segunda-feira, 2 de agosto de 1999

AS CAUSAS DA NOSSA VITÓRIA

A história política de Mato Grosso (do Sul) nos últimos 35 anos foi a historia do pedrismo. Enquanto a anti-pedrismo tradicional produziu ao longo do tempo diferentes líderes - Fragelli, Canale, Marcelo Miranda, Wilson Martins, Ramez Tebet e Lúdio Coelho - o elemento permanente, nesse período, foi Pedro Pedrossian.
Compreender a história política de Mato Grosso do Sul demanda decifrar as razões dessa liderança e o seu significado como expressão de hegemonia, tarefa que está longe de estar realizada.
Eleito Governador pela primeira vez em 1965, pelo PSD, representou uma candidatura de oposição ao regime ditatorial em implantação. Foi a memorável campanha do “tostão contra o milhão” na qual derrotou Lúdio Coelho da UDN. Candidato anti-oligárquico recebeu o apoio das forças democráticas e da esquerda, que acabaram sendo vitimadas pelas prisões que antecederam o pleito.
Foram seus companheiros de vitória os governadores Negrão de Lima (GB) e Israel Pinheiro (MG). Essa derrota inesperada do regime foi apontada, à época, como um dos motivos da extinção dos antigos partidos.
Toma posse chantageado pela ditadura em função de denúncias a respeito da sua administração da antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Protegido por Filinto Muller, salva-se e adere ao regime militar.
Pedrossian foi o intrumento, em Mato Grosso (do Sul), do projeto de modernização conservadora realizado a partir de 64. Paradoxalmente, cumpriu um papel que a oligarquia sul-matogrossense pensava estar reservado para sí. Por isso talvez nunca tenha sido perdoado completamente.
Realizando grandes investimentos - transportes, energia, comunicações, universidades - sua primeira administração cristalizou em Pedrossian a marca de “tocador de obras”, de governante realizador, embora autoritário e de conduta ética questionável.
Sendo a expressão política do bloco hegemônico constituído pelos beneficiários mais diretos do “milagre brasileiro” e da modernização conservadora – empreiteiras de obras públicos, desbravadores da fronteira agrícola, burguesia comercial, pecuaristas tradicionais – Pedrossian fundou o seu reinado para, até a entrada do século XXI, não sair de cena.
Quando o modelo econômico do regime militar entra em crise o quadro começa a alterar-se. A crise econômica sobreposta à nova dinâmica social produzida pela rápida urbanização, ao crescimento das camadas médias e às dificuldades de financiamento da produção agrícola, foi gerando a base social para uma contra-hegemonia composta pelas forças que se articulam no PMDB e entorno de sua mais expressiva liderança Wilson Martins. Este projeto, inicialmente vinculado à luta pela democratização, cresce e começa a realização no Estado uma alternância (direta ou indiretamente) entre os dois projetos em disputa.
A cada subida de Pedrossian, a política de grandes obras e de grandes dívidas. A serem terminadas, pagas e denunciadas pelo anti-pedrismo “udenista”, impotente e incapaz de produzir um projeto alternativo ao da modernização conservadora realizada pelo seu antecessor. Cabia a este último apenas a denúncia ética, a sina de pagar as contas e terminar-lhe as obras, ou seja, realizar o projeto de seu antecessor.
Nessa medida, pedrismo e anti-pedrismo tradicional não passavam de duas faces da mesma moeda. Um não existiria sem o outro.
O último governo de Wilson Martins construiu a base para a ruptura, por esgotamento, desse processo de alternância. Paralisia administrativa, desestruturação da máquina pública, generalizada falta de vontade política, crise fiscal e a perda completa do que lhe restava, o discurso ético.
Quando se igualaram na questão da moralidade pública, o pedrismo e wilsismo (anti-pedrismo tradiconal) o círculo da disputa oligáquica rompeu-se. Instalou-se a crise de hegemonia. O candidado apoiado pelo governo, Ricardo Bacha, e o próprio Pedrossian foram duramente surpreendidos no primeiro turno pelos bons resultados da Frente Muda MS, liderada pelo governador Zeca do PT e construídos por uma persistente política de acumulação de força eleitoral.
Dadas as disputas históricas, não restou a Pedrossian outra alternativa a não ser o apoio tático, por sinal decisivo, para a eleição do primeiro governo hegemonizado pela esquerda em Mato Grosso do Sul.
A conjugação conjuntural de uma chapa com composição ampla (Zeca com uma boa base popular, inclusive reforçada pela recente disputa municipal, Kohl com a respeitabilidade de bem sucedido empresário rural e urbano e Carmelino a grande figura que deu o tom do discurso ético) com a crise econômica (especialmente na agricultura) e o desemprego, somado ao apoio tático do pedrismo produziram a vitória do Movimento Muda MS.
Fruto do alinhamento de uma séria de fatores favoráveis, nossa vitória não expressa uma real acumulação de forças pelo nosso projeto. Prova disso foi a expressiva vitória, em nosso Estado, de Fernando Henrique e a composição amplamente minoritária das nossas representações parlamentares no Congresso e na Assembléia Legislativa.
Se de um lado soubemos, com ousadia, aproveitar a crise de hegemonia das forças políticas tradicionais, encontramo-nos hoje diante do desafio de consolidar um novo bloco político hegemônico.
Para isso precisamos um projeto claro, transformador, capaz de representar aspirações amplas da sociedade sul-mato-grossense. Com as responsabilidades e as possibilidades do Governo, começar a dar-lhe vida, produzindo resultados e consagrando marcas que embasem o reconhecimento e a cumplicidade dos atores sociais e políticos que tenham a ver com o nosso projeto e que possam dar-lhe sustentabilidade.
Construir uma nova política para embasar um novo projeto hegemônico duradouro é o desafio que se coloca hoje para as forças do Movimento Muda MS.

