quinta-feira, 29 de março de 2007

CMDU – 20 ANOS

Todos nós, que aqui moramos, nos sentimos envaidecidos quando apresentamos Campo Grande aos visitantes. No começo eles é que nos alertavam sobre alguns diferenciais positivos da nossa cidade, como o bom traçado das ruas, a abundante arborização, a limpeza pública e coisas tais. Agora somos nós, por nossa própria conta, que sentimos, dia após dia, a nossa cidade melhor estruturada no aspecto urbanístico. O fim das favelas em área de risco e em áreas de preservação ambiental, como resultados de uma política urbana e habitacional adequada, é uma referência que não pode passar sem registro. Nos limites do possível, em uma sociedade constantemente reprodutora de desigualdades, Campo Grande, inegavelmente, vai se safando, urbanisticamente.
Essa situação não tem um único responsável. Nas últimas décadas, tivemos todos os prefeitos consagrados ao final das suas administrações. Parece ser fácil governar o município. Mas, a par de eventual sorte na escolha dos governantes, a cidade parece ter uma dinâmica que independe do prefeito eleito a cada mandato. A cidade foi se estruturando sem grandes dificuldades, embora, ainda, muito está por se fazer.
Suspeito que esse sucesso tenha a ver com uma certa cultura de valorização do planejamento urbano que foi se implantando ao longo dos anos. O Plano Saturnino Brito, na década de ......, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Hidroservice (1968), a Lei do Uso do Solo de Jaime Lerner (anos 80) foram marcos dessa construção do sucesso urbano de Campo Grande.
Como vereador, de 82 a 88, acompanhei intensamente essa construção que, ao final, resultou na criação do Conselho Municipal de Desenvolvimento e Urbanização e no Instituto Municipal de Planejamento Urbano, completando agora 20 anos.
Campo Grande tinha se transformado em capital em 79. Sua população crescia a taxas anuais de 8% - população dobrando a cada 8 anos – era preciso um esforço de ordenamento do seu crescimento para enfrentar a especulação imobiliária favorecida por um enorme estoque de terrenos vazios. Grandes empreendimentos eram lançados e forçavam modificações pontuais na legislação urbana.
Lerner, em uma posição arrojada, reservara alguns grandes terrenos vazios centrais, de propriedade particular, catalogando-os como “área especial”, onde só se permitia a utilização pública. Era o caso do buracão da pedreira, da quadra em frente à antiga feira livre, entre outras. A todo o momento tentava-se destravar essas áreas para grandes empreendimentos privados.
Os projetos originados do executivo visando desafetação de praças, ou áreas destinadas a equipamentos públicos, para doação a entidades profissionais, igrejas, clubes de serviços, eram prática corrente. Era comum também a doação dessas áreas em pagamento das dívidas da Prefeitura com o Instituto Municipal de Previdência, que depois as colocava no mercado imobiliário a preço vil.
As decisões apressadas de localização de alguns grandes equipamentos urbanos, a rodoviária, por exemplo, causavam intensos debates na sociedade, especialmente nos segmentos mais ligados à questão urbana, como os arquitetos, engenheiros, geógrafos, que mobilizavam suas entidades para questionamentos.
Um desses projetos polêmicos foi a de um Parque de Lazer, projetado pelo renomado paisagista Burle Marx, com restaurantes, quadras esportivas e espaços para eventos, proposto pelo Governo do Estado, a ser localizado no espaço onde hoje é a Reserva Ecológica do Parque dos Poderes. A reação das entidades e lideranças profissionais foi vigorosa, repercutindo fortemente na Câmara Municipal, àquela época uma importante caixa de ressonância desses debates. O Governo teve que voltar atrás.
Há muito que a Câmara Municipal vinha exigindo estudos técnicos mais aprofundados sobre os projetos de maior impacto e mais polêmicos. A Comissão de Obras e Serviços Públicos, que tive a oportunidade de presidir, era um desses focos de resistência, nem sempre bem compreendida pelos prefeitos e não raro pelos veículos de comunicação. Na verdade, havia por trás disso tudo um posicionamento político, respaldado pelas entidades representativas, de travar as discussões para forçar a criação do Instituto de Planejamento Urbano
Essa resistência ajudou a gestação do Planurb, que dessa forma nasceu respaldado pela opinião pública para a realização de uma grande missão, a de balizar o crescimento de Campo Grande, dentro de parâmetros técnicos e de distribuição, socialmente justa, dos benefícios do desenvolvimento.
A grande experiência de desenvolvimento urbano ordenado, naqueles anos oitenta, sem dúvida alguma era a que se desenvolvia em Curitiba, com o seu reconhecido IPUC. Essa referência inspirou a criação do Planurb.
Havia, entretanto, uma diferença fundamental. Curitiba tinha se desenvolvido durante a ditadura militar. O modelo era competente, mas autoritário. Nos novos tempos democráticos o modelo tinha que ser aperfeiçoado. Junto com o Planurb, nasce o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano – CMDU, hoje Desenvolvimento e Urbanização. A estruturação do Planurb/CMDU foi concebida em um importante seminário, proposto pela Prefeitura, mas organizado pelo IAB. Desta forma o CMDU, hoje constituído por uma ampla rede de representação da sociedade, nasceu sobre a égide da democracia e da participação. Logo a seguir foi aprovada a Lei do Processo de Planejamento e da Participação Comunitária.
Nessa época o único conselho de política pública inexistente no município era o Conselho Municipal de Saúde, nascido com o SUS. Hoje, na esteira da criação do CMDU, são cerca de 30 conselhos no município, com destaque para os Conselhos Regionais.
Estão assentadas, portanto, as bases para a construção do que, modernamente, se chama de governança solidária local, baseada na parceria entre o governo e a sociedade, no protagonismo e no empreendedorismo dos cidadãos, e na co-responsabilidade na gestão pública, especialmente nos territórios que compõe o organismo da cidade.
Dar esse salto, da participação para a co-responsabilidade na gestão pública, talvez seja o grande passo que se possa ensaiar depois do amadurecimento de 20 anos do processo de participação que se iniciou com o CMDU.

FAUSTO MATTO GROSSO

Professor da UFMS, vereador entre 1983 e 1988 pelo PMDB/PCB