sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

INTOLERÂNCIA

"Na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam nosso cão. E não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada." (Vladimir Maiakovisk)
A Câmara Municipal de Campo Grande viveu recentemente um episódio patético, o enorme conflito relativo a um singelo projeto de aprovação de um título de utilidade pública para a Associação das Travestis de Mato Grosso do Sul. Fosse uma dessas entidades fantasmas criadas, por alguns políticos, para receberem emendas parlamentares, que eles mesmos elaboram, valeria a justa indignação da cidadania.
O episódio merece ser comentado pelo que tem de simbólico e de emblemático de um comportamento de intolerância que surge quando se mistura religião com política, o chamado fundamentalismo.
Todos conhecemos o que isso significa de irracionalidade no Oriente Médio, na Irlanda do Norte, no Paquistão e em outros cantos do mundo, ou indo mais longe, o que significou a perseguição dos cristãos pelos romanos e a Inquisição. Já pelo contrário vale lembrar o exemplo do deputado comunista Jorge Amado que, na Constituinte de 45, conseguiu aprovar a liberdade religiosa no Brasil, livrando da perseguição policial a umbanda e o candomblé, ritos religiosos dos negros pobres de então.
O Brasil “cordial” tem que se alertar para o fato de que a intolerância fundamentalista é um perigo sempre presente, que tem se traduzido em veto à ciência, à diferença, à liberdade e ao caráter laico do Estado.
A democracia das maiorias foi uma vitória da civilização, o desafio que se coloca agora é o da incorporação democrática das diferenças. Reconhecer o outro para incorporá-lo no jogo democrático e na organização da sociedade. Sociedades excludentes são sociedades de conflitos. Grupos desorganizados, sem interlocutores definidos, são massas de manobra para os navegadores do caos social e da enganação política.
O que os travestis fizeram foi exercer o legítimo direito de organização, tal como qualquer outro segmento da sociedade. Não precisaram pedir para ninguém, como acontece em uma sociedade democrática. E no caso específico, a Associação passou a ser uma interlocutora responsável e importante do poder público nas questões de saúde, segurança, cidadania, entre outras. Agora querem apenas que isso seja reconhecido, em uma lei, como ações de utilidade pública. Só isso.
Inutilidade pública é a intolerância. Perigoso é o fundamentalismo que um dia pode nos pegar também.

Maria Augusta Rahe Pereira,
médica
Fausto Matto Grosso,
engenheiro e professor da UFMS

