domingo, 6 de maio de 1984

O ESPÍRITO INTERNACIONALISTA

(Depoimento de Viagem XI – Jornal da Cidade - 06/05/84)
“Cubanos e norte-vietnamitas têm em suas veias o mesmo sangue vermelho da revolução” – Cartaz cubano.
Uma das constantes de todos os discursos de Fidel Castro é o incentivo ao internacionalismo. Em 1 de janeiro, dia do 25 aniversário da vitória da revolução traçou bem o retrato dessa atitude cubana: “Os Estados Unidos têm seus corpos de paz; as igrejas têm seus missionários ; Cuba sozinha conta com mais cidadãos dispostos a cumprir voluntariamente essas tarefas (internacionalistas) em qualquer parte do mundo do que os Estados Unidos e todas as igrejas juntas.”
Mas, os discursos de Fidel simplesmente refletem uma realidade profundamente arraigada na consciência do cidadão comum. Ouvi comoventes depoimentos de pessoas do povo sobre a invasão americana à Granada. Sentiam a morte de Maurice Bishop, ex –dirigente granadino, como se fosse a morte de um parente ou de um irmão. Os operários cubanos que resistiram nas montanhas de Granada transformaram-se em verdadeiros heróis nacionais. Os que tombaram nessa resistência tinham suas fotografias estampadas em todos os locais de trabalho, nos quadros murais das escolas e nas ruas.
Sentem os cubanos as ameaças à revolução nicaraguense como se fossem ameaças à seu próprio país. Quando foram solicitados professores para ajudar a Nicarágua ofereceram-se 30 mil voluntários. Meses depois, quando alguns mestres foram assassinados, 100 mil ofereceram-se para substituí-los.
Existem em Cuba , 20 mil estudantes bolsistas de países da Ásia, África e América Latina. Só de Angola são 5 mil. Fazem seus cursos em todos os níveis e em todas as áreas. Sairão das escolas cubanas os futuros quadros técnicos para ajudar no desenvolvimento desses países. A maioria desses bolsistas faz seus estudos na Ilha dos Pinos, para onde Fidel ficou preso após o fracasso do ataque ao Quartel Moncada. Hoje a ilha foi transformada em um enorme centro escolar e passou a ser conhecida como Ilha da Juventude.
Conheci alguns desses estudantes de Angola, Guiné, Moçambique e Etiópia. Jovens ainda, saíram de seus países, de suas aldeias convocados pelos seus movimentos revolucionários com importante missão no exterior: estudar, aproveitar ao máximo os ensinamentos dos cubanos para futuramente empregarem seus conhecimentos em benefício de seus compatriotas. São jovens saudosos de sua terra natal, de suas famílias (têm férias em casa a cada três anos) mas mostram u amadurecimento e uma consciência social e política altamente desenvolvida, sentem-se peças fundamentais das revoluções que se desenvolvem em seus países de origem.
Um fato narrado por um amigo cubano, retrata o interesse e a atenção especial que o governo dedica a esses estudantes: o consumo de maconha, proibido e inexistente em Cuba, é admitido para os angolanos. Em Angola, muitas tribos consomem essa erva sem caracterizar de vício, e o governo cubano então, para não violar a cultura de seus visitantes, permite o seu consumo pelos estudantes angolanos.
Existem 3 mil médicos cubanos no exterior. De alguns países, como Etiópia, Cuba recebe pagamento por tais serviços. A Etiópia, que tinha antes da sua revolução apenas 125 médicos para uma população de 35 milhões de habitantes, paga com petróleo. Estes destacamentos médicos prestam serviços a 26 diferentes países.
Os exilados políticos que vivem em Cuba também são alvo de calorosa solidariedade. Têm os mesmos direitos que todos os demais cidadãos cubanos e além disso são cercados pelo carinho da população. Qualquer brigada de construção ao concluir um conjunto habitacional, quando da distribuição das residências entre os participantes do mutirão, reserva sempre algumas casas para os exilados políticos . Isto retrata bem o espírito do internacionalismo. O que Cuba destina em ajuda ao exterior é algo que lhe faz falta , que sacrifica a cada um dos cubanos, mas é assumido conscientemente como um dever para com o resto da humanidade. Nas palavras do próprio Fidel, “o que é o que temos feito pelos outros comparando com o que já fizeram por nós em tantos terrenos? A cooperação econômica que temos recebido, quanto vale? Mas devemos ajudar os outros independentemente disso. O internacionalismo é um dever moral, um dever revolucionário, um dever de princípio, um dever de consciência , um dever ideológico”.
Por isso tudo, a Revolução Cubana soube receber de um outro país, a Argentina, um internacionalista-símbolo, Ernesto Che Guevara, e fez dele um de seus comandantes, um herói nacional, um ministro. Sofrendo a ausência desse seu filho adotivo, enviou-o pelo mundo afora para divulgar a possibilidade de um mundo melhor para todos os povos oprimidos . Assistiram então os cubanos, juntos que acreditam num futuro melhor para a humanidade, a sua heróica luta, a sua perseguição e morte nas selvas bolivianas, nas mãos dos títeres dos novos imperadores do mundo. Esta paixão e morte moderna expressa bem o internacionalismo que é uma das características da Revolução Cubana.


FAUSTO MATTO GROSSO