sexta-feira, 19 de março de 2004

COM TODO O RESPEITO

Dia desses defrontei-me, nestas paginas, com um artigo de um respeitável intelectual - pessoa afável - bem sucedido pecuarista. Imagino que alguns leitores tenham se identificado com o protesto antiesquerdista que fazia, afinal trata-se do que se pode chamar de “intelectual orgânico” do pensamento conservador, com todo o respeito.
Tratava ele, avô zeloso, da “absurda” presença de Olga Benário no livro de história da sua neta. Mais ainda, recomendava que as diretoras censurassem a escolha dos livros didáticos. Aparentemente clamava por mais isenção. Falava também da sua juventude estudantil quando convivera com jovens que estudavam história e geografia, por “recomendação do Partidão”, para poderem ocupar posições estratégicas para doutrinar as mentes. Contra esses se opusera engajadamente.
Ter vivido a juventude sem passar pela esquerda foi uma pena. Perdeu uma grande oportunidade. Na sua geração, poucos os estudantes não o faziam. Significa que perdeu a generosidade muito cedo. O Partidão, todos reconhecem, sempre foi uma grande escola de política. Perdeu a oportunidade de ter estado em boa companhia com Carlos Gomes, Oscar Niemayer, Oswald de Andrade, Carlos Drumonnd de Andrade, Jorge Amado, Djanira, Caio Prado Jr, Di Cavalcanti, Ferreira Gullar. Só para ficar na nossa província, passaram pelo Partidão ou suas cercanias, Wilson Barbosa Martins, José Fragelli, Manoel de Barros entre outros.
A história, sempre se disse, é escrita pelos vencedores. Há aqueles que, vencedores de batalhas, se julgam vencedores da guerra e anunciam o fim da historia. Só aceitam a versão momentânea, transformada em rolo compressor.
A reclamada neutralidade da ciência e da história só existe para ingênuos, o que imagino, não deva ser o caso.
Adam Schaff, diz que a verdade não é encontrada como se busca um peixe na banca do mercado, mas sim, jogando a rede no mar. Cada um escolhe o seu mar preferido. Se diz isso da ciência, o que dizer da história e da política. A “verdade” existe, mas cada um percebe uma das suas faces, num processo infinito de construção do conhecimento. Essa percepção é fruto do seu ponto de observação, ou seja, da sua existência social, do seu interesse.
É o pluralismo do conhecimento, a liberdade e a democracia que melhor permitem avançar, contraditoriamente, rumo as últimas conformações da verdade.
Com relação ao citado episódio da Olga Benário, felizmente pode-se hoje, graças às conquistas democráticas, contar-lhe a história. Aliás, com grande público, que se emociona com o livro e o filme, ou deveriam, também, ambos serem censurados e proibidos?
Muitos se calaram quando a Ditadura Militar usou a Educação Moral e Cívica e criou posteriormente o Estudos dos Problemas Brasileiros com declarada intenção de domesticar as mentes. Muitos deviam estar ocupadíssimos com o “Milagre Brasileiro” e nem se deram conta.
Desse tempo, tentam queimar os arquivos. Felizmente o Brasil hoje mudou e a história vai poder ser revisitada. Muitos episódios que só tinham a versão oficial aparecem hoje com mais nitidez. As famílias dos insepultos um dia poderão deixar de serem compostas de órfãos de pais vivos, mortos, quem sabe, ou viúvas de marido vivo, mortos, quem sabe, como tão bem precisou o ex-Deputado Alencar Furtado.
Proibir ou queimar livros na fogueira, como no passado, é em tudo parecido com banir episódios reais da história do Brasil.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil
Professor da UFMS

