sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O QUE PRECISA MUDAR EM MATO GROSSO DO SUL?

A humanidade conviveu muito tempo com o mito de que a simples criação de riquezas, propiciada pelo crescimento econômico, seria uma condição necessária e suficiente para que as pessoas vivessem melhor.
Com o tempo, essa visão foi derrotada e foi se afirmando a idéia de que era necessário colocar as pessoas no centro do desenvolvimento e não a economia. Era a afirmação da idéia do “desenvolvimento humano”.
O IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, calculado pela ONU a partir do início dos anos 90, passou a ser usado para avaliar a condição humana, acrescentando à dimensão renda as dimensões longevidade e educação.
Para atualizar os quesitos a serem levantados para cálculo do IDH em 2010, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento realizou, recentemente, uma ampla pesquisa qualitativa que envolveu mais de quinhentos mil brasileiros, convidados a responder a instigante pergunta: “O que precisa ser mudado no Brasil para sua vida melhorar de verdade?”
Os resultados foram contundentes, especialmente para aquele que imaginam que tudo anda bem e que as pessoas estão satisfeitas com a realidade do seu país e com a sua vida. Há uma imensa aspiração por mudanças, que deve ser considerada pelas lideranças políticas no processo eleitoral que se aproxima.
Os resultados, consolidados para Mato Grosso do Sul, revelaram que os temas específicos considerados mais importantes foram: educação (19%), políticas públicas (12,5%), violência (13%), emprego (10,8%), meio ambiente (8,9%), saúde (6,7%), infraestrutura (3,4%), judiciário (2,9%), impostos (2,8%) e pobreza (0,6%).
A pesquisa ainda revelou dois temas transversais prioritários que repassam todos os temas específicos: valores e corrupção.
Esses resultados questionam as tradicionais prioridades das lideranças políticas e dos governantes. A tradicional disputa entre quem fará mais “obra” de infraestrutura, segundo essa pesquisa, é irrelevante para a população.
O importante não é o prédio escolar, mas a qualidade da educação que se pratica no seu interior, sua capacidade de construir cidadania, competência, autonomia, consciência, civismo, responsabilidade pessoal e social. Qual governante trocaria hoje alguns metros cúbicos de concreto ou alguns quilômetros de asfalto, pela internet pública e gratuita para todos os cidadãos ou por um grande salto no patamar de remuneração e qualificação dos professores? O mundo atual baseado na informação, no conhecimento e na aprendizagem exige o repensar revolucionário do papel da informática e da educação na viabilização do país. No campo da educação, por que não assumir o grande desafio de, processualmente, igualar a carreira dos professores da educação básica à carreira dos professores universitários? Porque não?
Na referida pesquisa, o segundo tema mais valorizado é o de políticas públicas. Esse quesito engloba a questão da oferta de bens e serviços públicos competentes e efetivos, que funcionem em benefício e respeitando a população. Trata-se da saúde sem fila nas madrugadas, próxima e com resolutividade, o respeito humano no atendimento. O transporte público sem aperto, confiável, limpo e valorizado como prioritário. A segurança pública que dê tranqüilidade à vida das pessoas, sem deixá-las a mercê do poder real do crime organizado, da bandidagem, do trafico de drogas e da barbárie da violência sempre presente.
O cidadão não percebe, no seu cotidiano, a presença e a competência do serviço público. É preciso que as políticas públicas saiam das estatísticas duvidosas, dos outdoors, dos meios de comunicação, das inaugurações pomposas e dos palanques e percorram as ruas e bairros das cidades.
Atravessando essas e outras prioridades temáticas está a demanda pela afirmação de valores e pelo fim da corrupção no Estado e na sociedade.
Assim, está apontado o inconformismo com a subversão de valores, representada pela desonestidade, pelos escândalos políticos, pelos “não sei e não vi” pelos choros falsos de “lágrimas de crocodilo”, pelo individualismo, pela “lei de Gerson”, pela falta de respeito ao próximo, ao contribuinte e ao consumidor, pela falta de solidariedade pessoal e social, pela mentira, pela alienação e pela hipocrisia.
O descontentamento com a corrupção abrange desde aquela praticada nos governos, nos parlamentos e na justiça, até aquela que é cometida na sociedade, como o suborno, a sonegação de impostos, o contorcionismo cínico do “jeitinho brasileiro” e outras tantas impropriedades do comportamento cotidiano.
A afirmação de valores e o clamor pelo fim da corrupção, como temas transversais, exigem novos comportamentos em todos os âmbitos da vida da sociedade: na educação, nas políticas públicas, na saúde, na construção das obras públicas, na cobrança dos impostos e na relação como o meio ambiente e com a juventude.
Há, portanto, no ambiente, um clamor silencioso por mudanças, que não aparece quando a disputa política e eleitoral se dá entre “quem fará mais do mesmo”. É lógico que a população se decida por alternativas simplórias e medíocres, pela falta de alternativas e de mensagens transformadoras.
Imagino que, se surgirem lideranças, com credibilidade, que subvertam essa lógica tradicional, é bem possível que se repitam casos como o de Barak Obama nos Estados Unidos ou Fernando Gabeira na sua quase vitória no Rio de Janeiro. A grande questão é saber se existe, ou quando existirá, entre nós, algum estadista, sintonizado com o clamor dos tempos atuais e disposto a liderar um processo de mudanças verdadeiras.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor da UFMS

faustomt@terra.com.br