quinta-feira, 16 de julho de 1998

UNIVERSIDADE: GREVE E ENSINAMENTOS

Terminada a longa greve das Universidades Federais é hora do balanço.
As vantagens econômicas obtidas foram pífias. O sistema de gratificações diferenciadas aprovado para os docentes nem de perto atende a enorme defasagem salarial existente. Continuará o descontentamento dos professores e técnicos, a Universidade continuará perdendo quadros, continuarão faltando recursos essenciais para custeio e investimento, continuará a falta de professores.
O prejuízos coletivos não foram pequenos. O tempo perdido não se recupera mais. O processo de minimização dos efeitos da paralisação serão penosos para todos - alunos, professores e técnicos.
Valeu a pena ?
Greve boa é aquela que produz resultados antes de começar. Entretanto, não havia alternativa. A Universidade foi empurrada para essa greve pela política do Governo. Seguindo orientações claras e explícitas dos centros mundiais de poder, entre eles o Banco Mundial, o MEC quer livrar-se dos encargos de manutenção do sistema universitário público.
Neste caso, socorrendo-me no poeta, não há dúvida, valeu a pena pois a causa não é pequena. O resultado foi imenso. A Universidade não se dobrou de joelhos.
Entretanto isso só não basta. O mais importante está por vir no segundo tempo.
Trazida a questão universitária à opinião pública, o Governo tentará, a seguir, impor a sua Reforma, goela abaixo. Nesse caso não basta apenas coragem e firmeza para enfrentá-la, é preciso iniciativa e audácia para contrapor-se com propostas concretas. Não basta jogar na defesa. Time que não faz gol, leva.
E isso nos tem faltado. Há que se ter um projeto transformador para as Universidades, fruto da criação da inteligência e não apenas da estreiteza corporativista. Um projeto que deverá enfrentar o desafio da autonomia, da avaliação, do financiamento, tal como essa questões se colocam hoje no final do século. Que seja plasmado no compromisso em transformar a Universidade em instrumento de desenvolvimento e de enfrentamento dos problemas nacionais. Que seja abrangente, trate o ensino superior de maneira sistêmica, integrando-o com os demais níveis de ensino, bem como, considere a existência real do sistema privado.
Há que se enfrentar o problema do acesso e acabar com a excrescência do vestibular. Efetivar a modernização e flexibilização dos currículos. Clarear a estrutura da carreira universitária, neste caso enfrentando as distorções existentes, entre elas a do igualitarismo corporativista. Não ter medo da meritocracia.
Esse projeto deve ser fruto de amplo e bem informado debate interno e ser arejado pela participação da sociedade, a quem sobretudo interessa a sobrevivência da Universidade Pública. Deve estar pronto para o próximo governo, seja ele qual for.
Se a Universidade aprendeu com a greve, deve estar sabendo que o próximo dever de casa é pensar a sí própria, senão outros pensarão por ela.


FAUSTO MATTO GROSSO, engenheiro civil e professor da UFMS, Presidente do PPS/MS -16/07/98

