quinta-feira, 14 de outubro de 2004

PARTICIPAÇÃO – UMA ABORDAGEM TECNO-POLÍTICA

Francisco Fausto Matto Grosso Pereira
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Resumo: Partindo-se da reflexão a respeito das mudanças provocadas pela revolução científica e tecnológica e de seus reflexos como a globalização e a localização, aponta-se o esgotamento das formas autoritárias e centralizadoras da ação estatal e a emergência de uma cidadania global-local que busca afirmar sua participação como força motriz dos processos de transformação. Esse quadro de afirmação do Poder Local como condutor do Desenvolvimento Local requer crescentemente a formação de especialistas tecno-políticos capazes de contribuir, criativa e positivamente, para a afirmação da participação cidadã.
Palavras Chaves: participação; cidadania; poder local; orçamento participativo; metodologias participativas.
Considerações iniciais
O século XX foi fruto da Revolução Industrial. A introdução da máquina na produção, uma simples extensão mecânica do braço humano, engendrou a modernidade, com seu conjunto de paradigmas produtivos e de relações sociais e humanas que marcaram profundamente o processo da civilização (Kennedy, 1993). As fábricas, os sindicatos, os partidos políticos tais como os conhecemos hoje, o fortalecimento dos Estados Nacionais, foram frutos desse momento histórico importante.
O último quartel do século passado foi marcado pela intensificação do uso da ciência no processo produtivo. Surge a utilização, dentro da fábrica, do computador, do sensor eletrônico, do robô, agora com um significado muito maior: esses dispositivos significam a extensão do cérebro e dos sentidos humanos ao processo produtivo. Se as máquinas foram capazes de produzir a modernidade, os novos aparatos tecnológicos estão redesenhando os paradigmas e apontando, embora de maneira desigual e assimétrica, para um novo salto civilizatório.
Apesar da continuidade das mazelas estruturais que acompanharam a sociedade capitalista, com seu cotejo de exploração e desigualdades, inegavelmente vivemos a afirmação de uma forma nova de sociedade, organizada em rede, conformada pelos meios de informação, uma sociedade da conectividade global pela internet, do acompanhamento dos fatos em tempo real, forjando um conjunto de relações e novas formas de organização que vão penetrando as empresas, as ONGs, os organismos estatais e o conjunto da sociedade (Toffler, 1990).
A crise que vivemos hoje representa exatamente esse momento de transição, quando os paradigmas velhos não dão conta mais dos novos problemas e os paradigmas novos ainda não se tornaram dominantes. Vivemos a luta do novo contra o velho, um embate sobre a conformação do futuro.
1. Um novo caráter da cidadania e da participação
Quando três anos atrás as ruas das principais cidades do mundo encheram-se de pessoas protestando contra a iminente invasão do Iraque, sem seguir a um comando único, sem estarem atreladas a nenhuma ideologia específica, vivenciávamos, nessa forma de participação, o fortalecimento de uma nova forma de cidadania, a cidadania global. Essa situação representava um indício do surgimento de uma contraface cidadã à mundialização conduzida pelo mercado.
Vivemos a afirmação crescente de uma sociedade civil mundial, que apresenta sinais ainda frágeis, mas crescentemente significativos como o Fórum Social Mundial e a articulação internacional dos movimentos pela paz, pela defesa do meio ambiente, em defesa dos direitos humanos, entre outros.
Mas a mundialização caminha paralelamente a localização. O processo de enfraquecimento dos Estados Nacionais e a sua articulação crescente em Blocos Regionais vem sendo acompanhado da afirmação do local como centro da dinâmica social e política.
Cada vez são maiores as ocorrências de ações de desenvolvimento local, construídas por processos novos e afirmativos do Poder Local. A participação cidadã caminha para a superação do paternalismo e para a afirmação crescente da autonomia e da responsabilidade social das comunidades.