23/12/2004

quarta-feira, 17 de março de 2004

ZONA DE PERIGO

Orientam os manuais de gestão estratégica que os governos devem fazer, permanentemente, três balanços: o da condução da política macro-econômica, o da governabilidade e o da resolução de problemas. Essa é missão do Ministro, zen, Luis Gushiken.
Não se pode ter resultados negativos nos três balanços, mas pode-se, com um bom manejo estratégico, salvar pelo menos dois deles em cada momento. Nesta ótica, o Governo Lula está entrando rapidamente na zona do perigo.
É negativo o balanço que se pode fazer hoje da política macro-econômica. Se por um lado consegui-se evitar a explosão dos juros e da taxa de risco, isso não representou nada mais do que resolver problemas de desconfiança do mercado, que Lula e o próprio PT criaram pela suas trajetórias. O pior é que toda a expectativa quanto ao “milagre do crescimento” está sendo criada quanto ao manejo dessas duas variáveis, como se o mercado pudesse resolver, sozinho, o problema da retomada do desenvolvimento.
Não foi enfrentado nenhum gargalo importante da economia nacional. Faltam políticas industrial e tecnológica efetivas. A questão da dívida, de longe o mais desafiador, continuou intocável, fazendo o Brasil corar-se de vergonha diante da Argentina. Os recursos para investimentos e política sociais estão sendo drenados para a roleta financeira internacional e nacional. Aumento do desemprego e taxas negativas de crescimento são os resultados mais visíveis da política Pallocci. Resultado: governo está sendo deficitário nesse balanço.
Quanto à governabilidade, foi conseguida uma base de sustentação congressual apreciável, mesmo que utilizando métodos tradicionais tão criticados pela esquerda.  A votação das reformas que o diga. A adesão do PMDB selou esse sucesso. Pena que a parcela de governabilidade, que poderia vir da Sociedade Civil, foi menosprezada.
Ia tão bem o resultado do centro-avante José Dirceu, que ele foi deslocado para outra posição, para cuidar dos resultados. A governabilidade pode ser passada para o PcdoB tomar conta. Entretanto esse resultado, em função da crise econômica e das denuncias que quebraram a imunidade ética do PT, começa a sofrer desgaste. O “fogo amigo” do PT, e de alguns aliados, complica ainda mais a situação. Apesar disso Governo ainda pode ainda comemorar o resultado do balanço da governabilidade. Não se sabe, entretanto, por quanto tempo e a que preço.
No balanço da solução de problemas, o governo perdeu feio.  Partidarização da administração, quadros sem a qualidade necessária, inexperiência e disputas internas fragilizaram a gestão Lula.
Orçamentos contigenciados, para gerar permanentes superávits, inviabilizaram recursos minimamente necessários para a produção dos resultados. Políticas sociais sem recursos, investimentos em infraestrutura, que não saíram do papel, deram a tônica da frustração do “espetáculo do desenvolvimento”. Aquele que seria o programa símbolo do novo governo, o Fome Zero, foi o  exemplo mais vexaminoso do fracasso do balanço da produção de resultados.
O reforço que veio no segundo tempo, através do Ministro José Dirceu, deslocado para cobrira ala dos incompetentes do “aparelho”, quando chegou, veio fragilizado.
Consultando a tabela, o Governo que precisava pelo menos de 2X1 para continuar jogando, está perdendo por um preocupante 1X2. Entrou na área do perigo de rebaixamento. Preocupantemente, está garantido apenas no tapetão do Congresso. Ainda bem que tem o Sarney. Fora Sarney! Desculpe, Viva Sarney!


FAUSTO MATTO GROSSO Vice-Presidente do PPS/MS 17/03/2004

BRIGA DE RUA DA MICRO POLÍTICA

O pensador e revolucinário italiano Antonio Gramsci classificava a política em micro política – aquela ligada às intrigas, às conspirações palacianas, às disputas de projetos pessoais – e a Grande Política, esta ligada as disputas pelo rumo do Estado, aos embates ideológicos, às disputas pela hegemonia dos grandes projetos coletivos.
A política brasileira tem sido o exemplo, nada dignificante, do que não deve ser a política. Mas não inventaram ainda democracia sem política. Isso é o preocupante.
A conjuntura que vivemos, coloca o Governo Federal e o PT num autêntico inferno astral.
Talvez o PT merecesse o que está acontecendo. O Brasil e a democracia brasileira é que não merecem.
O PT errou muito no passado. Construiu a sua história e a sua via de acesso ao poder político, com o denuncismo, com o discurso fácil, com o quanto pior melhor, com postura absolutamente maniqueista do bem e do mal e com completa falta de compromisso com o pluralismo e com a democracia. Na política eleitoral nunca quiseram, sinceramente, aliados e sim apoiadores.
Apesar disso virou a esperança do povo brasileiro. Essa esperança não pode ser desprezada, deve ser resgatada. Este deve ser o rumo da saída da atual crise política. Não existe saída pelo revanchismo e pela desmoralização da política. A crise deve ter como produto a reorientaçao do governo e um novo PT, isso é importante para o País, para a democracia brasileira e também para a esquerda não petista.
É com esta visão que o PPS, que não participou do fora Sarney nem do fora FHC, não patrocinará o agravamento da crise que poderá levar ao fora Lula.
Mas isso depende, logicamente, de o Governo e de o PT quererem a reorientar a sua política. A governabilidade não pode continuar sendo contruída com base no fisiologismo da distribuição de cargos e de emendas parlamentares mas sim no compartilhamento de um projeto para o País com outras forças comprometidas com as mudanças.
O Governo não se manterá se quiser continuar sendo um “aparelho do PT” avassalado pela visão do financismo e refém das velhas raposas oligarquicas.
No interior do Governo, a discussão sobre os novos rumos padece de falta de criatividade. Essa briga entre adeptos do finacismo contra os desenvolvimentistas, entre Palocci e José Dirceu é reprise da que ocorreu no governo FHC, entre o malanismo e a dupla Sergio Motta-José Serra.
Não haverá uma saída que avançe a política e o desenvolvimento brasileiro sem a constituição de um amplo aliança de centro-esquerda. O PPS, que não abre mão da Grande Política, tem apontado para a necessidade de uma convergência histórica, programática entre o PT e o PSDB. Embora pareça hoje impossível essa é uma hipótese defendida por Roberto Freire que encontra eco dentro de setores responsáveis do PT, a exemplo do Ministro Tarso Genro, que já se manifestou publicamente sobre isso.
Sair dos cerco do fisiológismo e do financismo, compartilhar o projeto nacional com generosidade, construir rapidamente competência para solucionar problemas esta deve ser a saída da crise. Uma democracia sem resultados não se sustenta.

FAUSTO MATTO GROSSO
Vice-Presidente do PPS/

faustomt@terra.com.br