quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

Muito já se falou nos meios de comunicação sobre a irresponsabilidade coletiva que está por trás da catástrofe do Rio de Janeiro. Desde as destinações politiqueiras e das mentiras quantitativas sobre as verbas de prevenção, da previsibilidade de tais eventos, do descuido com o uso do solo, da ligação entre pobreza e ocupações de áreas de riscos, da comparação entre os impactos de eventos dessa natureza em países mais responsáveis e na Bangladesh brasileira, entre outras coisas. Imaginem como seria a situação se nosso país tivesse terremotos, vulcões e furacões. Por isso dizem que "Deus é brasileiro".
Além dessa realidade vivida no cotidiano, a ficção científica, em livros e filmes tem sinalizado com alguns alertas. A disputa fratricida por abrigos para fugir do sol cancerígeno, o congelamento de grandes regiões do planeta, epidemias de cegueira, a inundação total do planeta pelos mares e a luta de vida ou morte por água potável. Para o bem ou para o mal - de Leonardo da Vince, passando por Julio Verne, até os pesquisadores da NASA que estão montando o projeto da primeira colônia humana em Marte - a ficção, muitas vezes, costuma virar presente.
Até que ponto e com que meios podem ser conciliados "desenvolvimento" e meio ambiente. Essa é uma das mais importantes questões da pauta planetária na atualidade.
O conceito de desenvolvimento possui raiz econômica e coloca o homem no centro do Universo, uns mais do que os outros. O homem é o fim e a natureza é o meio. Aqueles que controlam os cordéis da economia produtiva repassam ideologicamente esse valor. Por outro lado, o conceito de sustentabilidade tem raiz ecológica. A natureza é o centro do Universo. Esse é o campo do movimento preservacionista.
É inegável que - dentro de um determinado estilo de desenvolvimento - existe uma contradição inconciliável entre crescimento econômico e conservação ambiental. Não temos como fugir disso. Se aumentarmos as taxas de desenvolvimento econômico, diminuiremos a qualidade ambiental. Se quisermos melhorar a qualidade ambiental teremos que diminuir as taxas de desenvolvimento econômico. O dilema é ainda maior porque temos o desafio, de incorporar milhões de excluídos aos benefícios mínimos da civilização.
O grande nó a desatar é a criação de viabilidade política para uma mudança do estilo de desenvolvimento. Para sistematizar a idéia, temos que usar aquela expressão odiada pelos beneficiários do status quo, "mudar o paradigma", mudar o estilo de desenvolvimento.
Em um novo estilo a ser buscado, poderemos aumentar o nível de desenvolvimento da economia sem impor uma maior fragilização ao meio ambiente. Podemos fazer isso também recuperando o meio ambiente dos males causados pelo desenvolvimento predatório. A ferramenta adequada é óbvia: ciência, tecnologia e inovação. Por isso a necessidade de modificar a escala dos ridículos investimentos na educação - não me refiro à simples instrução, tampouco à educação profissional para a economia de segunda classe - nos centros de pesquisa, nas Universidades, e também na pesquisa do setor privado.
É preciso também mudanças profundas no padrão de consumo. Não podemos conviver com o uso irresponsável da água, com o desperdício de energia, de matéria prima e de alimentos, com a subestimação da importância do transporte coletivo, com a produção crescente de lixo. O desfio neste caso é racionalizar, reaproveitar, miniaturizar, transitar para uma matriz energética mais limpa.
É por conta da amplitude dessa mudança que a causa ambiental tem que ser global e local, ideologicamente planetária e exige a ação direta responsável de cada um de nós, onde estivermos. Daí o desafio de construirmos um novo paradigma. Nessa travessia, ao que parece, ainda teremos que chorar por muitos mortos.