faustomt@terra.com.br

domingo, 1 de junho de 2008

ONGS, SEM PRECONCEITOS

“ONGs são comitês da cidadania e surgiram para ajudar a construir a sociedade democrática com que todos sonham” - Betinho
As Organizações não-Governamentais – ONGs estão no centro de um grande debate. A tônica das discussões tem sido, quase sempre, a suspeição dos seus financiamentos e objetivos. A “teoria da conspiração” volta à tona com a mesma sanha do passado quando apontava para o “ouro de Moscou” e para as “ligações com potencias estrangeiras”. Não se discute a validade ou não de suas propostas e sim se busca descredenciá-las como interlocutoras. Agora é o ouro do príncipe Charles, da rainha Sofia, de alguma multinacional ou dos países centrais interessados em nossos recursos naturais.
No geral, essa discussão é eivada de uma grande confusão. Afinal se tem algo difícil de se definir, é esse tipo de instituição, pela amplitude e fluidez de seu campo de existência. É ONG desde a pastoral da criança da Dra. Zilda Arns, exemplar no combate à desnutrição infantil, aliás, com dinheiro público bem usado, até “Meu Guri” da esposa do Deputado Paulinho da Forca Sindical, agraciada com generosas doações do BNDES.
Tudo que não é governo, nem mercado, pode ser classificado como ONG. A expressão surgiu pela primeira vez no âmbito da ONU, após a segunda guerra mundial, para designar organizações supranacionais e internacionais que não foram estabelecidas por acordos governamentais, ou seja, as ONGs nasceram primariamente como organizações internacionais e desde esse início são reconhecidas pelos relevantes serviços prestados à humanidade – Anistia Internacional, Greenpeace, Médicos pela Paz e outras tantas que se dedicam a defesa de valores e princípios universais, como direitos humanos, conservação ambiental, tolerância e paz.
Os impulsos mais recentes para a proliferação dessas instituições, foram a revolução científico-tecnológica e a globalização. Esse dois fatores, inter-relacionados que são, produziram o espaço virtual on-line, fazendo desaparecer o tempo e a distância no relacionamento entre os homens, ao mesmo tempo em que modificava o papel dos Estados nacionais. A expressão mais tradicional do poder nacional, a moeda e os bancos centrais hoje são controlados pelas instituições mundiais do capital e pelo mercado da economia desprovida de base material.
Paralelamente ao Estado e ao mercado, surgiu o chamado “terceiro setor”, espaço de existência das ONGs. Esse novo segmento é a nova sociedade civil assumindo o papel de fiscalização das políticas públicas e das estripulias deletérias do mercado. São elas que começam também a cumprir funções na esfera pública não-estatal, muitas vezes com maior competência que o Estado crescentemente despreparado para cumprir as suas presentes e futuras indelegáveis funções.
Nesse período dois segmentos com visões antagônicos confluíram para o apoio e criação das ONGs, o pensamento neo-liberal que as via com um artifício para esvaziamento do Estado, que deveria ser mínimo, e o pensamento libertário que enxergava a oportunidade de controlá-lo, ao controlar suas políticas. O pensamento de direita e de esquerda, com diferentes perspectivas, se somaram, então, na idéia de criação dessas organizações. Portanto, pode-se gostar ou não gostar das ONGs, mas elas vieram para ficar, por que não são frutos de conspirações e sim, formas novas que estão nascendo sintonizadas com o processo de implantação de um novo momento da civilização, marcado pela aceleração das mudanças do padrão produtivo, que clama por novos atores e novas relações sociais.
Que as ONGs nos diversos países se articulem internacionalmente não há nada a se criticar, afinal os Estados se articulam também nesse nível e ainda mais evidente é a internacionalização do mercado e do capital. Essa articulação internacional das ONGs tem o grande mérito de permitir a atuação local da cidadania, informada pela experiência internacional. O que estamos vendo é o surgimento de uma opinião pública e de uma sociedade civil mundiais, com maior possibilidade de enfrentar os desafios da humanização global. Quem sabe o conceito de estrangeiro esteja com os dias contados.
Essa articulação global das ONGs tem se dado através do mecanismo ultra sofisticado de formações de redes de atores sociais locais e globais, que lhes dá enorme capacidade de influenciar localmente, com a visão de mundo e mundialmente com a riqueza da visão das diversas comunidades locais. Essas redes estão cada vez mais presentes nas decisões mundiais, realizando reuniões paralelas às dos chefes de estados, e a das agências de articulação do capital. Para desespero desses, as redes estão em todas as partes e são difíceis de combater, afinal, elas nunca são, estão, são constantes vir-a-serem típicos do processo de mudanças rápidas e generalizadas do tempo em que vivemos. Mas e a corrupção, o uso indevido do dinheiro público e os atrelamentos espúrios que a política tem feito delas? Serão elas antros de corrupção? A transparência, o controle público, as CPIs e a justiça são os remédios para isso, quando o dinheiro público estiver envolvido. Tenho certeza que menos será encontrado de nocivo do que no Estado e no Mercado.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro Civil, professor da UFMS.
faustomt@terra.com.br


