domingo, 26 de fevereiro de 1984

UM POVO SADIO

( Depoimento de Viagem V – Jornal da Cidade – 26/02/84)
“ Es nuestro deber brindar el trato humano, solidario, dulce y solicito que merece nuestro pueblo trabajador” - Fidel
Chegando ao Aeroporto Internacional Jose Marti, antes mesmo da apresentação do passaporte, o turista recebe um cartão de “advertência” onde se lê: guarde este cartão em sua carteira, já que você procede de um país onde existem enfermidades transmissíveis não mais presentes em Cuba. Caso você apresente qualquer sintoma deverá mostrar este cartão ao médico que lhe atender. Qualquer informação adicional poderá ajudar ao médico a efetuar um rápido e correto diagnóstico. Ministério da Saúde Pública.
Este “cartão de visita”, que impressiona o turista, foi nosso primeiro com o Sistema de Saúde Cubano.
A Política Nacional de Saúde passou a ser discutida e programada desde os tempos anteriores à vitória da Revolução, a partir de observações feitas pelos próprios guerrilheiros das condições de vida dos camponeses. A idéia das Policlínicas rurais (postos de saúde) já havia surgido nesta ocasião.
Em 1959, logo após a revolução, Cuba contava com apenas três mil médicos aglutinados nos grandes centros. O maior problema foi conseguir levar tais médicos para áreas rurais. Não havia número suficiente de profissionais mesmo porque muitos haviam saído de Cuba após a Revolução. A Escola de medicina de Havana, única do País, era acanhada. Não havia enfermeiras e técnicos de saúde. Rapidamente foram criadas escolas e cursos para atendentes de enfermagem (curso com duração de 3 meses) e cursos para auxiliares de enfermagem (com duração de 1 ano). Hoje em Cuba, existem 18 escolas de medicina onde se formam 2 272 médicos por ano, incluindo estudantes bolsistas do terceiro mundo. No total existem hoje 40 000 enfermeiros universitários e somente dois mil auxiliares de enfermagem sem curso superior.
A relação atual é de um médico para cada 874 habitantes. Quando indagamos sobre a necessidade deste número elevado de escolas e de médicos recebemos a seguinte resposta: “Hoje o povo procura a assistência médica. Até 1985 conseguiremos levar o médico ao local de trabalho0 do operário e do camponês. Hoje existem potenciais armamentistas, mas nós, cubanos, seremos uma potência médica”.
De fato, o ensino médico é rigorosíssimo. Consta de 11 anos, cinco dos quais dentro da Universidade. Depois, o estudante passa um ano em regime de internato em clínicas e hospitais, dois no serviço médico rural e mais três em Residência Hospitalar.
Além de tudo isto, o espírito internacionalista do cubano é incalculável, atualmente existem três mil profissionais médicos em 26 países entre os quais a Argélia, Etiópia, Tanzânia, Angola, Moçambique e Nicarágua.
As policlínicas, tanto rurais como urbanas, possuem quatro departamentos: clínica médica, ginecologia, pediatria e odontologia. A partir das Policlínicas os doentes são encaminhados para os hospitais municipais , distritais ou para o Hospital Central em Havana , que possui 860 leitos; unidades de transporte renal; cirurgia cardíaca; tomografia computadorizada , enfim uma medicina de alto padrão sem nada a dever aos países desenvolvidos.
Além disso, notamos uma atenção toda especial às crianças diabéticas. Para elas foram criadas escolas com educação especial onde se habituam à dieta alimentar própria da doença e ao uso rigoroso da insulina, aumentando o índice de sobrevida.
As gestantes residentes em áreas distantes dos hospitais rurais, onde são visitadas somente pelos “médicos de campo” (aqueles que fazem saúde pública), a partir do sétimo mês são levadas para “hotéis” ou melhor “casas para gestantes”, onde recebem um tratamento especial, tanto alimentar como de orientação para o parto, diminuindo significativamente o índice de mortalidade materno-infantil.
Em 1963, houve erradicação da pólio. Em 1973, erradicação do tétano. As causas mais comuns de morte antes da Revolução eram a diarréia e a tuberculose. Hoje, doenças das coronárias e diabetes. Cuba exibe hoje um dos menores índices de mortalidade infantil do mundo.
Atualmente desenvolve-se uma campanha intensa contra o fumo e contra o gordo. O cubano consome 25 por cento acima de suas necessidades caloríficas.
O atendimento médico é excelente. Não há filas ; o atendimento é imediato. O cubano tem assistência médico-hospitalar e ambulatorial gratuita, devendo unicamente pagar os remédios prescritos em ambulatórios.]Uma nossa companheira de viagem apresentando mal-estar digestivo foi logo encaminhada ao posto médico mais próximo ao hotel, não gastando um tostão. Referindo-se à nossa guia que acompanhou solicitamente, disse: “Graças à Marta Beatriz estou curada”. Mas a resposta veio de imediato. E com muita convicção “Graças a mim não, à revolução”.