quinta-feira, 9 de julho de 1998

LEGISLATIVOS INDEPENDENTES

Durante o último mês, um dos assuntos que compareceu com maior freqüência aos jornais, foi o das eleições das mesas diretoras dos legislativos. Desde a eleição de ACM para a Presidência do Senado, até a da câmara do município mais distante, essas disputas foram marcadas pela interferência dos executivos. De maneira explícita ou velada, essa foi a regra geral.
ACM cobra de FHC o “apoio dado a todas as iniciativas do Governo”, ou seja, quer agora receber o “serviço” já prestado. Na mesa da Assembléia Legislativa de Grosso do Sul, publicamente, conforme noticiado pelos jornais, o Governador fez indicações e opinou. Em Campo Grande o prefeito que saiu e o que entrou também meteram a colher na sucessão da Câmara.
Certas práticas políticas, de tão rotineiras, acabam adquirindo status de coisa normal. Perde-se inclusive o pudor de admiti-las publicamente. É o que se dá com essa vergonhosa interferência, consentida, nos Legislativos.
Essa relação indevida, aviltadora e despudorada sinaliza que tipo de independência o Legislativo vai ter em relação ao Executivo e também que tipo de papel os legisladores pensam para sí no processo político. É dessa maneira que convivemos com um Congresso Nacional avassalado por medidas provisórias, emitidas em rítmo superior ao que a ditadura usava para emitir os decretos-leis. É o toma lá reeleição, dá cá concessões de rádio ou emendinhas paroquiais no orçamento da União.
É assim que o legislativo se transforma em poder de segunda classe e perde o respeito da cidadania. E de roldão, desmoraliza a política e os políticos. Fato muito grave para quem acredita na democracia e sabe que não se faz democracia sem política e sem políticos.
Aos novos vereadores que assumem, cabe lutar para reverter esse quadro. Vereador não pode ser despachante de luxo, aliás muito caro, de interesses particularistas, como tem acontecido.
Há que se disputar com o executivo a definição das macro-prioridades, através da elaboração dos orçamentos, inclusive procurando abri-la à participação da cidadania.
Há, também, que se afirmar a dimensão fiscalizadora das câmaras municipais. A exemplo do que existe hoje no nível federal com o Sistema Integrado de Adiminstração Financeira (SIAFI), a informática permite controlar, detalhadamente a execução orçamentária. Sem contrôle, os prefeitos costumam correr solto, executando, na verdade o orçamento que lhes interessa, dadas as largas margens de alteração concedidas na lei orçamentária e a certeza da aprovação dos ajustes, garantida pelas maiorias dóceis que possuem.
Essas posturas, fortalecedoras dos legislativos e capazes de resgatar a credibilidade dos políticos na base municipal, é o se espera de todos os vereadores que assumiram em 1º de janeiro, é o que se exige dos vereadores que a esquerda elegeu.

FAUSTO MATTO GROSSO

Presidente Regional do PPS

FILAS E EDUCAÇÃO

Conversava na semana passada com um antigo professor, trocando saudosas reminiscências a respeito do velho Colégio Estadual Campograndense, hoje Escola Maria Constança de Barros Machado.
