domingo, 30 de dezembro de 2007

DESAFIO DE 2008

Campo Grande tem tido uma relativa sorte com os seus governantes. Não há nos últimos 30 anos, algum que não tenha saído prestigiado ao final de seu mandato. A cidade tem uma dinâmica própria que garantiu o seu progresso até agora. Mas o mundo está mudando e os modelos tradicionais tem que ser repensados e revolucionados.
Neste ano teremos eleições municipais. Vivemos em uma cidade que se encontra diante de um grande desafio. temos que repensar com todos os nossos paradigmas. Não há Nosso futuro não será promissor se não tivermos absoluta priorização na construção das pessoas, no investimento no capital humano, no capital social, na qualidade de vida e do meio ambiente. Aí é que está o segredo do futuro.
A cidade, inegavelmente, se expande em infra-estrutura urbana e isso é importantíssimo. Nesse aspecto estamos nos preparando para as décadas do porvir, mas reduzir administração pública a isso é um pensar antigo. Construir obras virou ideologia. Quantificar obras, mesmo que insignificantes, virou obsessão. No passado, criticávamos o uso abusivo das placas propagandistas. Hoje vemos a continuação da mesma prática de apropriação política privada do mérito de realizar obras públicas, só que agora, com todos os recursos sofisticados da mídia.
Enquanto isso, ostentamos índices alarmantes quanto à qualidade do ensino e da saúde pública. Nossos jovens não sabem fazer contas e não entendem o que lêem, assim, estão no corredor dos condenados a sem-futuro. A medicina preventiva não tem a efetividade necessária. A medicina curativa vive em constante crise de superlotação e de financiamento. Isso demonstra que na cidade bonita, cheia de asfalto no meio do mato, a saúde não é prioridade real diante da ideologia das obras. Assim jamais seremos capazes de atrair a economia moderna que precisa de gente culta, preparada e saudável.
A violência e a insegurança pessoal marcam a vida do campo-grandense. Os cidadãos vivem confinados dentro de suas casas, e, dependendo da sua condição social, cercados pela bandidagem ou por cercas elétricas e segurança privada. Muitos pensam que a Prefeitura não tem nada a ver com esse problema, mas em muitas cidades a insegurança é enfocada como problema de desorganização social e tratada em planos municipais de segurança.
Embora exista formalmente uma ampla rede de conselhos temáticos e territoriais, os processos reais de participação tem sido, no geral, desmoralizados ou viciados pela manipulação clientelista e pela cooptação. Apesar da retórica, não existe real participação da população na definição e controle social das políticas públicas.
A máquina pública é arcaica. Quando muito se fortalece a área de arrecadação, esta crescentemente privatizada, embora, pela sua natureza, seja esfera típica de atuação do Estado. Não se exercita a avaliação dos programas, projetos e ações. Gasta-se sem nenhuma avaliação de resultados concretos para a vida das pessoas.
A área de planejamento, principal instrumento da gestão moderna, resume-se a formalidades na programação orçamentária. O planejamento urbano foi profundamente esvaziado, inclusive frustrando a expectativas de tantos quantos lutaram pela implantação do PLANURB.

A cidade tem que se encontrar com esse debate. A eleição é a oportunidade de se discutir as candidaturas a partir do que representam em termos de propostas. A eleição não pode se reduzir, meramente, a espaço de marketing, onde os candidatos são embalados em pacotes vistosos. O desafio é constituir um debate efetivo a respeito de alternativas republicanas e democráticas.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