Afirma-se a possibilidade de construção de uma democracia de proximidade, com a participação dos cidadãos na gestão de políticas públicas, fortalecendo-se a esfera pública não-estatal, através de ONGs e toda a sorte de instituições. O poder sobre essa esfera pública, crescentemente, deixa de ser exclusivo das instituições estatais, principalmente diante de manifestos sinais de esgotamento do atual modelo de financiamento e gestão do Estado.
Não se trata, é claro, do fim do Estado, mas da crise que exige a sua reforma radical. Refiro-me, naturalmente, a um processo em construção, ainda não dominante, mas com perspectiva da afirmação de novos paradigmas em contraposicão aos modelos tradicionais (Osbone, 1994).
A cidadania nova, cada vez mais, vai se tornando global e local (Busatto, 2003).
2. O contexto brasileiro
A Constituição de 1988, que consagrou e deu legalidade a um conjunto de aspirações democráticas e cidadãs, representou um grande avanço no processo de participação popular.
Embora esse processo ainda esteja inconcluso e muito se tenha ainda a avançar na sua implementação, a democracia participativa ganha paridade com a democracia representativa com a criação de mecanismos como as iniciativas populares de leis, plebiscitos, audiências públicas como espaço privilegiado para o exercício da crítica e do debate.
O processo de democratização possibilitou ainda a aprovação de inúmeras leis que favorecem a participação, o controle e a gestão da comunidade nas políticas públicas. Entre essas, pode-se citar como exemplo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira – LDB, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, a Lei de Organização da Assistência Social – LOAS, a Lei do Sistema Único de Saúde – SUS; a Lei da Defesa do Consumidor, o Estatuto da Cidade e o Estatuto do Idoso.
Desta forma está criada uma ampla rede de participação social que envolve a cidadania no âmbito das políticas públicas, definindo uma esfera pública não estatal, de crescente importância.
A busca das formas mais adequadas para institucionalizar e afirmar essa esfera pública não-estatal está no centro do desafio político contemporâneo. Uma dessas tentativas tem sido a implementação do Orçamento Participativo.
3. O Orçamento Participativo – seu valor e sua superação
O chamado orçamento participativo, carro chefe das administrações municipais petistas, representou uma tentativa de avançar a participação popular na gestão pública (Genro, 1997). Se, de um lado, representou uma esperança de democratização das decisões, do outro, sua implementação esbarrou no contexto da crise de financiamento das políticas públicas e também numa visão estatista da gestão pública.
A experiência da sua implementação, de uma forma geral, levou a frustração, mostrando os seus limites e a necessidade de sua superação.
O processo de construção do Orçamento Participativo limita a participação popular à repartição dos escassos recursos do orçamento público, feita em uma lei meramente autorizativa. Esse é o limite do OP.
O espaço público criado com o OP, tal como tem sido praticado, é um mero prolongamento do velho Estado centralizador, por sua vez uma simples extensão do partido hegemônico, que pretende controlar a sociedade.
O orçamento público, nem de longe, esgota os recursos da sociedade, porque a sociedade tem outros recursos, humanos, materiais, de conhecimento, de gestão, que o orçamento público e a visão estatal não conseguem mobilizar (Busatto, 2003).
O grande desafio da gestão democrática é caminhar rumo à elaboração de um orçamento social, um orçamento, que engloba os recursos públicos sim, mas também o imenso capital social da comunidade: os recursos da iniciativa privada, do terceiro setor, do voluntariado, do conhecimento, da universidade, dos institutos de pesquisa, que muitas vezes não são chamados a colaborar e participar da governança.
