quinta-feira, 12 de junho de 2014

UMA TIPOLOGIA PARA OS LÍDERES POLÍTICOS

Aproximam-se as eleições. As pesquisas de intenção de voto anunciam uma perigosa tendência de votos nulos e brancos, sintomas de desalento da população com a política e com os partidos. Afinal muitas foram as expectativas frustradas e as decepções com os votos perdidos, mesmo quando tais votos elegeram candidatos vitoriosos.
É certo que existe uma crise mais geral que revela mudanças mundiais nos paradigmas da representação política, com o surgimento de novas formas de organização e de ação dos atores sociais articulados em redes de informação e comunicação.
Entretanto, soma-se a essa realidade, a frustração provocada pela natureza da pratica política existente em nosso País caracterizada pelo descompromisso programático, pela promiscuidade entre o público e o privado, pela corrupção, pelo clientelismo e pela degenerescência das práticas políticas, situação essa que afeta os mais diferentes partidos e suas lideranças.
Mas afinal, como separar o joio do trigo, se nas eleições todos os discursos são parecidos e os candidatos aparentam serem todos bem intencionados, aos olhos dos eleitores?
Uma boa ajuda para a diferenciação pode vir da análise da tipologia de lideres políticos construída por Carlos Matus, ex-ministro de Salvador Allende. Chipanzé, Maquiavel e Ghandi, assim o autor tipificava os estilos de liderança política, em uma escala do pior para o melhor.
Tais como nos grupos de chipanzés, os líderes assim classificados, são caracterizados pela expressão “o fim sou eu”. A forca representa o seu atributo político principal. Não existe projeto algum - o líder guia a manada a lugar nenhum e é guiado pela lógica de que “o projeto é o chefe e o chefe é o projeto”. É o estilo mais primitivo de fazer política. Os ditadores sul-americanos, velhos e novos, são uma boa representação desse espécime.
“Os fins justificam os meios” essa é a síntese da ideologia que sustenta o estilo Maquiavel. Em relação ao estilo anterior, a grande diferença é que neste caso há um projeto, que transcende o líder. O projeto não é mais individual, é coletivo, tem base social, mas é impossível realizá-lo sem o líder messiânico. Aqui o poder pessoal não é o objetivo, mas o instrumento. Nesse contexto, não há adversários, só os inimigos que devem ser derrotados e, se necessário, eliminados. No campo da esquerda, já fomos pródigos em produzir tais lideranças.
Mas a humanidade já conseguiu produzir, embora mais raramente, um outro tipo de líder, que baseia a sua liderança na força moral e no consenso. Ghandi é o paradigma desse tipo de liderança política. Poderíamos também chamá-lo, mais atualmente, de “mandiba” ou Nelson Mandela.
Também aqui o projeto é coletivo, mas o líder não disputa para sê-lo. Não precisa força física, lidera pela superioridade de seus valores e da sua ética. Não precisa construir inimigos para vencê-los, mas sim subordinar e ganhar os adversários pela razão objetiva do projeto socialmente superior. Pratica a coerência entre discurso e ação, essa coisa hoje tão rara na política, cuja escassez está na origem da desmoralização dos líderes políticos.
Esses estilos de lideranças políticas raramente são encontrados em estado puro. Também, o líder não os escolhe ao seu bel prazer. O estilo real de cada político acaba sendo uma combinação particular entre alguns dos estilos básicos. Há que se falar em características predominantes e isso vai depender tanto da sua personalidade como do contexto dentro do qual se realizam as disputas.
A cada estilo de liderança vai corresponder, no exercício do poder, um comportamento político esperado. O de pensar e usar o governo como coisa sua, ou comportar-se segundo princípios republicanos. O de isolar-se no uso pessoal do poder ou de compartilhá-lo com a sociedade. O de perpetuar conflitos ou buscar convergências que possam viabilizar projetos de interesse público.
A essa altura, cada um deve estar procurando colocar as figurinhas dos líderes das disputas nos álbuns de personalidades, ou nos porta-retratos eu lhes correspondem. O critério é de cada um, assim como a responsabilidade do acerto ou erro.
Certamente Matus não escreveu esse tema para o Brasil ou para Mato Grosso do Sul. Mas sua validade e atualidade são preciosas para ajudar-nos a pensar a nossa política e escolhermos acertadamente os nossos líderes políticos.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro, professor da UFMS, aposentado.