O futuro de Campo Grande

22/11/2007
O futuro é uma construção humana aberta, que vai sendo edificada pelos diferentes atores sociais, com suas ações ou pela falta delas. Campo Grande do futuro será o resultado das resposta que forem sendo dadas, ao longo dos anos, para os seus desafios fundamentais, e estes não são poucos.
No contexto da globalização, a cidade, se quiser se projetar progressista, deverá buscar seu espaço na rede mundial e nacional de cidades. Isto significa estar conectada com outros centros dinâmicos com os quais trocará cultura, bens e serviços. Muitas são as condições para tal. A sua posição estratégica no interior brasileiro e no contexto sul-americano, a credencia para tanto. O início da construção do Porto Seco sinaliza, promissoramente, nesse sentido. Sua condição de pólo distribuidor do turismo ecológico mundial para o Pantanal e Bonito reforça essa possibilidade.
Paralelamente à globalização surge o desafio do processo de localização, ou seja, o de se tornar um ponto particular do universo a partir da sua especificidade sociocultural, econômica e ambiental. Tanto mais global será, quanto mais valor de identidade local incorporar à rede. Na dialética da mundialização Campo Grande poderá se afirmar como única, a partir de uma construção consciente da sua sociedade.
No contexto da revolução científica tecnológica, e da afirmação da sociedade pós-industrial, terá que se definir entre o tradicionalismo da sua economia ou do salto para economia baseada produção de bens simbólicos e de mercadorias de alta densidade de conhecimento. Muito ainda há o que se fazer nessa esfera da modernização da economia.
Entre todas as questões, a democratização é o maior desafio, porque permite a construção da cidade a partir de um projeto mais coletivo, mais generoso, mais compartilhado, mais cidadão. Mais do que a infra-estrutura, mais do que a capacidade de arrecadação, mais do que a qualidade dos governantes, o que é decisivo para o desenvolvimento de uma cidade é o seu capital social. Quanto mais ampla e organizada for a rede de relações entre as instituições da cidadania, maior será a qualidade do desenvolvimento e maior a sua sustentabilidade.
Nesse sentido, Campo Grande ainda terá que forjar, com a participação ampla dos seus atores sociais, um grande projeto utópico, de longo prazo, condicionador de sucessivos governos aos desígnios da cidadania e ao controle social. Tal instrumento poderá garantir continuidade nas políticas públicas e nos investimentos estratégicos e articular os limitados orçamentos públicos com os recursos existentes na sociedade sob a forma do empreendedorismo, da responsabilidade social e do voluntariado. Paralelamente ao orçamento público poderá se estruturar um "orçamento da cidade" contando com todos esses recursos adicionais, normalmente não contabilizados, mas disponível para projetos construídos compatilhadamente.
Campo Grande poderá realizar a utopia da radicalidade democrática, diminuindo a separação entre governantes e governados. O Poder poderá ser compartilhado entre as instituições e estas serem organizadas na escala dos cidadãos. Assim o executivo e o legislativo, as universidades e a iniciativa privada, as igrejas e o terceiro setor, o judiciário e o ministério público, os movimentos sociais e o voluntariado poderão serão parceiros de um desenvolvimento pactuado coletivamente.
A cidade tem o desafio de se edificar em uma escala mais humana. A infra-estrutura deverá ser pensada como um instrumento e não como um fim em si próprio, para se ter melhor qualidade de vida, melhor qualidade ambiental e mais integração cultural. A infra-estrutura poderá cumprir um papel de minimizar a exclusão e de ajudar a democratizar as oportunidades, possibilitando, a todos, o acesso aos benefícios do desenvolvimento.
Nossa cidade pode se fazer promissora, articular-se para enfrentar essa desafiadora realidade e construir capacidade para vencer tais desafios. Essa utopia mobilizadora pode ser um sonho factível se for capaz de mobilizar as das energias cristalizadas na sua, ainda tímida, sociedade civil. A cidade do futuro será feita da realização de sonhos generoso e compartilhados.