domingo, 20 de abril de 2008

UM BOM LUGAR PARA SE VIVER

Jornal da Cidade - 20/04/2008
Parece ser o nome de um filme, talvez até o seja, mas foi a partir dessa afirmação do senso comum que enfrentei o desafio de ver os números de Campo Grande.
Escolhi nove cidades desse “centro-oeste expandido” com os quais nos relacionamos, e que têm semelhanças conosco quanto à população, estrutura econômica, e centralidade regional.
No Paraná, Londrina e Maringá, naturalmente deixei de fora Curitiba, pois a comparação seria covardia. Em São Paulo, Prudente e Rio Preto, ficaram fora Campinas, São José dos Campos, porque já estão na nova economia do conhecimento. Em Minas Gerais, Uberaba e Uberlândia. Em Goiás, Goiânia. Em Mato Grosso, Cuiabá.
Pasme o distinto público, considerando Campo Grande o nono município para a comparação, ficamos em último lugar entre todos eles, quando ao Índice de Desenvolvimento Humano – IDH (2000), referência adotada para a análise da qualidade de vida da população.
Adotando os IDH temáticos, somos o sétimo em IDH longevidade – ganhamos de Goiânia e Cuiabá - o sétimo em IDH educação – ganhamos de Londrina e Uberaba - e último em IDH renda.
Tomando outros indicadores da área da sócio-economia, somos o último em renda percapita, o penúltimo em percentagem de pobres e o sexto em concentração de renda, que aumentou entre o levantamento de 1991 e 2000.
Quanto à esfera social, somos o penúltimo em mortalidade infantil, penúltimo em esperança de vida ao nascer e nosso melhor resultado é um quarto lugar com relação a anos de escolaridade média da população.
Naturalmente poupei os leitores da citação dos números, que podem ser confirmados no Atlas de Desenvolvimento Humano, no sítio www.pnud.org.br, mas discursos podem enganar, números, dificilmente.
Onde encontrar respostas para esse aparente paradoxo de uma seqüência de administradores considerados bons produzirem uma cidade que não se completa para a realização do bem comum?  Esta é a questão que deve nos desafiar a todos.
Cá comigo tenho as minhas convicções.
Não se constrói desenvolvimento investindo em coisas e sim investindo em gente. Não se constrói progresso apenas com concreto, mas com políticas públicas efetivas, que tenham em conta os problemas reais da população.
Não se constrói cidade fazendo surpresa para a população, anunciando pelos jornais as obras que o prefeito vai fazer, o presente que vai ser dado à cidade. A construção da cidade tem que ser um projeto de ampla cumplicidade com a sociedade. Democracia é o nome disso.
Não se constrói cidade sem sonhos e utopias, sem alma, sem um grande projeto de futuro, sem planejamento. Uma boa cidade não pode ser construída pensando no futuro do mandato, mas no futuro das próximas gerações. A grande diferença entre um bom administrador e um estadista realizador de sonhos é que aquele faz tudo o que é possível, enquanto o este torna possível àquilo que é necessário. Se fosse para escolhermos apenas um bom administrador, melhor e menos custoso seria um concurso público e não uma eleição.
As prioridades da cidade não podem ser ditadas unicamente pelas disponibilidades das rubricas do orçamento federal e pelas famigeradas emendas parlamentares. Um estadista é aquele que sabe inverter essa lógica e mobilizar todos os tipos de recursos para as prioridades ditadas pelos problemas da população.  Há uma energia imensa a ser mobilizada quando o projeto não é apenas do administrador de plantão, mas reproduz uma cumplicidade mais ampla da sociedade.
A boa administração não se mede pelo volume de concreto e asfalto ou pela beleza das obras ou, ainda, pelo encantamento das ruas e avenidas, mas pelos resultados concretos na vida das pessoas.
Minha terra tem palmeiras, mas como dizia minha avó, beleza não põe a mesa.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro e Professor da UFMS

faustomt@terra.com.br

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

ZONA DE REBAIXAMENTO (*)

A cada crise política cresce, na sociedade brasileira, um sentimento difuso favorável a mudanças no sistema político-eleitoral. Embora viva impasses na sua tramitação no Congresso Nacional, a Reforma Política já tem alguns pontos de forte consenso, entre esses o financiamento público de campanhas e a proibição de coligações nas eleições legislativas.
Esta última questão é uma importante medida para dar identidade aos partidos políticos. A ninguém será dada a oportunidade de tomar carona em votos emprestados de outras legendas. A representação assim conseguida terá maior caráter partidário e menor caráter pessoal, como convém a um sistema democrático que precisa de partidos fortes e com identidade político-ideológica. Por isso, todos os partidos, grandes e pequenos, se preparam para lançar chapas completas de vereadores nas próximas eleições.
O mesmo já não acontece com relação a candidaturas a prefeitos, quando muitas agremiações abdicam precocemente da possibilidade de apresentar suas diferentes propostas ao julgamento eleitoral da população. Dissolvem sua identidade, desaparecem do debate eleitoral e passam a ser representadas por lideranças de outros partidos. Candidatam-se à insignificância e assumem a inexistência de fato.
Fossem as coligações nas eleições majoritárias, frutos de construções autenticamente programáticas, esse fato poderia ser perfeitamente aceitável e representar até, em certa medida, maturidade política. Mas o que acontece, no geral, é a pura adesão a candidaturas polarizadoras, a partir de projetos de poder e não de projetos construídos nas relações dos partidos com a sociedade. Aqueles que assim procedem empobrecem e amesquinham o debate político, ao não colocar alternativas diversas à sociedade. Esta acaba comendo um prato feito na pobreza do cardápio das opções apresentadas.
Este contexto acaba criando dois tipos de partido, os de primeira classe e aqueles que abdicam de disputar na primeira divisão, ou mesmo de jogar jogo algum. Aí vale a máxima futebolística, “time que não joga, não tem torcida”. Os grandes continuarão grandes e os outros passam a ser meras siglas para negócios eleitorais.
Por outro lado, as eleições municipais, principalmente nas capitais, estão se constituindo em preliminares para as eleições de 2010. Em todos os lugares é isso que se vê. Daí as orientações nacionais, de diversos partidos, para a disputa, com candidaturas próprias, pelas prefeituras. Para os grandes é um momento vital para a eleição presidencial, para os pequenos, para se superar a cláusula de barreira.
No caso do PPS é também essa a orientação eleitoral nacional. Candidaturas próprias nos 164 municípios brasileiros com mais de 100 mil eleitores, com supervisão da Executiva Nacional. O PPS, a prevalecer a orientação nacional, vai jogar em Dourados e Campo Grande porque, com a sua história e a sua política democrática de esquerda, não deve jogar no campo pelado da várzea.
Fausto Mato Grosso

