domingo, 30 de dezembro de 2018


O ANO DE OGUM

  
Pelo candomblé, 2019 será regido por Ogum, nosso São Jorge, o santo guerreiro. Filho de Iemanjá, dono do ferro e da espada, é representado por Marte, o planeta vermelho. É o prenúncio de dias muito intensos com grandes obstáculos a serem enfrentados, com muitas decisões difíceis e inadiáveis.
  Na política, 2019 sinaliza um ano de muitas esperanças e muitos medos.
  Credenciado nas urnas democráticas por 39% do eleitorado, Bolsonaro e equipe começa o governo visto por 75% dos brasileiros como 'no caminho certo', segundo recente pesquisa Ibope. Nosso povo, reconhecidamente, tem sobrenome de esperança, e torce para que tudo dê certo.
  Por outro lado, o discurso agressivo, conservador, xenófobo, alinhado a Trump, socialmente insensível, incentivador da intolerância, causa grande receio e medo a outros muitos brasileiros. Estes terão o desafio de organizar a oposição. 
  Não será fácil Bolsonaro atender as expectativas da população, é muito grave a situação econômica do País. O orçamento para 2019 prevê um déficit fiscal de 139 bilhões de reais, medida da distância entre o que precisaríamos gastar e o que conseguiremos arrecadar. Esse é o tamanho do rombo no cheque especial dos brasileiros.
  O Congresso também deixou para o futuro presidente, algumas bombas fiscais.  É o caso da concessão do reajuste do funcionalismo, da revisão salarial do Judiciário e da manutenção dos incentivos à indústria automobilística.  A equipe econômica terá ainda de respeitar o teto de gastos e a regra de ouro (proibição de tomar empréstimos para cobrir despesas de custeio).
  Entre outros, talvez o problema mais aflitivo seja o desemprego, cuja taxa está próxima de 12% da força de trabalho, levando ao desespero milhões de famílias.
  Mas, o eleitorado do novo presidente vai ter pressa e Bolsonaro despertou expectativas que não tem condições de atender. É normal o povo querer ver tudo resolvido, ao mesmo tempo e agora. Isso não é possível acontecer. As prioridades da população nem sempre baterão com as prioridades da administração, essa tendo que se virar com restrições orçamentárias, óbices legais, viabilidade política entre outras. É provável que caiam a ficha de muita gente e a boa vontade com o novo governo.
  Já se disse, 2019 será o ano da oposição.
  Para a oposição achar seu caminho é necessário, primeiramente, assumir a sua derrota.  Centro, centro esquerda e a esquerda foram esmagados em eleição democrática. Há que se respeitar a vontade do povo e trabalhar com paciência histórica e modéstia.
  No horizonte já despontam três oposições ao governo Bolsonaro.
  A primeira uma frente de “resistência”, tendo como adversário o moinho de vento do fascismo, articulada por um isolado Partido dos Trabalhadores. Nesta ainda predomina o vitimismo e a narrativa da perseguição. Se não se cuidar, vai para o isolamento.
  Também, uma frente de esquerda que está sendo articulada em torno da liderança de Ciro Gomes (PDT, PSB e PCdoB), aglutinada pela visão do nacional-desenvolvimentismo herdada do PT. Terá que se abrir para o centro político se quiser ter futuro.
  E, por último, uma frente democrática, de maior amplitude política, com estratégia mais aglutinadora, disposta ao diálogo, inclusive com os futuros descontentes, eleitores que votaram em Bolsonaro, de boa fé, e logo se frustrarão. Assim foi a frente democrática que derrotou politicamente a ditadura.
  Para essa o desafio, como assinala o Prof. Marco Aurélio Nogueira (UNESP) é necessário o abandono de dogmas e roteiros já experimentados e que, de olho no século 21, articule iniciativas que sejam claramente democráticas, abertas, laicas, flexíveis, com capacidade de expansão e de negociação, que reverberem no Parlamento e nos ambientes da sociedade civil, compondo o que há de vida ativa no Brasil.
  Salve Ogum! Feliz 2019 aos brasileiros.

FAUSTO MATTO GROSSO,
Engenheiro e professor aposentado da UFMS.

