sábado, 27 de dezembro de 2014

O REENCONTRO DA ESQUERDA DEMOCRÁTICA



Neste mês de dezembro, foi anunciada a criação de um Bloco Parlamentar na Câmara dos Deputados composto pelo PSB, PPS, PV e o Solidariedade. Juntos esses partidos possuem a segunda maior força política no parlamento, 67 deputados, somente menor do que a bancada do PT com 70 deputados. Essa articulação nacional é o embrião de uma Federação entre esses partidos que deverá ser rebatida nas esferas estaduais e municipais, na interlocução com a sociedade e com os movimentos sociais.
A aproximação atual entre PPS e PSB não fortuita, pois ao longo da história brasileira esses partidos protagonizaram, no mais das vezes, ações convergentes que dão sentido ao projeto político que recomeçam a construir.
Em 1927, formamos o “Bloco Operário e Camponês” que em 1930, lançou o primeiro operário à Presidência da República, o vereador do PCB, Minervino de Oliveira.
Diante da ascensão do fascismo no mundo, em 1935 formamos, junto com outras forças democráticas, a Aliança Nacional Libertadora, que chegou a ter 1.600 diretórios organizados em todo o país. Os socialistas defenderam sua transformação em partido político, mas precipitação radical do PCB, liderado por Prestes, levou à decretação da ilegalidade da ANL. Isolado, o PCB tentou a improvável insurreição armada, duramente esmagada. Embora discordantes, os deputados socialistas no Congresso Nacional, tomaram a frente na denuncia da Lei de Segurança Nacional, duramente aplicada contra os comunistas. Essa postura levou à cassação prisão do deputado socialista João Mangabeira.
Com legalização em 1945, o PCB lança a candidatura presidencial de Yedo Fiuza. Os socialistas, organizados na Esquerda Democrática se aliaram com o a oposição liberal, integrando-se à UDN que lançou o Brigadeiro Eduardo Gomes. Ambos saem derrotados por Eurico Gaspar Dutra.
O PSB é reorganizado em 1947 e buscou se diferenciar do PCB por críticas ao modelo soviético, propondo um socialismo democrático e pluralista. Em 1947 o PCB é cassado e entra os anos 50 na ilegalidade e isolado, com uma política estreita, de extrema-esquerda, que só vai se alterar a partir de 1958, com ruptura com o stalinismo e a adoção do compromisso com a via democrática.
Apesar dessas diferenças, nova convergência entre o PCB e o PSB foi a constituição da Frente do Recife, a partir de 1947, que logrou eleger Arraes, em 1960, prefeito de Recife e, posteriormente Governador de Pernambuco, posição onde se encontrava quando do Golpe de 1964.
PSB e PCB voltam a se reencontrar durante a resistência democrática. Ambos apontam o caminho da Frente Democrática contra a ditadura e participam, mesmo na ilegalidade, da fundação do MDB. Em 1974, no contexto da eleição indireta, o MDB lançou a “anticanditatura” à Presidência da República de Ulisses Guimarães e do socialista Barbosa Lima Sobrinho, e ajudou na formação de uma forte bancada de 161 deputados peemedebistas.
Derrotada a campanha pelas “Diretas já”, o PMDB participa da eleição indireta, contra Maluf, elegendo, no Colégio Eleitoral, Tancredo Neves e José Sarney. No governo Sarney, em 1985, o PCB conquista a sua legalidade e o PSB se reorganiza com líderes como Antônio Houaiss, Evandro Lima e Silva, Jamil Haddad e Evaristo de Moraes Filho, entre outros.
Na Constituinte de 1986 os dois partidos, embora com pequenas bancadas PPS (3) e PSB (6) tiveram uma expressiva participação no bloco de centro-esquerda. Juntaram forças contra o mandato de cinco anos para Sarney e a favor do parlamentarismo.
Nas eleições de 1989, quando a disputa se faz contra Collor, o PSB participa da Frente Brasil Popular em torno do Lula e o PCB, após a candidatura presidencial de Roberto Freire, vai se juntar nessa articulação somente no segundo turno.
No Governo Collor, Evandro Lins e Silva, fundador do PSB participou da comissão de juristas responsável pela elaboração do pedido e impeachment, cabendo ao socialista Barbosa Lima Sobrinho, representando a ABI, entregar esse documento à Câmara dos Deputados.
Os dois partidos participam do Governo Itamar, um virtual momento “parlamentarista” de salvação nacional. Freire foi líder do Governo na Câmara dos Deputados e os socialistas Haddad (Saúde) e Houaiss (Cultura) participaram do Ministério, apoiando o lançamento do Plano Real, para o enfretamento da inflação. Em 1993 no plebiscito, ambos compõem a Frente Parlamentarista.
Nas eleições de 1994, o PPS, sucedâneo do PCB, e o PSB participam da coligação em torno de Lula, derrotado no primeiro turno por Fernando Henrique Cardoso.
A partir daí, fruto da disputa de projetos de poder, o Brasil passa a viver a polarização PT x PSDB. Essa divisão do campo de centro-esquerda levou a um sistema político onde, cada um por sua vez, esses dois partidos tivessem que governar em alianças com a direita e o atraso fisiológico.
Assim chegamos a 2014, com PSB e PPS, no campo da oposição, articulando um projeto alternativo, primeiro com Eduardo Campos, depois com Marina Silva. Esse é o momento que Roberto Freire chamou de “reencontro da esquerda democrática”.
O Bloco da Esquerda Democrática, surgido dessa articulação, que incorpora, também, a contemporaneidade da pauta do PV e a base sindical da Solidariedade surge com o desfio de “contribuir de forma efetiva para o fortalecimento das instituições democráticas, resgatar as boas práticas republicanas e promover as mudanças que o povo exige para que o Brasil volte a crescer e melhorar a qualidade de vida dos brasileiros”.
O Bloco se apresenta, assim, como um importante polo para a aglutinação de uma grande quantidade de quadros progressistas que se acham ausentes, ou dispersos na política brasileira.