(*) Artigo originalmente publicado no Jornal da Cidade (http://www.jornaldacidadeonline.com.br/), de Campo Grande (MS), em 16 de novembro de 2007, data em que o autor voltou a colaborar como colunista do jornal, fundado no final da década de 1970.

UMA CIDADE PARA O CIDADÃO (*)

O futuro é uma construção humana aberta, que vai sendo edificada pelos diferentes atores sociais, com suas ações ou pela falta delas. Campo Grande do futuro será o resultado da resposta que for sendo dada, ao longo dos anos, para os seus desafios fundamentais, e estes não são poucos.
No contexto da globalização, a cidade, se quiser se projetar progressista, deverá buscar seu espaço na rede mundial e nacional de cidades. Isto significa estar conectada com outros centros dinâmicos com os quais trocará cultura, bens e serviços. Muitas são as condições para tal. A sua posição estratégica no interior brasileiro e no contexto sul-americano, a credencia para tanto. O início da construção do Porto Seco sinaliza, promissoramente, nesse sentido. Sua condição de pólo distribuidor do turismo ecológico mundial para o Pantanal e Bonito reforça essa possibilidade.
Paralelamente à globalização surge o desafio do processo de localização, ou seja, o de se tornar um ponto particular do universo a partir da sua especificidade sócio-cultural, econômica e ambiental. Tanto mais global será, quanto mais valor de identidade local incorporar à rede. Na dialética da mundialização Campo Grande poderá se afirmar como única, a partir de uma construção consciente da sua sociedade.
No contexto da revolução científica tecnológica, e da afirmação da sociedade pós-industrial, terá que se definir entre o tradicionalismo da sua economia ou do salto para economia baseada produção de bens simbólicos e de mercadorias de alta densidade de conhecimento. Muito ainda há o que se fazer nessa esfera da modernização da economia.
Entre todas as questões, a democratização é o maior desafio, porque permite a construção da cidade a partir de um projeto mais coletivo, mais generoso, mais compartilhado, mais cidadão. Mais do que a infra-estrutura, mais do que a capacidade de arrecadação, mais do que a qualidade dos governantes, o que é decisivo para o desenvolvimento de uma cidade é o seu capital social. Quanto mais ampla e organizada for a rede de relações entre as instituições da cidadania, maior será a qualidade do desenvolvimento e maior a sua sustentabilidade.
Nesse sentido, Campo Grande ainda terá que forjar, com a participação ampla dos seus atores sociais, um grande projeto utópico, de longo prazo, condicionador de sucessivos governos aos desígnios da cidadania e ao controle social. Tal instrumento poderá garantir continuidade nas políticas públicas e nos investimentos estratégicos e articular os limitados orçamentos públicos com os recursos existentes na sociedade sob a forma do empreendedorismo, da responsabilidade social e do voluntariado. Paralelamente ao orçamento público poderá se estruturar um “orçamento da cidade” contando com todos esses recursos adicionais, normalmente não contabilizados, mas disponível para projetos construídos compatilhadamente.
Campo Grande poderá realizar a utopia da radicalidade democrática, diminuindo a separação entre governantes e governados. O Poder poderá ser compartilhado entre as instituições e estas serem organizadas na escala dos cidadãos. Assim o executivo e o legislativo, as universidades e a iniciativa privada, as igrejas e o terceiro setor, o judiciário e o ministério público, os movimentos sociais e o voluntariado poderão serão parceiros de um desenvolvimento pactuado coletivamente.
A cidade tem o desafio de se edificar em uma escala mais humana. A infra-estrutura deverá ser pensada como um instrumento e não como um fim em si próprio, para se ter melhor qualidade de vida, melhor qualidade ambiental e mais integração cultural. A infra-estrutura poderá cumprir um papel de minimizar a exclusão e de ajudar a democratizar as oportunidades, possibilitando, a todos, o acesso aos benefícios do desenvolvimento.
Nossa cidade pode se fazer promissora, articular-se para enfrentar essa desafiadora realidade e construir capacidade para vencer tais desafios. Essa utopia mobilizadora pode ser um sonho factível se for capaz de mobilizar as das energias cristalizadas na sua, ainda tímida, sociedade civil. A cidade do futuro será feita da realização dessas utopias.
Fausto Mato Grosso