sábado, 15 de dezembro de 2018


A TRÊS COLUNAS DO FUTURO GOVERNO
  No primeiro dia do mandato, o governante aperta o botão e a máquina não funciona. Não é para desesperarmo-nos, pode ser que ele consiga seu intento antes de terminar o mandato. O tempo é um recurso escasso que começará a ser gasto no dia da posse. A ampulheta é fria e insensível.
  Conseguirá bons resultados o governante que trouxer na bagagem um bom plano de governo, conseguir construir governabilidade e montar uma boa equipe com capacidade tecnopolítica. Essas três colunas são interdependentes. Falhando uma delas acabam sendo afetadas as outras.
  Vejamos a situação do próximo governo federal, quanto aos três requisitos.
  O programa do próximo Presidente, se existe, é pouco claro. Foi construído durante a campanha, acessando grande diversidade de demandas de um eleitorado com raiva e “mal estar” diante da política tradicional. Os eleitores sabiam o que não queriam, mas não tinham muita ideia do que fazer. O capitão ganhou esses eleitores pela emoção, repetindo dogmas ultrapassados a acenando com fantasmas.
  Hoje, o programa parece ser uma colcha de retalhos, com cada pedaço terceirizado para uma pessoa “competente”, o que confirma a falta de clareza do que fazer. Um programa retrô, que não aponta para o futuro, e o que é um programa de governo senão um caminho para onde ir.
  O programa que estiver na cabeça do Presidente é muito importante, afinal nenhum governo pode ser melhor do que seu governante. A qualidade do líder é um teto para a eficácia de governo.
  O segundo fator, a governabilidade, é vital para as realizações do governo. Em termos gerais é a expressão do grau de controle que o presidente tem sobre os recursos políticos. Indica a maior ou menor capacidade política para tomar iniciativas e sustenta-las. Ela tem que existir tanto na sociedade, como no Congresso Nacional.
  A grande votação de Bolsonaro – 39% do eleitorado – é praticamente igual à de Dilma em 2014.  Depurada dos votos úteis contra o PT, o apoio na sociedade deve ser algo entorno de 20% na sociedade. Expressa uma boa base política como ponto de partida. Para mantê-la e amplia-la, precisa, entretanto, resultados rápidos. O povo tem pressa e vai querer todos os resultados prometidos, de imediato. Diante da grande crise fiscal do País esse desafio torna-se muito difícil.
  No Congresso, o novo Presidente, tenta montar sua base em negociações com as grandes bancadas temáticas, especialmente agronegócios, evangélica e da segurança. Diz não estar havendo negociação com os partidos políticos. A grande maioria dos analistas, entretanto, sinaliza que esse arranjo heterodoxo não deve dar certo. As regras de funcionamento do Congresso são assentadas nos partidos políticos, na Mesa Diretora, nas lideranças, nas comissões e nas bancadas partidárias.
  Parece haver problemas de governabilidade na sua própria equipe de governo. Há superposição de atribuições, principalmente na articulação política e na coordenação de governo. A equipe nasceu fracionada entre o grupo liberal, o evangélico, o militar, o ideológico e o familiar, embora esse sem cargos no governo. O vice-presidente tem expressado sua frustração com relação às funções de coordenação geral de governo que pretendia exercer. O Presidente poderá também ter dificuldades em conciliar a agenda liberal com a agenda nacionalista.
  Por último, mas não menos importante, o pilar da capacidade de governo. Fez bem o Presidente em aproveitar alguns técnicos competentes do governo Temer. A maioria dos outros, ministros e técnicos novos, necessitará do tempo próprio de aprendizado. Mesmo aqueles provenientes do mercado, terão que aprender que a atividade de governo não é uma função simplesmente ideológica ou técnica, é tecnopolítica. Como se darão, por exemplo, os quadros militares com a necessária componente política do jogo governamental?
  O povo vai querer resultados. Boa sorte ao Senhor Presidente.
FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro e professor aposentado da UFMS
13.12.2018

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018


UM FALSO TSUNAMI
  Antes da eleição de Bolsonaro, a imensa maioria dos analistas e das lideranças políticas apontava que o capitão era um candidato inviável. Poderia até ir ao segundo turno, mas seria derrotado ao final. Quem de nós não se enganou, também.
  O resultado eleitoral, nos primeiros momentos, parecia um tsunami. Algo inesperado, que surgia de surpresa, destruindo tudo pela frente. Mas, era um falso tsunami. Suas premissas já estavam sendo construídas há tempo. Era só olhar para a Europa, para a eleição de Trump, assim como para as jornadas de junho de 2013. A globalização fundia todos esses fatos.
  Na Grécia, o Syriza, um partido socialista, para as eleições de 2019, está 20% atrás do ultradireitista Nova Democracia. Para o Parlamento italiano, o Partido Democrático (ex-PCI), encontra-se atropelado fortemente pelo partido direitista 5 Estrelas para a disputa de 2019. Na França assistimos o último exemplo da implosão dos partidos tradicionais, com o novo La République en Marche, que hoje domina o Parlamento e tem Macron, a ocupar o Champs-Élysée. Ao mesmo tempo ressalta-se o nítido crescimento  do Frente Nacional, de Marine Le Pen, atualmente em segundo lugar.
  Em 2017 aconteceram, na Europa,  eleições presidenciais chaves, nas quais os partidos de extrema direita, embora derrotados, tiveram grande crescimento e ameaçam o futuro. Na Alemanha, o partido Alternativa para Alemanha se tornou a terceira maior força política no parlamento alemão. E, na Holanda, o Partido para a Liberdade ficou em segundo lugar no pleito. Polônia e Hungria são países cujos governos são considerados ultradireitistas;
  Resta a exceção de Portugal governado desde fins de 2015 por uma coalizão política de esquerda, liderada, do Partido Socialista. Tão deslocada do panorama europeu que é conhecida como “a geringonça”. Essa articulação é citada como modelo por muitos líderes do PT, entre eles Tarso Genro, que tentam articular aqui uma frente de esquerda.
  Seria viável, uma solução à la portuguesa, aqui no Brasil?  Segundo Theófilo Rodrigues (UFRJ) o Bloco de esquerda em Portugal tem 53% da Assembleia da Republica, no Brasil, tem pouco mais de 23% da Câmara dos Deputados. Falta muito para isso.
  Parodiando Paulinho da Viola, as coisas estão no mundo globalizado, só que é preciso aprender.
  Outra questão importante para compreender a vitória de Bolsonaro, é perceber as mudanças provocadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação. O eleitor é outro e a política tradicional não entendeu isso. Bolsonaro parece que sim.
  Vivemos outro momento, com outros cidadãos e com outros eleitores. Hoje convivemos com a cidadania líquida, que não tem passado, tampouco tem futuro, é o aqui e agora radical.
  Nessa nova sociedade do consumo, somos mercadoria a nos expor nas redes sociais, absolutamente vulneráveis às fake-news, o que, aliás, não é novidade na história.
  O historiador Robert Darnton (Harvard) conta que as notícias falsas são relatadas pelo menos desde a Idade Antiga: “Procópio foi um historiador bizantino do século VI, famoso por escrever a história do império de Justiniano. Mas ele também escreveu um texto secreto, chamado “Anekdota”, e ali ele espalhou “fake news”, arruinando completamente a reputação do imperador Justiniano”.
  Com as redes sociais é possível disseminar informações discriminatórias e violentas que seriam excluídas pelos meios de comunicação tradicionais. Porém, nas redes sociais, esses conteúdos circulam com mais facilidade. Até quem inventou a mentira acaba acreditando nela.
  Se fosse adepto da teoria da conspiração, estaria procurando quem passou a Bolsonaro, a tecnologia de mapeamento dos algoritmos, ou seja, da cabeça dos eleitores. Ele fez um discurso individualizado à cada eleitor-consumidor, esse, ávido por resolver o seu problema ou frustação imediatas. Se isso ainda não aconteceu, devemos nos preparar, porque brevemente as eleições poderão ser disputadas pelos algoritmos. O problema é quem está por trás deles.
Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor aposentado da UFMS
07.12.2018


