quinta-feira, 19 de setembro de 2019


NACIONALISMO, CLIMA E FUTURO

           A propósito do clima atual, que está incendiando o país, veio à minha lembrança “Não verás país nenhum”, livro escrito por Ignácio de Loyola Brandão, lá pelos idos dos anos 1980.  O pano de fundo da narrativa era a ameaça nuclear. A obra, uma anti-utopia, descrevia o que poderia vir a ser a vida em um futuro distante.
  Apesar de toda a descrição assustadora, o que mais me ficou na memória foram pessoas fugindo do forte sol que aniquilava qualquer vida que fosse atingida. Todos tinham que se abrigar, em pé, debaixo de imensas Marquises Monumentais, construídas pelo Ministério de Obras Faraônicas Populares. Controlando tudo havia o “Esquema”. Apenas uns poucos subversivos cultivavam sementes sobreviventes em subterrâneos.
  Essas descrições, mutatis mutandis, poderiam servir para retratar nosso planeta queimando com as mudanças climáticas. Já a sentimos na Amazônia virando fumaça, na Groenlândia derretendo e nas Bahamas atingida por tempestades devastadoras, cada vez mais frequentes.
  Cada vez mais, sugamos recursos do meio ambiente, devolvendo-lhe lixo e veneno, o que tem mudado a composição da atmosfera, do solo e da água.
  É certo que o homo sapiens existe a centenas de milhares de anos e sobreviveu a inúmeras idades do gelo e ondas de calor. Resistirá a essa? Mesmo que a civilização se adapte, quantas vítimas perecerão?
  Para muitos, esses fenômenos parecem distantes, mas não o são. As mudanças climáticas já são uma realidade para a população mundial e as evidências já fazem parte do dia-a-dia do brasileiro.
  Erupções vulcânicas no Peru já fecharam aeroportos no Centro-Oeste. Os incêndios da Amazônia encobrem o céu em São Paulo. O fogo nos países africanos também já poluem cidades brasileiras. É impossível saber se o oxigênio que respiramos é nacional ou importado.
  O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas - organismo científico nacional - em relatório recente, apontou como serão afetados alguns aspectos importantes da vida cotidiana dos brasileiros. A quantidade e a qualidade de agua potável estarão em xeque; a produção de energia correrá risco; as edificações sofrerão graves danos por deslizamento de encostas e inundações; acenderá um alerta vermelho para o sistema de saúde, pois alterações do meio ambiente e os eventos climáticos também causam impactos negativos sobre a saúde das pessoas. Apontou também que a parceria é chave para enfrentar os problemas, eis aí uma questão chave.
  Onde se encaixa o nacionalismo?  Conforme chama a atenção Yuval Harari, nenhuma nação, mesmo poderosa, será capaz de fazer parar o aquecimento global. Para que medidas sejam eficazes tem que ser adotadas em nível global. Quando se trata de clima, os países simplesmente não são soberanos.
  A reação dos europeus ao aumento das queimadas na Amazônia foi mal recebida pelo governo brasileiro. Embora existam muitos interesses inconfessáveis, a proteção do bioma amazônico é do interesse do Brasil, mas é um interesse coincidente com o dos demais países do planeta. O que serve para a Europa, neste caso, serve também para o Brasil. Precisaríamos dar o exemplo da responsabilidade ambiental.
  Em recente artigo “Chega de gols contra” Fernando Henrique Cardoso apontou que em lugar de reagir toscamente, negando dados empíricos e insultando cientistas e chefes de Estado de outros países, deveríamos ter reagido prontamente para combater as queimadas e mostrar, na prática, o compromisso soberano do Brasil com a proteção do meio ambiente. Afirma ainda que patriotismo não se mede por bravatas nacionalistas, sobretudo com insultos.
  Daqui para frente, nossa preocupação não deve ser apenas cuidar melhor do meio ambiente, mas também das nossas escolhas políticas.
FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro civil, professor aposentado da UFMS