MARIA AUGUSTA RAHE PEREIRA 

domingo, 19 de fevereiro de 1984

A REVOLUÇÃO NA EDUCAÇÃO

(Depoimento de Viagem IV – Jornal da Cidade 19/02/84)
“Há de ser el trabajo el gran pedagogo de la juventud”- Fidel
“Na escola tem que se aprender o manejo das forças com as quais na vida se haverá de lutar”- José Marti
Um dos primeiros problemas enfrentados e resolvidos pela Revolução Cubana foi a Educação. Durante o período em que estivemos na Ilha , pudemos constatar a amplitude e o resultado desse esforço, de que tanto se orgulha o cidadão cubano.
Cuba, antes de 1959 não era diferente dos demais países subdesenvolvidos e dependentes. Quase a metade da população em idade escolar estava fora do sistema educacional. Havia 1 milhão de analfabetos absolutos e mais de 1 milhão de semi-analfabetos. Entretanto, havia 10 000 professores sem escolas e sem possibilidades de trabalho.
A luta contra o analfabetismo, que já havia começado durante os combates na Serra Maestra, teve sua batalha decisiva em 1961 com a Campanha de Alfabetização. Foram mobilizadospara esta tarefa , 100 000 estudantes , 15 000 operários, 35 000 professores e 121 000 voluntários populares. Grande parte desses alfabetizadores , principalmente os estudantes, foram enviados para o campo onde o índice de analfabetismo era maior (41,7 por cento) . O índice geral era de 23 por cento. Após um ano de trabalho, Cuba foi transformada em “território livre do analfabetismo”, hoje reduzido a um residual de 3,9 por cento segundo dados oficiais aceitos pela UNESCO.
Tivemos a oportunidade de assistir um documentário cinematográfico sobre a Campanha de Alfabetização. Trens superlotados de estudantes , indo para o interior e sendo recebidos por multidões entusiasmadas. Jovens semblantes emocionados e empolgados pela tarefa que a revolução lhes confiava. Na volta , após a missão cumprida , recebidos como heróis nacionais, homenageados carinhosamente pela população, tal como dois anos antes haviam sido festejados os guerrilheiros da Serra Maestra.
Hoje o sistema educacional cubano apresenta invejável eficiência, colocando-se entre os mais adiantados do mundo: 98,3 por cento das crianças entre 6 e 12 anos freqüentam a escola; 98 por cento dos alunos que começam o curso primário concluem-no; o índice de aprovação nos diversos cursos nunca é menor que 95 por cento. Os planos de educação fixam como meta chegar ao ano 2000 com toda a população cubana ostentando uma escolarização mínima de 14 anos de estudos.
A educação geral compõem-se de pré-escola (2 anos), primário (6 anos), secundário básico (3 anos) e pré-universitário (3 anos). A seleção para a universidade não é feita em um único exame vestibular, mas sim por um sistema de avaliação durante os três anos do pré-universitário. O aluno pode se inscrever para 10 opções de cursos e é enquadrado de acordo com a sua contagem de pontos. O curso superior dura de 4 a 11 anos, dependendo da ‘área de formação. Como alternativa ao curso pré-universitário, existem os cursos técnicos e profissionais, onde passa grande parte de força de trabalho do país.
O estudo é profundamente vinculado com o trabalho produtivo. Nas escolas primárias os alunos dedicam-se ‘a horticultura. No secundário ‘as atividades agrícolas(normalmente as escolas secundárias são no campo). Nos cursos de formação de professores dedicam-se ‘a prática didática. No ensino técnico profissional e no superior, pratica-se o trabalho especializado na área para a qual se está formando. Apesar disso, para evitar que o estudante se desvie dos estudos, é proibido por lei a remuneração de menores de 17 anos.