FAUSTO MATTO GROSSO,

Engenheiro, professor da UFMS, faustomt@terra.com.br

domingo, 26 de agosto de 2007

QUANDO TUDO ACONTECE

Os partidos e os políticos estão sobre crítica velada, ou aberta, da sociedade. Muitos já são os brasileiros que não acreditam que haja salvação para tais instituições. Fossem apenas descaminhos localizados e pontuais, bastava trocar de partidos e de políticos. Mas, temos que reconhecer que, após a redemocratização, todos os grandes partidos já governaram o país, inclusive os de esquerda e foram incapazes de mudar a política.
Tal situação é grave e coloca em descrédito e risco grave a própria democracia, afinal não inventaram ainda democracia sem política. Não se trata de simples crise conjuntural que diga respeito a alguns partidos e políticos, mas sim, uma crise estrutural da política com instrumento de construir a convivência civilizada entre pessoas, instituições e grupos sociais.
O momento atual, reconhecidamente, é de crise grave. Entretanto partidos e lideranças políticas parecem não se darem conta disso.
Neste exato momento se prepara a reprodução de uma prática política profundamente condenável, o troca-troca partidário de natureza pragmática e oportunista, pois em setembro esgota-se o prazo de filiação dos pretensos candidatos de 1988. É agora quando tudo acontece.
Tais mudanças não são motivadas por razões de consciência, por posicionamentos programáticos ou ideológicos, mas sim, por busca de espaços eleitorais mais favoráveis para a próxima eleição. Esses novos filiados, não raramente, já chegam ao novo partido com a futura traição anunciada. Usam-no enquanto isso for útil, e o abandonarão na próxima conveniência.
Nesse sistema de conveniência imoral, não existem vítimas ou culpados. É a reprodução do quadro de desagregação ética da política. Normalmente as lideranças majoritárias mais competitivas, portanto com maior capacidade de agregação de interesses, encaminham seus apoiadores para diferentes partidos “satélites” para “armar o time” e estes aceitam tais filiações para serem recompensados por alguma benesse da futura coligação.
Não se nota um esforço, por parte dos partidos, de incluir lideranças emergentes dos movimentos da sociedade, dos grupos representativos, da cidadania organizada, ou seja, gente capaz de arejar a política e os partidos. Trata-se, apenas, de um sistema de rodízio, de reciclagem dos mesmos quadros da política tradicional, muitos deles velhos fregueses de candidaturas sem representatividade.
Mudar essa situação é um enorme desafio pois encontra grande dificuldade diante dos costumes e praticas políticas tradicionais que ainda permanecem fortes e hegemônicas nos partidos. Por isso, cada vez mais, se adiciona combustível para a crise ética da política.
Mas, como caracteriza toda crise, a falência do velho pode abrir caminho para uma revolução na cultura política do país, na forma de exercer mandatos, na forma de ser governo e na forma deste se relacionar com a sociedade. Há que se construir uma política nova baseada em valores, em comportamentos republicanos e de sentido ético.
A vigilância cívica da cidadania pode dar uma resposta contundente nas próximas eleições.

FAUSTO MATTO GROSSO,
Professor da UFMS, aposentado.