Nos anos 60, época de ouro da nossa velha escola, ela era o única da rede estadual de 2o. grau em Campo Grande, tanto que era simplesmente conhecida como “Colégio Estadual”. Com suas 8 salas de aula, seus laboratórios, parecia-nos enorme para a época. Seu anfiteatro possuia uma área talvez maior do que o total das salas de aulas e era um dos mais importante da cidade. Seu pátio coberto abrigava toda sorte de atividades associativas. A arquitetura, com o seu arrojo e funcionalidade, inegavelmente sinalizava a visão progressista do respeitado arquiteto comunista Oscar Niemeyer.
Neste aspecto só havia um senão. Projetada para Corumbá, o projeto teve uma segunda implantação, não autorizada, em Campo Grande. Sem as adaptações à novo orientação do terreno, todo a genialidade do estudo de sombreamento e ventilação foi por água abaixo e funcionou ao contrário. Muitos anos depois fiquei sabendo que o velho arquiteto bufara de raiva ao ver a documentação fotográfica que lhe enviara.
Mas tudo isso é detalhe. O que de fundamental havia naquela época era o respeito e a valorização da escola pública. Seus professores tinham prestígio, reconhecimento social e, imagino, salários condizentes e garantidores de uma carreira estável. Em uma época em que a pequena extensão dessa rede de ensino representava a baixa escolaridade da população, as vagas da escola pública eram, no geral preenchidas e disputadas pelos filhos das camadas médias e das elites econômicas da sociedade. O poder, a decisão política eram então competentes para garantir a boa qualidade do ensino público, pois alí estavam os filhos das camadas sociais que lhes sustentavam.
Com a necessária expansão da escolaridade geral da população, a rede pública teve que expandir-se para abrigar a todos, nesse processo de democratização perdendo a qualidade. Com as camadas médias buscando a escola privada, o poder e a decisão política voltaram a ser incompetentes para garantir a qualidade do ensino público da escola das classes subalternas.
Para as camadas médias, beneficiária, durante um certo período, do processo de desenvolvimento excludente, isso não lhe dizia respeito. Ela tinha dinheiro para comprar o ensino privado, a saúde privada dos planos de saúde e a segurança privada dos guardas de quarteirão ou de portão. Aliás, embora nos doa, muitas vezes fazíamos isso com o dinheiro público proveniente da renúncia fiscal do imposto de renda sobre as despesas com o ensino e a saúde privados.
As filas mostradas pelas televisões durante as últimas semanas, quando se processam as matrículas escolares, estão mostrando que esse quadro está mudando nos últimos tempos. A política de restrição ao crescimento econômico, as dificuldades no mercado de trabalho, alargamento do processo de exclusão social, tem feito as camadas médias buscarem novamente a escola pública.
Formadora de opinião como é, quem sabe agora, pelo sofrimento na própria pele, as camadas médias voltem a fortalecer a exigência de ensino público universal, de qualidade.