FAUSTO MATTO GROSSO.

Engenheiro e professor aposentado da UFMS

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

"Emendas parlamentares"


(Foto: Divulgação)

“Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!” (Stanislaw Ponte Preta)
Durante as campanhas eleitorais, o discurso de grande parte dos candidatos a deputados e senadores é o de que vão trazer dinheiro de Brasília para o nosso Estado. Aliás, essa coisa de trazer dinheiro de Brasília é um assunto que não deveria ser comentado na sala, em frente das crianças, muito menos nos horários eleitorais quando os inocentes, mesmos aqueles de maior idade, ainda estão acordados. 
Naturalmente não me refiro às pessoas, mas sim a uma mazela estrutural da política brasileira, que precisa ser desnudada. É preciso falar o que muitos sabem, mas se calam por conveniência ou leniência. Isso é importante até para que políticos íntegros e bem-intencionados, imagino que existam, possam escapar desse lodaçal.
Para a maioria dos nossos “representantes”, a missão mais importante do mandato tem sido conseguir emendas parlamentares. É aí que se estabelece o jogo espúrio e imoral, promíscuo, entre o Executivo e o Legislativo. A emenda é, ao mesmo tempo, instrumento de o parlamentar fazer política clientelista e instrumento de controle político exercido pelo Executivo sobre o Legislativo.
A farra começa na montagem de um “pacotão” fantasioso de emendas que os parlamentares levam “para as bases” para montar o jogo, com governadores, prefeitos e entidades. É o famoso “me engana que eu gosto”. Depois vem a realidade. Somente uma parcela ínfima do “pacote de bondades” entra, efetivamente, no orçamento. Na execução deste, apenas uma parcela, ainda menor, das emendas parlamentares é liberada – nos últimos 10 anos, apenas 16,9% - assim mesmo, nos momentos das votações decisivas para o Governo. É quando funciona no Executivo o famoso franciscanismo do “é dando que se recebe”.
Durante a execução dessas emendas, o escândalo é ainda maior.  As emendas têm “donos” que, não raro, ficam com o direito de cobrar “pedágio” para que esse dinheiro chegue até a realidade da obra executada. É preciso que se diga que o orçamento geral é apenas uma lei que autoriza o governo a gastar em determinados programas ou ações, mas não lhe impõe a obrigação de fazê-lo. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014, surgiu uma novidade. Em um ato de “rebeldia”, os deputados colocaram a cláusula que torna impositiva a execução das suas emendas.   
As regras das chamadas emendas impositivas obrigam o governo a executar 1,2% da receita corrente líquida da União em emendas individuais dos parlamentares. Com isso abriram-se as portas, também, para o atendimento do “baixo clero” da oposição. Por enquanto, o efeito dessa dinâmica ainda é duvidoso diante de um Executivo imperial e uma maioria cartorial, simplesmente homologatória, no Legislativo. Exemplo disso aconteceu ainda agora, quando o aumento e a liberação de recursos para as emendas parlamentares ficaram condicionados à aprovação da farra fiscal do Governo.
Pilhada em “malfeitos” com relação às despesas públicas, a Presidente Dilma escancarou, no Diário Oficial, o Decreto nº 8.367/14, que aumenta em mais R$ 750 mil, para cada deputado, o valor das emendas, condicionando-as, com todas as letras, à aprovação do projeto que a livraria do crime de responsabilidade. Com isso o valor total destinado aos 594 parlamentares chegará a cerca de R$ 6,9 bilhões, ou seja, a Bolsa Deputado, depois da aprovação do decreto, será de R$ 11,6 milhões per capita, para ser usada na política clientelista.

Assim, como nunca acontecera neste País, o Governo Dilma passa para a história, de maneira vergonhosa, como legalizador do outrora clandestino troca-troca das emendas parlamentares por votos governistas. Foi criada a “jurisprudência” sobre a legalidade do voto vendido. Simples assim!

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Fausto Matto Grosso: "Esquerda e direita"


