sábado, 21 de maio de 2022

 

O PAPEL PEDAGÓGICO DA TERCEIRA VIA




  Não se sabe ainda o que será da terceira via, aliás, quarta se considerarmos Ciro Gomes, mas uma coisa é certa, ela demonstra que há um campo democrático e progressista mais amplo que o PT.

Tendo claro que o adversário principal é o bolsonarismo, é preciso dar um recado para o PT de que é preciso mudar sua política econômica terceiro-mundista, de favorecimento do sistema bancário, assumir as responsabilidades pelos seus malfeitos e mudar radicalmente seu enfoque hegemonista nas alianças.

A discussão econômica terá que ser voltada para o futuro e não para o passado. O mundo da ex-querda, expressão cunhada por Cristovam Buarque, não mais existe, e foi superado pela realidade da nova economia da informação e do conhecimento.

A crítica dos malfeitos é importante para garantir e criar confiança de que um novo governo não estará também vulnerável à corrupção e vulnerável ao tráfico de influencias. Quanto ao hegemonismo, quem já fez alianças com esse partido já sentiu na carne o que isso significa, inclusive com as tentativas de o PT de controlar tais aliados.

As tentativas para uma candidatura da chamada terceira via passaram por grandes dificuldades, mas parece que terão curso com a concentração em torno do nome de Simone Tebet. Esse espaço estará disponível para a participação da esquerda democrática e das demais forças progressistas. Será uma candidatura de centro.

Simone tem tudo para crescer, tem baixa rejeição e é favorecida pela sua condição de ser mulher. Ganhou projeção com a CPI do Covid onde demonstrou competência técnica e política.

Estamos ainda longe das eleições, já que as campanhas só serão autorizadas a partir de agosto, ou seja, muita agua ainda passará por baixo da ponte. Explorada até o limite essa candidatura da terceira via, de centro, ajudará no sentido da explicitação de que o país não tem só tem dois lados. Só em um segundo turno haverá a condição de agrupamento anti-bolsonaro, se ele ainda estiver na disputa.

 

FAUSTO MATTO GROSSO

Professor aposentado da UFMS e membro do Grupo Conjuntura 

 

sábado, 16 de abril de 2022

 


                             “VOCÊ ME AJUDA EU TE AJUDO”




A revelação recente da existência de um esquema de pastores dentro do ministério da Educação expõe uma maneira de ser do bolsonarismo. Revela uma relação promíscua entre o governo e algumas igrejas e pastores evangélicos que acontece em várias outras áreas da administração. É preciso lembrar que tivemos outra manifestação desse problema no ministério da Saúde, com a ação de pastores lobistas que influenciavam a compra de vacinas pelo Governo. Parece que estamos diante de um grande escândalo que já tem sido chamado de bolsolão.

O lema do lobista, como já foi gravado no caso do Ministério da Educação é “você me ajuda que eu te ajudo”, ou seja, uma troca de favores às custas de verbas públicas, o que não é novidade no caso brasileiro. O governo ajuda os pastores, os pastores ajudam os prefeitos e estes devolvem votos e barras de ouro, que não se sabe onde irão parar.

Esse sistema é muito parecido com o da relação governo e deputados federais, através das famigeradas emendas parlamentares. Os parlamentares que ajudam o governo nas votações recebem verbas para levar às prefeituras que pretendem cooptar. Essa maneira clientelista de fazer política destrói a eficácia das políticas públicas e forma a base para a corrupção. No atual orçamento esse sistema de privatização do dinheiro público vem acobertado pela absoluta falta de transparência de uma parte substancial que forma o orçamento secreto, onde não se sabe quem fez a emenda e quem é o beneficiado.

Esse sistema de troca de favores têm raízes profundas na sociedade brasileira, vem desde o tempo do coronelismo. O sistema coronelista juntava coerção com cooptação. Era o coronel quem permitia o acesso a certos benefícios sociais. Essa era a sua moeda de troca, por isso era odiado, mas também amado.

O escândalo dos pastores está motivando uma iniciativa de senadores para a criação de uma CPI sobre assunto, mas o governo joga pesado na sua inviabilização conseguindo inclusive que três senadores retirassem as suas assinaturas da petição inicial. Outra frente de resistência do governo é a negativa de transparência na agenda presidencial, com o que se procura esconder o intenso acesso de pastores diretamente ao Presidente. A agenda presidencial passou a ser tratada como assunto de segurança nacional, protegida pelo sigilo.

