atenção toda especial às crianças diabéticas. Para elas foram criadas escolas com educação especial onde se habituam à dieta alimentar própria da doença e ao uso rigoroso da insulina, aumentando o índice de sobrevida.
As gestantes residentes em áreas distantes dos hospitais rurais, onde são visitadas somente pelos “médicos de campo” (aqueles que fazem saúde pública), a partir do sétimo mês são levadas para “hotéis” ou melhor “casas para gestantes”, onde recebem um tratamento especial, tanto alimentar como de orientação para o parto, diminuindo significativamente o índice de mortalidade materno-infantil.
Em 1963, houve erradicação da pólio. Em 1973, erradicação do tétano. As causas mais comuns de morte antes da Revolução eram a diarréia e a tuberculose. Hoje, doenças das coronárias e diabetes. Cuba exibe hoje um dos menores índices de mortalidade infantil do mundo.
Atualmente desenvolve-se uma campanha intensa contra o fumo e contra o gordo. O cubano consome 25 por cento acima de suas necessidades caloríficas.
O atendimento médico é excelente. Não há filas ; o atendimento é imediato. O cubano tem assistência médico-hospitalar e ambulatorial gratuita, devendo unicamente pagar os remédios prescritos em ambulatórios.]Uma nossa companheira de viagem apresentando mal-estar digestivo foi logo encaminhada ao posto médico mais próximo ao hotel, não gastando um tostão. Referindo-se à nossa guia que acompanhou solicitamente, disse: “Graças à Marta Beatriz estou curada”. Mas a resposta veio de imediato. E com muita convicção “Graças a mim não, à revolução”.