Esta ligação do estudo com o trabalho, além de atender a objetivos ideológicos (o trabalho desalienado é fonte de afirmação do ser humano), de romper a tradicional contradição entre a teoria e a prática e jogar por terra o conceito elitista de trabalho intelectual desligado da produção material, tem também u objetivo econômico. Diz Fidel que “ um país pobre, com a velha concepção de educação, teria que optar pelo princípio de que só estuda uma parte da população e condenar a maioria a não estudar. Para nós, a ligação do estudo com o trabalho produtivo além de ser um princípio de ordem moral, de um princípio de ordem teórica, além de tudo é uma imperiosa necessidade material.”
A aplicação desses princípios vimos em nossa visita a Escola Vocacional Lenin. Esta escola, situada a uns 30 Km de Havana , dentro de um parque de 750 há(Parque Lenin), oferece ensino secundário a cerca de quatro mil alunos em regime de internato. Os estudantes, rapazes e moças, chegam á escola no Domingo á noite e voltam para suas casas na Sexta-feira á tarde .
A escola, muito bem montada, com modernas instalações, teve seus quase 80 laboratórios doados pela União Sovética e foi inaugurada pessoalmente por Leonid Brejnev. É composta de cerca de 30 edifícios que se esparramam por vastos jardins bem cuidados e com toda uma estrutura para a vida social dos estudantes: centros de lazer, quadras de esportes, piscinas, bibliotecas, salões para cinema e teatro, etc.
Os alunos da Escola Lenin, dedicam-se em média 15 horas semanais ao trabalho produtivo em uma das três fábricas implantadas no conjunto educacional. Uma fábrica de material esportivo (produz tacos de baseball, bolas, redes, raquetes etc.) outra de roupas e uma de material e equipamento eletrônico onde se fabrica pilhas, monta-se rádios e computadores . A produção dessas indústrias garante auto-suficiência de todo o conjunto educacional.
Os estudantes com os quais conversamos nessa escola impressionaram-nos pelo nível de informação e pela cordialidade e desinibição nos contatos com os visitantes. Falavam-nos de suas preocupações com a paz mundial, de seus planos de estudos, perguntavam-nos sobre Zico, Sócrates e Roberto Carlos, narravam-nos os hábitos do internato (proibido cabelo grande e namoro ostensivo) e eram unânimes em um ponto: todos almejavam pertencer à Juventude Comunista.
Na cidade de Havana também visitamos várias escolas do bairro El Vedado, onde ficava nosso hotel. A maioria delas, de curso primário, é instalada nos antigos casarões da alta burguesia cubana que abandonou o país após a revolução. As salas de aula são pequenas, com atenção intensiva dos professores aos alunos e abundância de material didático. Sempre presentes em todas as salas, cartazes alusivos á revolução e de homenagem a seus heróis.
Além da educação formal, pudemos sentir grande ênfase na complementação cultural da juventude. No ano de 1984, devem ser produzidos em Cuba, 50 milhões de livros, ou seja, 5 volumes para cada cidadão cubano, isto sem contar a grande quantidade de livros importados, principalmente da União Soviética. Os ingressos de cinema, teatro e balé são baratíssimos, custam o mesmo que uma passagem de ônibus (50 cruzeiros). As bibliotecas são numerosas e as livrarias vendem seus livros a preços baixíssimos . O esporte e a formação física recebem toda a atenção e não é por acaso que Cuba vem se destacando em todas as grandes competições de nível internacional.
Cuba conseguiu colocar na prática a priorização á educação e hoje colhe os bons frutos dessa política. Conta com um povo preparado para o trabalho, desalienado, engajado social e politicamente, ou seja, em condições de enfrentar de forma competente, consciente e criadora a construção de sua sociedade socialista.

