quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020


NOTÍCIAS FALSAS NA POLÍTICA


  Existe uma parábola judaica muito interessante. Certo dia a mentira convenceu a verdade a se banhar em um rio. Assim que entraram na água, a mentira saiu sorrateiramente e roubou a roupa da verdade. A verdade se recusou a vestir a roupa da mentira e saiu andando nua pelas ruas. Desde então, as pessoas, acham mais fácil aceitar a Mentira vestida com as roupas da Verdade do que aceitar a Verdade nua e crua.
  As fake news na política não são coisas novas. Nero divulgou boatos que os cristãos haviam incendiado Roma. Não suficiente, os acusou de canibalismo, pela falsa interpretação da eucaristia “beber o sangue de Cristo” e “comer o corpo de Cristo”. Também de incesto, pois chamavam uns aos outros de Irmãos. Os cristãos passaram a ser rejeitados e insultados na rua.
  No Brasil, temos casos famosos. Em 30 de setembro de 1937 foi anunciada a descoberta do Plano Cohen, atribuído à Internacional Comunista, de uma revolução judaico-comunista no Brasil contra Getúlio Vargas. Na verdade o plano foi uma farsa, montada por militares brasileiros, coordenados pelo então capitão integralista Olímpio Mourão Filho para garantir a permanência de Vargas no poder e o estabelecimento do Estado Novo.
  Também ficou famosa a derrota, em 1945, do brigadeiro Eduardo Gomes pelo general Eurico Gaspar Dutra após ter sido esparramada a notícia falsa de que o brigadeiro teria dito que não precisava dos votos dos marmiteiros.
  Sem serem novidades, as fake news ganharam maior importância no contexto de crise e ruptura das grandes narrativas históricas, políticas e ideológicas. A revolução tecnológica 4.0, jogou por terra muitas das antigas verdades totalizantes. Passou a valer o individualismo. Cada indivíduo passou a ter uma verdade própria para chamar de sua. Passou a ser assustadora a convicção que as pessoas passaram a ter, diante de questões altamente complexas. A ciência, o melhor critério para a análise dos fatos, passou a ser negada. Passamos a viver no paraíso das narrativas. Os fatos, ora os fatos!
  Voltemos à política. Nas eleições de Trump e Macron, o processo chegou ao auge, com o envolvimento de países estrangeiros na propagação de notícias falsas. Surgiu um novo e próspero ramo de negócios, o de mercenários eletrônicos. 
  Em 2018, Bolsonaro usou e abusou da contratação de “perfis militantes” para influenciar o resultado eleitoral.  Segundo pesquisa relatada na Veja por Sérgio Denicoli, da consultoria AP/Exata, já durante a pré-campanha, explodiu o número de perfis falsos. Desses, 80% era de Bolsonaro e 20% era do PT.  Durante a campanha, algumas notícias falsas falavam que Haddad pretendia estatizar as crianças a partir dos cinco anos e que legalizaria o sexo com as maiores de doze anos. Atribuíam também ao petista a criação do “Kit Gay”. Outras notícias atingiam Jair Bolsonaro, dizendo que ele teria vontade de alterar a padroeira do Brasil e acabar com o tratamento de câncer devido ao alto custo. Mentiras como essas, levavam a opinião pública à radicalização e, ao final, favoreceram a Bolsonaro.
  Em 2018, após as eleições, foi criada uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre as Fake News, e proposto um projeto de lei no Senado, para regular a matéria, aditando artigos na Lei do Marco Civil da Internet. Esse assunto continua na ordem do dia.
  A nota técnica da assessoria legislativa convocada para esse assunto aponta alguns problemas para uma nova regulamentação. Primeiramente, a proposta pode ser questionada diante dos princípios constitucionais relacionados às liberdades de informação e comunicação. Mas também salienta que a legislação eleitoral já estabelece medidas que genericamente podem combater fake news, como direito de resposta e retirada de conteúdo da internet. Em síntese, o assunto é complexo e controvertido.
  Só espero que, como no romance “1984” de George Orwell, tudo não acabe sendo delegado ao gerenciamento de um “Ministério da Verdade”.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro e professor aposentado da UFMS