MARIA AUGUSTA RAHE PEREIRA 

domingo, 19 de fevereiro de 1984

A REVOLUÇÃO NA EDUCAÇÃO

(Depoimento de Viagem IV – Jornal da Cidade 19/02/84)
“Há de ser el trabajo el gran pedagogo de la juventud”- Fidel
“Na escola tem que se aprender o manejo das forças com as quais na vida se haverá de lutar”- José Marti
Um dos primeiros problemas enfrentados e resolvidos pela Revolução Cubana foi a Educação. Durante o período em que estivemos na Ilha , pudemos constatar a amplitude e o resultado desse esforço, de que tanto se orgulha o cidadão cubano.
Cuba, antes de 1959 não era diferente dos demais países subdesenvolvidos e dependentes. Quase a metade da população em idade escolar estava fora do sistema educacional. Havia 1 milhão de analfabetos absolutos e mais de 1 milhão de semi-analfabetos. Entretanto, havia 10 000 professores sem escolas e sem possibilidades de trabalho.
A luta contra o analfabetismo, que já havia começado durante os combates na Serra Maestra, teve sua batalha decisiva em 1961 com a Campanha de Alfabetização. Foram mobilizadospara esta tarefa , 100 000 estudantes , 15 000 operários, 35 000 professores e 121 000 voluntários populares. Grande parte desses alfabetizadores , principalmente os estudantes, foram enviados para o campo onde o índice de analfabetismo era maior (41,7 por cento) . O índice geral era de 23 por cento. Após um ano de trabalho, Cuba foi transformada em “território livre do analfabetismo”, hoje reduzido a um residual de 3,9 por cento segundo dados oficiais aceitos pela UNESCO.
Tivemos a oportunidade de assistir um documentário cinematográfico sobre a Campanha de Alfabetização. Trens superlotados de estudantes , indo para o interior e sendo recebidos por multidões entusiasmadas. Jovens semblantes emocionados e empolgados pela tarefa que a revolução lhes confiava. Na volta , após a missão cumprida , recebidos como heróis nacionais, homenageados carinhosamente pela população, tal como dois anos antes haviam sido festejados os guerrilheiros da Serra Maestra.
Hoje o sistema educacional cubano apresenta invejável eficiência, colocando-se entre os mais adiantados do mundo: 98,3 por cento das crianças entre 6 e 12 anos freqüentam a escola; 98 por cento dos alunos que começam o curso primário concluem-no; o índice de aprovação nos diversos cursos nunca é menor que 95 por cento. Os planos de educação fixam como meta chegar ao ano 2000 com toda a população cubana ostentando uma escolarização mínima de 14 anos de estudos.
A educação geral compõem-se de pré-escola (2 anos), primário (6 anos), secundário básico (3 anos) e pré-universitário (3 anos). A seleção para a universidade não é feita em um único exame vestibular, mas sim por um sistema de avaliação durante os três anos do pré-universitário. O aluno pode se inscrever para 10 opções de cursos e é enquadrado de acordo com a sua contagem de pontos. O curso superior dura de 4 a 11 anos, dependendo da ‘área de formação. Como alternativa ao curso pré-universitário, existem os cursos técnicos e profissionais, onde passa grande parte de força de trabalho do país.
O estudo é profundamente vinculado com o trabalho produtivo. Nas escolas primárias os alunos dedicam-se ‘a horticultura. No secundário ‘as atividades agrícolas(normalmente as escolas secundárias são no campo). Nos cursos de formação de professores dedicam-se ‘a prática didática. No ensino técnico profissional e no superior, pratica-se o trabalho especializado na área para a qual se está formando. Apesar disso, para evitar que o estudante se desvie dos estudos, é proibido por lei a remuneração de menores de 17 anos.