domingo, 18 de novembro de 2018


PARA ONDE VAMOS?
  Existe grande ansiedade quanto aos rumos do próximo governo, mas é muito cedo para ter certezas absolutas. O governo ainda nem começou e suas primeiras iniciativas são contraditórias. Como já se diz, Bolsonaro acerta quando recua e erra quando avança.
  O discurso de campanha criou muitas expectativas, na maior parte inviáveis diante da grave crise fiscal. Por isso é importantíssimo acertar na economia. A economia é exatamente essa ciência e arte de operar, com recursos escassos, diante de necessidades infinitas.
  Quanto à questão chave da governabilidade, é preciso construí-la tanto no campo institucional – Congresso e Judiciário – como junto à sociedade. Como o futuro Presidente conduzirá essa construção?
  O futuro é necessariamente incerto e abre-se a diferentes alternativas factíveis. Tendo como referência a opinião do Prof. Rogério Bastos Arantes (USP) são elas apresentadas abaixo.
  - O primeiro cenário é o da adesão de Bolsonaro ao presidencialismo de coalizão, ou seja, mais do mesmo. A tentativa de basear a governabilidade nas bancadas corporativas (agronegócios, evangélicos, da bala, etc.) e nos governadores, não dá os resultados esperados. Neste caso desaquece o discurso antissistema, e ajusta suas estratégias à política realmente existente.
  Indícios de que Bolsonaro pode se render a essa lógica são a retirada da ameaça de extinção dos 20 mil cargos de confiança e os recuos e flexibilizações de posições, como no caso da redução do número de ministérios. 
  Existem dificuldades na evolução de Bolsonaro em direção a este cenário de adesão às regras do presidencialismo de coalizão: o seu eleitorado e apoiadores poderão considerar essa fraqueza como um estelionato eleitoral e o setor militar poderá pressionar pela centralização do poder.
  - Um segundo cenário a considerar é o de avanço autoritário. 
  Bolsonaro, que expressou em campanha que “pelo voto não se muda nada” vira a mesa desfazendo-se da política tradicional e de suas instituições. Passa ao uso intenso de medidas provisórias. Apela para a sustentação popular direta. Governa com nova Constituição elaborada por juristas auxiliares. Os militares passam a ocupar o núcleo central do poder e o Brasil aproxima-se da política internacional de Trump.
  Serão obstáculos a esse cenário a articulação das forças democráticas que mobilizariam a sociedade civil e as suas instituições. Parte do eleitorado do Presidente passaria também a reagir.  Haveria ainda forte pressão internacional contrária ao fechamento do regime.
  Alguns indícios dessa alternativa autoritária podem ser notados na dificuldade atual de lidar com o Congresso, mesmo em questões centrais como a discussão do orçamento de 2019 e a reforma da Previdência ainda em 2018. Também sinaliza nesse sentido, a prometida guinada na política externa, que passaria a ser anti-globalista, com nefastas consequências econômicas,
  Os dois primeiros são cenários extremos. Dificilmente se realizariam por completo, seja por contradições internas, seja por resistência do eleitorado e das instituições democráticas.
  - Diante disso, um terceiro cenário se apresenta, o de um governo sem rumo.
  Bolsonaro não conseguindo dobrar as instituições, busca manter o apoio direto dos eleitores, recorrendo à mobilização popular pela mídia eletrônica, com constante uso de plebiscitos e referendos, estimulando a violência na sociedade e a beligerância internacional, Pressionado entre economistas liberais e militares nacionalistas torna-se um governo sem rumo. Aumenta a instabilidade do país.
  Indicam esse rumo as negociações alternativas com governadores e bancadas corporativas, em vez de se trabalhar com os partidos políticos e mandatários, o que pode revelar-se insuficiente.
  Esses três cenários deverão ser levados em conta pelas forças políticas, especialmente do campo democrático, para se posicionarem perante o futuro governo. Nada de voluntarismo e pressa. O jogo ainda está por se jogar.
Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor aposentado da UFMS.
17.11.2018