 
Nas eleições deste ano, principalmente nos debates nas redes sociais, toda e qualquer crítica ao PT e à sua candidata Dilma Rousseff era acusada de “coisa da direita”. Chegaram assim a acusar, com tais, Marina Silva e Aécio Neves e todos os seus partidos de apoio. A primeira questão que se coloca é da validade dos conceitos de esquerda e direita na atualidade. Esse tipo de questão tornou-se mais comum após a crise do socialismo real, quando muitos começaram a acreditar que o capitalismo triunfante seria o ponto final da civilização e a história teria, então, acabado.
Uma das mais consagradas análises a respeito da questão é a do pensador italiano Norberto Bobbio. Para o autor tais termos, que fazem parte do imaginário da sociedade e da identidade dos atores políticos, são absolutamente pertinentes. Ressalta ainda que esses termos são “antitéticos”, ou seja, não se pode ser ao mesmo tempo de esquerda e de direita.
Esquerda é aquele que assume que a ideia de que a igualdade é condição para a liberdade e a direita pressupõe que a liberdade é a condição da igualdade. Bobbio, considerando esse parâmetro reparte o espectro político dos partidos, em quatro posições: extrema esquerda (simultaneamente igualitários e autoritários); centro-esquerda (simultaneamente igualitários e libertários); centro direita (simultaneamente libertários e inigualitários) e extrema-direita (simultaneamente antiliberais e antigualitários).
Ressalta ainda o autor que os termos direita e esquerda podem representar diversos conteúdos conforme o tempos. Assim, na Revolução Francesa a burguesia e a pequena-burguesia, na luta pela igualdade, contra o feudalismo, eram forças de esquerda, que se assentavam no lado esquerdo da Assembleia Nacional, dai a origem das designações esquerda e direita. Quanto ao aspecto histórico, uma boa referência para a análise é a Segunda Internacional ou Internacional Socialista (1889-1916) uma organização dos partidos socialistas e trabalhistas, criada por influência de Friedrich Engels.
Entre seus membros estava o Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR). Cabe informar aos amigos petistas, “radicais, porém sinceros”, que Lênin liderou a Revolução Russa exatamente com o POSDRb, só depois, isolado no contexto pós-Segunda Guerra Mundial, surgiu a Terceira Internacional e o poderoso Partido Comunista da União Soviética.
Trinta e cinco anos depois, em 1951, resurge a Internacional Socialista (IS) que busca a divulgação e implementação do socialismo democrático através da união de partidos políticos social-democratas, socialistas e trabalhistas. A IS é uma das maiores organizações partidárias em atividade. Entre seus mais notórios dirigentes, figurou Willy Brandt (1976-1992) que através da sua “ostpolitik” buscou a aproximação com o bloco comunista. Esse processo resultou no degelo político leste-oeste e teve como consequência o reconhecimento de Gorbatchov, de que, comunistas e sociais-democratas eram partidos do mesmo tronco histórico, portanto partidos irmãos. 
Da Internacional Socialista, como membro pleno, participa hoje apenas o PDT. O PT flerta com ela, na condição de observador e o PSDB, ao buscar sua filiação, foi vetado por influencia sectária de Brizola, não por conta da sua doutrina, mas por conta de sua aliança com o PFL. 
Resumindo a história, feliz o país que teve, desde a redemocratização, à exceção da aventura Collor, apenas candidatos competitivos de centro-esquerda, o PSDB, o PT, o PSB e o PPS. A direita foi escorraçada, pelo processo democrático, só tem figurado, como mero coadjuvante em todas, e em cada uma, das candidaturas presidenciais. O resto é ranço autoritário, estreiteza de projetos hegemonistas de poder, críticas de quem tem, ainda, um pé na visão de partido único da esquerda.


Fausto Matto Grosso é engenheiro e professor da UFMS 

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Fausto Matto Grosso: "Herança maldita e cleptocracia''

Em 2003, após três tentativas frustradas, Lula assume pela primeira vez a Presidência da República. Enfim, chega ao poder para cuidar do que chamou de “herança maldita”, deixada por FHC, mera retórica da política de polarização e de “construção do inimigo”, já que, inclusive deu continuidade a sua política econômica. Nada mais parecido com Malan do que Pallocci e Meirelles. 
Em 2014, passados 12 anos e três governos do PT, a candidata Dilma continuou brigando com o passado, fazendo política pelo retrovisor.  Disputando a eleição sem programa de futuro, venceu por estreita margem de votos - e se considerarmos os 27,44% abstenção, votos brancos e nulos – recebeu apoio de menos de 40% dos eleitores. 
Presidente legitimamente eleita, mas fraca para assumir, em um país dividido, a sua própria “herança maldita”. Herdou, de si própria, um país em profunda crise econômica, política e moral. Foi a única presidente, depois da redemocratização, que entregou o governo com indicadores da economia, piores do que recebeu.
A economia em crise, ameaça até os avanços sociais conseguidos nos últimos 25 anos, prenunciando dias difíceis para a população, atingida diretamente pela inflação e pela previsível volta do desemprego, resultado natural do crescimento pífio da economia.
As taxas de crescimento e de inflação fogem das metas, mostrando o completo descontrole de gestão, apesar da “contabilidade criativa”. Ingressamos no terreno pantanoso da estagflação. A isso o governo responde com falsificações e manipulações de informações, que humilham órgãos de longos anos de prestígio técnico, levando crise ao interior destes, como aconteceu com o IPEA e com o IBGE.
As contas públicas não fecham. O Brasil entrou no “cheque especial”, ou seja, para o clube de pagadores das dívidas com juros mais altos. Ao não cumprir os limites da Lei de Diretrizes Orçamentárias o governo tenta alterá-la no Congresso. Simples assim – não cumpre a lei, quer muda a lei. 
No aspecto político, a herança de Dilma também é “maldita”. O presidencialismo de coalizão entrou em crise com a rebeldia da base governista, principalmente do PMDB, que reage ao hegemonismo petista. Apesar do tamanho da sua bancada, o aliado teve no governo apenas três ministérios, diante dos 20 controlados pelas diversas tendências do PT. O “custo PMDB” ficará cada vez mais caro quanto mais se acentuar o tamanho da crise de legitimidade da Presidente, sendo que esta, cercado pelos escândalos de corrupção, fica mais impotente para conseguir manter o sistema tradicional de cooptação por amor comprado.
A radicalização da disputa presidencial turvou ainda mais o ambiente político. O país por conta do marketing eleitoral de desconstrução do adversário, primeiro Marina, depois Aécio, encontra-se profundamente dividido. Por sua vez, o PT, em um completo autismo político, cobra da Presidente uma maior radicalização, tentando organizar uma restrita frente de esquerda para a sua sustentação.
No aspecto moral, o governo está no chão. Dilma, logicamente, sabia dos subterrâneos da Petrobras, tanto que afastou diretores indicados por Lula, mas não apurou seus “mal feitos”. Era a criatura protegendo o criador, o presidente “mais probo” que esse país jamais conheceu. Na verdade, o grande líder e grande gênio que transformou o “modo petista de governar” em um novo regime de governo, a cleptocracia.
Após o alucinado desvario durante a campanha, quando qualquer crítica à política do governo era atacada como coisa de direita, agora sim, Dilma e o PT vão saber quem é, de fato, a direita.
Alimentaram a fera, agora ela, raivosa e fortalecida, cheia de razão, está se mostrando nas ruas querendo o diálogo da “degola” da Presidente.