FAUSTO MATTO GROSSO

Presidente Regional do PPS

TELEMS E REELEIÇÃO

Deu no jornal: “ o PMDB quer indicar o futuro presidente (da Telems) como reconhecimento pela fidelidade ao projeto de reeleição. Atual presidente tem apoio da Telebrás e do Ministro das Comunicações que aprovam sua atuação e querem mantê-lo no cargo”.
Este episódio, relatado pela imprensa, é paradigmático da ética toma-lá-dá-cá do bloco dominante da política brasileira e sul-mato-grossense.
Transformadas em moeda de troca, as estatais e os órgãos públicos são amesquinhados em suas funções e depois disso ainda são denunciadas como ineficientes por esses mesmos políticos.
De tão acostumados com tais práticas, esses políticos não tem nem rubor nas faces ao reconhecerem publicamente as trocas de seus votos por nomeações ou verbas para o seu eleitoralismo regional. Os jornais nacionais estamparam, durante a semana, à exaustão, diversos casos de troca de votos pró-reeleição, inclusive o da bancada mato-grossense que, no maior descaramento, afirma já ter fechado o acordo.
O atual esforço do Presidente Fernando Henrique pela reeleição tem levado ao desnudamento ético de certa parcela do tucanato e de sua base de sustentação. Para uns é o “fins justificam os meios” tornando contraditório o discurso ético usado pelos tucanos para sairem do PMDB. Para outros é “dando que se recebe” dos fisiologistas de sempre.
Situações como essa é que trazem grande insegurança para a proposta de reeleição. Se os governantes, para conseguirem aprovar a emenda da reeleição usam, sem o mínimo escrúpulo, a máquina pública, o que não serão capazes de fazer quando o processo eleitoral estiver em curso.
Por isso sendo aprovada a reeleição mais do que nunca a reforma do Estado, tão necessária e tão pregada pelo Governo Federal, terá que incluir uma radical profissionalização no serviço público e nas estatais. Profissionais de carreira, com experiência e tradição nas esferas técnicas e administrativas deveriam ser os únicos a ter acessos a cargos diretivos superiores de natureza técnica ou administrativa como é o exemplo da diretoria da Telems
Mesmo ao nível da administração direta, deveriam ser diminuídos, ao mínimo, os chamados “cargos de confiança”. Um burocracia independente, estável, profissionalizada e competente e, para evitar desvios corporativistas, uma administração sujeita a instrumentos de controle social, pela cidadania..
Esse tipo de reforma daria muito maior segurança na decisão sobre o direito a reeleição dos governantes.
Quanto á Telems, o que será que querem dela certos políticos sul-mato-grossenses ? Melhores serviços ? Barateamento das tarifas ? Maior eficiência ? Espero que sim, mas de qualquer forma é bom ficar de olho nos votos desses parlamentares, nas mudanças na diretoria da Telems, e principalmente na aplicação, centavo por centavo, dos 100 milhões de reais que a empresa tem para investir 1997.