FAUSTO MATOGROSSO

domingo, 12 de fevereiro de 1984

O ANIVERSÁRIO DA REVOLUÇÃO E UM POUCO DE SUA HISTÓRIA

(Depoimento de Viagem III – Jornal da Cidade 12/02/84)
“Assim como Cuba não pode exportar a revolução, tampouco os Estados Unidos podem impedi-la. Ou os EUA pensam que o Brasil é Granada?”- Fidel
Nossa excursão chegou a Cuba no dia 29 de dezembro. Escolhemos esta data com o objetivo de presenciar o primeiro de janeiro, no 25 aniversário do triunfo da revolução Cubana. A festa este ano foi relativamente modesta, sem grandes manifestações e desfiles como é típico dessa data. Razões de austeridade, segundo nos informaram, pois, seis meses antes já haviam sido comemorados, com grande festa, os 30 anos do ataque ao Quartel Moncada.
A solenidade principal ocorreu na cidade de Santiago de cuba , Província de Oriente, portanto a 1000 Km de Havana onde nos encontravámos.Foi um ato solene de outorga, a esta cidade , da condecoração Herói da República de cuba. Falou Fidel Castro do mesmo balcão da antiga Câmara Municipal de onde exatamente 25 anos atrás, discursara como líder da revolução vitoriosa.
Discurso vibrante, de uma hora e meia de duração, curto para quem, como ele, costuma fazer pronunciamentos de até 6 ou 8 horas.
Estilo direto. Relembra as promessas de 25 anos atrás e mostra-as todas cumpridas e até superadas. Alicerçado nessa confiabilidade, expõe novas metas arrojadas, conclama o esforço da população para apoiá-las e transmite a todos o entusiasmo e o convencimento de que também estas serão alcançadas. Fala como líder , como técnico, como político, com segurança competência e autoridade de estadista de estatura mundial.
Conseguindo disseminar aquele julgamento popular de que só de duas coisas ele não sabe: dançar e cantar.
Em seu discurso, referiu-se duas vezes ao Brasil. A primeira ao analisar a crise do sistema capitalista mundial que nos levou da euforia do “milagre” à grave situação econômica e social atual, de endividamento, de perda de soberania, de desemprego, de fome e de saques a supermercados .Afirmando que o governo norte-americano terá que se conformar com a existência de regimes sociais avançados no continente disse que “assim como Cuba não pode exportar a Revolução, tampouco os Estados Unidos podem impedi-la”. Para reforçar sua tese, citou-nos pela Segunda vez : “ou os EUA pensam que o Brasil é Granada?”.
Apesar do caráter restrito da solenidade principal, as comemorações do 25 aniversário impregnavam toda a vida da população. Exposições sobre os feitos da Revolução, cartazes e bandeiras em quase todas as residências e locais de trabalho, painéis e outdoors nas ruas, show artísticos, inaugurações, intensa programação de rádio e televisão alusiva à data.. Em Havana pudemos assistir também a chegada, a oito de janeiro, de uma enorme coluna de “pioneiros”(organização infantil de massas) repetindo a famosa marcha do Exército Rebelde desde Santiago- a primeira capital provincial ocupada- até a capital do país.
Estar presente em Cuba, naquele momento, aguça nosso interesse de saber um pouco mais sobre o que foi esta Revolução e o que são seus líderes. Fidel Castro Ruiz, ex- aluno jesuíta, líder estudantil, estudante de Direito, agitado e rebelde, incontrolável até pelo seu Partido Ortodoxo, é fruto do amadurecimento de uma situação revolucionária na sociedade cubana. Sob a ditadura sanguinária, corrupta e entreguista de Batista crescia a insatisfação e a resistência populares.
Tenta-se então deflagrar o processo revolucionário. O ataque ao Quartel Mocada, em Santiago de Cuba, um dos símbolos da ditadura batistiana, tem o propósito de dar ao povo um sinal para a sublevação. O assalto, liderado por Fidel, tem lugar em 26 de julho de 1953- esta data passou a denominar o seu movimento- e fracassa redondamente em vista da desfavorável correlação de forças: um gruo de 150 jovens revolucionários enfrentando uma força de 5000 soldados armados até os dentes. Três rebeldes caem na luta e 68 são fria e cruelmente assassinados. Fidel sobrevive à captura e se responsabiliza pouco depois , perante um tribunal militar como chefe da ação. Seu discurso de defesa “La História me Absolverá” de 5 horas de duração, é um verdadeiro latejo contra a ditadura. Seus companheiros são condenados a 15 anos e Fidel a 19 anos com trabalhos forçados na Ilha de Pinos, prisão extremamente fecunda para sua formação e amadurecimento político.
Diante da grande pressão popular, Batista é obrigado a libertar os moncadistas, desterrando-os para o México. Lá chegando os revolucionários, liderados por Fidel, reorganizaram o gruo, juntam dinheiro e armas e em 24 de novembro de 1956, no pequeno iate “Granma”, regressam a Cuba dispostos a reiniciar a luta. No México, havia-se unido a eles um jovem aventureiro e asmático, o médico argentino Ernesto Guevara a quem os cubanos apelidaram de “el che”. Participava também Raul Castro, irmão de Fidel, e Camilo Cienfuegos, talvez o herói morto mais carinhosamente festejado da revolução.