(*) Artigo originalmente publicado em 25 de novembro de 2007, no Jornal da Cidade (http://www.jornaldacidadeonline.com.br), de Campo Grande (MS), meio de comunicação em que o autor é colunista.
PARA TODOS OS GOSTOS (*)
Chipanzé, Maquiavel e Ghandi. Assim Carlos Matus, ex-ministro de Allende, tipificava os estilos de liderança política. Essa seqüência representaria a evolução civilizatória.
Tais quais os chipanzés, os líderes assim classificados, são caracterizados pela expressão “o fim sou eu”. A forca representa o seu atributo político principal. Não existe projeto algum - o líder guia a manada a lugar nenhum e é guiado pela lógica de que “o projeto é o chefe e o chefe é o projeto”. A sua substituição se dá quando surge um líder com mais forca, quase sempre pela violência. É o estilo mais primitivo de fazer política. Os ditadores sul-americanos, velhos e novos, são uma boa representação desse espécime.
“Os fins justificam os meios” essa é a síntese da ideologia que sustenta o estilo Maquiavel. Em relação ao estilo anterior, a grande diferença é que neste caso há um projeto, que transcende o líder. O projeto não é mais individual, é coletivo, tem base social, mas é impossível realizá-lo sem o líder.
Aqui o poder pessoal não é o objetivo, mas o instrumento. Nesse contexto, não há amigos, só adversários e inimigos. O jogo político é pesado, pois prevalece a lógica de derrotar o adversário ou “inimigo” e, se necessário, em caso extremo, eliminá-lo.
Mas a humanidade já conseguiu produzir, embora mais raramente, um outro tipo de líder, que baseia a sua liderança na forca moral e no consenso. Ghandi é o paradigma desse tipo de liderança política.
Também aqui o projeto é coletivo, mas o líder não disputa para se-lo. Não precisa força física, lidera pela força do consenso e sua força é a superioridade de seus valores e da sua ética. Não precisa construir inimigos para vencê-los, mas sim subordinar e ganhar os adversários pela razão objetiva do projeto socialmente superior. Pratica a coerência entre discurso e ação, essa coisa hoje tão rara entre as igrejas, os estados, os partidos e as pessoas e que está na raiz da atual desmoralização da política.
Esses estilos de lideranças políticas raramente são encontrados em estado puro. Também, o líder não os escolhe ao seu bel prazer. O estilo real de cada político acaba sendo uma combinação particular entre alguns dos estilos básicos. Há que se falar em características predominantes e isso vai depender tanto da sua personalidade como do contexto dentro do qual se realizam as disputas.
A cada estilo de liderança vai corresponder um comportamento político esperado. O de pensar e usar o governo como coisa sua, ou comportar-se segundo princípios republicanos. O de isolar-se no uso pessoal do poder ou de compartilhá-lo com a sociedade. O de perpetuar conflitos ou buscar convergências que possam viabilizar projetos de interesse público.
Certamente Matus não escreveu esse tema para o Brasil ou para Mato Grosso do Sul. Mas sua validade e atualidade são preciosas para ajudar-nos a pensar a nossa política.
Fausto Matto Grosso

(*) Artigo originalmente publicado em 9 de dezembro de 2007, no Jornal da Cidade (http://www.jornaldacidadeonline.com.br), de Campo Grande (MS), meio de comunicação em que o autor é colunista.