Fausto Matto Grosso. Engenheiro e professor da UFMS

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Fausto Matto Grosso: "O Trololó"

A democracia brasileira, tão judiada por décadas de ditaduras no século passado, não conseguiu consolidar partidos programáticos. Na maior parte dos casos, estes são meros ajuntamentos pragmáticos para disputa de eleições para realizar projetos de poder.
A partir de 2009 foi tornada obrigatória a apresentação das “propostas defendidas pelo candidato a Prefeito, a Governador de Estado e a Presidente da República”, por ocasião do registro das candidaturas. Todos os candidatos presidenciais, portanto, colocaram lá no TSE algum documento ao qual se referiram como propostas de governo. Tenho convicção de que, na maior parte dos casos, isso se fez por mera obrigação, sem nenhum compromisso com o programa real de governo. 
No processo de “fusão” entre o PSB e a Rede Sustentabilidade que resultou na filiação e posterior candidatura de Marina, foi costurado um pacto para mudanças profundas na política brasileira.  Assim nasceu a proposta da Nova Política, uma confluência político-ideológica, à qual o PPS se somou desde a primeira hora.  
Baseado nesses fundamentos surgiu o Programa de Governo de Marina Silva, um documento de mais de 200 páginas, elaborado em discussão com inúmeros especialistas e segmentos da sociedade. É esse o Programa que foi divulgado para a análise crítica dos eleitores e é assumido publicamente pela candidata. Isto faz toda a diferença em relação aos outros candidatos.
Fica difícil entender como candidatos ainda sem programas, em vez de procurar declará-los à sociedade, jogam todo o seu tempo de propaganda eleitoral na desconstrução das propostas de Marina. 
A afirmativa de Aécio é de que os brasileiros não precisam se preocupar, pois seu programa “ficará pronto antes das eleições”. Da mesma forma, com viva voz, vemos a Presidente dizer que “quem tá no governo não precisa dessas coisas”. 
Na verdade, serve melhor aos interesses de Aécio não se expor programaticamente. Vende-se como o “mais competente” sem, na verdade, dizer exatamente para fazer o que. Já o documento de Dilma, até este momento não foi ainda oficializado e, ao que parece, não o será. Segundo vários analistas políticos, procura-se com isso evitar o “cabo de guerra entre o que pensa o governo e o que pensa o PT” evitando o “fogo amigo”. 
Enquanto isso, os “sem programas” somam seus interesses e preferem apostar na desconstrução de Marina, a candidata com menor rejeição e, portanto, mais viável para bater o lula-petismo no segundo turno. São ataques raivosos e mentirosos contra a candidata do PSB. Sobre esse tipo de comportamento, é bom  lembrar  que Dilma deu a entender, já em 2013, que é “aceitável fazer o diabo na hora da eleição”.
Orientados pelo marketing sofisticado, pago a ouro, usam produções hollywoodianas e aproveitam a desigualdade de tempo de TV para aplicar a máxima de Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler, de que “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Querem transformar Marina em representante da “elite branca de olhos azuis escudeira do capitalismo paulista e dos bancos”, como se não tivesse sido o próprio lula-petismo que transformou o Brasil no paraíso dos amigos escolhidos da elite e dos banqueiros.
Enquanto isso a campanha, comandada por marqueteiros, amesquinha-se e vira um imenso trololó, onde não se discute, de maneira consistente, o futuro do Brasil. Em vez de mostrar os diferentes programas, passa a ser a abertura de sacos de bondades e a distribuição destas, meticulosamente estudada, como se faz com inocentes crianças nas festas de São Cosme e Damião.