Autor: Fausto Matto Grosso
Engenheiro Civil, professor da UFMS
E-mail: Faustomt@terra.com.br
============
Publicado no Correio do Estado 20.01.2011
Fundação Astrojildo Pereira

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

FATALISMO E SUSTENTABILIDADE

07.01.2011
Os anos parecem se repetir. Invariavelmente temos as chuvas, as enchentes, a destruição da pavimentação, as interrupções de trânsito, as quedas das árvores, as perdas nas obras públicas em execução, as epidemias de dengue, para ficar apenas naqueles eventos rotineiros que são mais sentidos na nossa cidade. Parece um inevitável castigo dos céus.
Uma das coisas que distingue os homens dos animais é a capacidade de antecipar eventos, de construir instrumentos mitigadores de catástrofes, de elaborar planos de contingências e, principalmente, de planejar cidades e sociedades mais sustentáveis.
É lógico que acidentes naturais e calamidades, podem acontecer em qualquer lugar, em cidades prósperas ou pobres, grande ou pequenas, bem ou mal administradas, mas comparada com os grandes centros urbanos, ou localidades assentadas em locais de terrenos frágeis, ainda somos uma cidade viável, privilegiada. Eis nossa grande responsabilidade como cidadãos, técnicos e governantes.
Acredito que a construção de novos paradigmas de sustentabilidade da cidade não seja ainda, uma idéia com forte presença entre nós. Ainda não incorporamos, coletivamente, essa cultura.
Por isso continuamos impermeabilizando a cidade, construindo onde não se deve, adensando-a ao sabor da especulação imobiliária, bloqueando a cidade com enormes condomínios fechados, ampliando vazios urbanos, construindo asfalto no meio do mato, tendo como conseqüência imediata a expulsão das populações mais pobres para lugares mais distantes.
No transporte, a cidade piora dia a dia. Os congestionamentos, antes coisas dos grandes centros, já atormentam a vida do cidadão. Estacionar tornou-se um grande problema para o campo-grandense, mostrando a crescente inviabilidade da solução pela via do transporte individual. Apesar de alguns avanços ao nível da integração do transporte público, a cidade ainda é, fundamentalmente, pensada para o transporte individual.
Nosso transporte de massa não tem confiabilidade nem qualidade. Isso parece não estar nos planos dos nossos administradores. Exemplo desastroso, a este respeito, é a transformação do antigo leito da ferrovia, da noite para o dia, em mais uma alternativa para o transporte individual.
Nesse sentido, os grandes equipamentos concentradores de destinos, parecem não merecerem tratamento especial. E o caso das universidades, dos hospitais, do aeroporto, do Parque dos Poderes, entre outros.
Nosso padrão de construções não é orientado para a sustentabilidade. Nossas calçadas permanecem, não raro, apegadas ao modelo tradicional impermeável. A água da chuva captada internamente nos imóveis, apesar das amplas possibilidades do seu aproveitamento, tem como destino a sarjeta e a enxurrada. Nosso padrão de arruamento, amplo, do qual nos orgulhamos, mereceria soluções mais criativas quanto à absorção das águas pluviais. O enfrentamento desses problemas, impraticável de ser generalizado da noite para o dia, poderia ser imposto às novas construções, até que, com o tempo, fossem paulatinamente generalizadas.
O conflito entre a arborização e a rede elétrica é permanente fonte de problemas. É lógico que nossos técnicos, urbanistas, engenheiros, tem condições de dar solução criativa para um problema tão trivial. Estamos matando, sem a menor sensibilidade, as nossas árvores centenárias que constituem um patrimônio cênico de rara beleza, que constrói a nossa identidade, sempre divulgada pelos nossos visitantes.
Não existe solução simplista para esses inúmeros problemas. Trata-se de promover mudanças culturais rumo á idéia da sustentabilidade. Entretanto, tais problemas devem ser apontados e debatidos. As soluções devem ser buscadas pela inteligência coletiva da cidadania, dos técnicos e dos governantes. Não dá mais para ficar esperando a repetição das tragédias e repetindo sempre mais do mesmo.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor da UFMS

faustomt@terra.com.br