Esse orçamento social deve estar necessariamente ligado a um plano elaborado com visão estratégica, com ampla participação da cidadania, que diga respeito a passos concretos a serem dados hoje, mas balizados por uma cumplicidade em torno da construção de uma utopia mobilizadora e transformadora. O Plano Diretor do município pode ser esse elemento balizador e articulador da mobilização social e distribuidor de responsabilidades cidadãs .
A figura do cidadão que escolhe os governantes, que reivindica, deverá avançar para a figura do cidadão que governa. Nas experiências de governança social local, a formação desse espaço público é absolutamente respeitosa à autonomia dos movimentos sociais, dos cidadãos organizados, é uma visão nova, horizontal, totalmente democrática e não manipuladora, ao contrário de como tem sido a experiência concreta do OP até hoje.
Isto não significa deixarmos de aproveitar essa experiência do Orçamento Participativo, mas sim fazê-la romper com seus próprios limites. Significa não se submeter à lógica atual do OP, que é uma lógica estatal, atrasada, mas sim criar uma lógica que empodere a sociedade como requer essa nova etapa que vive a sociedade brasileira e mundial.
O empoderamento da sociedade, a afirmação do Poder Local, deve ser a conseqüência do esforço de aprofundamento e de radicalização da democracia.
4. A abordagem da radicalidade democrática
Dentro de uma visão de radicalidade democrática o desafio consiste na construção de mecanismos de emponderamento da sociedade, de construção do Poder Local (Almeida, 2004) para influenciar o conjunto das decisões das políticas públicas e não apenas da elaboração do orçamento estatal autorizativo, que normalmente não sinalizam para utopias transformadoras de longo prazo. A elaboração de Planos Diretores e de Agendas 21, quando construídas com ampla participação cidadã, pode cumprir esse papel.
Muito importante também é observarmos a emergência de uma nova prática política, cooperativa, solidária, articuladora e empreendedora. Exatamente a negação da prática política que predomina hoje, clientelista, fisiológica, assistencialista. Esse é um desafio que hoje coloca em questão a cultura política que herdamos, coloca em questão a prática política vigente hoje nos partidos tradicionais e exige dos novos atores políticos, a capacidade de articulação, de cooperação, de construção de relações solidárias, que tenham a capacidade de emponderar à sociedade (Almeida, 2004).
Aqui é importante dizer que o Poder Local não é o poder da Prefeitura, não é o poder da Câmara de Vereadores, o Poder Local é efetivamente o poder da sociedade organizada. Essa é uma questão central que precisa ser aprofundada, porque muitos são aqueles que ao falar em fortalecimento do Poder Local, falam do fortalecimento da Prefeitura. Essa visão é uma visão velha de quem ainda não se desvencilhou de um conceito velho de Estado, ultrapassado e absolutamente disfuncional diante da nova sociedade que está ai.
Nesse sentido, para fortalecer o Poder Local é preciso fortalecer o poder de uma nova articulação, inédita na nossa história, de todos os novos e velhos atores sociais locais: a Prefeitura sim, a Câmara de Vereadores sim o Ministério Público sim, o Poder Judiciário sim, as autoridades, os funcionários públicos federais, estaduais, que atuam no município sim, mas também a iniciativa privada, as organizações sociais e entidades do terceiro setor, os conselhos públicos de saúde, de educação, do idoso, da reforma agrária e tantos outros que existem aí, as universidades, os institutos de pesquisas, os meios de comunicação. Ou seja, o fortalecimento do Poder Local é a articulação de um novo poder municipal, um poder da sociedade civil organizada, envolvendo e ampliando o velho Estado, mas envolvendo também os novos atores sociais que hoje experimentam experiências concretas de governança (Almeida, 2004).