FAUSTO MATTO GROSSO

Presidente Regional do PPS

ZERO PARA O PROVÃO

No próximo domingo 45 mil formandos de engenharia, de administração e de direito estarão indo às provas. Segundo o MEC o objetivo desse exame é o de fornecer elementos para a avaliação das Universidades. Após intenso e falacioso trabalho de mídia, este processo, aos olhos da opinião pública, aparenta ser altamente legítimo. Entretanto esta aparência não resiste a uma mínima discussão. Por isso o Governo lançou o “provão” através de mais uma medida provisória, criando uma situação de fato que, pela tradição, nosso Congresso, subserviente, não tem sido capaz de desmanchar.
Hoje, transformada em lei, o “provão” sofre severas críticas nas Universidades. Contra ela se manifestou o Conselho de Reitores, a Associação dos Reitores da Universidade Federais, os Colegiados Superiores das principais universidades brasileiras (como a USP), a UNE e quase toda a opinião universitária.
Antes de mais nada é importante salientar que este governo sabe tudo sobre Universidade. Sabe de todos os nossos pontos fracos. A origem do Presidente e de outros quadros ilustres dos ministérios nos dão esta certeza. A Universidade está devendo à sociedade em questão de transparência e avaliação. O governo sabe disso e usa então tal fato para isolá-la politicamente e golpeá-la com uma avaliação que não avalia nada e tem objetivos escusos.
É impossível avaliar um conjunto de alunos, com uma única prova de três horas. O próprio vestibular, com todas as suas imperfeições, faz isso com pelo menos 4 provas de três horas. Aliás é importante recordar que o Ministro da Educação, no início de sua gestão, apontava que o vestibular deveria ser processual, ou seja, avaliar os alunos no decorrer do segundo grau, como, experimentalmente está fazendo a UnB.
Há hoje uma diversidade muito grande de currículos de cursos que oferecem a mesma habilitação, sendo que a parte do currículo mínimo (que é objeto do provão) é geralmente um sub-conjunto muito menor do que de fato é ensinado nas boas universidades. Avaliar com a mesma prova, todos as Universidades é nivelar por baixo, e o que é pior, em cima de conteúdos fixados há mais de 20 anos, pelo menos.
Segundo a orientação do MEC, tomando o caso a engenharia, a avaliação conterá uma série de “questões abertas, que contemplem situações usuais da Engenharia Civil e permitam a avaliação de problemas e proposição de soluções..” Ora, qualquer engenheiro sabe que um problema real de engenharia não admite solução única e, neste caso, considerando o conjunto de engenheirandos a serem avaliados, cada grupo será avaliado por pessoas e por critérios diferentes, o que inviabilizaria qualquer comparação entre as instituições.
O governo diz que o exame nacional de cursos é apenas um entre outros instrumentos de avaliação que serão usados. Mas cadê os outros ? O MEC só começou a usar este argumento após ser ridicularizado nas suas pretensões de avaliar universidades com prova de seus alunos.
Está claro para as Universidades que alunos e instituições não podem ser avaliados como uma fábrica avalia a qualidade dos parafusos que produz. Quem quer avaliar para conhecer problemas e corrigi-los tem que avaliar os processos e não os produtos finais. As Universidades precisam ser avaliadas na sua produção científica, na adequação dos seus cursos às necessidades da sociedade, nas suas condições materiais de funcionamento (laboratórios, equipamentos, instalações, ) nas condições oferecidas aos seus recursos humanos (salários, incentivos, reconhecimento social, etc). A verdadeira avaliação universitária é um processo extremamente complexo, que nem de longe é atendida pelo exame nacional de cursos.
Enfim, seria possível elencar uma infinidades de críticas técnicas ao provão, como já consta de inúmeros documentos universitários oficiais. Entretanto, mais importante é identificar os verdadeiros propósitos políticos dessa medida.
A história recente da Universidade mostra que desde o tempo em que o PFL era dono absoluto do Ministério da Educação (Marco Maciel, Jorge Bornhausen, Hugo Napoleão, etc), passando pelo período Collor (Goldemberg), existe a idéia fixa de diferenciar as instituições universitárias. Algumas continuariam como tais., outras seriam descredenciadas transformando-se em simples escolas do terceiro grau.
Mas o que sempre foi um idéia (repudiada) começa a tornar forma concreta no governo FHC. A superficialidade e a pressa da avaliação que propõe só pode ter uma explicação: documento recente do Banco Mundial sobre a educação superior no Brasil sugere, com todas as letras, que não podemos continuar com todas as instituições universitárias sendo multifuncionais (ensino, pesquisa e extensão - como prevê nossa Constituição) bem como indica a cobrança de anuidades como fonte para a manutenção das universidades.
Isto significa que algumas poucas instituições continuariam universidades e as outras seriam descredenciadas. As primeiras seriam aquelas que já tem produção científica importante. Quem já estivesse bem seria privilegiada com recursos (aquelas dos centros mais desenvolvidos). As da “periferia”, como a nossa UFMS, estariam condenadas a ser simples instituições de ensino, incapacitadas de produzir ciência e tecnologia para o nosso desenvolvimento regional.
Esse governo que “sabe tudo” não consegue olhar nos olhos da Universidade Brasileira quando discute avaliação. Porque a sua mascara, para nós, já caiu.
O “provão”, embora ele negue, é para fazer o “ranking” das Universidades para depois diferenciá-las com recursos e status institucional. Aí, convenhamos, o “ranking” da Playboy é mais interessante.