Fausto Matto Grosso - Engenheiro, professor da UFMS

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A CIDADE UNIVERSITÁRIA

Aposentado há mais de 12 anos, nunca rompi meus vínculos sociais com da UFMS, sempre retornando, pontualmente, para eventos, palestras, debates e mesmo para visitas esporádicas ao meu antigo departamento. Recentemente tive de percorrer seus meandros, com maior amplitude e mais tempo, e fiquei tristemente surpreendido. A Universidade virou um conjunto disforme de prédios, “puxadinhos” e intermináveis estacionamentos.
Arriscando-me a eventuais impropriedades pontuais, sinto-me na obrigação de compartilhar minha aflição, até porque conheço certos aspectos singulares da sua história que ainda não foram contados.
Era inegável a beleza original do campus. O projeto dos pavilhões de ensino começou a ser desenvolvido pelo escritório de Oscar Niemeyer. Diante da grita política, o Governador recuou e passaram a atuar diretamente arquitetos locais de grande valor como Armênio Arakelian (Teatro Glauce Rocha, Restaurante e Hospital Universitário, etc.) e Avedis Balabanian (conjunto aquático). Surgiu assim um patrimônio monumental da arquitetura do Estado. A Cidade Universitária era o orgulho dos campo-grandenses, ponto obrigatório para exibir e nos gabar diante de visitantes da nossa cidade.
Nem tudo era perfeito. Os pavilhões de ensino, onde passei anos da minha vida, apresentavam alguns problemas. A cobertura em lajes pregueadas, de concreto aparente, era fechada lateralmente por tijolos furados. Para quem a projetara, a tão longa distância, deve ter ficado a sensação de uma brilhante solução para o calor campo-grandense. Através dos orifícios dos tijolos deveria circular o ar refrescante. Desconhecia o projetista a poeira vermelha dos meses de agosto, que caracterizava nossa cidade 40 anos atrás. O resultado foi que todos os orifícios foram entupidos por rolinhos de jornais. Ficamos então, com um colchão de ar quente preso em cima das nossas cabeças. Na construção dos primeiros blocos novos, durante certo tempo, consegui-se resolver tal problema respeitando a arquitetura externa.
Na construção dos longos corredores, a pressa do “milagre brasileiro” não permitia, também, muitos devaneios e preciosismos técnicos. Avisado da falta de certas “ferragens” pelo engenheiro da obra, depois professor da universidade, a construtora perguntou: “tem no projeto? Se não tem, não põe”. Como herança, passamos a consertar inutilmente e a conviver, com longevas goteiras que escorrem das lajes em incompreensíveis estalactites.
Na região central de cada bloco havia sempre uma cantina. Em frente destas, um amplo espaço de convivência social dos estudantes. Mas arquitetura tem a ver com política também. Vivíamos a ditadura. Aglomeração de estudantes não combinava com o regime. Começa aí o desastre político-arquitetônico. A Universidade começou a crescer “para dentro”, ocupando, com novas instalações, esses espaços “livres”. A universidade virou um imenso conjunto de corredores de desencontros. Em alguns locais esses corredores também começaram a ser tomados por “puxadinhos para dentro”.
Ainda sobre a política, um dos mais belos prédios da UFMS, o Restaurante Universitário, já pronto e equipado, ficou vários anos fechados, por ordem do Comando Militar da Região, que abominava esses “centros de agitação subversiva”.
Outro equipamento que marcava o campus era o famigerado Morenão, um intruso megalomaníaco no projeto da Universidade. Presente de grego, em um estado sem futebol, sempre foi um imenso problema para a Universidade a quem cabia arcar com o ônus do seu alto custeio, vindo a se tornar, posteriormente, de maneira inadequada, o local de novos “puxadinhos para dentro.”
Passaram-se os anos. A Universidade cresceu muito em instalações e prédios. Imagino que todos devem ter a sua utilidade, não se trata de questioná-los. Entretanto, uma revisita ao campus, nos mostra o grande patrimônio arquitetônico original, além de sucateado, transformado em um monstrengo estético e social.
Exemplo singular e especialmente chocante é o atentado contra a visão monumental do Teatro Glauce Rocha, obstaculizada por uma edificação singela, provavelmente muito importante, mas de locação absolutamente imprópria. Choca-nos também o imenso estacionamento no qual se transformou o campus, sem que se negociasse, com a cidade, uma solução adequada de transporte público.
Quanto às novas construções, não se percebe uma harmonia mínima entre elas e o núcleo original dos prédios. Salta aos olhos uma poluição de estilos, uma distribuição aparentemente caótica na implantação de novos blocos, a perda de áreas verdes, a existência de construções precárias. Parece que a lógica dominante, aqui também, é de que governar é construir obras, aparentemente o planejamento foi substituído pela cultura do imediatismo.
Choca também as notícias na imprensa de a Universidade fazer essa expansão, muitas vezes, através das famigeradas emendas parlamentares, como se a instituição, não fosse, ela mesma, Governo Federal e tivesse, de pires na mão, obrigada a percorrer caminhos tortuosos e nefastos em uma área onde o caminho deveria passar por processos de competência institucional.
Não tenho nenhuma intenção de culpar pessoas, dirigentes acadêmicos ou técnicos da Instituição, até por que não conheço os fatos. Exponho aqui o resultado, tristemente perceptível, de um longo processo de degradação física e estética do campus.
Junto a toda essa perplexidade, talvez por sentimentos já vencidos no tempo, o aperto no peito de ver uma Universidade fechada por cercas e dentro delas uma Reitoria ilhada por outra cerca protetora. Vivi um tempo em que a Universidade era cercada apenas pelo respeito social, onde se defendia a autonomia e onde polícia não entrava.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro, professor aposentado da UFMS

29.08.2014

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

MARINA – TEMPORAL OU CHUVISCO

Frederico Valente* e Fausto Matto Grosso**
Será mesmo forte a ventania Marina Silva? Analistas mais afoitos já dão como certa a eleição dela. Realmente, algumas ondas são incontroláveis, vide Collor em 89, Zeca do PT 98 e o Bernal em 2012. Começam a aparecer pessoas que a rejeitavam, mas em função das novas circunstancias estão revendo posições. A própria Marina ajuda, se colocando de forma diferente, mais paciente e pragmática, sem deixar de ser programática como ela está sempre reafirmando. Particularmente acho que esse cenário tem grande probabilidade de acontecer e cabe ser analisado. 
Confirmado o temporal, o que passa a preocupar é a capacidade de Marina para liderar o jogo político e ao mesmo tempo efetivar as principais mudanças que precisam ser feitas para o Brasil voltar a trilhar os caminhos do desenvolvimento, iniciado por FHC, continuado por Lula e paralisado por Dilma.
Estamos vivendo aquela sensação de que o Brasil até melhorou (mesmo nos momentos de turbulência internacional), mas está caminhando para a estagnação (agora num ambiente de recuperação econômica mundo afora). Essa sensação indica que pode avançar muito mais se houver uma troca geral do comando político que a tempos vem mandando no país e que se esgotou por si só.
Nesse caso volto ao passado recente para uma nova comparação histórica. Itamar Franco foi alçado à presidência com essas mesmas dúvidas, talvez até maiores, pois participava de um projeto que qualquer pessoa mais bem informada sabia o que viria com o homem que “combatia os marajás”.
O acidente que vitimou o Eduardo Campos junto com a eleição de Marina Silva, oferece ao Brasil uma nova oportunidade histórica à semelhança da que foi dada com o impeachment de Collor. Trata-se da possibilidade real da formação de um governo de coalisão, com a participação das forças políticas mais responsáveis do País.
Marina e sua Rede, o PSB e o PPS, formam um tripé que vem mostrando organização, modernidade, e coesão, amplamente demonstrados nesse momento difícil. Todo processo vivido pela coligação, tanto na postura em relação à morte de seu líder maior, como na sua substituição, tem sido coerente e competente. A família Campos deu o tom através de declarações sensatas do irmão de Eduardo, e de sua esposa, que poderiam aproveitar o clima emocional e oportunisticamente, postular o lugar dele, ou mesmo de vice. Outro ponto forte deles é a proposição de uma “Nova Política” para o Brasil, conteúdo das falas de Eduardo Campos e Marina Silva, e que é o anseio maior da população brasileira, amplamente demonstrado nas manifestações de junho de 2013.
Para isso a nova presidente do Brasil terá que demonstrar capacidade e disposição para negociar com os adversários e com os diferentes setores da oposição e vai precisar de grande competência para convencimento da sociedade a respeito das reformas econômicas e sociais. Em princípio parece uma competência que Marina sozinha não tem e nem Itamar tinha. Em uma coalizão bem articulada Marina poderia dispor do apoio necessário para tanto e enfrentaria uma oposição menos radical facilitando a governabilidade.
Por outro lado existe a preocupação em relação ao que a Marina ambientalista pensa sobre o setor rural. Sobre isso seu vice Beto Albuquerque já começou a trabalhar. Em entrevista ao ser lançado para o cargo disse "Acho que tem muita gente que tem preconceito contra a Marina, talvez porque seja uma mulher, talvez porque seja uma mulher negra, mas sem ouvi-la. Tem muita gente que ouve os outros falarem da Marina e acha que o que o outro diz sobre a Marina é mais importante do que ouvi-la. Quem ouvir a Marina na campanha vai ver que há muitos preconceitos absolutamente despropositados". Ela já disse também que cumpre o programa proposto pelo PSB.
O momento e as circunstâncias são propícios a um governo de coalizão e esse talvez venha a ser o principal legado construído e deixado por Eduardo Campos com a formação da terceira via. Mas Marina terá que entender e tratar cuidadosamente disso ao longo de toda a campanha eleitoral, pois pequenos deslizes podem azedar o clima e por tudo a perder.
Não vai ser tarefa fácil administrar tudo isso, o PT mesmo vai tratorá-la tão logo se confirme seu crescimento, mas o PSDB talvez não o faça, pelo menos foi isso que FHC sugeriu. Vamos acompanhar os acontecimentos.