Insegurança Pública (*)

Em qualquer levantamento de opinião, a insegurança pública aparece com um dos principais problemas da população, juntamente com a saúde pública. Nossos cidadãos vivem confinados dentro das suas casas, dependendo da condição social, cercados pela bandidagem ou por cercas elétricas e segurança privada.
Na semana passada, estive presente à audiência pública sobre segurança pública promovida pela Câmara Municipal. Ouvi a qualificada explicação do Secretario Estadual de Segurança com a sábia explicação de que têm que serem combatidas as causas sociais da violência. Tudo diagnosticado e com programas e projetos definidos para enfrentar o problema. Ouvi as palavras do Secretário Municipal de Saúde. Aprendi que a violência já adquiriu escala de problema de saúde pública, com indicadores assustadores de causa mortis.
Longe de mim, entretanto, conseguir firmar uma convicção específica em um assunto de tal complexidade. Virando-me para o lado perguntei a um amigo especialista no assunto: onde se desata esse nó? Recursos, recursos e recursos, respondeu-me. Para melhorar salários dos policiais, para melhorar condições de trabalho, para tornar a carreira atrativa para bons quadros profissionais e para equipar e armar a tropa. Tudo verdadeiro.
Entretanto, o dinheiro que falta para a segurança é o mesmo que falta para a saúde, para a educação, para cultura e para tudo o mais que precisa ser feito. Saí, então, mais preocupado. Estamos longe da solução.
O Estado, nas diversas esferas, enfrenta um esgotamento da sua capacidade de autofinanciamento. O modelo tradicional se esgotou, apesar da imensa sobrecarga de impostos que pesa sobre as pessoas físicas e jurídicas.
Reforçou-me então a convicção, não dá para continuar fazendo mais do mesmo. Tem que serem mudados os paradigmas, a partir da mudança da superada visão estado-centrista.
No tempo da ditadura era famosa uma expressão “é preciso chamar o Tuma” . Em tempos democráticos, na esfera da segurança pública temos que chamar a sociedade.
Amadurece essa visão nacionalmente. Está em gestação o Sistema Único de Segurança Pública, com controle social, semelhante ao SUS. O Congresso Nacional já discute mudanças constitucionais que atribuem papel mais decisivo para os municípios, inclusive contendo a exigência de planos municipais de segurança pública.
Experiências de sucesso com planos municipais já podem ser encontrados no País em cidades como Nova Iguaçu/RJ e Diadema/SP, com o seu Pacto da Cidadania pela Paz. Campo Grande, tão avançada em certos aspectos, deve incorporar essa mentalidade. A segurança do cidadão é questão do poder local e a Prefeitura pode ser o agente da implantação desse novo paradigma.
Fausto Matto Grosso
(*) Artigo originalmente publicado em 23 de dezembro de 2007, no Jornal da Cidade (http://www.jornaldacidadeonline.com.br/), de Campo Grande (MS), meio de comunicação em que o autor é colunista.

O PRAGMATISMO QUE DESTRÓI A POLÍTICA (*)

O homem sensato adapta-se ao mundo; o insensato insiste em tentar adaptar o mundo a si próprio. Por conseguinte, todo o progresso depende dos homens insensatos.
George Bernard Shaw
O Brasil viveu nos últimos anos um processo de desmoralização dos partidos e dos políticos.
Medidas provisórias subjugando o Legislativo, fisiologismo explícito, aparelhamento de cargos públicos, troca-troca partidário em benefício dos governos, mensalão, escândalos com emendas parlamentares, entre outras coisas, jogaram em nível ainda mais baixo o prestígio dos políticos e dos partidos.
Como conseqüência mais perversa desses fatos: o descrédito da política como instrumento de convivência humana civilizada diante dos conflitos existente na sociedade.
Felizmente, antes de terminar o ano passado, o TSE, em medida moralizadora, joga uma oportunidade de redenção para a política: a decisão que subordina os mandatos aos partidos. A oportunidade estava dada para a mudança. As eleições poderiam, assim, se transformarem em disputas de programas partidários e deixarem de serem disputas por projetos pessoais.
No plano nacional, diante desse novo contexto, como é óbvio, quase todos os partidos começaram a decidir pelo lançamento de candidaturas próprias nas maiores cidades, com exceção dos partidos que hegemonizam o poder central, principais beneficiários da prática do “amor remunerado”.
Entretanto, quando essa política chega aos municípios vem sendo contraditada pela política paroquial. A atitude programática passa a ser contestada pela atitude “pragmática”. O pior é que tal prática se generaliza em todo o espectro ideológico: direita, centro e esquerda. Nisso há uma tendência de todos se comportarem igualmente.
Alianças impensáveis começam a serem cogitadas. Os que se posicionam por atitudes de independência são cobrados a apontar a prévia viabilidade financeira da campanha, sem se perguntar de onde virá o dinheiro dos candidatos hegemônicos. Antigamente havia pejo em se tratar esse assunto publicamente, hoje virou a coisa mais natural da política, com nenhum pudor.
Admitem-se candidaturas apenas se, previamente, forem para ganhar. Não percebem que a verdadeira vitória, não a de Pirro, só virá para os que se jogam na luta. Não fosse assim o partido da ditadura ainda estaria no poder. Quantas vezes, no caso da esquerda, perdemos, para um dia chegar ao poder, mesmo que hoje estejamos envergonhados de tê-lo conquistado em tão más companhias, com gente que foi ficando cada vez mais iguais à seus antigos adversários.
Tivemos que conquistar cada espaço, respaldado nas idéias e não na certeza da vitória. Tivemos que ousar, que ser insensatos, para construir essa democracia que, hoje, se encontra ameaçada pelo pragmatismo dos projetos de poder pessoal, liderado pelos políticos do movimento dos sem programas.
Pobre país, pobre democracia essa dos políticos do “baixo clero” que não enxergam a exigência dos novos tempos que clamam por política com motivação pública.
Viva a insensatez!
Fausto Matto Grosso
(*) Artigo originalmente publicado em 27 de janeiro de 2008, no Jornal da Cidade (http://www.jornaldacidadeonline.com.br), de Campo Grande (MS), meio de comunicação em que o autor é colunista.