FAUSTO MATTO GROSSO
Secretário de Planejamento e de Ciência e Tecnologia
Membro dos Diretórios Nacional e Regional do PPS

Artigo produzido para seminário da Fundação Perseu Abramo em 02/08/99 23:01:58

segunda-feira, 28 de junho de 1999

O PRESIDENTE ESTÁ CHEIO DE PASSADO E REPLETO DE FUTURO”
Liebniz
Conheci Marisa Bittar ainda como uma jovem estudante de História. Fazia parte de um grupo de militantes estudantis que, a seu modo, “fazia” história. Nas lutas democráticas da década de 70, imprimiam a marca de sua juventude, de seu inconformismo, de seus sonhos nos fatos políticos de Mato Grosso (do Sul) e de Campo Grande. Entre eles, ela se destacava. Coerente, rigorosa já sinalizava o seu futuro intelectual.
Hoje, grande parte desse grupo, constitui a nova intelectualidade de Mato Grosso do Sul.
Para mim e para tantos outros de uma geração acima da daqueles jovens, mas que com ela conviveu e compartilhou sonhos generosos, é um orgulho. E também uma sensação de segurança. Invertendo a lógica: é poder chamar o jovem “irmão mais velho” quando a disputa se torna mais acirrada.
Afinal, em História, “...os fatos não se assemelham aos peixes expostos na banca do comerciante. Assemelham-se aos peixes que nadam no oceano imenso e muitas vezes inacessíveis; o que o historiador apanhará depende em parte do acaso, mas sobretudo da região do oceano que tiver escolhido para a sua pesca e da isca da qual se serve. Estes três fatores são, evidentemente, determinados pelo tipo de peixes que se propõe apanhar.”* Uma realidade única, quantas versões, quantas verdades !
E Marisa lança com precisão seu molinete. Desmistifica, apresenta fatos novos, aponta contradições, supre insuficiências. Sempre guiando-se pelo caminho seguro do rigor metodológico, escreve a sua “verdade relativa”, buscando nas fontes primárias, ouvindo protagonistas relevantes, registrando e organizando informações. Dessa forma passamos a ter uma historiografia sul-mato-grossense mais plural.
Nessa pluralidade “Geopolítica e Separatismo” acrescenta muito pela rica contextualização de Mato Grosso do Sul e de Campo Grande na política nacional. O tenentismo, a Revolução de 32, a ditadura Vargas e o Regime Militar, vão exercendo o papel de determinantes exógenos a comporem-se com as dinâmicas locais de ocupação do território e dos coronéis, das crises hegemônicas e dos chefes revolucionários, da ocupação da fronteira agrícola e das lideranças representativas dos novos grupos sociais, do poder ditatorial delegado e da resistência democrática. Assim foi sendo construído Mato Grosso do Sul e sua vibrante capital.
Nesse momento, quando o Estado e Campo Grande, crescentemente dedicam-se a delinear planos de futuro, nada melhor do que um mergulho no passado. Este livro é socialmente necessário. Não para buscar condicionantes, mas para ver como essa gente multicultural soube sempre enfrentar e superar seus desafios.
“Esta terra ainda vai cumprir seu ideal”. A autora, na conclusão, não esconde o seu saber afetivo de sujeito. Fez, faz, escreve sobre e, mesmo à distância, quer continuar fazendo história”.
No seu centenário, este livro pode ser considerado um belo presente para Campo Grande .

FAUSTO MATTO GROSSO
Professor da UFMS,
Secretário de Planejamento e de Ciência e Tecnologia do

Governo Popular de Mato Grosso do Sul