*Engenheiro, foi Secretário Nacional de Saneamento

**Engenheiro e professor aposentado da UFMS

quinta-feira, 31 de julho de 2014

O IDH, A GALINHA E O FUTURO

A divulgação recente do Relatório do PNUD sobre o Desenvolvimento Humano, com os valores do IDH, provocou uma sensação equivalente aos 7 x1 da Alemanha. Menos modesto do que o Felipão, o governo, prontamente, contestou os números – diante da doença, pretendeu quebrar o termômetro.
O Brasil é um país de imensa potencialidade, mas tem que baixar a bola e encarar de frente os seus imensos problemas estruturais. A ilusão de ser a 7ª economia do mundo (depois dos Estados Unidos, China, Índia, Japão, Alemanha e Rússia) tolda-nos a visão de que não somos um país rico e temos imensas desigualdades sociais e regionais. Nossos desafios são imensos.
Mediando nossa riqueza bruta pela população temos o 76º PIB per capita entre os 187 paises do mundo, atrás de países como Chile, Argentina, Uruguai, Venezuela e Costa Rica, muito perto de Cuba que ocupa a 85ª posição. A China (101º) e a Índia (133ª), nossas companheiras dos BRICS, também o são. A diferença é na maneira como tratamos o nosso futuro
O IDH surgiu para avaliar em que medida a riqueza está relacionada com o o progresso de longo prazo em três dimensões do desenvolvimento humano: uma vida longa e saudável, acesso ao conhecimento e a padrão de vida decente. Isso depende não só da riqueza, mas como a sociedade se organiza para produzir o bem estar da população. A Noruega, primeira no IDH é um país rico (5º em PIB per capita) e organiza o seu sistema social para constuir o bem estar da população.
Uma rápida leitura no Relatório de Desenvolvimento Humano (PNUD, 2014), que nos coloca em 79º lugar enquadrando-nos entre os países com grau alto de desenvolvimento, nos remete para particularidades muito importantes.
Primeiramente, embora já sabido, a construção do IDH parte do passado, passa pelo presente mas se refere ao futuro. A expectativa de vida (73,9 anos) e o tempo de estudo (15,2 anos) dizem respeito a quem está nascendo agora, se forem mantidas as tendências atuais. Daí a enfase do documento quanto à “redução das vulnerabilidades e a construção da resilência”.
O termo resilência, conhecido por qualquer bom aluno de engenharia, se refere a uma situação que pode ser exemplificada por uma vara de salto em altura, que se verga até um certo limite sem se quebrar e depois retorna à forma original dissipando a energia acumulada, lançando o atleta para o alto. Esse termo se generalizou para várias outras áreas do conhecimento e indica, no caso, à sustentabilidade das políticas sociais diante das crises.
A nota técnica do PNUD, que acompanha o relatório recém divulgado, manda alguns recados para o Brasil.
Embora nosso IDH seja o segundo entre os BRICS, ficando apenas atrás da Rússia, nossa tendência, crescente entre 1980 e 2000, perdeu impulso entre 2000 e 2013, enquanto a China e a Índia continuaram com índices crescentes, projetando a superação da posição brasileira, apesar das imensas populações desses países. Na América do Sul, o IDH do Brasil, que tinha o maior crescimento do sub-continente até 2008, também perdeu impulso e passou a avançar mais lentamente do que os dos nossos vizinhos.
Outro recado é o alerta sobre as desigualdades na distribuição do desenvolvimento humano pela população, em nível nacional. O IDH representa um valor médio do desenvolvimento humano. Como todas as médias, o IDH também mascara a desigualdade. Porisso, a partir de 2010 foi introduziu o IDH ajustado à desigualdade (IDHAD), que leva em consideração a desigualdade em todas as três dimensões do IDH. Daí o nosso IDH de 0,744 tem uma perda de 27% e cai para 0,542, o que representa uma queda de 16 posições no ranking internacional. Nessa condição, o país sai do grupo de países de alto desenvolvimento e passa ao bloco dos paises de médio desenvolvimento humano.
Referência especial mereceu o Programa Bolsa Família, citado sete vezes, como exemplo bem sucedido de transferência de renda, mas o assunto divide a opinião de integrantes do Programa das Nações Unidas, conforme foi reconhecido pelo chefe da representação no Brasil, na ocasião da divulgação do relatório. Para o escritório brasileiro do PNUD, o Bolsa Família é um exemplo sem ressalvas para ser seguido por outros países. Já escritório internacional do organismo em Nova York avalia que a estratégia é eficaz, mas a maior parte de seus efeitos são de curto prazo, reconhecendo-a apenas como uma ferramenta válida para situações emergenciais, polêmica essa que divide, também, a opinião pública brasileira onde há forte contestação da sua eficácia transformadora.
A divulgação do relatório do IDH, abrangendo período recente da história do nosso desenvolvimento, feita em período eleitoral, onde se joga o futuro do país, é um importante subsídio para se pensar sobre as eleições. Que o futuro nos reserve estadistas, capazes de construir projetos consistentes de longo prazo e não apenas projetos de poder. Usando conhecida metáfora sobre o desenvolvimento, que possamos sair do vôo da galinha e possamos alçar vôo de uma águia.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor da UFMS, aposentado.