INTROMISSÃO E SUBMISSÃO (*)

Emenda parlamentar é um assunto que não deveria ser comentado na sala, em frente das crianças. Entretanto, esse foi tema mais noticiado neste começo de ano, pela mídia escrita e eletrônica que entra nas nossas casas. Trata-se do recanto mais escuro e de pior cheiro da política brasileira.
Naturalmente não me refiro às pessoas, mas sim a uma situação estrutural, que precisa ser desnudada, para ser mudada. Isso é importante até para que políticos íntegros e bem intencionados, imagino que eles existam, possam escapar desse lodaçal.
Legislativo é legislativo e executivo é executivo essa deveria ser a regra básica. Harmonia mas independência é o mandamento constitucional.
O parlamento, na sua tarefa de acompanhamento e fiscalização do Executivo, deveria se dedicar a avaliar o alcance finalístico dos programas e projetos realizados, ou seja, saber se o dinheiro público serviu para melhorar, na ponta, a vida das pessoas.
Deveria avaliar se os recursos foram distribuídos pelos critérios técnicos previstos nos programas, de maneira transparente e republicana, ou ao contrário, se serviu para politicagem barata, tão cara para o bolso do contribuinte.
Essa deveria ser a preparação para a análise qualificada e para a decisão a respeito do que pede o Governo para o ano seguinte, cortando programas de baixa efetividade, fortalecendo aqueles que melhor atendem as necessidades dos brasileiros, equilibrando, com a responsabilidade do mandato popular, a distribuição dos recursos entre os diferentes programas, funções e ministérios. Ou seja, tratando do projeto de orçamento nos seus delineamentos maiores, a partir de uma visão de desenvolvimento nacional e combate aos desequilíbrios regionais.
A partir daí, o Executivo deveria ser liberado, sob fiscalização, para exercer o seu papel de governar. Fora disso seria intromissão indevida do Legislativo em assuntos que não lhe dizem respeito, e para o qual, embora venha revelando apetite, não tem aptidão.
A emenda parlamentar é um instrumento de interesse dos Executivos para controlar os Legislativos, mas também, dos legisladores para viabilizarem as suas respectivas reeleições.
O orçamento é apenas uma lei que autoriza o governo a gastar em determinado projeto, mas não impõem a decisão de fazê-lo. A partir da proposição das emendas algumas coisas começam a acontecer. Os parlamentares vão para os estados e municípios para montar o jogo, com toda a cobertura de mídia, com governadores, prefeitos e entidades, o famoso “me engana que eu gosto”. Já o Executivo cria o famoso tabuleiro do franciscanismo do “é dando que se recebe”, do “toma-lá dá-cá”, do “amor remunerado”, seja lá o nome que se queira dar.
Depois vem a realidade. Das emendas parlamentares somente uma parcela ínfima é liberada, assim mesmo mediante chantagem nos momentos das votações decisivas para o Governo. É a hora em que o computador do Planalto pega fogo, selecionando quem pediu o que. Assim a ponte para Cabrobó, ou a ambulância para Nossa Senhora da Mata a Dentro, são trocada por votos na CPMF e coisas tais. Pior, isso acaba valendo tanto para a situação como para a oposição de conveniência. É o que nós sempre vemos, mas nem sempre entendemos.
Durante a execução dessas disputadas emendas o escândalo é ainda maior. As emendas têm “donos”, mesmo aquelas de bancadas são distribuídas para “donos” virtuais. Esse é o reino do baixo clero, a Sapucaí da política brasileira, que tão exposto ficou nos escândalo dos anões do orçamento, das ambulâncias, da Gautama e tantos mais.
Essa é uma lição que deveria ser ensinada na escola primária: não vote em parlamentar que diz que vai trazer dinheiro para o estado. Vote em que vai fiscalizar a lisura e a qualidade das ações dos governos, a transparência e o uso mais adequado dos recursos dos impostos, que vai contrapropor diretrizes, programas, projetos e ações que mais implicam em mudanças na vida do brasileiro.
Quanto a mim, desde criancinha, sempre senti urticária cívica diante do discurso de trazer dinheiro para o estado. Tem doenças das quais a gente nunca consegue se livrar.