quinta-feira, 20 de setembro de 2018


FIGURINHAS POLÍTICAS

Aproximam-se as eleições. Os principais contendores, segundo as pesquisas, têm também, as maiores rejeições. Temos pela frente uma eleição de ódio e medo, dois maus conselheiros. O país que herdaremos poderá ser um Brasil ainda mais dividido, com mais instabilidade política e social.
O pano de fundo da eleição que se aproxima é o de esgotamento da política tradicional, caracterizada pelo descompromisso programático, pela promiscuidade entre o público e o privado, pela corrupção, e pelo clientelismo, situação essa que afeta os mais diferentes partidos e suas lideranças.
Diferentemente de eleições anteriores, quando todos os candidatos pareciam iguais aos olhos dos eleitores, hoje a cena está mais iluminada. A exposição dos candidatos nos debates, nas pesquisas e nas mídias eletrônicas está deixando mais claro o que cada um representa. Será que escolheremos o mais acertado?
Uma boa ajuda para a tomada de decisão do voto pode vir da análise da tipologia dos líderes políticos construída pelo chileno Carlos Matus. O autor tipificava os estilos de liderança política em Chimpanzé, Maquiavel e Gandhi, em uma escala civilizatória.
Tais como nos grupos de chimpanzés, os líderes, assim classificados, são caracterizados pela expressão “o fim sou eu”. A forca representa o seu atributo político principal. Não existe projeto algum - o líder guia a manada a lugar nenhum e é guiado pela lógica de que “o projeto é o chefe e o chefe é o projeto”. É o estilo mais primitivo de fazer política. Os ditadores sul-americanos, velhos e novos, são uma boa representação desse espécime.
“Os fins justificam os meios” essa é a síntese da ideologia que sustenta o estilo Maquiavel. Em relação ao estilo anterior, a grande diferença é que neste caso há um projeto, que transcende o líder. O projeto não é mais individual, é coletivo, tem base social, mas é impossível realizá-lo sem o líder messiânico. Aqui o poder pessoal não é o objetivo, mas o instrumento. Nesse contexto, não há adversários, e sim inimigos que devem ser derrotados e, se necessário, eliminados. A esquerda autoritária foi pródiga em produzir tais lideranças.
Mas a humanidade já conseguiu produzir, embora mais raramente, outro tipo de líder, que baseia a sua liderança na força moral e no consenso. Gandhi é o paradigma desse tipo de liderança política.
Também aqui o projeto é coletivo, mas o líder não disputa para sê-lo. Não precisa força física, lidera pela superioridade de seus valores e da sua ética. Não precisa construir inimigos para vencê-los, mas sim subordinar e ganhar os adversários pela razão objetiva do projeto socialmente superior. Pratica a coerência entre discurso e ação, essa coisa hoje tão rara na política, cuja escassez está na origem da desmoralização dos líderes políticos.
Esses estilos de lideranças políticas raramente são encontrados em estado puro. O estilo real de cada político acaba sendo uma combinação particular entre esses estilos básicos, sendo, normalmente, possível identificar o que é preponderante em cada um.
A cada estilo de liderança, a cada combinação de estilos, vai corresponder, no exercício do poder, um comportamento político previsível. O de pensar e usar o governo como coisa sua, ou comportar-se segundo princípios republicanos. O de isolar-se no uso pessoal do poder ou de compartilhá-lo com a sociedade. O de perpetuar conflitos ou buscar convergências que possam viabilizar projetos de interesse público.
A essa altura, cada um deve estar procurando colocar as figurinhas dos líderes da atual disputa, nos álbuns de personalidades que lhes correspondem. O critério é de cada um, assim como a responsabilidade do acerto ou erro.
De acordo como os líderes são hoje, é possível prever como serão seus governos. Repare bem, não adianta reclamar depois.
Fausto Matto Grosso.
Engenheiro Civil, Professor aposentado da UFMS
20.09.2018