Naturalmente, nem todas as igrejas evangélicas estão envolvida nessas falcatruas. Trata-se de alguns maus pastores, espertalhões que tentam aproveitar da situação de termos um presidente e um governo com quatro ministros declaradamente evangélicos e um juiz do Supremo Tribunal Federal indicado por ser tremendamente evangélico. Há resistência a esse tipo de prática em amplos setores da igreja, que tem motivado a manifestação de outros pastores denunciando o jogo espúrio, o que deve ser saudado. O eleitorado evangélico também se manifesta criticamente, como mostram as pesquisas. Segundo o Poder Data, 40% dos evangélicos acham o governo Bolsonaro ruim e péssimo.

Se Bolsonaro for reeleito, ele terá o direito de indicar mais três ministros do Supremo e estaríamos caminhando para uma situação de controle da Justiça, semelhante ao da Venezuela de Chaves e Maduro.

Enquanto isso, Deus tudo vê. HEBREUS 4:13

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro Civil, professor aposentado da UFMS e membro do Grupo Conjuntura MS

 


 

 

sexta-feira, 4 de março de 2022

 

A GUERRA NA UCRÂNIA


A Invasão da Ucrânia, levada a cabo por Vladimir Putin merece o repúdio de todos os pacifistas e democratas. Revela um anacronismo saudosista do que foi o império russo e a antiga União Soviética. A resistência do povo ucraniano está escrevendo páginas de glória já vividas em outros episódios recentes. 

Exemplo disso foi a Revolução Laranja ocorrida entre 2004 e 2005, em resposta às denúncias de corrupção, intimidação por votos e fraude eleitoral direta, durante a eleição presidencial ucraniana de 2004. Também entre 2014 e 2015 no levante popular que levou à deposição do presidente pró-Russia Viktor Yanukovich, deixando feridas profundas que formaram o contexto para a atual invasão russa. Nos dois episódios o povo ucraniano, nas ruas, mostrou a determinação da luta pela democracia. Esse último episódio é relatado com riqueza de detalhes no documentário Winter on Fire do diretor Evgeny Afineevsky.

Ao cidadão comum, entretanto fica sempre a dificuldade de formação de convicção sobre invasão, dada a intensa guerra cultural existente sobre o assunto, que tenta impor uma verdade única, empacotada ideologicamente. O tema é complexo e são vários os aspectos a considerar.

1.        A Rússia de hoje não tem nada a ver com a União Soviética de outrora. É uma potência capitalista comandada por oligarcas corruptos que se apropriaram das empresas estatais no processo de privatização levado a efeito durante o governo de Boris Yeltsin. Putin é expressão desse sistema apodrecido e autoritário.

2.        A invasão da Ucrânia inaugura um novo momento geopolítico do mundo. Antes tínhamos a Guerra Fria mantida pelo equilíbrio do terror entre os arsenais nucleares dos EUA e da União Soviética. Com o desmoronamento dessa inaugurou-se um período em que os Estados Unidos assumiram o papel de único xerife do mundo, e tentaram impor a sua ordem no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria, pelas armas. Agora, a Rússia tenta participar desse jogo, de novo, ressuscitando a Guerra Fria, inclusive ameaçando com o seu arsenal nuclear.

3.        Após o desmoronamento da União Soviética, houve a extinção do Pacto de Varsóvia, entretanto a OTAN continuou existindo e se expandiu para oeste com a incorporação das antigas repúblicas soviéticas ao bloco. O que poderia ser um momento de desarmamento acabou se transformando em uma anacrônica nova Guerra Fria. De órgão de segurança coletiva, a OTAN parece ter se transformado em uma organização estratégica para o controle da energia na Europa. A guerra na Ucrânia tem tudo a ver com isso. 

4.        A Ucrânia sempre teve problemas com a Rússia. Durante o período Stalin essa república foi submetida a uma política rigorosa de requisição de alimentos, que levou fome e morte ao país, deixando cicatrizes profundas anti-Rússia. Alguns historiadores relatam que quando os nazistas de Hitler invadiram o país na Segunda Guerra Mundial, foram saudados como libertadores.