Hoje temos um voluntariado organizado que trabalha voltado para as causas públicas, hoje temos instituições do terceiro setor e entidades sociais que trabalham para as causas públicas. Hoje temos também, e é o fato mais importante dos últimos 15 anos, empresas que assumem uma dimensão socialmente responsável (Bussato, 2003), ou seja, começam também a se envolver com causas públicas. Então, trazer esses novos atores sociais, comprometer também as universidades e institutos de pesquisa com este empoderamento e esta nova articulação, trazer os meios de comunicação para assumirem também esta dimensão da responsabilidade solidária de fortalecimento do Poder Local, esta é tarefa central dos atores democráticos.
A idéia aqui é percebermos que surge na sociedade um novo ator político, um novo ator social, que não é mais o cidadão consciente que vota nas eleições apenas, não é mais o cidadão consciente que reivindica seus direitos apenas é mais do que isto, é mais do que o cidadão eleitor, é mais do que o cidadão que reivindica, é o cidadão que governa, o cidadão gestor. Nesse sentido, se estará avançando para a concepção de uma verdadeira co-gestão ou de uma autogestão, a sociedade começando a experimentar a experiência de se autogovernar, num conceito de empoderamento social que é absolutamente novo em termos de concepção de poder político.
A fonte originária do poder, que é o próprio cidadão e cidadã, de forma cada vez mais firme, já não aceita delegar o poder cegamente para um governante a cada quatro anos, ele quer governar todos os dias, ele quer participar do governo todos os dias, ele não quer só fiscalizar ele não quer só cobrar, ele quer, também, participar das decisões e ajudar a executá-las. Esse é o fato novo que surge na sociedade, é isso que está acontecendo. A área política tem que estar com a mente e os olhos abertos, sensíveis a esta transformação que vive a sociedade.
É importante observar que o processo de fortalecimento de Poder Local gera novas arquiteturas públicas, isso é novo também. Novas arquiteturas públicas, não estatais, que estamos chamando de novas formas de Governança Social Local. São essas novas arquiteturas públicas que se desvencilham do velho Estado e começam a gerar instâncias de poder horizontais e compartilhadas no seio da sociedade. Elas surgem aqui e ali através de conselhos, de pactos, de comitês, de consórcios, de ONGs, de uma infinidade de nomes. São experiências inovadoras nas quais se percebe a sociedade vivendo experiências concretas desta governança de novo tipo.
O desafio consiste em dar organicidade, consistência a essas experiências novas, contribuir para dar-lhes escala; para que se transformem em experiências, hoje municipais, amanhã regionais, depois estaduais e quem sabe, um dia, nacionais, quando forem dominantes e, quem sabe, dirigentes do País.
5. Metodologias participativas
A emergência dessa cultura nova de participação ampliada da cidadania tem provocado muitos impactos nas formas tradicionais de organização dos projetos de desenvolvimento e de governo.
Os próprios organismos internacionais de cooperação e fomento, tais como BIRD, BID, OIT, GTZ e outros, passaram a exigir a participação da população na elaboração dos projetos. Avança-se assim de uma tradição de elaboração de projetos de desenvolvimento com formulação meramente técnica para uma concepção participativa, que muda a natureza desses projetos para uma formulação com caráter tecno-político. Cada vez mais teremos que conviver com siglas como PES, DRP, ZOOP, DRUP, DOP, MAPP do B, etc que começam a se constituir no arsenal para o enfrentamento dos novos processos de construção compartilhada de projetos (Brose, 2001).