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro Civil, professor da UFMS

quarta-feira, 8 de julho de 1998

MIKHAIL SERGEIEVITCH GORBATCHOV

“A Teoria Marxista não exclui que, no decorrer da construção da nossa sociedade, seja preciso começar tudo de novo!” – ( Gorbatchov – novembro/89 ).
O ano de 91 encerrou-se com a formalização do fim da URSS e com a renúncia de Mikhail Gorbatchov. Iniciando a Perestróika em abril de 85, esse dirigente comunista tornou-se referência internacional de credibilidade pessoal, arrojo e determinação política que lhe valeram o Nobel da Paz e a admiração generalizada.
A sua postura transparente lhe dava poder de convencimento. O seu estilo direto e franco, simples e contundente, a sua habilidade política feita de sagacidade, paciência e vontade de ouvir, fizeram-no uma figura humana profundamente carismática, um líder que todos desejavam para o seu país.
O Socialismo na URSS, marcado por condições históricas adversas e pelos erros que cometeu, a par dos seu inegável legado inscrito na história do século XX, enfrentava obstáculos imensos para a sua renovação. E ele os enfrentou com determinação, arrojo e coragem.
Derrotado, saiu do poder com a dignidade que sempre o exerceu. É por isso que muitos devem Ter assistido o discurso de renúncia com o coração apertado, com uma sensação de vazio e de frustração com os resultados do esforço renovador de Gorbatchov.
Mas, as condições atuais da crise naquela região, a fragilidade de suas novas lideranças, políticos menores marcados pelo oportunismo populista, não descartam a hipótese de ainda existir um papel reservado ao estadista Gorbatchov.
Entretanto, mesmo que isso não venha a ocorrer, para os comunistas e socialistas do mundo inteiro a experiência protagonizada por Gorbatchov deixa ensinamentos riquíssimos.
Exemplo disso é a “nova mentalidade”. Foi a partir dela que a questão da guerra e da paz foi desideologizada e tratada como questão humana acima das lutas de classes, resultando um mundo mais seguro para todos. Reconhece-se também que na agenda da política cotidiana, outras questões exigem tal tratamento como a ecologia, a liberdade individual, os direitos humanos, a questão feminina e da juventude e tantas outras. Por isso Gorbatchov falava fundo a toda humanidade.
O projeto socialista saiu do apartado histórico e , embora diferenciado, passou a conviver e fazer parte de um projeto humano mais amplo, de onde nunca deveria Ter se afastado pela sua natureza, seus propósitos e sua generosidade.
Encerrada a experiência do socialismo autoritário, com seu acervo de êxitos e derrotas, a sua negação dialética não pode ser outra senão o socialismo democrático. Essa tarefa que Gorbatchov não teve forças para cumprir na URSS, ficou para todos nós comunistas e socialistas do mundo inteiro que teremos a responsabilidade de viabilizar nossa utopia nas novas condições do século XXI. Provar que o socialismo pode conviver com a democracia, que o capitalismo não representa o “fim da história”, pois, o projeto humano é mais generoso. Para ajudar nessa tarefa ficaram os ensinamentos desse grande líder.