Fausto Matto Grosso

(*) Artigo originalmente publicado em 17 de fevereiro de 2008, no Jornal da Cidade (http://www.jornaldacidadeonline.com.br), de Campo Grande (MS), meio de comunicação em que o autor é colunista.

ADEUS AOS CANTEIROS DE MATO GROSSO (*)

A obra do monumental templo evangélico que está sendo construído na Mato Grosso tem sido objeto de acesa polêmica. Entretanto o pano de fundo desse problema há muito vem sido pintado.
No final da década de 70, Campo Grande se preparava para ser capital. Durante a administração do Prefeito Marcelo Miranda, foi elaborada uma avançada Lei do Uso do Solo orientada pelo urbanista Jaime Lerner, pela qual se reservava várias áreas privadas, de grande dimensões, localizadas na região central da cidade, e classificadas como “Zonas Especiais”, para as quais só poderia ser dada destinação púbica.
Eram consideradas reservas para a construção de edifícios públicos, de equipamentos culturais como teatros, museus, bibliotecas e outras de naturezas afins. A legislação ousada baseava-se no princípio de que a propriedade deveria cumprir a sua função social. Eram espaços vitais para a organização da vida futura da cidade.
Esses imóveis se sujeitavam, naturalmente, a um universo restrito de compradores - União, Estado ou Município - portanto com preço comprimido pelo mercado. Eram verdadeiros “micos” nas mãos de seus proprietários, a menos que se lhes fossem alteradas as classificações.
Foi uma época de grandes embates na Câmara Municipal. Foram lançados vários empreendimentos para esses locais, que vinham associados a propostas de mudanças na Lei do Uso do Solo.
Certa feita foi lançado um projeto de um grande shopping center no quarteirão do atual templo, que exigia a retirada da feira livre. No “buracão” da Pedreira, foi projetado um conjunto de oito torres residenciais. A tudo isso se opunham as entidades de engenheiro e de arquitetos, que conseguiam levantar consigo amplos segmentos da opinião pública.
Esses empreendimentos acabaram não se realizando por razões de natureza econômica, mas acabaram levando à modificação da classificação de uso dessas áreas. A Câmara Municipal que sempre se posicionava 100% contrária às mudanças, amanhecia no dia da votação com ampla maioria em apoio às mesmas.
Hoje temos o templo evangélico, que tanta polêmica já gerou com os impactos nas edificações vizinhas. Quando começar a funcionar plenamente, congestionará irremediavelmente a Avenida Mato Grosso.
Algumas quadras acima, um imenso canteiro de obras anuncia outro mega-empreendimento. Dessa vez um templo de consumo, um imbatível "super-hiper-mercado" com amplo impacto de vizinhança, com imenso potencial de concentração de trafego.
E a cidade que já fomos vai começando a se perder na sua trajetória cultural. Triste destino esse das cidades sem passado.
Quem quiser guardar uma lembrança para, no futuro, matar saudades ou mostrar para os netos, trate de tirar uma foto do canteiro da Avenida Mato Grosso.
Fausto Matto Grosso
(*) Artigo originalmente publicado em 13 de janeiro de 2008, no Jornal da Cidade (http://www.jornaldacidadeonline.com.br), de Campo Grande (MS), meio de comunicação em que o autor é colunista.