domingo, 16 de setembro de 2018

  NÓS CONTRA ELES


   O Brasil hoje é um campo de guerra. Cada um procurando um inimigo para esmagar. Vivemos tempos de ódio e de medo. Cabe aqui a advertência de Mahatma Gandhi: olho por olho e o mundo acabará cego.
  É muito comum pessoas que, na busca de sua de sua afirmação individual, expressam sua diferença por contraposição a um “inimigo”. O inimigo dá sentido para sua vida. O mesmo ocorre com organizações políticas. Nesse sentido é a luta contra um inimigo, real ou imaginário, que as fazem existir. Mais grave ainda quando essa divisão não é feita tendo por base a ideologia, mas sim, o oportunismo eleitoral.
  Assim, surge a prática de afrontar divergentes e antagonistas, de difamar e espalhar notícias inverídicas (fake news), de agitar e chantagear, de insuflar os ânimos para agredir adversários e transformá-los em inimigos. Essas são práticas que negam a democracia e bloqueiam a vida civilizada.
  O conceito de Inimigo não serve para a política. Inimigo não é feito para falarmos com ele, e sim feito para a guerra.
  Não servem aqui, portanto, os ensinamentos do general chinês Sun Tzu, na “Arte da Guerra”, tampouco os de Von Clausewitz que associam guerra e política, orientando que a política deve ser a preparação para a guerra.
  Em uma sociedade democrática, que queremos ser, a política deve ser a prática de escutar o outro, o diferente e o divergente. É preciso despir-nos de nós próprios, de largarmos a obsessão com a nossa identidade. Na realidade, a solução de um problema dificilmente virá apenas da nossa verdade, mas sim uma nova síntese que também incorpora as verdades do adversário.
  Política é o instrumento civilizado de nos relacionar com o outro. Isso não significa despirmo-nos da nossa identidade, mas sim exploramos as possibilidades de avançar, mesmo limitadamente, onde possa existir espaço para algum consenso que permita avançar a nossa causa. Fora disso é a guerra.
  Nos últimos anos surgiu, entre nós, um partido que se afirmou com essa lógica. Todos conhecem a história e os responsáveis pelo “nós contra eles”. Nós, que representamos o povo, “eles”, os inimigos do povo. A ideia de bons contra maus, de santos versus golpistas é o caminho mais curto para a quebra do pacto democrático que nos sustenta, ou deveria.
  Aqui entre nós, a arrogância salvacionista do projeto de 20 anos de poder era uma clara demonstração de falta de compromisso com a democracia e com a alternância do poder.  Do alto da sua prepotência chegou a ameaçar “extirpar o DEM da política brasileira”, demonstrando seu desprezo pelo respeito ao pluralismo.
  Em algum momento, em alguma curva da estrada, o “nós contra eles” termina por se tornar o “eles” contra nós todos.
  Explode agora o conservadorismo e o autoritarismo. “Eles” saíram do armário e hegemonizaram uma multidão de inocentes úteis, de incautos e simplórios despolitizados, cheios de si e dispostos a construir uma nova hegemonia. Trata-se de uma regressão histórica.
  Em tempos recentes os sinais de perigo já se materializam. Em 2013 a aparição dos Black blocs, recentemente os tiros no ônibus de Lula em uma estrada do Rio Grande do Sul, também no acampamento pró-Lula em Curitiba e o deplorável atentado contra Bolsonaro.
  Que esses graves episódios, façam os brasileiros repensarem a raiva, essa péssima conselheira, e apostarem na tolerância democrática. Essa postura requer que todos encarcerem os seus demônios e mais uma vez aprendam com a sabedoria popular de que é impossível existir só pessoas boas de um lado e só más do outro.
  Também aprendamos, mais uma vez, com Mahatama Gandhi que o “fraco jamais perdoa, o perdão e uma das características do forte”.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro civil e professor aposentado da UFMS
14.09.2018



quinta-feira, 6 de setembro de 2018



REQUIEM AETERNAM PARA LUZIA


Enterrada por cerca de 12 500 anos, Luzia foi desenterrada no início dos anos 1970. A descoberta do seu crânio fossilizado, o mais antigo encontrado na América, foi obra da arqueóloga francesa Annette Laming-Emperaire. O crânio foi descoberto em escavações na Lapa Vermelha, uma gruta no município de Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Na antropologia ficou conhecida, mundialmente, como um exemplar do “Homem da Lagoa Santa”.
Os fósseis são as principais fontes de informação utilizadas pelas pessoas que estudam a origem da humanidade. Falta muito ainda para completarmos nossa história natural. A moderna tecnologia hoje disponível, como a datação pelo método urânio-tório, os estudos de DNA, a impressão 3D, entre outras, nos levarão a muitas novas descobertas. Pesquisas atuais lideradas pelo paleontologista Don Swanson, do Museu de História Natural de San Diego, Califórnia, estão a indicar que o homem chegou à América 115.000 anos antes do que se acreditava até agora. Como se vê, falta muito ainda para completarmos nossa história natural. Daí a importância da preservação dos fósseis humanos como de Luzia.
O estudo da morfologia craniana de Luzia revelou traços que lembram os atuais aborígenes da Austrália e os negros da África. Esse fato desmontou uma versão hegemônica de que o homem americano provinha de uma única corrente migratória. Os homens-caçadores asiáticos provenientes da região do Cáucaso e da Sibéria, durante a última glaciação, teriam atravessado do Estreito de Bering e chegado à América.
  A partir da descoberta de Luzia, passou-se a acreditar em duas migrações separadas, uma por Bering e outra transoceânica, segundo a qual homens que habitavam a Polinésia (na região da Oceania) se locomoveram em direção à América do Sul em pequenos barcos. Esses teriam se movido por meio das correntes marítimas que os conduziram. Luzia ajudou a sabermos quem somos e de onde viemos.
  Seria isso importante? 
  O senador Cristovam Buarque, que entre 2003 e 2004, como Ministro da Educação do governo Lula, lançou as diretrizes da Política Nacional de Museus, recentemente respondeu afirmativamente a isso, dizendo que o povo que não respeita os museus, não respeita seus antepassados. "O museu é o álbum de retrato do povo", disse. Afirmou ainda, que o incêndio do Museu Nacional foi uma “uma tragédia sem precedentes” - “cremamos a memória do Brasil” clamou o senador.
  Há que ressaltar também a desmoralização internacional do Brasil, que se mostrou incapaz de administrar um patrimônio, que não é apenas nacional, mas mundial. Foi um constrangimento para o País no exterior, especialmente perante a comunidade científica e cultural mundial.
  Alguns haverão de defender que faltou dinheiro por causa da crise econômica, mas governar é definir prioridades. Convém lembrar que o governo Dilma queimou dinheiro com as Olimpíadas e a construção de 12 estádios para a Copa do Mundo de 2014. Os garotos propagandas dessa causa eram o governador Sérgio Cabral e o Presidente Lula, este ensandecido pelo sucesso efêmero, tentava ser Secretário-Geral da ONU. Uma total irresponsabilidade que hoje nos cobra a conta.
  Luzia, a primeira brasileira, ao que parece destruída definitivamente pelo fogo, foi enterrada novamente, pelas cinzas. Cantamos enlutados a sua nova despedida.
  Triste situação de uma Nação que não valoriza a cultura.
Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor aposentado da UFMS
05.09.2018



