COM TODO O RESPEITO
Dia
desses defrontei-me, nestas paginas, com um artigo de um respeitável
intelectual - pessoa afável - bem sucedido pecuarista. Imagino que
alguns leitores tenham se identificado com o protesto antiesquerdista
que fazia, afinal trata-se do que se pode chamar de “intelectual
orgânico” do pensamento conservador, com todo o respeito.
Tratava
ele, avô zeloso, da “absurda” presença de Olga Benário no
livro de história da sua neta. Mais ainda, recomendava que as
diretoras censurassem a escolha dos livros didáticos. Aparentemente
clamava por mais isenção. Falava também da sua juventude
estudantil quando convivera com jovens que estudavam história e
geografia, por “recomendação do Partidão”, para poderem ocupar
posições estratégicas para doutrinar as mentes. Contra esses se
opusera engajadamente.
Ter
vivido a juventude sem passar pela esquerda foi uma pena. Perdeu uma
grande oportunidade. Na sua geração, poucos os estudantes não o
faziam. Significa que perdeu a generosidade muito cedo. O Partidão,
todos reconhecem, sempre foi uma grande escola de política. Perdeu a
oportunidade de ter estado em boa companhia com Carlos Gomes, Oscar
Niemayer, Oswald de Andrade, Carlos Drumonnd de Andrade, Jorge Amado,
Djanira, Caio Prado Jr, Di Cavalcanti, Ferreira Gullar. Só para
ficar na nossa província, passaram pelo Partidão ou suas cercanias,
Wilson Barbosa Martins, José Fragelli, Manoel de Barros entre
outros.
A
história, sempre se disse, é escrita pelos vencedores. Há aqueles
que, vencedores de batalhas, se julgam vencedores da guerra e
anunciam o fim da historia. Só aceitam a versão momentânea,
transformada em rolo compressor.
A
reclamada neutralidade da ciência e da história só existe para
ingênuos, o que imagino, não deva ser o caso.
Adam
Schaff, diz que a verdade não é encontrada como se busca um peixe
na banca do mercado, mas sim, jogando a rede no mar. Cada um escolhe
o seu mar preferido. Se diz isso da ciência, o que dizer da
história e da política. A “verdade” existe, mas cada um
percebe uma das suas faces, num processo infinito de construção do
conhecimento. Essa percepção é fruto do seu ponto de observação,
ou seja, da sua existência social, do seu interesse.
É
o pluralismo do conhecimento, a liberdade e a democracia que melhor
permitem avançar, contraditoriamente, rumo as últimas conformações
da verdade.
Com
relação ao citado episódio da Olga Benário, felizmente pode-se
hoje, graças às conquistas democráticas, contar-lhe a história.
Aliás, com grande público, que se emociona com o livro e o filme,
ou deveriam, também, ambos serem censurados e proibidos?
Muitos
se calaram quando a Ditadura Militar usou a Educação Moral e Cívica
e criou posteriormente o Estudos dos Problemas Brasileiros com
declarada intenção de domesticar as mentes. Muitos deviam estar
ocupadíssimos com o “Milagre Brasileiro” e nem se deram conta.
Desse
tempo, tentam queimar os arquivos. Felizmente o Brasil hoje mudou e a
história vai poder ser revisitada. Muitos episódios que só tinham
a versão oficial aparecem hoje com mais nitidez. As famílias dos
insepultos um dia poderão deixar de serem compostas de órfãos de
pais vivos, mortos, quem sabe, ou viúvas de marido vivo, mortos,
quem sabe, como tão bem precisou o ex-Deputado Alencar Furtado.
Proibir
ou queimar livros na fogueira, como no passado, é em tudo parecido
com banir episódios reais da história do Brasil.
FAUSTO
MATTO GROSSO
Engenheiro
Civil
Professor
da UFMS
23/12/2004