5.        Esse passado pode ser encontrado por trás da existência de numerosos grupos neonazistas proativos no país. A blogueira bolsonarista Sara Winter, presa após liderar o foguetório contra o Supremo Tribunal Federal afirma ter sido treinada na Ucrânia. Nas passeatas, bolsonaristas ligados ao “grupo dos 300” e ao Movimento Brasil Livre (MBL) entoam a palavra de ordem de “ucranizar” o Brasil. Neste exato momento o deputado estadual paulista Arthur do Val acompanhado de um dirigente do MBL estão na Ucrânia postando fotos de suas participações na fabricação de coquetéis molotov. Entretanto é importante distinguir os grupos neonazistas no contexto mais amplo da resistência ucraniana. A Ucrânia luta hoje pela sua autodeterminação e pela democracia, diante de uma Rússia imperialista e ditatorial. Por isso tem merecido um amplo apoio mundial.

6.        O contexto ucraniano é extremamente complexo, por isso a necessidade de uma análise multifacetada. Nessa história não tem mocinhos e bandidos. Concretamente, temos invasores e invadidos, democratas e autoritários. Aí não há dúvidas, deve ser apoiada a luta dos ucranianos e o grande desafio é conseguir o imediato fim das hostilidades e o cessar fogo, para que se possa negociar a paz.

 

FAUSTO MATTO GROSSO

Professor aposentado da UFMS, membro do Grupo Conjuntura MS

 

domingo, 20 de fevereiro de 2022

 

PARTIDOS E FEDERAÇÕES


O quadro partidário no Brasil tem um pecado original: os partidos não são da sociedade, são entes estatais. Não representam correntes de opinião, mas sim estruturas tuteladas por regras do Estado. Não e livre a organização partidária.

Exemplo disso é o financiamento público, a exigência do cumprimento de regras para registro e funcionamento e a submissão à Justiça Eleitoral. Como resultado temos a despolitização da política partidária, os partidos funcionam como simples cartórios para efeitos eleitorais.

São trinta e três partidos legalizados no TSE, sendo que 23 tem representação no Congresso Nacional. Na sociedade não existem tantas correntes de opinião. É uma necessidade a redução do número de partidos, mas essa mudança deveria se operar segundo as regras da política e não apenas sobre seus aspectos eleitorais.

Agora, no quadro da discussão sobre a federalização dos partidos essa fragilidade fica transparente. Como diz o quase sempre certeiro Senador Cristovam Buarque, os pequenos partidos estão como náufragos que se debatem esperando qualquer navio que passe, não importando a tripulação que o conduz nem o porto para onde segue. Já um partido político tem a obrigação de saber para que porto vai o barco. Para um partido, sobreviver eleitoralmente não significa sobreviver politicamente.

Na realidade, a pulverização partidária é bem maior do que o número de partidos. Sem cobrança da fidelidade partidária, cada parlamentar tem sido um partido de si mesmo, alimentado com emendas parlamentares e favores governamentais. Com a  instituição das federações partidárias esse problema ficará do mesmo tamanho.

Partidos federados unem seus resultados eleitorais para eleger mais deputados e cumprirem a cláusula de desempenho que regula acesso ao fundo partidário. Segundo a regra, as Federações devem agir como um só partido nas instâncias de representação em todo o Brasil por pelo menos quatro anos. Quando federados, as siglas devem ter uma única estrutura de liderança na Câmara dos Deputados. Os partidos, porém, podem continuar existindo separadamente para outros fins, inclusive manter suas burocracias, como sedes, centros de formação política e salários de quadros, assessores e funcionários.

Realizar uma federação é muito difícil. Fosse uma discussão política nacional e programática, tudo seria mais fácil, mas ela tem que acomodar a situação eleitoral em cada Estado, aí é que surgem as dificuldades. O cálculo eleitoral preside essa decisão. Federações e fusões são uma corrida do ouro nas eleições como diz o jornalista Luís Carlos Azedo.

Atualmente diversos partidos estão envolvidos na viabilização de federações. O DEM (28 deputados) já se fundiu com o PSL (54 deputados), criando a União Brasil que deverá ter a maior bancada no Congresso, sendo o maior transatlântico para o Centrão.

Na esquerda a Federação deverá incluir PT, PCdoB, PSB e PV e ainda existe conversações com o PSOL, a Rede e outras legendas, num esforço para integrá-las. Se viabilizada, essa federação será muito forte no Congresso. O PSOL, paralelamente, busca uma federação com a Rede.

 A União Brasil (DEM e PSL), o MDB e o PSDB estão em conversas avançadas para a formação de uma Federação que esbarra na existência de candidaturas conflitantes como a do governador Dória e a da Senadora Simone Tebet. Também participará dessa coligação o Cidadania após recente decisão.