FAUSTO MATTO GROSSO

Membro do Diretório Nacional do PCB

segunda-feira, 6 de julho de 1998

MOVIMENTO ESTUDANTIL – ENTREVISTA

(Informativo do CAENG – Centro Acadêmico de Engenharia UFMS – ABRIL/91)
“ Fausto participou do movimento estudantil do Paraná (1967-1971), neste mesmo tempo atuou na Ação Popular (partido clandestino que hegemonizava o M.E ). Foi professor da Universidade Estadual de Mato Grosso (1972-1974) de onde foi demitido por motivos políticos. Anistiado e incorporado à UFMS em 1987, onde assumiu vários cargos. Seguiu também a carreira política como vereador e suplente de Deputado Estadual, mas nunca deixando de participar das diversas diretorias da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Campo Grande . è membro da direção nacional e estadual(MS) do PCB onde milita desde 1972. Devido à sua vivência no M.E naquela época, procuramos, com esta entrevista saber um pouco mais a respeito deste acontecimento e quais são algumas das modificações a serem feitas em sua opinião.”
CAENG – Como foi o Movimento Estudantil (M.E) em 1964, quando surgiu o regime militar?
FAUSTO – O M.E. era uma das forças democráticas da sociedade brasileira. Os estudantes nos diversos níveis, fosse secundaristas ou universitários, desempenhavam um papel importante na resistência à ditadura constituindo-se numa das principais trincheiras da luta pela democratização do país. E isso até mais ou menos o ano de 1968, fosse o auge do movimento. Nessa época, eu já estava na Universidade. Quando foi decretado o AI 5 (Ato Institucional n 5), a ditadura deu uma endurecida maior e o movimento de resistência foi sufocado.
CAENG – Como o SR. Compara o M.E. antes da ditadura militar e o de hoje?
FAUSTO – Um dos problemas centrais foi que a ditadura quebrou a continuidade do M.E . Com isto, houve uma perda na memória das lutas. Na década de 50 e 60, nós vivíamos no país uma democracia. Isto fez crescer a organização da sociedade nos diversos segmentos intelectuais, operários, camponeses e estudantes. Esse nível deconscientização permitiu uma maior mobilização dos diversos setores da sociedade brasileira.
No regime militar, após o AI 5, passou a existir também, o 477, que servia para a repressão sobre as Universidades. Isto provocou uma ruptura daquela experiência histórica que o M.E tinha anteriormente. Então neste período ditatorial os professores das Universidades, citando especificamente a nossa, que tinham sido estudantes na década de 60 quando havia democracia no país, possuíam um nível de politização e de luta muito mais avançados que os estudantes, pois estes, já estavam sendo formados na mentalidade implantada pela ditadura. Por isso, que o movimento de professores nesse tempo foi muito mais ativo e politizado que o dos estudantes. A minha demissão , por exemplo, foi devido a minha participação política dentro da universidade. Coma conquista desta nova Democracia no país a massa estudantil ficou sem uma ligação com a luta do passado e as lideranças muitas vezes, principalmente as que organizaram o M.E, não conseguiram adaptar a política do M.E à nova realidade que o país está vivendo, pois não conseguiram palavras de ordem e formas de luta que mobilizassem os estudantes de hoje. Com a democracia , os problemas políticos são bem menores que a gente tinha no tempo da ditadura onde assumíamos o papel de resistir e agora há para o estudante, muito mais possibilidades de se discutir, pois, está em jogo o destino do país . Por isso, não se pode mais pensar na mentalidade do M.E de trinta anos atrás.
CAENG - Que pontos o M.E tem que ser mudado?
FAUSTO – A questão é complexa e deve ser resolvida pelo próprio movimento, mas eu arrisco alguns palpites. Deve ser conhecida a realidade do estudante e a partir disso ligar o movimento à questões do cotidiano da massa estudantil, levando questões como qualidade de ensino, apoio material ao estudo (bolsas, alojamentos, alimentação), criação de oportunidaes de integração social como o esporte, o lazer, a movimentação cultural. Aliás, a partir de um trabalho cultural bem feito, muito se pode avançar no nível de consciência e participação do estudante.
O M.E deve se abrir para discutir questões novas que interessem à juventude , como ecologia, música, sexualidade e drogas.
A necessária politização e sua ligação a lutas políticas geris da sociedade deve ser conduzida de maneira não excedente, respeitando o nível de consciência e o pluralismo e evitando a todo custo a partidarização e aparelhismos da entidade. Por aí acho que é possível retomar um grande papel para o M.E.
CAENG - Qual a causa da falta de mobilização dos estudantes em participar de um M.E?

