domingo, 1 de junho de 2008

ONGS, SEM PRECONCEITOS

“ONGs são comitês da cidadania e surgiram para ajudar a construir a sociedade democrática com que todos sonham” - Betinho
As Organizações não-Governamentais – ONGs estão no centro de um grande debate. A tônica das discussões tem sido, quase sempre, a suspeição dos seus financiamentos e objetivos. A “teoria da conspiração” volta à tona com a mesma sanha do passado quando apontava para o “ouro de Moscou” e para as “ligações com potencias estrangeiras”. Não se discute a validade ou não de suas propostas e sim se busca descredenciá-las como interlocutoras. Agora é o ouro do príncipe Charles, da rainha Sofia, de alguma multinacional ou dos países centrais interessados em nossos recursos naturais.
No geral, essa discussão é eivada de uma grande confusão. Afinal se tem algo difícil de se definir, é esse tipo de instituição, pela amplitude e fluidez de seu campo de existência. É ONG desde a pastoral da criança da Dra. Zilda Arns, exemplar no combate à desnutrição infantil, aliás, com dinheiro público bem usado, até “Meu Guri” da esposa do Deputado Paulinho da Forca Sindical, agraciada com generosas doações do BNDES.
Tudo que não é governo, nem mercado, pode ser classificado como ONG. A expressão surgiu pela primeira vez no âmbito da ONU, após a segunda guerra mundial, para designar organizações supranacionais e internacionais que não foram estabelecidas por acordos governamentais, ou seja, as ONGs nasceram primariamente como organizações internacionais e desde esse início são reconhecidas pelos relevantes serviços prestados à humanidade – Anistia Internacional, Greenpeace, Médicos pela Paz e outras tantas que se dedicam a defesa de valores e princípios universais, como direitos humanos, conservação ambiental, tolerância e paz.
Os impulsos mais recentes para a proliferação dessas instituições, foram a revolução científico-tecnológica e a globalização. Esse dois fatores, inter-relacionados que são, produziram o espaço virtual on-line, fazendo desaparecer o tempo e a distância no relacionamento entre os homens, ao mesmo tempo em que modificava o papel dos Estados nacionais. A expressão mais tradicional do poder nacional, a moeda e os bancos centrais hoje são controlados pelas instituições mundiais do capital e pelo mercado da economia desprovida de base material.
Paralelamente ao Estado e ao mercado, surgiu o chamado “terceiro setor”, espaço de existência das ONGs. Esse novo segmento é a nova sociedade civil assumindo o papel de fiscalização das políticas públicas e das estripulias deletérias do mercado. São elas que começam também a cumprir funções na esfera pública não-estatal, muitas vezes com maior competência que o Estado crescentemente despreparado para cumprir as suas presentes e futuras indelegáveis funções.
Nesse período dois segmentos com visões antagônicos confluíram para o apoio e criação das ONGs, o pensamento neo-liberal que as via com um artifício para esvaziamento do Estado, que deveria ser mínimo, e o pensamento libertário que enxergava a oportunidade de controlá-lo, ao controlar suas políticas. O pensamento de direita e de esquerda, com diferentes perspectivas, se somaram, então, na idéia de criação dessas organizações. Portanto, pode-se gostar ou não gostar das ONGs, mas elas vieram para ficar, por que não são frutos de conspirações e sim, formas novas que estão nascendo sintonizadas com o processo de implantação de um novo momento da civilização, marcado pela aceleração das mudanças do padrão produtivo, que clama por novos atores e novas relações sociais.
Que as ONGs nos diversos países se articulem internacionalmente não há nada a se criticar, afinal os Estados se articulam também nesse nível e ainda mais evidente é a internacionalização do mercado e do capital. Essa articulação internacional das ONGs tem o grande mérito de permitir a atuação local da cidadania, informada pela experiência internacional. O que estamos vendo é o surgimento de uma opinião pública e de uma sociedade civil mundiais, com maior possibilidade de enfrentar os desafios da humanização global. Quem sabe o conceito de estrangeiro esteja com os dias contados.
Essa articulação global das ONGs tem se dado através do mecanismo ultra sofisticado de formações de redes de atores sociais locais e globais, que lhes dá enorme capacidade de influenciar localmente, com a visão de mundo e mundialmente com a riqueza da visão das diversas comunidades locais. Essas redes estão cada vez mais presentes nas decisões mundiais, realizando reuniões paralelas às dos chefes de estados, e a das agências de articulação do capital. Para desespero desses, as redes estão em todas as partes e são difíceis de combater, afinal, elas nunca são, estão, são constantes vir-a-serem típicos do processo de mudanças rápidas e generalizadas do tempo em que vivemos. Mas e a corrupção, o uso indevido do dinheiro público e os atrelamentos espúrios que a política tem feito delas? Serão elas antros de corrupção? A transparência, o controle público, as CPIs e a justiça são os remédios para isso, quando o dinheiro público estiver envolvido. Tenho certeza que menos será encontrado de nocivo do que no Estado e no Mercado.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro Civil, professor da UFMS.
faustomt@terra.com.br