Esta ligação do estudo com o trabalho, além de atender a objetivos ideológicos (o trabalho desalienado é fonte de afirmação do ser humano), de romper a tradicional contradição entre a teoria e a prática e jogar por terra o conceito elitista de trabalho intelectual desligado da produção material, tem também u objetivo econômico. Diz Fidel que “ um país pobre, com a velha concepção de educação, teria que optar pelo princípio de que só estuda uma parte da população e condenar a maioria a não estudar. Para nós, a ligação do estudo com o trabalho produtivo além de ser um princípio de ordem moral, de um princípio de ordem teórica, além de tudo é uma imperiosa necessidade material.”
A aplicação desses princípios vimos em nossa visita a Escola Vocacional Lenin. Esta escola, situada a uns 30 Km de Havana , dentro de um parque de 750 há(Parque Lenin), oferece ensino secundário a cerca de quatro mil alunos em regime de internato. Os estudantes, rapazes e moças, chegam á escola no Domingo á noite e voltam para suas casas na Sexta-feira á tarde .
A escola, muito bem montada, com modernas instalações, teve seus quase 80 laboratórios doados pela União Sovética e foi inaugurada pessoalmente por Leonid Brejnev. É composta de cerca de 30 edifícios que se esparramam por vastos jardins bem cuidados e com toda uma estrutura para a vida social dos estudantes: centros de lazer, quadras de esportes, piscinas, bibliotecas, salões para cinema e teatro, etc.
Os alunos da Escola Lenin, dedicam-se em média 15 horas semanais ao trabalho produtivo em uma das três fábricas implantadas no conjunto educacional. Uma fábrica de material esportivo (produz tacos de baseball, bolas, redes, raquetes etc.) outra de roupas e uma de material e equipamento eletrônico onde se fabrica pilhas, monta-se rádios e computadores . A produção dessas indústrias garante auto-suficiência de todo o conjunto educacional.
Os estudantes com os quais conversamos nessa escola impressionaram-nos pelo nível de informação e pela cordialidade e desinibição nos contatos com os visitantes. Falavam-nos de suas preocupações com a paz mundial, de seus planos de estudos, perguntavam-nos sobre Zico, Sócrates e Roberto Carlos, narravam-nos os hábitos do internato (proibido cabelo grande e namoro ostensivo) e eram unânimes em um ponto: todos almejavam pertencer à Juventude Comunista.
Na cidade de Havana também visitamos várias escolas do bairro El Vedado, onde ficava nosso hotel. A maioria delas, de curso primário, é instalada nos antigos casarões da alta burguesia cubana que abandonou o país após a revolução. As salas de aula são pequenas, com atenção intensiva dos professores aos alunos e abundância de material didático. Sempre presentes em todas as salas, cartazes alusivos á revolução e de homenagem a seus heróis.
Além da educação formal, pudemos sentir grande ênfase na complementação cultural da juventude. No ano de 1984, devem ser produzidos em Cuba, 50 milhões de livros, ou seja, 5 volumes para cada cidadão cubano, isto sem contar a grande quantidade de livros importados, principalmente da União Soviética. Os ingressos de cinema, teatro e balé são baratíssimos, custam o mesmo que uma passagem de ônibus (50 cruzeiros). As bibliotecas são numerosas e as livrarias vendem seus livros a preços baixíssimos . O esporte e a formação física recebem toda a atenção e não é por acaso que Cuba vem se destacando em todas as grandes competições de nível internacional.
Cuba conseguiu colocar na prática a priorização á educação e hoje colhe os bons frutos dessa política. Conta com um povo preparado para o trabalho, desalienado, engajado social e politicamente, ou seja, em condições de enfrentar de forma competente, consciente e criadora a construção de sua sociedade socialista.