sábado, 15 de fevereiro de 2020


BOLSONARO 2020


  Está começando agora, o governo Bolsonaro. O ano de 2019 foi dedicado ao dever de casa deixado por Michel Temer. As medidas de maior impacto foram preparadas pelo governo anterior.
  A reforma da Previdência, por exemplo, só não foi concluída por Temer, devido ao escândalo da JBS. A cessão onerosa para exploração dos campos de petróleo já tinha sido preparada por inúmeras mudanças legislativas feitas em 2018. Temer também deixou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) que começou a ser implementado por Bolsonaro.
  Com essas medidas, o déficit primário da União, previsto em R$ 139 bilhões, caiu para cerca de R$ 80 bilhões e as finanças de estados e municípios receberam algum fôlego a mais. Guedes tem muito a agradecer a Meirelles. Agora, acabou a moleza.
  A conjuntura em 2020 será balizada pelo calendário eleitoral. O tempo político será muito curto. Maio é considerado o limite para iniciativas legislativas do governo. Depois disso, estarão acirrados os ânimos no Congresso, especialmente quanto a projetos que afetem direitos econômicos e os relativos a privatizações.
  Os resultados na economia também terão serão variáveis políticas. O crescimento previsto de 2,31% (Relatório Focus), para grande parte dos analistas tem fundamentos sólidos, mas quaisquer frustrações no caminho, inclusive pela crise mundial, poderão enfraquecer gravemente Bolsonaro.
  Outra questão chave é a relação do ministro Moro com o governo. Grande parte dos analistas aposta que falta pouco para o presidenciável deixar o governo. Considera que o ministro pressionará para ir para a primeira vaga no Supremo, ou romperá com Bolsonaro, complicando o quadro eleitoral de 2022.
  Quanto à governabilidade, Bolsonaro se comportou em 2019 como um primeiro-ministro sem maioria no Congresso. Governaram, de fato, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, ambos do DEM, em linha direta com o ministro Paulo Guedes.
  Alguns números demonstram isso. Segundo pesquisa Barômetro do Poder (janeiro), realizada junto a 14 especialistas, a correlação de forças no Congresso não é boa para o Governo. De um total de 513 deputados, apenas 89 (diminuindo) são alinhados com o governo, 268 são incertos (crescendo) e 156 são de oposição. Entre os 81 senadores, 16 são alinhados com o governo, 43 são incertos e 22 são de oposição. Os incertos são os comandados por Maia e Alcolumbre.
  O governo Bolsonaro concilia diversas tendências em luta interna entre si. Uma das mais importantes é a dos militares. A relação com esses tem sofrido alterações ao longo do mandato. Inicialmente foi um grupo muito influente, mas acabou sendo enfraquecido quando o capitão começou a temer a desenvoltura do vice-presidente Mourão, e precisou mostrar quem mandava.
  O recente restabelecimento da força dos militares com a indicação do novo ministro, general Luiz Eduardo Ramos para a Casa Civil, representou o que o próprio presidente chamou de militarização do governo. Não que isso sugira uma eventual ruptura da ordem democrática. Mas seguramente representa um fortalecimento do viés autoritário do governo. Militar está acostumado a decidir de cima para baixo, o que deverá problematizar ainda mais a relação do governo com a Sociedade Civil. Conseguirá o capitão dar ordem unida a quatro generais?
  Neste começo do governo, em 2020, o Presidente precisará decidir sobre as prioridades das inúmeras reformas que estão na ordem do dia. O Presidente da Câmara já avisou que Bolsonaro pode mandar os projetos, mas terá de se envolver pessoalmente, ou seja, terá que se “sujar” com a política.
  Declarações recentes indicam que a prioridade será a Reforma Administrativa, mas esta já chegará enfraquecida pelas as declarações do ministro Guedes sobre os servidores públicos, a quem chamou de parasitas. Isso inviabilizou seu papel de articulador. Recuando, por preocupações eleitorais, Bolsonaro garantiu que só os futuros funcionários serão atingidos.
  Esse episódio de Guedes, que no seu dizer motivaram uma crítica até da sua própria mãe, mostra o despreparo do governo. Afinal, a arte de governo é de natureza tecnopolítica e o governo articula muito mal essas duas variáveis.