O plano de Fidel era chegar a Cuba no dia 30 de novembro, em que o Movimento 26 de Julho havia organizado um levante em Santiago visando controlar toda a Província de Oriente. Mas, tudo deu errado. Um vendaval atrasou dois dias a viagem levando-os a uma região onde já eram esperados pelos soldados de Batista. Fracassa a invasão, fracassa o levante na cidade. Dos 81 invasores, somente 12 conseguem sobreviver e feridos , enfermos , meio desmoralizados e mortos de fome tomam posições na serra Maestra, a cordilheira mais alta de Cuba (2000m de altura) , isolados de toda a população e civilização. Reunidos os 12, Fidel lança-lhes um entusiasmado discurso dizendo: “los días de la dictadura estan contados...” Uma coisa é certa: por falta de otimismo , nunca quebraram Fidel.
Enquanto isso, recrudescia a resistência nas cidades. Os trabalhadores , influenciados pelo Partido Socialista Popular (o antigo Partido Comunista de Cuba, fundado em 1925), lançavam-se em longas jornadas grevistas. Os estudantes também se insubordinam repetidas vezes e liderados por José Antônio Echeverria, dirigente da Federação Estudantil Universitária, ocupam em 13 de março de 1957(data que passa a denominar um novo movimento, o diretório Revolucionário 13 de março) a emissora Rádio Relógio, e chamam o povo ao assalto do palácio Presidencial, onde querem justiçar o tirano no seu próprio leito. Chegam a penetrar no Palácio mas não a seguir repelidos e grande parte dos atacantes cai na luta , inclusive seu líder.
Mas nas regiões montanhosas da Província de Oriente o Exército Rebelde inaugura a temporada de guerrilhas. Os guerrilheiros descem a serra, atacam de surpresa a seus objetivos militares , inflamam a população e aos camponeses e voltam a desaparecer, para desespero dos soldados de Batista . Organizam sua emissora clandestina a Rádio Rebelde. Começam a ser temidos... e compreendidos. O Partido Socialista Popular envia reforços, ajudas e armas. O mesmo fazem o Partido ortodoxo, os universitários e até os jovens da “Ação Católica”.
Logo os insurgentes controlam a Província de Oriente apesar dos 20 000 soldados de Batista e da ajuda militar americana a seu governo. Cuba se divide: o governo contra Fidel... e o povo com Fidel. Algo incrível estava se passando: as pessoas esqueciam suas ideologias e se uniam contra Batista. No movimento 26 de Julho havia de tudo: anarquistas, católicos, estudantes, comunistas, crianças, jovens e velhos. A guerrilha já não estava só. Nas cidades estava seu complemento , sua fonte de aprovisionamento e seu apoio. Greves, sabotagens, levantes faziam cada vez mais tremer a tirania. Essa luta nas cidades custou mais vidas que os três anos de guerrilha da Serra. Batista, seu exército e sua polícia, com ajuda americana, mataram mais de 20 mil cubanos.
As duas táticas unidas- guerrilha e levante popular- lograram em primeiro de janeiro de 1959 seu objetivo: a derrota da ditadura, Batista foge do país com 400 milhões de dólares, com destino à cidade Trujillo, via Miami, é claro. O Exército Rebelde ocupa Santiago de Cuba e em oito de janeiro já está em Havana.
O Supremo Tribunal nomeia como Presidente a Manoel Urrutia e a José Miró Cardona como primeiro-ministro. Pouco depois renuncia Miró e Fidel Castro assume seu cargo.Tinha 35 anos, tinha vencido a guerra, pretendia fazer agora a verdadeira revolução que o povo esperava.
O novo gabinete entretanto, nada tinha de ameaçador. Compunham-no apenas três revolucionários de vanguarda: Hart, na Educação; Faustino Perez na Recuperação Nacional e Fidel , primeiro-ministro. O restante era de velhos políticos e inimigos de mudar as coisas(sobretudo de dono) e com uma só virtude: eram todos inimigos de Batista
A continuidade da história já é mais conhecida. A intransigência dos EUA (desde o “liberal” Kennedy, financiador da invasão da Baía dos Porcos), sua incapacidade de conviver com a autodeterminação dos povos, , com as opções nacionais por desenvolvimentos independentes, sempre promovendo em Cuba a sabotagem, incentivando e armando grupos contra revolucionários, estabelecendo o bloqueio econômico e diplomático com vistas à derrocada da experiência nacional cubana, levou este país a uma aproximação cada vez maior com o bloco socialista que veio em seu apoio. Não aprendendo a lição, insistem os Estados unidos com a mesma política na Nicarágua. Azar deles. A história , que já absolveu Fidel Castro, reserva-lhes mais uma severa condenação.