FAUSTO MATOGROSSO

domingo, 12 de fevereiro de 1984

O ANIVERSÁRIO DA REVOLUÇÃO E UM POUCO DE SUA HISTÓRIA

(Depoimento de Viagem III – Jornal da Cidade 12/02/84)
“Assim como Cuba não pode exportar a revolução, tampouco os Estados Unidos podem impedi-la. Ou os EUA pensam que o Brasil é Granada?”- Fidel
Nossa excursão chegou a Cuba no dia 29 de dezembro. Escolhemos esta data com o objetivo de presenciar o primeiro de janeiro, no 25 aniversário do triunfo da revolução Cubana. A festa este ano foi relativamente modesta, sem grandes manifestações e desfiles como é típico dessa data. Razões de austeridade, segundo nos informaram, pois, seis meses antes já haviam sido comemorados, com grande festa, os 30 anos do ataque ao Quartel Moncada.
A solenidade principal ocorreu na cidade de Santiago de cuba , Província de Oriente, portanto a 1000 Km de Havana onde nos encontravámos.Foi um ato solene de outorga, a esta cidade , da condecoração Herói da República de cuba. Falou Fidel Castro do mesmo balcão da antiga Câmara Municipal de onde exatamente 25 anos atrás, discursara como líder da revolução vitoriosa.
Discurso vibrante, de uma hora e meia de duração, curto para quem, como ele, costuma fazer pronunciamentos de até 6 ou 8 horas.
Estilo direto. Relembra as promessas de 25 anos atrás e mostra-as todas cumpridas e até superadas. Alicerçado nessa confiabilidade, expõe novas metas arrojadas, conclama o esforço da população para apoiá-las e transmite a todos o entusiasmo e o convencimento de que também estas serão alcançadas. Fala como líder , como técnico, como político, com segurança competência e autoridade de estadista de estatura mundial.
Conseguindo disseminar aquele julgamento popular de que só de duas coisas ele não sabe: dançar e cantar.
Em seu discurso, referiu-se duas vezes ao Brasil. A primeira ao analisar a crise do sistema capitalista mundial que nos levou da euforia do “milagre” à grave situação econômica e social atual, de endividamento, de perda de soberania, de desemprego, de fome e de saques a supermercados .Afirmando que o governo norte-americano terá que se conformar com a existência de regimes sociais avançados no continente disse que “assim como Cuba não pode exportar a Revolução, tampouco os Estados Unidos podem impedi-la”. Para reforçar sua tese, citou-nos pela Segunda vez : “ou os EUA pensam que o Brasil é Granada?”.
Apesar do caráter restrito da solenidade principal, as comemorações do 25 aniversário impregnavam toda a vida da população. Exposições sobre os feitos da Revolução, cartazes e bandeiras em quase todas as residências e locais de trabalho, painéis e outdoors nas ruas, show artísticos, inaugurações, intensa programação de rádio e televisão alusiva à data.. Em Havana pudemos assistir também a chegada, a oito de janeiro, de uma enorme coluna de “pioneiros”(organização infantil de massas) repetindo a famosa marcha do Exército Rebelde desde Santiago- a primeira capital provincial ocupada- até a capital do país.
Estar presente em Cuba, naquele momento, aguça nosso interesse de saber um pouco mais sobre o que foi esta Revolução e o que são seus líderes. Fidel Castro Ruiz, ex- aluno jesuíta, líder estudantil, estudante de Direito, agitado e rebelde, incontrolável até pelo seu Partido Ortodoxo, é fruto do amadurecimento de uma situação revolucionária na sociedade cubana. Sob a ditadura sanguinária, corrupta e entreguista de Batista crescia a insatisfação e a resistência populares.
Tenta-se então deflagrar o processo revolucionário. O ataque ao Quartel Mocada, em Santiago de Cuba, um dos símbolos da ditadura batistiana, tem o propósito de dar ao povo um sinal para a sublevação. O assalto, liderado por Fidel, tem lugar em 26 de julho de 1953- esta data passou a denominar o seu movimento- e fracassa redondamente em vista da desfavorável correlação de forças: um gruo de 150 jovens revolucionários enfrentando uma força de 5000 soldados armados até os dentes. Três rebeldes caem na luta e 68 são fria e cruelmente assassinados. Fidel sobrevive à captura e se responsabiliza pouco depois , perante um tribunal militar como chefe da ação. Seu discurso de defesa “La História me Absolverá” de 5 horas de duração, é um verdadeiro latejo contra a ditadura. Seus companheiros são condenados a 15 anos e Fidel a 19 anos com trabalhos forçados na Ilha de Pinos, prisão extremamente fecunda para sua formação e amadurecimento político.
Diante da grande pressão popular, Batista é obrigado a libertar os moncadistas, desterrando-os para o México. Lá chegando os revolucionários, liderados por Fidel, reorganizaram o gruo, juntam dinheiro e armas e em 24 de novembro de 1956, no pequeno iate “Granma”, regressam a Cuba dispostos a reiniciar a luta. No México, havia-se unido a eles um jovem aventureiro e asmático, o médico argentino Ernesto Guevara a quem os cubanos apelidaram de “el che”. Participava também Raul Castro, irmão de Fidel, e Camilo Cienfuegos, talvez o herói morto mais carinhosamente festejado da revolução.