FAUSTO – No caso do curso de Engenharia há uma sobrecarga de aula e atividades muito grandes, então ao exigirmos uma certa dedicação dos estudantes eles se julgam com muito pouco tempo para esta participação. Portanto se houvesse um horário mais organizado, o movimento estudantil, tenho impressão, seria muito maior.

DESAFIOS DO SINDICALISMO DOS SERVIDORES PÚBLICOS

(Jornal do Brasil Central – 20/01/91)
País capitalista periférico, o Brasil acaba refletindo sempre tardiamente os grandes processos mundiais. Foi assim com a industrialização, provavelmente será assim com a revolução tecno-científica, está sendo assim com a onda neo-liberal.
Quando o tachterismo e o reaganismo já levaram a Inglaterra e os Estados Unidos à recessão e à perda de influência, surge Collor pregando o “Estado mínimo” e tendo como bandeira a “caça aos marajás”.
O servidor público sendo usado, nos meios de comunicação, como bode expiatório da crise da administração pública acabou sendo colocado no centro de uma intensa luta política. O seu movimento sindical, recém nascido no difícil parto da democracia brasileira, vai precisar de toda a maturidade que a sua curta existência não lhe permitiu acumular.
O desafio é o de não se deixar isolar da opinião pública e dos demais trabalhadores. Nesse sentido não pode o movimento dos servidores simplesmente oferecer resistência passiva à pretendida reforma conservadora do Estado. Tem sim que, articulado com a sociedade civil, contrapor, com sua luta, uma radical reforma democrática do Poder Público. Para isso, tem uma posição privilegiada, pis, detém as informações e conhece as aberrações da máquina pública. Conhece o clientelismo, o nepotismo, o cartorialismo, a ineficiência, a corrupção e a ausência interesseira do Estado em certas áreas.
Para enfrentar essa tarefa os servidores terão que realizar uma grande revolução cultural, transformando-se em verdadeiros servidores do público e não dos governantes de plantão. Deverão também banir as posturas corporativistas que possam contrapor suas lutas aos interesses dos outros trabalhadores. Avançar-se-à assim rumo a uma maior unidade dos trabalhadores, vital para alicerçar mudanças sociais mais profundas que não seja apenas a troca desideologizada do patrão na próxima eleição.
Uma questão pela qual deverá se bater o movimento dos servidores é a da modernização do serviço público e a do aumento de sua eficiência. Vivemos em um mundo em rápidas transformações. A revolução tecno-científica e a contenção forçada dos recursos tornará cada vez mais obsoleta a estrutura tradicional dos já deficientes serviços públicos. Há que se pressionar por investimentos tanto nos recursos materiais como nos recursos humanos públicos. A reciclagem profissional, mais do que privilégio para a ascensão funcional – como alguns encaram - é uma necessidade para que o compromisso com o público tenha a marca da competência e da qualidade crescente. Há que se conquistar mecanismos legais que permitam essa permanente qualificação da força de trabalho pública.
Deve-se conquistar também a máxima profissionalização do servidor público, que alie a sua responsabilidade pessoal a garantias plenas à sua condição de cidadão. São inaceitáveis tanto a pressão política quanto a utilização de cargos proeminentes para projeção política de seus ocupantes. Nesse sentido uma das idéias a ser discutida é a da garantia de preenchimentos dos cargos de direção superior por critérios profissionais – não corporativistas – pelos quadros próprios dos órgãos, inclusive as diretorias das empresas públicas e órgãos de administração indireta.
Há que ser se aceitar e apoiar também a criação de mecanismos de controle social externo sobre o serviço público, como são os diversos tipos de conselhos comunitários e populares. Instrumentos de democracia direta, esses organismos serão garantidores das posturas dos servidores que cumprem adequadamente as suas funções.
A meu ver, paralelamente às lutas por melhores salários, esses são alguns desafios colocados ao movimento dos servidores públicos nesse processo de construção do seu sindicalismo combativo, classista, unitário, pluralista ,democrático e das massas.

FAUSTO MATTO GROSSO

Secretário do PCB/MS

O PCB E O SEGUNDO TURNO

O embate político decisivo que se trava na sociedade brasileira é entre o projeto neo-liberal de Collor e o projeto democrático progressista, de cujo bloco de sustentação deve fazer parte a esquerda.
As eleições de outubro começaram a definir a correlação de forças em torno dessas propostas. Aumentou a representação parlamentar da esquerda mas cresceu em proporção ainda maior a bancada conservadora no Congresso Nacional.
O segundo turno das eleições completará a definição do quadro político do país. È preciso Ter bem presente o peso dos governadores na política nacional, tanto pela importância de alguns estados como pela influência que costumam Ter sobre as respectivas bancadas no Congresso. Tanto mais quando entre os estados em disputa estão São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraná.
Seria portanto, irresponsabilidade da esquerda cruzar os braços, com indiferença, diante de questão tão importante. A neutralidade neste caso, mesmo que mascarada por argumentos puristas, ajuda na verdade o campo conservador. Além disso recomendar voto nulo ou branco reforça esses fenômenos profundamente negativos de alienação e de aversão à política revelados no primeiro turno.
Não é essa a postura do PCB. E não é de hoje. Sempre procuramos identificar a divisão política real que deve ser feita em cada conjuntura. Às vezes até mesmo sob crítica radical e sectária de outros companheiros da esquerda. Entre Maluf e Tancredo no colégio eleitoral, optamos pela transição democrática. Entre Collor e Lula, no segundo turno, nós que achávamos Freire o melhor, junto com os que achavam Covas o melhor, Brizola o melhor, Ulisses o melhor, soubemos identificar no candidato do PT a alternativa acertada ao projeto neo-liberal.
Postura democrática é isso. As regras da democracia devem valer quando nos beneficiam e também quando nos alijam.
Que ganhe Fleury, Collares, Hélio Garcia e Requião. De preferência com a ajuda de toda a esquerda. Democrática.

FAUSTO MATTO GROSSO

Membro do Diretório Nacional do PCB