Constrói-se assim uma transição das formas mais elementares para as formas mais avançadas de participação cidadã. Sherry Arnstein (Arnstein, 1969, apud Brose, 2001) analisando em 1969, analisando as causas do grande número de fracassos dos projetos de inclusão social nos EUA, construiu uma Escada da Participação Cidadã, constituída de 8 degraus: manipulação (os beneficiários são conduzidos de forma “educativa”), terapia (condução do processo de forma a manter os beneficiários sob controle), informação (pode ouvir e falar mas não participa da decisão), consulta (as opiniões servem para referenciar as decisões), pacificação (trabalha-se lideranças descoladas da representação), parceria (há compartilhamento de decisão e negocia-se uma esfera de cooperação), delegação de poder (uma sub-rogação de poderes aos atores, mas a partir da decisão da autoridade) e controle pelo cidadão (onde este exerce sua autonomia e assume a totalidade da iniciativa).
Necessário se faz a preparação de quadros tecno-políticos com uma nova cultura, novas atitudes e novos comportamentos, capacitados para a condução dos processos participativos (Cardioli, 2001) e que tenham capacidade de mobilizar, motivar, organizar gerenciar e negociar conflitos e que tornem mais transparentes e democráticos os processos de decisão, planejamento, execução, avaliação e encaminhamento de decisões democraticamente construídas.
Não se trata da eliminação das hierarquias, tampouco se propõe níveis igualitários de poder. Existem diferentes níveis de participação. Trata-se do desafio de tornar as hierarquias virtuais, fortalecendo as responsabilidades dos atores sociais e elevando-os aos níveis mais altos do processo decisório, buscando uma interação entre os que decidem, os que executam, e os que serão atingidos.
6. Conclusões
A civilização atravessa um momento de crise representado pelo entrechoque de paradigmas. “Tudo que é sólido se desmancha no ar”. As maneiras tradicionais de governar, de construir legitimidade, de conduzir conflitos já não dão conta da complexidade da sociedade articulada em redes globais e locais (Osbone, 1994).
Um novo cidadão, global e local emerge, embora de forma desigual, nas diversas esferas societárias e se propõe a disputar o poder centralizado no Estado tradicional.
É nesse contexto que se discute o fortalecimento do Poder Local, que na verdade nada mais é do que a construção de um novo modelo de poder, público mas não estatal, radicalmente diferente desse modelo centralizado, hierarquizado, fragmentado, fechado e burocrático que herdamos da sociedade industrial.
Naturalmente, estamos nos referindo a um processo novo que será fruto de uma transição das práticas tradicionais de poder para o poder democrático formado com a cumplicidade da cidadania; um processo de substituição do sistema de dominação por um sistema de hegemonia intelectual e moral (Gramsci, 1980) ampliada, compartilhada e democrática.
Referências bibliográficas
GRAMSCI, Antônio. “Maquiavel, a Política e o Estado Moderno”. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1980.
KENNEDY, Paul M. “Preparando para o século XXI”. Rio de Janeiro: Editora Campus Ltda, 1993.
TOFFLER, Alvin. “PowerShift: mudanças do poder”. Rio de Janeiro: Editora Record, 1990.
OSBORNE, David e GAEBLER, Ted. “Reinventando o governo”. Brasília: Editora MH Comunicação, 1994.
FRANCO, Augusto de. “Pobreza e Desenvolvimento Local” . Brasilia: Arca, Sociedade do Conhecimento, 2002
BROSE, Marcus. “Metodologia Participativa, uma introdução a 29 instrumentos”. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2001.
CORDIOLI, Sérgio. “O Enfoque Participativo”. Porto Alegre: Editora Genesis, 2001.
GENRO, Tarso; SOUZA, Ubiratan. “Orçamento Participativo, a Experiência de Porto Alegre”. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1997.
ARNSTEIN, Sherry. “Leadder of Citizen Participation”.p.216-224. Journal of the Américan Institute of Planners. Portland, julho 1969.
BUSATTO, Cézar. “Responsabilidade social no setor público: um caminho para a democracia” em: O PPS e o Poder Local. Porto Alegre: Publicação da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2003.