O plano de Fidel era chegar a Cuba no dia 30 de novembro, em que o Movimento 26 de Julho havia organizado um levante em Santiago visando controlar toda a Província de Oriente. Mas, tudo deu errado. Um vendaval atrasou dois dias a viagem levando-os a uma região onde já eram esperados pelos soldados de Batista. Fracassa a invasão, fracassa o levante na cidade. Dos 81 invasores, somente 12 conseguem sobreviver e feridos , enfermos , meio desmoralizados e mortos de fome tomam posições na serra Maestra, a cordilheira mais alta de Cuba (2000m de altura) , isolados de toda a população e civilização. Reunidos os 12, Fidel lança-lhes um entusiasmado discurso dizendo: “los días de la dictadura estan contados...” Uma coisa é certa: por falta de otimismo , nunca quebraram Fidel.
Enquanto isso, recrudescia a resistência nas cidades. Os trabalhadores , influenciados pelo Partido Socialista Popular (o antigo Partido Comunista de Cuba, fundado em 1925), lançavam-se em longas jornadas grevistas. Os estudantes também se insubordinam repetidas vezes e liderados por José Antônio Echeverria, dirigente da Federação Estudantil Universitária, ocupam em 13 de março de 1957(data que passa a denominar um novo movimento, o diretório Revolucionário 13 de março) a emissora Rádio Relógio, e chamam o povo ao assalto do palácio Presidencial, onde querem justiçar o tirano no seu próprio leito. Chegam a penetrar no Palácio mas não a seguir repelidos e grande parte dos atacantes cai na luta , inclusive seu líder.
Mas nas regiões montanhosas da Província de Oriente o Exército Rebelde inaugura a temporada de guerrilhas. Os guerrilheiros descem a serra, atacam de surpresa a seus objetivos militares , inflamam a população e aos camponeses e voltam a desaparecer, para desespero dos soldados de Batista . Organizam sua emissora clandestina a Rádio Rebelde. Começam a ser temidos... e compreendidos. O Partido Socialista Popular envia reforços, ajudas e armas. O mesmo fazem o Partido ortodoxo, os universitários e até os jovens da “Ação Católica”.
Logo os insurgentes controlam a Província de Oriente apesar dos 20 000 soldados de Batista e da ajuda militar americana a seu governo. Cuba se divide: o governo contra Fidel... e o povo com Fidel. Algo incrível estava se passando: as pessoas esqueciam suas ideologias e se uniam contra Batista. No movimento 26 de Julho havia de tudo: anarquistas, católicos, estudantes, comunistas, crianças, jovens e velhos. A guerrilha já não estava só. Nas cidades estava seu complemento , sua fonte de aprovisionamento e seu apoio. Greves, sabotagens, levantes faziam cada vez mais tremer a tirania. Essa luta nas cidades custou mais vidas que os três anos de guerrilha da Serra. Batista, seu exército e sua polícia, com ajuda americana, mataram mais de 20 mil cubanos.
As duas táticas unidas- guerrilha e levante popular- lograram em primeiro de janeiro de 1959 seu objetivo: a derrota da ditadura, Batista foge do país com 400 milhões de dólares, com destino à cidade Trujillo, via Miami, é claro. O Exército Rebelde ocupa Santiago de Cuba e em oito de janeiro já está em Havana.
O Supremo Tribunal nomeia como Presidente a Manoel Urrutia e a José Miró Cardona como primeiro-ministro. Pouco depois renuncia Miró e Fidel Castro assume seu cargo.Tinha 35 anos, tinha vencido a guerra, pretendia fazer agora a verdadeira revolução que o povo esperava.
O novo gabinete entretanto, nada tinha de ameaçador. Compunham-no apenas três revolucionários de vanguarda: Hart, na Educação; Faustino Perez na Recuperação Nacional e Fidel , primeiro-ministro. O restante era de velhos políticos e inimigos de mudar as coisas(sobretudo de dono) e com uma só virtude: eram todos inimigos de Batista
A continuidade da história já é mais conhecida. A intransigência dos EUA (desde o “liberal” Kennedy, financiador da invasão da Baía dos Porcos), sua incapacidade de conviver com a autodeterminação dos povos, , com as opções nacionais por desenvolvimentos independentes, sempre promovendo em Cuba a sabotagem, incentivando e armando grupos contra revolucionários, estabelecendo o bloqueio econômico e diplomático com vistas à derrocada da experiência nacional cubana, levou este país a uma aproximação cada vez maior com o bloco socialista que veio em seu apoio. Não aprendendo a lição, insistem os Estados unidos com a mesma política na Nicarágua. Azar deles. A história , que já absolveu Fidel Castro, reserva-lhes mais uma severa condenação.