FAUSTO MATOGROSSO

domingo, 5 de fevereiro de 1984

SOCIALISMO COM MOTEL

(Depoimento de Viagem II – Jornal da Cidade 5/02/84)
Quem espera , ao chegar à cuba, encontrar fardados e barbudos, fumando charutos , engana-se redondamente. A época dos guerrilheiros já passou. Hoje a Revolução encontra-se totalmente institucionalizada, sendo uma questão que diz respeito a todo o povo e não apenas aos que subiram à Serra Maestra.
Aos antigos combatentes, novas tarefas se impuseram. A maioria trocou o fuzil pelas responsabilidades de dirigir o país. Trabalho tão duro quanto ao da luta revolucionária . Transformar suas bandeiras, não mais que idéias, em realizações concretas beneficiando o país e o povo. Um exemplo disso , foi o próprio comandante Che Guevara nomeado Ministro do Interior. Guevara, dotado de uma energia muito grande , trabalhava até altas horas da madrugada. Sempre que se passava à noite em frente ao prédio do Ministério, lá estava acesa a luz de sua sala. Hoje , postumamente, numa alusão à sua presença e contribuição à edificação do socialismo Cubano, a sala continua permanentemente iluminada, numa homenagem cheia de significado e que emociona ao povo cubano e , especialmente aos turistas.
As barbas, também não as encontrei tão difundidas. Talvez até menos do que se vê por aqui. Indagando ao respeito, recebi a explicação de que o guerrilheiro barbudo é a imagem do herói da revolução e que os jovens sentem-se constrangidos em usar barba ao parecer uma atitude pretensiosa e exibicionista.
Os charutos sim, por toda a parte, os que ofereceram ao turista eram caríssimos, um dólar cada (CR$ 1000,00) mas provavelmente havia alguns tipos mais populares ,pois, muitos eram as pessoas do povo que os fumava, nos ônibus, no trabalho e nos restaurantes.
Havana é uma cidade com muito movimento, e ao contrário do que acontece em outros países socialistas, com muita vida noturna. É a cidade mais musical que já conheci. Na maioria dos bares e restaurantes, já a partir do horário de almoço , tem-se música ao vivo, tanto regional como internacional – brasileira inclusive.
Em muitas ruas existem afixados aos postes, alto-falantes pelos quais se transmite a programação dos rádios, inundando de música e noticiário a vida da cidade.
Nos bares e restaurantes, e são em grande quantidade, quase sempre tem-se que enfrentar filas e fazer reservas.Isto explica-se pela democratização do acesso do povo à diversão e ao lazer.
Interessante, é citar a afluência da população aos salões dos grandes hotéis internacionais. Vão para assistir a TV à cores, cobiçar as vitrines de produtos estrangeiros , conversar com os turistas e dançar. Após as 10 horas da noite, muito dos restaurantes se transformam em “dancing’s” populares e a rumba come solta. Aliás, um ritmo muito requebrado para o meu gosto.