terça-feira, 21 de agosto de 2018


CIDADANIA LÍQUIDA

  Há um crescente mal-estar na sociedade brasileira quanto à nossa política. As pessoas não se sentem representadas nos partidos e no Estado brasileiro.
  Como diagnostica o Prof. Marco Aurélio Nogueira, o mal-estar institucional (...), é real. Insegurança e falta de confiança são seus principais indicadores. Hoje, no Brasil, o sistema vive numa espécie de “caos estável”: funciona, mas está cheio de problemas e gera pouca adesão cívica. Os cidadãos “obedecem” às regras instituídas, mas fazem isso sem muita convicção. A adesão se faz por “gratidão” ou receio da punição, não por algum critério racional de “respeito” ou “apreço”.
  Há pois, além da falência das instituições, uma falência da cidadania, o outro pilar da democracia.
  Os políticos profissionais são a contrapartida dos cidadãos que só querem “se dar bem e o mundo que se exploda”. Essa é a combinação explosiva da crise que vivenciamos. O campo dos políticos profissionais é o reino da sordidez, entre os cidadãos o reino da alienação e da desinformação voluntária.
  A alienação política é aquela situação em que a pessoa se recusa a exercer, de fato, a sua cidadania; tem total desinteresse por todas as questões públicas; pouco se interessa em acompanhar ou investigar os atos de seus governantes. A maior parte dessas pessoas ainda confia, cegamente, o seu destino a alguns líderes políticos, achando que esses são os “que entendem de política e serão capazes das decisões mais acertadas”. Enfim, elas entendem exercício do voto, mais como um peso do que um direito legítimo.
  Nas duas últimas décadas, o mundo passou por grandes transformações entre elas o salto representado pelas novas tecnologias de informação e comunicação – as TICs. Essas permitiram aos indivíduos, maior independência pessoal e maior protagonismo, que recusam a exercer.
  O paradigma anterior era baseado na cultura, instituições e valores que nasciam na produção da vida material na sociedade industrial, ou seja, gerador de consciência de coletividade. O novo paradigma é baseado no consumo, ou seja, em um fator essencialmente individual, que quando exacerbado se transforma na patologia social do individualismo. O pensador polonês Zygmunt Bauman dedicou-se, com intensidade, à análise dessa transição e construiu o conceito de “modernidade líquida”, contrapondo-a a “modernidade sólida” da sociedade industrial
  Quando se chega à sociedade da informação, todas as estruturas sociais e mentais surgidas da sociedade industrial, baseadas na estabilidade, se diluem. Para Bauman, as relações transformam-se, tornam-se voláteis. Trata-se da individualização do mundo, em que o sujeito agora se encontra “livre” para ser o que quizer. A cidadania torna-se líquida. A liquidez a que Bauman se refere é justamente essa inconstância e incerteza, que derivam da falta de pontos de referência socialmente construídos.
  Na nova realidade, as regras, instituições e valores, se diluem. As pessoas não tomam posição articuladas na vida em sociedade. É o onanismo mental e cultural. Cada um acha suficiente a sua própria verdade que vai se alterando ao sabor das circunstâncias, juntando-se em ondas aqui, que se dissolvem logo ali. As verdades tornam-se líquidas, conformando-se a cada situação, sem continuidade histórica.
  No período eleitoral que estamos vivendo, a modernidade líquida reflete-se na transformação da luta política, absolutamente necessária, em jornadas de raiva e intolerância, em manifestações de incivilidade, em reinados de fake news.
  Mas o que propõe o eleitor raivoso a respeito disso: o nada, a verdade líquida, descompromissada, cada um julga estar certo com a sua verdade e isso lhe basta. Essa mística individualista, de fundo liberal, só pode produzir equívocos e, atualmente, é um dos vetores do crescimento do populismo e do fanatismo. Ele não se percebe, ao mesmo tempo, como vítima e responsável.
Fausto Matto Grosso,
Engenheiro Civil e professor aposentado da UFMS