FAUSTO MATOGROSSO

domingo, 5 de fevereiro de 1984

SOCIALISMO COM MOTEL

(Depoimento de Viagem II – Jornal da Cidade 5/02/84)
Quem espera , ao chegar à cuba, encontrar fardados e barbudos, fumando charutos , engana-se redondamente. A época dos guerrilheiros já passou. Hoje a Revolução encontra-se totalmente institucionalizada, sendo uma questão que diz respeito a todo o povo e não apenas aos que subiram à Serra Maestra.
Aos antigos combatentes, novas tarefas se impuseram. A maioria trocou o fuzil pelas responsabilidades de dirigir o país. Trabalho tão duro quanto ao da luta revolucionária . Transformar suas bandeiras, não mais que idéias, em realizações concretas beneficiando o país e o povo. Um exemplo disso , foi o próprio comandante Che Guevara nomeado Ministro do Interior. Guevara, dotado de uma energia muito grande , trabalhava até altas horas da madrugada. Sempre que se passava à noite em frente ao prédio do Ministério, lá estava acesa a luz de sua sala. Hoje , postumamente, numa alusão à sua presença e contribuição à edificação do socialismo Cubano, a sala continua permanentemente iluminada, numa homenagem cheia de significado e que emociona ao povo cubano e , especialmente aos turistas.
As barbas, também não as encontrei tão difundidas. Talvez até menos do que se vê por aqui. Indagando ao respeito, recebi a explicação de que o guerrilheiro barbudo é a imagem do herói da revolução e que os jovens sentem-se constrangidos em usar barba ao parecer uma atitude pretensiosa e exibicionista.
Os charutos sim, por toda a parte, os que ofereceram ao turista eram caríssimos, um dólar cada (CR$ 1000,00) mas provavelmente havia alguns tipos mais populares ,pois, muitos eram as pessoas do povo que os fumava, nos ônibus, no trabalho e nos restaurantes.
Havana é uma cidade com muito movimento, e ao contrário do que acontece em outros países socialistas, com muita vida noturna. É a cidade mais musical que já conheci. Na maioria dos bares e restaurantes, já a partir do horário de almoço , tem-se música ao vivo, tanto regional como internacional – brasileira inclusive.
Em muitas ruas existem afixados aos postes, alto-falantes pelos quais se transmite a programação dos rádios, inundando de música e noticiário a vida da cidade.
Nos bares e restaurantes, e são em grande quantidade, quase sempre tem-se que enfrentar filas e fazer reservas.Isto explica-se pela democratização do acesso do povo à diversão e ao lazer.
Interessante, é citar a afluência da população aos salões dos grandes hotéis internacionais. Vão para assistir a TV à cores, cobiçar as vitrines de produtos estrangeiros , conversar com os turistas e dançar. Após as 10 horas da noite, muito dos restaurantes se transformam em “dancing’s” populares e a rumba come solta. Aliás, um ritmo muito requebrado para o meu gosto.
Passamos o “revellion”em um dos vários salões de festa do Hotel Havana Libre antigo Havana Hilton. O ambiente, cheio de turistas, ainda estava muito contraído quando começaram a lançar as serpentinas. Vinham do lado do bar. Eram os garçons que , incomodados com a falta de entusiasmo dos freqüentadores tentavam animar o recinto. Após servirem a ceia (tutu de feijão, arroz, carne de porco e doce de goiaba) os garçons já de “ponta cabeça”, afetados pelo run, caíram na rumba juntamente com os turistas, numa descontração inconcebível em qualquer sociedade de classes sociais.
A rumba tem seu grande palácio no famoso Cabaret Tropicana, existente desde antes da revolução. Trata-se de u grande ambiente, parcialmente coberto, cheio de palcos que se entrelaçam no meio das mangueiras e plantas tropicais. O show é riquíssimo, com inúmeros participantes: dançarinas, cantores, orquestras e coros. O espetáculo mostra o requebrado louco das rumbeiras, com vestimentas exíguas, lembrando um Sargentelli muito melhorado. Afinal, o Tropicana envolve no total, o trabalho de 1 300 pessoas.
Solicitado a dar opinião, disse um funcionário cubano, que o Tropicana era uma herança que precisava ser enterrada pois atentava contra a dignidade da mulher. Falei o que quis, ouvi o que não quis. Recebi uma aula sobre a música como manifestação cultural de um povo, herança a preservar e não a sepultar. No fim, mais pragmático, confessou que a Revolução já tivera uma fase mais moralista, com tentativa de menor permissividade quanto à bebida e ao sexo, mas que não deu certo por contrariar a índole de u povo de sangue quente. Além de disso, lembrou os 1 300 empregados e os incontroláveis dólares que são gerados para os cofres do país.
Mas, apesar da permissividade social, a prostituição, o o jogo e as drogas foram definitivamente erradicados em Cuba. Os prostíbulos mais próximos à Havana ficam em Miami, Flórida, EUA. Para onde, aliás, existem excursões, duas vezes por semana , organizadas pela Havana-Tur, uma das estatais do turismo .
Relatou-me um amigo cubano, neto do poeta maior de Cuba Nicolás Guillén, que uma das primeiras iniciativas sociais da Revolução foi justamente acabar com a prostituição. As mulheres foram recuperadas socialmente, habilitadas para o trabalho (muitas delas são motoristas de táxi),
E são hoje pessoas produtivas, ocupando algumas delas , cargo importante no estado e no partido , constando de seus currículos, orgulhosas referenciais ao passado e ao esforço para a recuperação da dignidade como pessoa humana.
O cubano, apesar da grande força das organizações femininas, dá a impressão de ser profundamente machista (apoio-me também na opinião da atriz Regina Duarte após sua visita à Cuba) . Conservam toda aquela encenação do galã latino-americano . Piscam e “cantam” as mulheres nas ruas , às vezes até insistentemente. Perguntando certa vez a nossa guia o motivo da superlotação dos ônibus, ela me afiançou que metade dos passageiros viaja por necessidade, o restante viaja para aproveitar o aperto. Perguntei-lhe ainda o que acontecia quando a caçada dava certo, ela respondeu que provavelmente parariam num motel, igual faziam os noivos e os namorados. Só não entendeu quando quis saber quem era o proprietário – “O Estado ora!” Quem poderia ser?


FAUSTO MATOGROSSO