31.07.2014

quinta-feira, 12 de junho de 2014

UMA TIPOLOGIA PARA OS LÍDERES POLÍTICOS

Aproximam-se as eleições. As pesquisas de intenção de voto anunciam uma perigosa tendência de votos nulos e brancos, sintomas de desalento da população com a política e com os partidos. Afinal muitas foram as expectativas frustradas e as decepções com os votos perdidos, mesmo quando tais votos elegeram candidatos vitoriosos.
É certo que existe uma crise mais geral que revela mudanças mundiais nos paradigmas da representação política, com o surgimento de novas formas de organização e de ação dos atores sociais articulados em redes de informação e comunicação.
Entretanto, soma-se a essa realidade, a frustração provocada pela natureza da pratica política existente em nosso País caracterizada pelo descompromisso programático, pela promiscuidade entre o público e o privado, pela corrupção, pelo clientelismo e pela degenerescência das práticas políticas, situação essa que afeta os mais diferentes partidos e suas lideranças.
Mas afinal, como separar o joio do trigo, se nas eleições todos os discursos são parecidos e os candidatos aparentam serem todos bem intencionados, aos olhos dos eleitores?
Uma boa ajuda para a diferenciação pode vir da análise da tipologia de lideres políticos construída por Carlos Matus, ex-ministro de Salvador Allende. Chipanzé, Maquiavel e Ghandi, assim o autor tipificava os estilos de liderança política, em uma escala do pior para o melhor.
Tais como nos grupos de chipanzés, os líderes assim classificados, são caracterizados pela expressão “o fim sou eu”. A forca representa o seu atributo político principal. Não existe projeto algum - o líder guia a manada a lugar nenhum e é guiado pela lógica de que “o projeto é o chefe e o chefe é o projeto”. É o estilo mais primitivo de fazer política. Os ditadores sul-americanos, velhos e novos, são uma boa representação desse espécime.
“Os fins justificam os meios” essa é a síntese da ideologia que sustenta o estilo Maquiavel. Em relação ao estilo anterior, a grande diferença é que neste caso há um projeto, que transcende o líder. O projeto não é mais individual, é coletivo, tem base social, mas é impossível realizá-lo sem o líder messiânico. Aqui o poder pessoal não é o objetivo, mas o instrumento. Nesse contexto, não há adversários, só os inimigos que devem ser derrotados e, se necessário, eliminados. No campo da esquerda, já fomos pródigos em produzir tais lideranças.
Mas a humanidade já conseguiu produzir, embora mais raramente, um outro tipo de líder, que baseia a sua liderança na força moral e no consenso. Ghandi é o paradigma desse tipo de liderança política. Poderíamos também chamá-lo, mais atualmente, de “mandiba” ou Nelson Mandela.
Também aqui o projeto é coletivo, mas o líder não disputa para sê-lo. Não precisa força física, lidera pela superioridade de seus valores e da sua ética. Não precisa construir inimigos para vencê-los, mas sim subordinar e ganhar os adversários pela razão objetiva do projeto socialmente superior. Pratica a coerência entre discurso e ação, essa coisa hoje tão rara na política, cuja escassez está na origem da desmoralização dos líderes políticos.
Esses estilos de lideranças políticas raramente são encontrados em estado puro. Também, o líder não os escolhe ao seu bel prazer. O estilo real de cada político acaba sendo uma combinação particular entre alguns dos estilos básicos. Há que se falar em características predominantes e isso vai depender tanto da sua personalidade como do contexto dentro do qual se realizam as disputas.
A cada estilo de liderança vai corresponder, no exercício do poder, um comportamento político esperado. O de pensar e usar o governo como coisa sua, ou comportar-se segundo princípios republicanos. O de isolar-se no uso pessoal do poder ou de compartilhá-lo com a sociedade. O de perpetuar conflitos ou buscar convergências que possam viabilizar projetos de interesse público.
A essa altura, cada um deve estar procurando colocar as figurinhas dos líderes das disputas nos álbuns de personalidades, ou nos porta-retratos eu lhes correspondem. O critério é de cada um, assim como a responsabilidade do acerto ou erro.
Certamente Matus não escreveu esse tema para o Brasil ou para Mato Grosso do Sul. Mas sua validade e atualidade são preciosas para ajudar-nos a pensar a nossa política e escolhermos acertadamente os nossos líderes políticos.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro, professor da UFMS, aposentado.

