domingo, 29 de março de 2009

A MAROLINHA E O TSUNAMI

O Presidente, sem querer, acertou em cheio o diagnóstico. A marolinha que varre o mundo nem de perto tem o impacto demolidor do maremoto silencioso que vem jogando por terra a civilização industrial e fazendo ascender a civilização do conhecimento.
Essa é a verdadeira crise. O velho já morreu e o novo ainda não se espraiou dominando definitivamente o mundo material e as consciências. Vivemos a dor do parto do novo, à qual se somou o nada desprezível resfriado da recente crise econômica mundial
O tsunami destruiu todas as referências ideológicas, políticas, econômicas e sociais da velha sociedade industrial. Foi por água abaixo o sistema do socialismo real, o Estado do Bem-Estar Social e o Liberalismo que era a moda da temporada. Estão em processo de esgotamento os Estado Nacionais, os partidos e os sindicatos. Vivemos a tendência do fim do emprego, tal como o conhecemos nas décadas passadas, e a sua substituição por outras formas de trabalho e de obtenção de renda, inclusive com o fortalecimento de redes de cooperação produtiva de pequenos e médios empreendedores.
Apesar de muita produção intelectual e de reflexões estratégicas ocorridas na segunda metade do século passado, poucos líderes perceberam esse processo e se prepararam para aproveitá-lo. A China, a Índia e a Coréia, entre poucos outros jogaram todas as fichas no investimento nas pessoas, na produção de conhecimento e no desenvolvimento tecnológico. Gorbatchov, a seu tempo, o percebeu encaminhando o arquivamento da corrida armamentista da guerra fria, destruidora de esforços produtivos, fazendo a Glasnost, a Prestroika, mas não tendo tempo de fazer a sua Uskorenie, nome que dava ao processo de aceleração do desenvolvimento tecnológico. A nova Rússia, companheira do Brasil nos BRICs também saiu da sua grande crise olhando para frente.
O Brasil não. Faltaram clareza e líderes com pensamento estratégico. Surfou imprudentemente na expansão da economia mundial, desperdiçando oportunidades e morrendo na praia, com taxas medíocres de crescimento, porque continuava, com raras exceções, produzindo commodities agrícolas e minerais, cada vez em maior quantidade, para receber, cada vez menos em valores reais. Adotou a ortodoxia monetarista quando poderia ter feito reformas estruturais de profundidade para gerar um ciclo virtuoso de desenvolvimento moderno.
Enquanto os outros apostavam na produção do futuro, sucateávamos nossas universidades e centros de pesquisas. A popularidade alta propiciada pela participação marginal na produção de riqueza dos outros, toldava a visão de todos e embalava os governos na frágil popularidade de curto prazo, garantida pelas ações de natureza compensatória e de resultados efêmeros. Faltou lucidez para aproveitar os bons momentos e mudar o Brasil, sem mudança não poderia haver esperança.
Há quem possa considerar as afirmações acima como alienadas, fora do contexto da crise da conjuntura, diletantes ou sonhadoras. Posso estar errando nas cores, mas tenho o convencimento de que o quadro é esse. Nada mais prático do que uma boa teoria.
Não podemos enfrentar a crise atual, de origem no mundo da especulação financeira, pensando em salvar o velho. É preciso ter um olho na crise financeira mas é necessário deixar dois olhos atentos nos novos paradigmas. Essa postura permitirá priorizar a salvação do que tem futuro. Não é razoável combater a crise com medidas defensivas da velha economia, o desafio é ter proatividade na saída pra cima e para frente, dirigir os esforços para fomentar a economia portadora do futuro.
Não adianta olhar para trás na busca de receitas. Não adianta saborear a falência do liberalismo, pensando no retorno a modelos com prazos já vencidos. Não basta resgatar a frase, falsamente atribuída a Marx – todos os internautas devem tê-la recebido - prevendo, em 1867, que o consumismo levaria à quebra e à estatização dos bancos. É preciso sim resgatar a ciência da história no que ela tem de poderosa ao nos permitir entender que não se pode fugir para trás, o passado não se repete, a não ser como farsa. Vale disso tudo apenas uma verdade: ainda é preciso o Estado, não basta apenas o mercado. E para que os dois não fiquem sócios é inequívoca a necessidade do fortalecimento da sociedade para controlá-los.
A solução deverá vir de apostas fundamentadas na nova economia do conhecimento e não nas grandes montadoras automobilísticas, serviço de quarta categoria há muito já transferido para os países da periferia do mundo enquanto o centro cuida de coisas mais importantes como o projeto, o patenteamento e a logística mundial de colocação desses produtos. Existem empregos em jogo, é lógico, para esses a proteção social e uma vigorosa recapacitação, mas necessário perceber que quantidades muito maiores de postos de trabalhos estão nas micros, pequenas e médias empresas, nos arranjos produtivos locais - as primeiras que deveriam ser socorridas. Não dá para sair dessa crise mais dependente ainda da produção de vulneráveis commodities agrícolas e minerais, com preços historicamente declinantes. Produzir alimentos sim, mas focado no mercado interno, felizmente fortalecido nas últimas décadas. Desta forma se poderá abrir espaço para a democratização da economia agregando pequenos produtores da agricultura familiar.
Há que se olhar para a economia dos serviços modernos, para o turismo, para a ampliação da produção limpa de alimentos e de energia, apostar na nossa biodiversidade para sustentar a revolução da biotecnologia.
Há que se apostar na qualificação das pessoas, no empreendedorismo, em pesquisa e desenvolvimento, que nos Estados Unidos produziu o Vale do Silício e que no Brasil começa se formar como espaços de competência e prosperidade no eixo UFSCar – USP – UFRJ – ITA, este último que deu a base para a moderna indústria aeronáutica brasileira. Essas são as principais ocupações e empregos as serem salvas, pois são os que têm futuro.
Embora os economistas e os analistas políticos se dividam na interpretação da duração e de amplitude dessa crise, o fato é morrendo na praia a marolinha, o mundo não será mais o mesmo, porque é o tsunami é que está por trás de tudo.

FAUSTO MATTO GROSSO
Professor da UFMS, engenheiro
faustomt@terra.com.br