sábado, 13 de abril de 1991

MUDANÇAS QUALITATIVAS PROCESSUAIS DO PCB

(Voz da Unidade para Tribuna de Debates do 9 Congresso – 13/04/91)
As teses do IX Congresso propõem grandes mudanças em nossa política mas é imprescindível respeitar o caráter processual e histórico da nossa elaboração. Metodológicamente, não devemos repetir o 7 Congresso, quando toda a concepção gramsciana entrou na nossa resolução, por contrabando, sub-repticiamente, de maneira golpista, aproveitando-se do baixo nível da nossa discussão teórica, sem que houvesse uma consciência mínima das implicações dessa formulação por parte do coletivo partidário. Inegavelmente, isso avançou a nossa formulação, mas a nossa consciência coletiva, sinalizadora de nossa prática, não absorveu o avanço teórico. Daí grande parte de nossas vacilações na prática política.
Fora de duvida, precisamos de mudanças qualitativas na nossa política e na nossa organização, mas em vez de uma ruptura única, pontual, é mais adequada uma seqüência de rupturas parciais a serem sinalizadas pelo Congresso e mediatizadas pela prática coletiva e pedagógica do conjunto partidário. Este também deve ser o nosso antídoto ao aventureirismo teórico daqueles a quem o velho camarada Giocondo certamente chamaria de “ novidadeiros”. Esse enfoque deve orientar principalmente o tratamento daquelas questões profundamente polêmicas, porque arraigadas na nossa cultura, como é o caso do nome e dos símbolos.
A esse respeito devemos lembrar o exemplo do Partido Comunista Italiano, que tratou tais questões com o maior cuidado, mesmo assim não conseguindo evitar o surgimento de graves fraturas. Devemos perceber também que o anticomunismo nos persegue não pelos nossos nomes e símbolos e sim pelo nosso objetivo comunista.
A discussão tem sido rica também a respeito do caráter laico do Partido. Compartilho da idéia da laicização. Aliás acho que nessa questão devemos radicalizar um pouco mais, pois, a nossa prática já confirma a validade dessa idéia. Um partido é, fundamentalmente, seus objetivos estratégicos e seu programa. Nosso instrumental teórico tem que ser o mais avançado de nosso tempo, onde naturalmente se encaixa marxismo, mas não de forma excludente de outras formulações progressistas contemporâneas. Porém, para tranqüilizar a todos nós nesse salto, é necessário definir com mais exatidão e amplitude os nossos objetivos estratégicos, a nossa utopia. Nesse sentido, entre outras coisas, tem que ser resgatado com radicalidade o velho Marx quando afirmava o comunismo como o “reino da liberdade”.
Em um tempo onde as condições da vida material e a complexidade da sociedade humana, cada vez abre mais espaço à busca da individualidade, o igualitarismo (oportunista ou ingenuamente trabalhado entre as camadas marginalizadas) hoje nos afasta das massas (principalmente das camadas médias, das elites assalariadas e , no futuro, de novo trabalhador controlador de máquinas). O comunismo não é para igualar as pessoas e sim para que elas se desigualem, libertando as suas potencialidades individuais, que no capitalismo são limitadas pela divisão em classes. Isto tem que ser dito com clareza e pode ser elemento subjetivo de grande atração.
Na elaboração do nosso programa, devemos enfrentar melhor o caráter profundamente desigual do capitalismo. Toda nossa reflexão atualmente está baseada em projeções futuristas do capitalismo e do seu setor mais avançado (considerações sem dúvida da maior importância em se tratando de definições estratégicas), mas “baixando a bola” para a atualidade e para o futuro concreto da nossa contraditória e desigual formação social, o problema torna-se muito mais complexo do que nossas teses conseguiram abordar.
È provável que a Revolução Cientifico-Tecnológica conviva no Brasil como ilhas de desenvolvimento em um mar de atraso e subdesenvolvimento (as teses continuam chamando o Brasil, a meu ver impropriamente, de país em desenvolvimento – ver a esse respeito as exaustivas análises de Baran e Sweezy). Lênin, à sua época, teve de considerar os interesses atrasados da massa camponesa. A aliança operário-camponesa foi o equacionamento necessário para avançar a revolução e colocar os Bolcheviques na liderança do processo político.
Na realidade brasileira também se coloca com gravidade o problema do setor atrasado.
Neste caso não basta ter o “baú das idéias” avançadas (como diria Werneck Viana). É preciso que elas tornem-se força material através da luta de massas. Em nosso programa, temos portanto que considerar como tratar a esfera do interesse tanto do setor mais avançado como do mais atrasado. Enfrentar essa contradição teórica e prática é nosso desafio, a menos que não sejam mais as massas populares que façam a história.
Devemos considerar, também, a natureza processual da afirmação da “nova mentalidade”, sob pena de desarmarmos ideologicamente o partido.
Não podemos raciocinar politicamente como se ela já fosse uma realidade universalmente aceita e praticada, como se já não existisse o imperialismo. Aí estão tanto a irresponsabilidade do Iraque como a recente demonstração imperial dos EUA.
É inegável também o esgotamento da política de frente democrática. Partindo da grave situação conjuntural, que exige um pacto produtivo para a superação da crise, devemos afinar um programa comum para a frente progressista (não frente de esquerda) na qual devemos nos articular. Essa articulação, que deverá envolver parceiros do centro democrático até a esquerda, na correlação de forças atual terá, provavelmente hegemonia social democrata (PSDB, esquerda do PMDB, setores modernos do PDT e do PT, PSB) . Nessa conjugação, entretanto, devemos firmar a nossa identidade e desenvolver uma parceria conflitiva que ajude a avançar o eixo dessa aliança ao mesmo tempo em que possa nos credenciar como alternativa hegemônica durante o processo de amadurecimento dessa política.
Devemos enfrentar também com muita sabedoria as nossas dificuldades eleitorais. Candidaturas únicas ou de concentração já cumpriram (e mal) a sua função. Há que se ter uma política eleitoral nova, mais de médio e longo prazos, que nos torne pólo de atração para lideranças e quadros eleitorais competitivos. Para um partido que adota a via democrática, é inaceitável a nossa atual fraqueza eleitoral.
No plano organizativo, as teses avançaram ao admitir critérios mais flexíveis para a formação de núcleos, mas devemos radicalizar ainda mais essa abertura, admitindo a nucleação por qualquer tipo de afinidade do grupo, de maneira a recolher a crescente complexidade das novas agregações societárias. Talvez devamos até estudar a possibilidade de filiação de sujeitos sociais coletivos que se afinem com a nossa política e se disponham a uma ação unitária.
Ainda nesse plano, devemos ter cuidado com a abertura proposta de se admitir a fixação de políticas setoriais a partir das frentes específicas. A política geral deve informar as decisões particulares mas nosso novo estatuto não prevê mecanismos adequados e politicamente viáveis para providenciar essa compatibilização.
O IX Congresso enfim está sendo um momento de grande desafio para o Partido. Esperamos que ele tenha resultados bem concretos, positivos e capazes de inserir o PCB no palco da luta política e de reavivar a generosidade humanista de nossa utopia.