faustomt@terra.com.br

terça-feira, 14 de agosto de 2007

CAMPO GRANDE MAIS VINTE - O FUTURO DE CAMPO GRANDE

O futuro é uma construção humana aberta, que vai sendo edificada pelos diferentes atores sociais, com suas ações ou pela falta delas. Campo Grande do futuro será o resultado da resposta que for sendo dada, ao longo dos anos, para os seus desafios fundamentais, e estes não são poucos.
No contexto da globalização, a cidade, se quiser se projetar progressista, deverá buscar seu espaço na rede mundial e nacional de cidades. Isto significa estar conectada com outros centros dinâmicos com os quais trocará cultura, bens e serviços. Muitas são as condições para tal. A sua posição estratégica no interior brasileiro e no contexto sul-americano, a credencia para tanto. O início da construção do Porto Seco sinaliza, promissoramente, nesse sentido. Sua condição de pólo distribuidor do turismo ecológico mundial para o Pantanal e Bonito reforça essa possibilidade.
Paralelamente à globalização surge o desafio do processo de localização, ou seja, o de se tornar um ponto particular do universo a partir da sua especificidade sócio-cultural, econômica e ambiental. Tanto mais global será, quanto mais valor de identidade local incorporar à rede. Na dialética da mundialização Campo Grande poderá se afirmar como única, a partir de uma construção consciente da sua sociedade.
No contexto da revolução científica tecnológica, e da afirmação da sociedade pós-industrial, terá que se definir entre o tradicionalismo da sua economia ou do salto para economia baseada produção de bens simbólicos e de mercadorias de alta densidade de conhecimento. Muito ainda há o que se fazer nessa esfera da modernização da economia.
Entre todas as questões, a democratização é o maior desafio, porque permite a construção da cidade a partir de um projeto mais coletivo, mais generoso, mais compartilhado, mais cidadão. Mais do que a infra-estrutura, mais do que a capacidade de arrecadação, mais do que a qualidade dos governantes, o que é decisivo para o desenvolvimento de uma cidade é o seu capital social. Quanto mais ampla e organizada for a rede de relações entre as instituições da cidadania, maior será a qualidade do desenvolvimento e maior a sua sustentabilidade.
Nesse sentido, Campo Grande ainda terá que forjar, com a participação ampla dos seus atores sociais, um grande projeto utópico, de longo prazo, condicionador de sucessivos governos aos desígnios da cidadania e ao controle social. Tal instrumento poderá garantir continuidade nas políticas públicas e nos investimentos estratégicos e articular os limitados orçamentos públicos com os recursos existentes na sociedade sob a forma do empreendedorismo, da responsabilidade social e do voluntariado. Paralelamente ao orçamento público poderá se estruturar um “orçamento da cidade” contando com todos esses recursos adicionais, normalmente não contabilizados, mas disponível para projetos construídos compatilhadamente.
Campo Grande poderá realizar a utopia da radicalidade democrática, diminuindo a separação entre governantes e governados. O Poder poderá ser compartilhado entre as instituições e estas serem organizadas na escala dos cidadãos. Assim o executivo e o legislativo, as universidades e a iniciativa privada, as igrejas e o terceiro setor, o judiciário e o ministério público, os movimentos sociais e o voluntariado poderão serão parceiros de um desenvolvimento pactuado coletivamente.
A cidade tem o desafio de se edificar em uma escala mais humana. A infra-estrutura deverá ser pensada como um instrumento e não como um fim em si próprio, para se ter melhor qualidade de vida, melhor qualidade ambiental e mais integração cultural. A infra-estrutura poderá cumprir um papel de minimizar a exclusão e de ajudar a democratizar as oportunidades, possibilitando, a todos, o acesso aos benefícios do desenvolvimento.
Nossa cidade pode se fazer promissora, se articular-se para enfrentar essa desafiadora realidade e construir capacidade para vencer tais desafios. Essa utopia mobilizadora pode ser um sonho factível se for capaz de mobilizar as das energias cristalizadas na sua, ainda tímida, sociedade civil. A cidade do futuro será feita da realização dessas utopias.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro, professor da UFMS
faustomt@terra.com.br

14 de agosto de 2007

domingo, 15 de abril de 2007

SOBRE ALBERTO NEDER E O PCB

Alberto Neder, desde a sua juventude, como estudante de medicina no Rio de Janeiro, foi um militante de esquerda. Sua primeira aproximação com os comunistas se deu através da Aliança Nacional Libertadora – a ANL – ampla frente antifascista organizada e liderada pelo PCB. Com a dispersão desse movimento, causado pela repressão ao levante de 35 – a chamada “Intentona Comunista” – retornando para Campo Grande continuou ligado ao Partido.
Foi dirigente do PCB e diretor do jornal diário do partido “O Democrata”, para onde se dirigia após seus afazeres médicos para ajudar a produzir e rodar o jornal. Seus companheiros dessa época sempre se referiam às mãos especializadas de cirurgião, a rodar a manivela da impressora, noite a dentro.
Disciplinado, atendendo a necessidades partidárias, foi candidato, pelo PCB, a deputado estadual constituinte em 1946 e posteriormente a vereador em 1988.
Essa militância lhe custou, ao longo da sua vida 3 prisões e muitas perseguições, às quais sempre reagia com coragem e altivez, demonstrando sempre superioridade moral diante de seus algozes.
A primeira prisão aconteceu durante o Golpe de 64. Na ocasião encontrava-se refugiado na fazenda de um amigo em Rio Brilhante quando foi denunciado e preso por fazendeiros ligados à Ação Democrática Mato-grossense, um grupo civil, armado, ligado aos militares. Trazido a Campo Grande, foi exibido com como presa de guerra, algemado, em um jipe aberto, pelas ruas da cidade, o que causou grande revolta na sociedade local. Foi preso novamente em 66 e 68.
Com convicções políticas definidas ao longo da sua vida, das quais nunca se afastou, sempre mereceu respeito da sociedade e também dos seus adversários em função do seu valor profissional e pela sua grande estatura intelectual e moral.