Passamos o “revellion”em um dos vários salões de festa do Hotel Havana Libre antigo Havana Hilton. O ambiente, cheio de turistas, ainda estava muito contraído quando começaram a lançar as serpentinas. Vinham do lado do bar. Eram os garçons que , incomodados com a falta de entusiasmo dos freqüentadores tentavam animar o recinto. Após servirem a ceia (tutu de feijão, arroz, carne de porco e doce de goiaba) os garçons já de “ponta cabeça”, afetados pelo run, caíram na rumba juntamente com os turistas, numa descontração inconcebível em qualquer sociedade de classes sociais.
A rumba tem seu grande palácio no famoso Cabaret Tropicana, existente desde antes da revolução. Trata-se de u grande ambiente, parcialmente coberto, cheio de palcos que se entrelaçam no meio das mangueiras e plantas tropicais. O show é riquíssimo, com inúmeros participantes: dançarinas, cantores, orquestras e coros. O espetáculo mostra o requebrado louco das rumbeiras, com vestimentas exíguas, lembrando um Sargentelli muito melhorado. Afinal, o Tropicana envolve no total, o trabalho de 1 300 pessoas.
Solicitado a dar opinião, disse um funcionário cubano, que o Tropicana era uma herança que precisava ser enterrada pois atentava contra a dignidade da mulher. Falei o que quis, ouvi o que não quis. Recebi uma aula sobre a música como manifestação cultural de um povo, herança a preservar e não a sepultar. No fim, mais pragmático, confessou que a Revolução já tivera uma fase mais moralista, com tentativa de menor permissividade quanto à bebida e ao sexo, mas que não deu certo por contrariar a índole de u povo de sangue quente. Além de disso, lembrou os 1 300 empregados e os incontroláveis dólares que são gerados para os cofres do país.
Mas, apesar da permissividade social, a prostituição, o o jogo e as drogas foram definitivamente erradicados em Cuba. Os prostíbulos mais próximos à Havana ficam em Miami, Flórida, EUA. Para onde, aliás, existem excursões, duas vezes por semana , organizadas pela Havana-Tur, uma das estatais do turismo .
Relatou-me um amigo cubano, neto do poeta maior de Cuba Nicolás Guillén, que uma das primeiras iniciativas sociais da Revolução foi justamente acabar com a prostituição. As mulheres foram recuperadas socialmente, habilitadas para o trabalho (muitas delas são motoristas de táxi),
E são hoje pessoas produtivas, ocupando algumas delas , cargo importante no estado e no partido , constando de seus currículos, orgulhosas referenciais ao passado e ao esforço para a recuperação da dignidade como pessoa humana.
O cubano, apesar da grande força das organizações femininas, dá a impressão de ser profundamente machista (apoio-me também na opinião da atriz Regina Duarte após sua visita à Cuba) . Conservam toda aquela encenação do galã latino-americano . Piscam e “cantam” as mulheres nas ruas , às vezes até insistentemente. Perguntando certa vez a nossa guia o motivo da superlotação dos ônibus, ela me afiançou que metade dos passageiros viaja por necessidade, o restante viaja para aproveitar o aperto. Perguntei-lhe ainda o que acontecia quando a caçada dava certo, ela respondeu que provavelmente parariam num motel, igual faziam os noivos e os namorados. Só não entendeu quando quis saber quem era o proprietário – “O Estado ora!” Quem poderia ser?


FAUSTO MATOGROSSO