sábado, 28 de julho de 2018


FRAGMENTAÇÃO PARTIDÁRIA


  Desde a reeleição de Lula em 2006, os resultados eleitorais sempre mostraram o mapa do Brasil dividido em duas cores: norte e nordeste, vermelhos e o centro- oeste, sudeste e o sul, azuis. É a representação da polarização política entre PT e PSDB e da hegemonia por eles criadas nos últimos anos. Nas eleições de 2018 o futuro desses dois partidos pode estar em jogo.
  Tendo já começado o período das convenções partidárias a maioria dos candidatos presidenciais ainda continua sem vice-presidentes, o que mostra o estado líquido da atual política brasileira, a fluidez das alianças. A inconsistência é geral e aponta para a renovação zero. Exemplo disso foi a disputa pelo apoio do Direitão fisiológico, vulgo Centrão, por Ciro Gomes e Geraldo Alckmin. O Centrão foi base de sustentação dos últimos governos petistas.
  Algumas pessoas atribuem os males da política à proliferação de partidos, mas propõem apenas soluções quantitativas menosprezando questões qualitativas de fundo.
  Atualmente, temos um total de 35 partidos registrado no Tribunal Superior Eleitoral, 28 dos quais tem representação no Congresso Nacional. Mas existem mais 52 tentando se registrar. Se o número é chocante, a qualidade ainda é o maior problema.
  Essa fragmentação política não é fácil de resolver. Seu enfrentamento exige tanto a reforma das regras eleitorais, como modificações da cultura política dos cidadãos e dos partidos. Também existem limites para a reformulação dos partidos a partir do Estado, afinal estes são instituições da sociedade, que se apoiam no principio constitucional da livre organização partidária. Em um país democrático essas modificações serão demoradas. Mudanças culturais são processos de longo prazo, que exigem longa aprendizagem, tanto das instituições como das pessoas.
  Embora insuficiente para criar um momento de renovação do quadro político, a Reforma Política de 2016 trouxe alguns pontos positivos que ajudarão, em médio prazo, a enfrentar o problema da fragmentação partidária: a proibição de coligação em eleições parlamentes (a partir das eleições de 2020), e o limite de gastos por candidatos – as previsões são de que nas próximas eleições presidenciais serão gastos, somando todos os candidatos, 45% do valor declarado da campanha de Dilma Rousseff de 2014.
  Outra boa novidade é que os pequenos partidos, aqueles que tiverem real proximidade programática, poderão se unir em Federações permanentes que deverão atuar com identidade política única, resguardada a autonomia estatutária das legendas que a compõem. Isso permitirá a aproximação e a eventual fusão de partidos.
  Mas muitas outras questões ainda tem que ser enfrentadas. Nesse sentido, o Fundo Partidário, que serve ao funcionamento rotineiro dos partidos deve ser extinto, afinal eles devem ser da sociedade e não do Estado. Assim como já foi feito com imposto sindical. Mas julgo legitima a troca do financiamento privado pela criação do Fundo Eleitoral na Reforma Política de 2016. Afinal, a escolha de mandatários em eleições livres tem natureza institucional.
  Se partidos devem ser representações de ideias existentes na sociedade, eles que consigam seguidores e apoiadores, e assim poderão deixar de serem meros cartórios a serviço dos profissionais da política.
  Mas o que propõe o eleitor raivoso a respeito disso: o nada, a verdade líquida, descompromissada, cada um julga estar certo com a sua verdade. Essa mística individualista, de fundo liberal, só pode produzir equívocos e atualmente é um dos vetores do crescimento do populismo.  Os indivíduos não acumulam história, as instituições sim. Não há solução à margem das instituições. Mas isso é outra história.
FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil, professor aposentado da UFMS
28.07.2018


terça-feira, 10 de julho de 2018


DE IMIGRANTES E EMIGRANTES


A questão dos imigrantes está hoje no centro da agenda mundial com seus dramas e desafios. Diariamente, os meios de comunicação nos falam dessa questão na Europa, nos Estados Unidos e no Oriente Médio. Nosso país foi construído por imigrantes e escravos.
  Mesmo a nossa população indígena – cerca de 4 milhões na época do descobrimento - já era originária de imigrações. A esse respeito, a tese mais aceita é que os ameríndios são descendentes de caçadores asiáticos que cruzaram da Sibéria para América do Norte, através do Estreito de Bering, durante o final da era do gelo. Há cerca de 10 mil anos esses povos chegaram ao atual território brasileiro. Colombo os chamou de “índios” porque imaginava ter chegado às Índias.
  O novo ciclo de imigração para o Brasil, não começou, também, com o descobrimento, pois as primeiras pessoas que aqui ficaram – condenados e degredados - não o fizeram por vontade própria, o que não caracteriza a situação de imigrantes. A imigração - pessoas que para cá vieram para morar e viver - teve início em 1530 com a chegada dos primeiros colonos portugueses. Também vieram para cá muitas famílias portuguesas ricas, que se fixaram em Pernambuco e Bahia. Os portugueses pobres ficaram em outras regiões mais periféricas, como o Maranhão.
  No Sec. XVI, vieram para cá cerca de 50 mil portugueses e 50 mil escravos africanos, estes, principalmente para a lavoura da cana de açúcar. Já no Sec. XVII, aqui aportaram cerca de 550 mil africanos e 50 mil portugueses na época de grande desenvolvimento da mineração especialmente em Minas Gerais. Os escravos não se enquadram exatamente como imigrantes, pois não vieram para cá por vontade própria.
  Com a abertura dos Portos do Brasil, em 1808, inicia-se uma nova fase de imigrações e esta passa a ser feita, normalmente, organizada pelo governo. Os primeiros foram cerca de 300 chineses de Macau, trazidos príncipe regente (futuro rei D. João VI) com o objetivo de introduzir o cultivo de chá no Brasil. Também, nesse período, vieram os suíços para ocupar a região serrana do Rio de Janeiro e que deram origem ao município de Nova Friburgo.
  Após a Independência a imigração visava principalmente ocupar as terras vazias do sul do País - Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Os alemães se dirigiram principalmente para o Vale do Rio dos Sinos, onde deram origem à cidade de São Leopoldo. Italianos foram assentados na Serra Gaúcha onde plantavam uva, trigo e milho e deram origem a Caxias do Sul.
  No início do século XX, chegaram os japoneses. A maior parte desses imigrantes se dirigiram para as plantações de café no estado de São Paulo. Nesse mesmo período vieram os sírio-libaneses e palestinos, com destino aos centros urbanos, em particular São Paulo e Rio de Janeiro.
  Todos esses povos tiveram grande impacto na cultura, na demografia e na economia brasileira.    O Brasil foi, portanto, um grande receptor de imigrantes que para cá vieram buscar uma vida melhor, “fazer a América”, como se dizia.
  Essa situação começa a se inverter a na década de 1980, quando passamos à condição de país exportador de brasileiros, sobretudo para os Estados Unidos, o Paraguai, a Europa e o Japão.
  Pesquisa recente do Instituto Datafolha apontou que 70 milhões de brasileiros com mais de 16 anos, deixaria o Brasil se pudessem. O número é assustador, corresponderia ao desaparecimento de toda a população de SP, RJ e PR.
  Iriam embora do Brasil 62% dos jovens da faixa 16 a 24 anos; 43% da população adulta; 56% daqueles com curso superior; 51% das classes A e B. Os Estados Unidos teriam 14% dos nossos emigrantes, e 8% iria descobrir Portugal.
  Nosso País deixaria de ser o destino dos imigrantes, que fizeram nossa história, nossa cultura e nosso desenvolvimento e passaria a exportar gente desiludida, desesperançada e que quer buscar vida melhor fora do Brasil. Estaria invertido a nosso perfil como País, para nossa vergonha e indignação.
Fausto Matto Grosso
Engenheiro civil, professor da UFMS (aposentado)


