GILBERTO
GIL, MORENINHO E O FOGO
Mário César Ferreira (Cecéu)
(Esta crônica será publicada no livro Histórias que ninguém iria contar)
Já abordado neste livro, retomo aqui o tema das finanças do
PCB no Mato Grosso do Sul. Ter recursos financeiros para a ação política do
partido sempre foi essencial, estratégico. De fato, cuidar das finanças era
atribuição específica de poucos na divisão do trabalho partidário. Assumiam a
tarefa os camaradas que gostavam ou aqueles (raros) que tinham afinidade com o
métier. Tínhamos certa consciência de que para vencer o “capital” precisávamos
(e muito) de capital. Do vil metal.
O final da década de 1970 e início da década de 1980 no
Brasil é marcado por fatos importantes no cenário efervescente da luta política
pela redemocratização do país. O congresso de reconstrução da UNE (1979), a
reforma partidária (1979), a lei da anistia (1979), as importantes greves dos
metalúrgicos no ABC paulista (1979), a 1ª Conferência Nacional da Classe
Trabalhadora – CONCLAT (1981) e a criação da CUT (1983) são alguns dos
acontecimentos que turbinam o fim da ditadura civil-empresarial-militar que
imperou por 21 anos no Brasil.
É neste ambiente social e político que em Mato Grosso do Sul
o partido empreende iniciativas de reorganização do movimento sindical no
estado, principalmente em Campo Grande onde ele era mais organizado. O PCB
havia conquistado a hegemonia na direção do Sindicato dos Trabalhadores nas
Indústrias da Construção Civil e do Mobiliário de Campo Grande no início dos
anos de 1980, também contribuído na fundação do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Campo Grande e atuava fortemente para ganhar espaço político sindical
entre os trabalhadores da Enersul (empresa de energia elétrica privatizada em
1997) e os bancários de Campo Grande (estes sob forte influência do PT).
Para alavancar o trabalho sindical do PCB no MS, o partido
decide adquirir um carro para dar suporte ao trabalho de reorganização sindical
dos camaradas que atuavam nesta trincheira política. Neste contexto, resolvemos
integrantes do partido no movimento estudantil (FUCMT e UFMS), propor uma
atividade cultural de vulto em Campo Grande: a realização de um show do
consagradíssimo Gilberto Gil. Fiz parte do time dos camaradas que organizaram e
promoveram em abril de 1981 esse evento no Ginásio Moreninho da UFMS. Escolha e
definição do local feitas com a valiosa ajuda dos nossos estudantes do PCB na
UFMS.
Fizemos intensa divulgação do evento na cidade. Ao buscar o
Gilberto Gil no aeroporto conseguimos algo politicamente muito importante para
o PCB e as forças progressistas. Ele concordou em visitar o Comitê de Defesa do
Pantanal e subscrever o abaixo assinado contra a instalação de usina de álcool
(e vinhoto) na região de Bodoquena no MS. Ao final de uma passeata com cerca de
15 mil participantes, o abaixo-assinado foi entregue na Assembleia Legislativa
do MS com cerca de 100 mil assinaturas. Marcante vitória política que certamente
contribuiu decisivamente para a não instalação da propalada usina naquele
momento histórico.
O show do Gil foi sucesso total. O ginásio Moreninho ficou
lotado. Vendemos também muitas camisetas e cartazes que estampavam conteúdo
político de esquerda (ex. mais vale um passo com mil que mil passos com um).
Gil havia lançado o álbum “Luar” (1981) e abriu o show cantando a música Palco:
Subo nesse palco, minha alma cheira a talco
Como bumbum de bebê, de bebê
Minha aura clara, só quem é clarividente pode ver
Pode ver
A galera, majoritariamente de estudantes, veio abaixo,
cantando junto.
Ficamos eufóricos com o sucesso da empreitada. Grana
garantida para o partido. Graças a este trabalho o partido conseguiu comprar um
fusquinha 1500 de cor amarela para o suporte do trabalho sindical dos
camaradas. Missão cumprida.
Mas, nem tudo foi alegria. No dia seguinte, na vistoria de
entrega do ginásio Moreninho ao gestor veio a desagradável surpresa. O piso
perto do palco onde Gil cantou belas músicas estava com cerca de meio metro
queimado. Os exaltados participantes que lá estavam fizeram pequena fogueira;
não percebida na hora do show. Felizmente por razões que a memória agora não
ajuda lembrar, não foi necessário ressarcir o locador. Desde esse evento, a
UFMS proibiu a realização de shows no ginásio Moreninho. Nossos camaradas
estudantes da UFMS ficaram em “saias justas” pela micro depredação que,
infelizmente, escapou nossa governabilidade.
Após o show, o evento repercutiu muito durante a semana na
FUCMT entre os estudantes mais próximos e simpatizantes do partido. Em uma roda
de conversa, um simpatizante falou: “Que sucesso foi o show! É verdade que o
Gil está querendo entrar para o PCB?”. Respondi de pronto: “Sim. Ele está
pensando seriamente nisto.” Anos depois, em 1988, Gil se filiava ao PMDB e se
elegia vereador em Salvador com 11.111 votos.
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