12.06.2014

sexta-feira, 6 de junho de 2014

PRECISA-SE DE NOVOS POLÍTICOS

Somente uma nova política pode dar solução ao esgotamento dos valores decadentes da velha política, essa que anda apedrejada pelas ruas e pelas praças. Para essa nova política, precisamos políticos de outra natureza, profundamente diferente.
Oriundo de uma militância política em partido clandestino, a noção da relação entre participação política, mandato e poder não foi de um aprendizado fácil para mim e para muitos da minha geração. Participar politicamente significava defender ideias, divulgá-las na sociedade, nas suas organizações e ajudar as pessoas a se organizarem em torno das suas lutas.
O importante eram as ideias, não os líderes e mandatários. Lembro-me perfeitamente, no “Partidão”, como nos regozijávamos quando outras lideranças, mesmo fora das nossas fileiras, como aliados ou simpatizantes, as adotavam. Isso nos bastava, a fertilidade das nossas propostas.
A ilegalidade nos impunha essa racionalidade e, talvez até, a tenhamos conservado para além do tempo razoável, mas esse foi um pouco da nossa história. Ter pretensões eleitorais próprias, durante muito tempo, era uma coisa mal vista entre nós, era considerada um espúrio sinal de “carreirismo”. Quando o avanço da democracia foi nos tornando possível exercer mandatos, esse era considerado uma missão, um encargo de representação. Lembro-me da minha primeira candidatura, Fiquei sabendo que seria candidato durante a nossa conferência eleitoral, que antecedeu a convenção do PMDB. O partido precisava de alguém com o meu perfil.
Parece que falo de um outro mundo, de um outro país. Especialmente os jovens, olhando a realidade da degradação política de hoje, devem estar pasmos, ou me achando maluco, ao ficar sabendo que isso já aconteceu na história do Brasil. Já houve um tempo em que a vereança era um cargo honorário, que políticos, às vezes poderosos, terminaram a vida modestamente. Que partido era partido e que mudar de partido era incorrer em uma condenação moral grave, eram os “traíras”. Política era para os mais respeitados, para aqueles de maior representatividade, e não para os mais ousados que se atiram à política para se aproveitar desta, não raro se tornando, da noite para o dia, homens miraculosamente ricos, donos de fortunas inexplicáveis.
Destruir a tradição partidária do país e estabelecer um fosso entre as gerações, talvez seja o pior desserviço da ditadura de 20 anos, o de abastardar a política, ao proibir as ideias, ao transformar os partidos em simples correias de transmissão do poder ou naquilo que, mesmo nascendo na oposição acaba mostrando que pretende apenas trocar de sinal para fazer a mesma política contra a qual insinuavam lutar. Paralelamente surgem aquelas outras agremiações, criados de ocasião, de encomenda, doadas de “porteira fechada” a chefetes locais, para negócios pessoais, ou para o jogo de alianças subalternas.
Surgiu o político autônomo, o político de mercado, representando o vazio ideológico que se formou no país. Fortaleceu-se a tal da “classe política”, uma excrescência conceitual ou a consciente formação de uma corporação voltada para si, para seus privilégios tendo como principal regra a da eterna perpetuação nos cargos, a qualquer custo.
Tenho convicção da impossibilidade de uma generalização dessa natureza, mas tenho, também, a convicção de que essa é a moda estatística flagrante que caracteriza a política real. Sei também o quanto desse comportamento é resultante das regras do sistema político-eleitoral. Mas cabe aos homens e aos políticos reformularem as regras perniciosas desse jogo político. Talvez a próxima eleição possa avançar na direção daqueles líderes que sinalizem e que se comprometam com as reformas necessárias e com a postura hígida desejável, para que a política possa vir a reconquistar o respeito que deveria merecer da sociedade.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor da UFMS, aposentado.

06.06.2014

segunda-feira, 19 de maio de 2014

EM DEFESA DA POLÍTICA

Vivemos hoje no Brasil e no mundo uma grande crise da política. Fosse simplesmente uma crise política, sua solução seria bem mais fácil, bastava trocar os políticos e os partidos, substituí-los por novos nomes e siglas.
Mas há um claro clamor nas ruas de que a política é uma atividade desnecessária, os partidos são vistos apenas aparelhos de poder pessoal ou de pequenos grupos de interesses. “Vocês não representam” gritam as vozes roucas das ruas e praças. Há um clamor por mudanças mais profundas, para além da renovação dos quadros da política.
A política deve voltar a ocupar aquele lugar de que falava Aristóteles: a atividade mais nobre do cidadão em qualquer sociedade, garantindo os objetivos da coletividade e a convivência daqueles que pensam de forma diferente. Para isso precisamos que os melhores quadros da sociedade percam os preconceitos e se ofereçam como oportunidade para a mudança.
No movimento incessante da sociedade a crise atual da política representa aquele momento em que o que é velho já morreu e o que é novo ainda não nasceu. Somente uma nova política pode dar solução ao esgotamento dos valores decadentes da velha política.
Mas construir o novo não é tão fácil assim. O novo não nasce de uma explosão, mas é gestado lentamente pela dinâmica existente no seio da sociedade. Temos que ajudar nesse parto.
Mas aí esta colocado o fato concreto das eleições de 2014 em MS. Será que algum dos lideres colocados na disputa pode representar esse papel? Sinceramente não sei. Mas é nesse momento que está sendo construído o futuro imediato da política. É o momento de definir nomes, chapas, programas, alianças e de se plantar a natureza da governabilidade que será construída posteriormente, se de amor comprado ou de respaldo na sociedade.
O homem é ele e as suas circunstâncias. Não é o líder que faz a história, mas esta que constrói os líderes necessários. A história pode impor a esses líderes a responsabilidade de se ajustar à nova política em todas as esferas da disputa eleitoral. Cabe aos candidatos já postos fazerem as composições que signifiquem o sentido da mudança, seja nos cargos vagos da majoritária seja no espaço das eleições proporcionais.
Cabe aos quadros de qualidade existentes na sociedade, que representam esses sentimentos novos, que rompam o preconceito contra a política e venham também compor o campo da mudança.
Vamos torcer e ajudar que a política possa seja radicalmente renovada em Mato Grosso do Sul.

Fausto Matto Grosso

Engenheiro e professor da UFMS, aposentado