Fausto Matto Grosso

quinta-feira, 29 de março de 2007

CMDU – 20 ANOS

Todos nós, que aqui moramos, nos sentimos envaidecidos quando apresentamos Campo Grande aos visitantes. No começo eles é que nos alertavam sobre alguns diferenciais positivos da nossa cidade, como o bom traçado das ruas, a abundante arborização, a limpeza pública e coisas tais. Agora somos nós, por nossa própria conta, que sentimos, dia após dia, a nossa cidade melhor estruturada no aspecto urbanístico. O fim das favelas em área de risco e em áreas de preservação ambiental, como resultados de uma política urbana e habitacional adequada, é uma referência que não pode passar sem registro. Nos limites do possível, em uma sociedade constantemente reprodutora de desigualdades, Campo Grande, inegavelmente, vai se safando, urbanisticamente.
Essa situação não tem um único responsável. Nas últimas décadas, tivemos todos os prefeitos consagrados ao final das suas administrações. Parece ser fácil governar o município. Mas, a par de eventual sorte na escolha dos governantes, a cidade parece ter uma dinâmica que independe do prefeito eleito a cada mandato. A cidade foi se estruturando sem grandes dificuldades, embora, ainda, muito está por se fazer.
Suspeito que esse sucesso tenha a ver com uma certa cultura de valorização do planejamento urbano que foi se implantando ao longo dos anos. O Plano Saturnino Brito, na década de ......, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Hidroservice (1968), a Lei do Uso do Solo de Jaime Lerner (anos 80) foram marcos dessa construção do sucesso urbano de Campo Grande.
Como vereador, de 82 a 88, acompanhei intensamente essa construção que, ao final, resultou na criação do Conselho Municipal de Desenvolvimento e Urbanização e no Instituto Municipal de Planejamento Urbano, completando agora 20 anos.
Campo Grande tinha se transformado em capital em 79. Sua população crescia a taxas anuais de 8% - população dobrando a cada 8 anos – era preciso um esforço de ordenamento do seu crescimento para enfrentar a especulação imobiliária favorecida por um enorme estoque de terrenos vazios. Grandes empreendimentos eram lançados e forçavam modificações pontuais na legislação urbana.
Lerner, em uma posição arrojada, reservara alguns grandes terrenos vazios centrais, de propriedade particular, catalogando-os como “área especial”, onde só se permitia a utilização pública. Era o caso do buracão da pedreira, da quadra em frente à antiga feira livre, entre outras. A todo o momento tentava-se destravar essas áreas para grandes empreendimentos privados.
Os projetos originados do executivo visando desafetação de praças, ou áreas destinadas a equipamentos públicos, para doação a entidades profissionais, igrejas, clubes de serviços, eram prática corrente. Era comum também a doação dessas áreas em pagamento das dívidas da Prefeitura com o Instituto Municipal de Previdência, que depois as colocava no mercado imobiliário a preço vil.
As decisões apressadas de localização de alguns grandes equipamentos urbanos, a rodoviária, por exemplo, causavam intensos debates na sociedade, especialmente nos segmentos mais ligados à questão urbana, como os arquitetos, engenheiros, geógrafos, que mobilizavam suas entidades para questionamentos.
Um desses projetos polêmicos foi a de um Parque de Lazer, projetado pelo renomado paisagista Burle Marx, com restaurantes, quadras esportivas e espaços para eventos, proposto pelo Governo do Estado, a ser localizado no espaço onde hoje é a Reserva Ecológica do Parque dos Poderes. A reação das entidades e lideranças profissionais foi vigorosa, repercutindo fortemente na Câmara Municipal, àquela época uma importante caixa de ressonância desses debates. O Governo teve que voltar atrás.
Há muito que a Câmara Municipal vinha exigindo estudos técnicos mais aprofundados sobre os projetos de maior impacto e mais polêmicos. A Comissão de Obras e Serviços Públicos, que tive a oportunidade de presidir, era um desses focos de resistência, nem sempre bem compreendida pelos prefeitos e não raro pelos veículos de comunicação. Na verdade, havia por trás disso tudo um posicionamento político, respaldado pelas entidades representativas, de travar as discussões para forçar a criação do Instituto de Planejamento Urbano
Essa resistência ajudou a gestação do Planurb, que dessa forma nasceu respaldado pela opinião pública para a realização de uma grande missão, a de balizar o crescimento de Campo Grande, dentro de parâmetros técnicos e de distribuição, socialmente justa, dos benefícios do desenvolvimento.
A grande experiência de desenvolvimento urbano ordenado, naqueles anos oitenta, sem dúvida alguma era a que se desenvolvia em Curitiba, com o seu reconhecido IPUC. Essa referência inspirou a criação do Planurb.
Havia, entretanto, uma diferença fundamental. Curitiba tinha se desenvolvido durante a ditadura militar. O modelo era competente, mas autoritário. Nos novos tempos democráticos o modelo tinha que ser aperfeiçoado. Junto com o Planurb, nasce o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano – CMDU, hoje Desenvolvimento e Urbanização. A estruturação do Planurb/CMDU foi concebida em um importante seminário, proposto pela Prefeitura, mas organizado pelo IAB. Desta forma o CMDU, hoje constituído por uma ampla rede de representação da sociedade, nasceu sobre a égide da democracia e da participação. Logo a seguir foi aprovada a Lei do Processo de Planejamento e da Participação Comunitária.
Nessa época o único conselho de política pública inexistente no município era o Conselho Municipal de Saúde, nascido com o SUS. Hoje, na esteira da criação do CMDU, são cerca de 30 conselhos no município, com destaque para os Conselhos Regionais.
Estão assentadas, portanto, as bases para a construção do que, modernamente, se chama de governança solidária local, baseada na parceria entre o governo e a sociedade, no protagonismo e no empreendedorismo dos cidadãos, e na co-responsabilidade na gestão pública, especialmente nos territórios que compõe o organismo da cidade.
Dar esse salto, da participação para a co-responsabilidade na gestão pública, talvez seja o grande passo que se possa ensaiar depois do amadurecimento de 20 anos do processo de participação que se iniciou com o CMDU.