12.06.2014

sexta-feira, 6 de junho de 2014

PRECISA-SE DE NOVOS POLÍTICOS

Somente uma nova política pode dar solução ao esgotamento dos valores decadentes da velha política, essa que anda apedrejada pelas ruas e pelas praças. Para essa nova política, precisamos políticos de outra natureza, profundamente diferente.
Oriundo de uma militância política em partido clandestino, a noção da relação entre participação política, mandato e poder não foi de um aprendizado fácil para mim e para muitos da minha geração. Participar politicamente significava defender ideias, divulgá-las na sociedade, nas suas organizações e ajudar as pessoas a se organizarem em torno das suas lutas.
O importante eram as ideias, não os líderes e mandatários. Lembro-me perfeitamente, no “Partidão”, como nos regozijávamos quando outras lideranças, mesmo fora das nossas fileiras, como aliados ou simpatizantes, as adotavam. Isso nos bastava, a fertilidade das nossas propostas.
A ilegalidade nos impunha essa racionalidade e, talvez até, a tenhamos conservado para além do tempo razoável, mas esse foi um pouco da nossa história. Ter pretensões eleitorais próprias, durante muito tempo, era uma coisa mal vista entre nós, era considerada um espúrio sinal de “carreirismo”. Quando o avanço da democracia foi nos tornando possível exercer mandatos, esse era considerado uma missão, um encargo de representação. Lembro-me da minha primeira candidatura, Fiquei sabendo que seria candidato durante a nossa conferência eleitoral, que antecedeu a convenção do PMDB. O partido precisava de alguém com o meu perfil.
Parece que falo de um outro mundo, de um outro país. Especialmente os jovens, olhando a realidade da degradação política de hoje, devem estar pasmos, ou me achando maluco, ao ficar sabendo que isso já aconteceu na história do Brasil. Já houve um tempo em que a vereança era um cargo honorário, que políticos, às vezes poderosos, terminaram a vida modestamente. Que partido era partido e que mudar de partido era incorrer em uma condenação moral grave, eram os “traíras”. Política era para os mais respeitados, para aqueles de maior representatividade, e não para os mais ousados que se atiram à política para se aproveitar desta, não raro se tornando, da noite para o dia, homens miraculosamente ricos, donos de fortunas inexplicáveis.
Destruir a tradição partidária do país e estabelecer um fosso entre as gerações, talvez seja o pior desserviço da ditadura de 20 anos, o de abastardar a política, ao proibir as ideias, ao transformar os partidos em simples correias de transmissão do poder ou naquilo que, mesmo nascendo na oposição acaba mostrando que pretende apenas trocar de sinal para fazer a mesma política contra a qual insinuavam lutar. Paralelamente surgem aquelas outras agremiações, criados de ocasião, de encomenda, doadas de “porteira fechada” a chefetes locais, para negócios pessoais, ou para o jogo de alianças subalternas.
Surgiu o político autônomo, o político de mercado, representando o vazio ideológico que se formou no país. Fortaleceu-se a tal da “classe política”, uma excrescência conceitual ou a consciente formação de uma corporação voltada para si, para seus privilégios tendo como principal regra a da eterna perpetuação nos cargos, a qualquer custo.
Tenho convicção da impossibilidade de uma generalização dessa natureza, mas tenho, também, a convicção de que essa é a moda estatística flagrante que caracteriza a política real. Sei também o quanto desse comportamento é resultante das regras do sistema político-eleitoral. Mas cabe aos homens e aos políticos reformularem as regras perniciosas desse jogo político. Talvez a próxima eleição possa avançar na direção daqueles líderes que sinalizem e que se comprometam com as reformas necessárias e com a postura hígida desejável, para que a política possa vir a reconquistar o respeito que deveria merecer da sociedade.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor da UFMS, aposentado.

06.06.2014