FAUSTO MATTO GROSSO,
Engenheiro civil, professor aposentado da UFMS


sábado, 1 de fevereiro de 2020


HISTÓRIAS DO QUEM SABE E DO TALVEZ
  Vivemos um tempo fantástico.     É o tempo da engenharia da manipulação genética, que constrói novas vidas; da engenharia cyborg, que fabrica artefatos para serem acoplados ao corpo humano; e também da engenharia da vida inorgânica que transfere nossos pensamentos e sentimentos para artefatos inorgânicos inteligentes, o que poderá levar o homem à eternidade.
   A propósito vou contar algumas histórias inocentes. Não se tratam de previsões, sim de possibilidades, coisas do quem sabe e do talvez.
  Primeira história. Dois amigos de faculdade se divertiam muito com jogos eletrônicos. Passaram-se os anos, e um deles apareceu no aniversário do outro, este já casado e com filhos. Levou-lhe de presente, o último lançamento de games de lutas virtuais, onde os jogadores sentiam estar vivendo dentro da história. Os adversários nos games eram uma heroína loira e um lutador oriental. Depois de algum tempo, “rolou um clima” entre os lutadores, que descobriram que era melhor fazer amor do que fazer a guerra. Viciaram-se nesse prazer. Surgiu então a crise de identidade sexual, entre dois amigos reais. O presenteado perdeu a esposa e filhos e viveu o resto da vida viciado no jogo sexual com o amigo.
  Segunda história. Buscar a alma gêmea sempre foi um desafio para as pessoas. Surgiu então uma maneira para resolver esse problema. As pessoas se matriculavam em um “programa”, e passavam a viver dentro de um imenso parque com moradias isoladas. O “Sistema” montava um sequencia de encontros românticos entre os participantes. Através de monitoramento eram medidas todas as emoções dos pares. Programados todos os rodízios, a inteligência artificial ia armazenando informações, até que todos os pares fossem mapeados em algoritmos. Grave problema acontece quando um par já se sentiu contemplado com a primeira relação e não consegue fugir do jogo maluco.
  Terceira história. O diagnóstico médico apresenta dificuldades quando o doente não consegue transmitir, exatamente, suas sensações. Um grande especialista conseguiu então ser escolhido para um implante que captava todas as sensações reais dos doentes. Passou a ser um sucesso que lhe rendeu muito prestígio e dinheiro. Com o passar do tempo, o médico viciou-se em sentir as dores dos pacientes. Tornou-se então um torturador e assassino cruel para alimentar o seu vício.
  Quarta história. Ele era um adolescente normal que foi filmado pela câmara do seu computador quando se comprometia diante de um site pornô. Passou então a ser chantageado, por ameaças anônimas, de divulgação da cena. O adolescente começou, então, a seguir ordens, formando uma quadrilha, juntos com várias pessoas que também se encontravam em situações idênticas. Foi orientado então, para que assaltasse um banco, durante o qual foi preso pela polícia. Afinal de contas se sentiu aliviado, pois foi protegido da sua vergonha.
  Quinta história. É cada vez maior o numero de curtidas – likes - feitas pelas pessoas. Surgiu então um software que facilitava esse mister. As pessoas começaram a passar, o tempo todo, pontuando o seu julgamento sobre outras pessoas. O “Sistema” acumulava o score de cada uma das pessoas que passaram, então, a serem julgadas e tinham seus direitos e deveres condicionados pela sua pontuação. Surgiu assim uma nova divisão da sociedade em castas de likes.
  Estas pequenas histórias de ficção exploram um futuro próximo, onde a natureza humana e a tecnologia podem entrar em perigosos conflitos. O inevitável avanço da tecnologia pode ser acompanhado de uma série de efeitos colaterais para uma sociedade, cada vez mais, dependente dos “espelhos negros” das telas das televisões, computadores, tabletes e smartphones.
  As historietas aqui contadas inspiram-se na série Black Mirow. O título do artigo usa palavras do discurso do ex-deputado Alencar Furtado, a respeito de viúvas e órfãos dos desaparecidos políticos, durante o Governo Geisel, que lhe valeu a cassação do mandato.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro civil e professor aposentado da UFMS