FAUSTO MATTO GROSSO

Professor da UFMS, vereador entre 1983 e 1988 pelo PMDB/PCB

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

O MARCENEIRO, O VEREADOR E O LOUCO

Certa feita, lá nos anos oitenta, quando eu era vereador do PCB, fui procurado por um velho amigo marceneiro que me levou próximo ao mercado municipal para mostrar as péssimas condições nas quais a comunidade indígena comercializava a produção trazida das aldeias.
As pessoas ficavam na calçada, junto com as mercadorias, os cães vadios, as crianças sujas, os insetos repugnates e outros desconfortos tais.  Os sanitários eram os canteiros das árvores do local.
Sensibilizado pela situação caí em campo organizando a comunidade e fazendo a articulação dela com a prefeitura. Como resultado disso foi instalada uma "feirinha indígena" em uma praça pública lindeira ao mercado municipal. As instalações ficaram bastante razoáveis. Sanitários, Posto Policial, quiosques, bancadas, instalações hidráulicas, etc
Ontem o recebi de novo o velho amigo marceneiro.  Veio consertar umas portas. Encabulado, me confidenciou que o trabalho estava rareando e as dificuldades financeiras estavam crescendo cada vez mais. A cabeça, nessas circunstâncias, não andava nada tranquila, a ponto de a familia recomendar-lhe uma ajuda psicológica.
Resistiu quanto pode, até aceitar a consulta marcada pelo filho em um psiquiatra nosso camarada de partido. O consultorio ficava exatamente em frente da feirinha indígena.
Ficou esperando a hora, na sacada, em companhia de um casal que por lá também se encontrava.
Ouviu, então,  quando a mulher comentou, com o marido, sobre a feirinha, elogiando a instalação. Não teve dúvida:  "essa idéia foi minha!" afirmou.

Foi quando teve o dissabor de ver a mulher circulando o dedo indicador em torno da orelha e piscando para o marido.