quinta-feira, 24 de maio de 2018

A LENDA DO DITADOR BONZINHO


O relatório da CIA divulgado recentemente, pelo professor Matias Specktor (UFRJ), desmistificou a lenda de que o presidente Ernesto Geisel não endossou a tortura e assassinatos nos quartéis.  O documento Memorandum From Director of Central Intelligence Colby to Secretary of State Kissinger, pode ser encontrado no endereço eletrônico do Departamento de Estado dos EUA (https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1969-76ve11p2/d99).

O documento da CIA, com data de 11 de abril de 1974, relata reunião entre os responsáveis pela segurança no governo Médici e a equipe que assumiu essa função no governo Geisel. Estavam presentes o Presidente Geisel e o general Figueiredo, este que assumira o Serviço Nacional de Informações (SNI). Presentes ainda o general Milton Tavares que fora chefe de Centro de Informações do Exército (CIE) no governo de Médici e o general Confúcio Danton Avelino que estava assumindo essa função no Governo Geisel.O general Milton falou sobre suas atividades à frente do CIE e pediu então que "métodos extralegais" continuassem a ser empregados. Informou que, no último ano, 104 pessoas haviam sido sumariamente executadas pelo CIE. Figueiredo “apoiou a política de extermínio e pediu a sua continuidade", diz o informe.
No dia 1°de abril, após ter pedido tempo para pensar, Geisel informou ao general Figueiredo que a política de assassinatos deveria continuar, mas que "mais cuidados deveriam ser tomados para ter certeza de que apenas subversivos perigosos fossem executados" e que os assassinatos só deveriam ser efetivados depois de autorizados pelo General Figueiredo, do SNI. Assim o Presidente centralizou a política da repressão e assumiu a responsabilidade pessoal sobre a repressão aos opositores do regime.
Mas, afinal, o que foi o Governo Geisel, que assumiu o poder em 15 de março de 1974?
Geisel chegou ao poder através de eleição indireta, no Colégio Eleitoral, onde conquistou 400 votos, enquanto seu opositor Ulisses Guimarães obteve apenas 76 votos com a sua anticadidatura.
No aspecto econômico, o “milagre brasileiro” tinha perdido o seu impulso e o país começara a conviver com o aumento da dívida externa e com a inflação, que era de 15,54% na sua posse e no final do seu mandato atingiu 40,81%%.
O descontentamento da população começou a se manifestar. Nas eleições de outubro de 1974, quando foi renovado um terço do Senado, o MDB obteve vitória em 18 dos 22 estados. Foi a primeira grande derrota eleitoral do regime.
O ano de 1977 se abriu com Geisel anunciando medidas de "arrocho" na economia, indispensáveis para a redução da inflação e do endividamento externo. O temor de que as reações sociais às restrições econômicas fossem exploradas politicamente, pode explicar o recuo do governo no plano político.
Geisel reagiu com a Lei Falcão (1976) – que emudeceu a propaganda na TV - e o Pacote de abril (1977) com o objetivo de desfavorecer a oposição nas próximas eleições (1978). Nessa ocasião Geisel fechou o Congresso Nacional e baixou, por decreto, uma reforma constitucional que instituía eleições indiretas para governadores e para 1/3 do Senado criando os famigerados “senadores biônicos”. 
Já tendo sido derrotada a luta armada, quem eram então os novos “subversivos mais perigosos” que deveriam ser executados?
Eram aqueles que lutavam, sem armas, contra a ditadura. A linha adotada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), de investir na luta pelas liberdades democráticas, era percebida, pelos órgãos de repressão, como a mais “inteligente” e perigosa, para o projeto do regime.
O ano de 1974, após a derrota eleitoral do regime, foi especialmente duro para o PCB. Nesse período, foi assassinado um terço dos membros do seu Comitê Central. Diante desses fatos, pela primeira vez na sua história desde 1922, a direção do PCB teve que se exilar e dirigir o partido desde o Exterior.
Mas a repressão atingiu também vários dos seus militantes, entre os quais se podem citar o operário Manoel Fiel Filho e o jornalista Vladmir Herzog, casos que tiveram grandes repercussões e serviram para ampliar a luta contra a tortura e os assassinatos políticos.
O documento da CIA, passado os anos, apenas veio confirmar o que já se sabia, jogando luz sobre a lenda do general Geisel como ditador bonzinho.
 Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor aposentado da UFMS

       23.05.2018