FAUSTO MATTO GROSSO
Secretário do PCB/MS

Membro do Diretório Nacional

segunda-feira, 1 de abril de 1991

SUCESSÃO NA UFMS

(Jornal da ADUFMS – ano II nº 4 – abril/91)
Mato Grosso do Sul sendo uma província, geográfica, econômica, cultural, política e socialmente, a sua Universidade Federal, é certo, tenderá normalmente a refletir esse provincianismo. Assim não fosse, seria ela um corpo estranho à sua sociedade.
Entretanto, uma Universidade não pode ser passiva a essa tendência. Em um mundo que se reorganiza a partir do conhecimento e da tecnologia não haverá lugar para a subalternidade,. A elaboração e a transmissão do conhecimento moderno exigem a integração cósmica e , pelo menos a nível nacional, um padrão unitário de qualidade, já que os regimes de trabalho, os níveis salariais, os órgãos financiadores são os mesmos.
Há portanto que se debruçar sobre a UFMS, diagnosticar seus problemas e providenciar um plano de desenvolvimento acoplado a uma vontade coletiva de integrá-la na comunidade científica e tecnológica nacional. Esse não pode ser um projeto individual ou de apenas um grupo de iluminados, mesmo que bem intencionado. Há que ser um projeto que tenha a cumplicidade de amplos setores do corpo social da instituição.
Por isso, a perplexidade quando se assiste o detonar da sucessão da reitoria (as últimas eleições nos departamentos e colegiados de cursos já foram, em muitos casos, armações políticas para a disputa) de maneira totalmente despolitizada. Não são as questões maiores, substantivas, que estão sendo enfocadas. As análises sobre os nossos desafios e sobre a maneira de enfrentá-los. O que se vê é a simples medição de força em relação a questões menores e externas à nossa problemática. O que se discute é quem tem o apoio do futuro governador, ou da futura bancada federal, ou ainda, da “máquina da reitoria” .
As entidades representativas ADUFMS, DCE, e SISTA devem implodir esse tratamento mesquinho da questão. Há que se politizar a discussão. Fazer com que, num primeiro momento, seja aberto um amplo processo de debate sobre a natureza da nossa crise, sobre as perspectivas da UFMS e sobre a realidade e compromisso da Universidade brasileira. Que borbulhem as contradições e as polêmicas.
Para isso, propomos a realização, durante o ano de 91, de uma programação de intensas discussões sobre essas questões. Seminários, palestras, debates ajudarão a desenvolver o senso crítico e a consciência, a aumentar o nível de informação e interesse da comunidade universitária.
Assim, se poderá decidir sobre a reitoria , no momento oportuno, com um processo democrático mais qualificado que expresse a visão madura, a responsabilidade e a compostura que se espera de pessoas ligadas ao desenvolvimento da ciência , da técnica e da cultura.

FAUSTO MATTO GROSSO

Professor do DEC-CCET