Enfim, o instituto da Federação vai marcar positivamente a política brasileira, mas perde-se a oportunidade de uma mudança de qualidade. Acerta o ex-deputado Paulo Delgado quando aponta: “O País deveria apostar em um novo padrão de maioria política formado por princípios e programas, e não em promiscuidade”.

FAUSTO MATTO GROSSO

Professor titular aposentado da UFMS, membro do Grupo Conjuntura MS

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

 

O QUE QUER JAIR BOLSONARO?


Bolsonaro quer ser reeleito presidente do Brasil. A maior parte dos analistas políticos aponta que isso é uma missão impossível.

O Presidente tem contra si a imagem de ditador, sua desastrosa condução da crise sanitária, a perda da bandeira da ética e principalmente o fracasso de sua política econômica, que levou o país à inflação e ao desemprego em massa.

Dessas variáveis, porém, a que mais ameaça sua presença no segundo turno é o fracasso econômico. A crise econômica deverá ser determinante para o voto dos brasileiros. Para a dura realidade dos preços e do desemprego, não há fakenews que possa resistir.

Recentemente bateu mais um desespero no Palácio do Planalto: as projeções do mercado para a alta do petróleo neste ano, que deve chegar a US$ 100 o barril, com isso o preço do litro da gasolina saltaria para R$ 8,00. Ainda haveria uma grande desvalorização do real frente ao dólar, obrigando o Banco Central a aumentar os juros.

Bolsonaro ainda tem pela frente algumas iniciativas de fôlego para tentar virar o jogo. Tem a seu favor o Auxílio Brasil de R$ 600,00 mensais, que tentará capitalizar politicamente e a mobilização do Brasil Rural. Segundo programado pelo Instituto Conservador Liberal, criado pelo deputado Eduardo Bolsonaro, teremos este ano a realização em todo o país, de Congressos do Brasil Profundo, testado no fim do ano passado em Rondonópolis, MT. É uma tentativa de organizar o campo conservador rural para apoio ao Mito. Será um belo dueto com as caravanas de Lula.

Mas, apesar disso, Bolsonaro deverá ser derrotado pela inflação nos supermercados e pelo preço nas bombas dos combustíveis.

Entretanto, a ninguém é dado o direito ser ingênuo de que tudo terminará por aí. Bolsonaro tem seu Plano B, a sedição.

Esse foi o caminho tentado por Trump, seu ídolo, quando derrotado.  O Bolsonarismo tentou antecipar isso com o fracassado golpe de sete de setembro. Na ocasião Jair Bolsonaro afirmou que não cumprirá decisões judiciais, ameaçou fechar o Supremo Tribunal Federal, disse que um dos ministros, Alexandre de Moraes, "açoita a democracia", chamou o processo eleitoral sem voto impresso de "farsa" e disse que apenas Deus pode tirá-lo da Presidência.

 Nada mais explicito a respeito do Plano B. É para essa questão que devem estar voltadas as preocupações das forças democráticas. Garantir as instituições e o processo eleitoral, para derrotar Bolsonaro e enfraquecer o bolsonarismo.

Mesmo que não seja eleito, Bolsonaro consolidará em torno de si uma massa fanatizada e armada de cerca de 20% dos eleitores, ou seja, cerca 30 milhões de pessoas, com forte apoio das forças de segurança e da milícia. Só para comparação, a população total da Hungria do primeiro-ministro Viktor Mihály Orbán, seu concorrente a líder mundial da direita, é de apenas 9.835.000 habitantes. Com esse apoio eleitoral, Bolsonaro seria forte concorrente nos principais países europeus.

Depois da queda de Trump, Bolsonaro será o mais forte representante da direita mundial, e já se articula para esse papel. Segundo professor da Universidade Federal do ABC o fundamento da política externa de Bolsonaro é "a aliança com a extrema direita mundial, para fazer do Brasil um polo de difusão dessa vertente". Através dos seus filhos, Bolsonaro tem se articulado com a direita mundial, participando de eventos, visitando e recebendo lideranças da direita francesa, alemã, espanhola, portuguesa e húngara.

Parece difícil imaginar que Bolsonaro possa tirar algum benefício da exploração dessa imagem de presidente mais extremista do mundo. Mas é nessa direção que seu comportamento está direcionado. Mobilizar a bolha bolsonarista para o que der e vier, para o primeiro, o segundo e o terceiro turno. É aí que mora o perigo.

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro, professor aposentado da UFMS

Membro do Grupo Conjuntura.