quinta-feira, 5 de setembro de 2019


DEUSES E FOGO NA FLORESTA


  A natureza e as florestas sempre foram protegidas pelos deuses. Na mitologia grega tínhamos Pã, deus dos bosques e dos campos. Metade homem, metade bode, era filho de Zeus com sua ama de leite, a cabra Amalteia. Vivia flanando pelos bosques tocando flauta e dançando com sedutoras ninfas. 
  Já os etruscos tinham Flora. Os sumérios, Inana, Os romanos, Sivano e Fauno. Os gauleses, Cerridwen e os celtas a deusa Jhanna.  Também os encontramos na mitologia egípcia, hindu e maia. A Amazônia está mesmo precisando da proteção dos deuses. Que não nos faltem a proteção de Iara e Jaci, nossas deusas tupi guaranis.
  Meio ambiente e desenvolvimento sustentável têm se tornado assuntos de todos. As expressões caíram na boca do povo. Existem duas possibilidades. Ou viraram um chavão, destituído de significado real, ou representa um conceito que realmente se tornou o zeitgeist – o “espírito dos tempos”, termo criado por filósofos alemães – da nossa era.
  Essa última hipótese parece ser a mais verdadeira. O meio ambiente se tornou um dos problemas globais mais candentes e se tornou um desafio da civilização. Meio ambiente e desenvolvimento tem que caminhar juntos.
  O termo desenvolvimento sustentável foi definido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, da Organização das Nações Unidas, em 1987. Desenvolvimento sustentável é aquele que “satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Ou seja, não é apenas a questão da nossa qualidade de vida, mas sim a dos nossos descendentes, portando é também, um desafio ético.
  A questão não pode ser entendida como um problema que possamos resolver dentro das nossas fronteiras e sim exige grandes articulações civilizatórias, com acordos e entendimentos amplos, pactuados em grandes fóruns globais, com os quais devemos ter compromissos, embora nosso governo esteja sendo relutante quanto a eles.
  Dentro deste contexto surgem os incêndios na Amazônia. É certo que existem muitas falsas verdades e muitos mitos nessa discussão. É falsa, por exemplo, a idéia de que a Amazônia seja pulmão do mundo. Igualmente é mito que os defensores do meio ambiente são pessoas radicais, fanáticas, poetas, inocentes-úteis que se mantêm alienadas da realidade, sonhadores com um paraíso inexistente. Esses preconceitos nos cegam e tiram nossa racionalidade.
  A inteligência nos remete a filtrar as narrativas, com a ajuda da ciência, que infelizmente anda tão maltratada ultimamente. Mas ela é nossa única ferramenta na busca da verdade.
  Segundo Fernando Henrique Cardoso, precisamos de bom senso e racionalidade, virtudes que ele considera difíceis num país polarizado. Patriotismo não se mede por bravatas nacionalistas, sobretudo quando insultuosas. A proteção do bioma amazônico é, acima de tudo, do interesse do Brasil, um interesse coincidente com o dos demais países que compartilham esse bioma e também com o do planeta.
  Nestes dias da crise das queimadas, a questão não pode ser tratada como tema ideológico. Tem ficado claro que o presidente não tem a maioria da opinião pública ao seu favor, fato comprovados pelas recentes pesquisas do Datafolha e da Consultoria XP. Segundo esta última, as pessoas acham que os principais responsáveis são fazendeiros e posseiros (39%), que a atuação do governo tem sido ruim e péssima (49%), que o país deve aceitar a ajuda do G7 (70%), mesmo que esse tenha como motivação os interesses políticos e econômicos (62%).
  O Brasil precisa, pois, de políticas ambientais ditadas pelo equilíbrio, como tem demandado a população. Que os deuses da floresta nos protejam. Apelemos para a mitologia indígena. Que o Curupira e a Caipora protejam o ambiente de seus predadores humanos, ludibriando-os para que se percam na floresta, espantando suas presas, batendo nos cães de caça e desorientando os caçadores com toda sorte de ruídos.
Fausto Matto Grosso
Engenheiro Civil e professor aposentado da UFMS