ALMEIDA, Francisco Inácio et alli. “Poder Local: o desafio da democracia”. Brasilia: Fundação Astrogildo Pereira, 2004

terça-feira, 29 de junho de 2004

A AGENDA

A AGENDA



Em uma cerimônia singela, mas densa em simbolismo, foi lançada na semana passada a Agenda 21 – Campo Grande Nosso Lugar. Trata-se da sintonização da nossa cidadania local com a cidadania global que tenta construir um mundo melhor para se viver. Campo Grande, adotando esse compromisso do milênio, ganha maioridade e estatura cosmopolita.

Um dos marcos dessa construção foi Conferência Mundial sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente - Rio 92, promovida pela ONU, onde se avançou na conceituação do Desenvolvimento Sustentável e em uma pactuação que envolveu mais de 170 países. Passou a ser compromisso planetário a busca de um novo padrão de desenvolvimento que articule adequadamente eficiência econômica, conservação ambiental e inclusão social.

Em nossa cidade a construção da Agenda foi um trabalho que envolveu, desde 2001, mais de 80 instituições públicas e da sociedade civil, provavelmente uma das mais densas articulações já exercitada em nosso Estado, sobre a coordenação do Instituto Municipal de Planejamento Urbano e Meio Ambiente – PLANURB.

Na parceria para a construção da Agenda 21 foram envolvidos os três níveis de governo, o federal, o estadual e o municipal e as três esferas de poder, o executivo, o legislativo e o judiciário fundindo e pactuando responsabilidades comuns, mostrando a possibilidade de superar as competições autofágicas ou o auto-isolamento a que, tradicionalmente, se impõem.

No meio disso a sociedade civil passando de uma postura meramente reivindicatória para uma atitude pró-ativa, tentando tomar nas mãos o destino do seu lugar. Foram entidades profissionais, sindicatos, instituições culturais, universidades, organizações não governamentais, movimentos sociais, exercitando a construção democrática do futuro comum.

Não há vento favorável para quem não sabe para onde ir, ensinava Sêneca, 500 a.C. Campo Grande começou a se autodefinir. Essa agenda consagra rumos a serem trilhados pelas construções dos diversos governos e diversos atores do desenvolvimento. Um documento como esse deve estar acima dos planos de governo, dos projetos partidários e dos interesses privados individualistas ou predatórios.

Os governantes têm que entenderem que seus espaços de poder, outorgados pelo povo, os submetem a mandados maiores do que seus projetos pessoais, por mais competentes e bem intencionados que sejam. Estes devem ser medidos pela relação que têm com as referências construídas pela sociedade civil, até porque esta, numa democracia, é também espaço de poder que articulado adeqüadamente, com o poder público pode viabilizar tarefas muitas vezes impossíveis se baseadas exclusivamente na vontade e nos instrumentos das lideranças políticas.

Se as perspectivas são promissoras pelo lado da cidadania, são ainda muito sombrias pelo lado do poder público. A marca do nosso tempo ainda é a de governantes que participam apenas formalmente desses processos mas não o colocam no centro de sua política. Exemplo disso foi o que aconteceu com o MS 2020, que perseguia, em nível estadual, os mesmos objetivos da Agenda 21 de Campo Grande.

Muito se terá que caminhar para que uma nova realidade se imponha, mas esse é o rumo do processo democrático. As distâncias são ainda muito longas, prova disso é que a solenidade do lançamento da Agenda 21 foi vazia de lideranças políticas. A base da sociedade civil , entretanto, estava lá, constatando esse fato profundamente educativo.


FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil, professor da UFMS

 29 de junho de 2004

segunda-feira, 14 de junho de 2004

NOVO VERSUS VELHO

Começamos a morrer no dia em que nascemos, diz o filósofo. Não se atravessa o mesmo rio duas vezes afirma o outro. Embora o movimento e a mudança façam parte do nosso cotidiano, muitas vezes só enxergamos a permanência e a continuidade na realidade do dia a dia. Às vezes acontece ainda pior, temos vontade de voltar ao que já passou, como se essa máquina do tempo já tivesse sido inventada.
O mundo em que vivemos tem sido marcado pelo ritmo alucinante da mudança, mas nem sempre isso significa melhoria para a humanidade. Esse novo vai ser configurado pela luta entre as forças que disputam a hegemonia no processo de mudança.
A Revolução Industrial, introduzindo as máquinas na produção e produziu a modernidade do Século XX, mas também as suas injustiças. As máquinas eram meras extensões motoras dos braços do homem. Apesar de ser uma coisa simples, essa mudança afirmou o capitalismo como sistema dominante, mas na disputa sobre o futuro, fez nascer a idéia do socialismo e o sistema socialista mundial que chegou a dividir quase ao meio o mundo existente . Surgiram, com os perfís atuais, os Estados Nacionais, os Partidos e os Sindicatos.
A Revolução Científico-Tecnológica, ao intensificar o uso produtivo do conhecimento e da informação, criando os novos materiais, o computador, a robótica, os supersensores, levou à produção uma extensão do cérebro humano. O impacto disso no mundo está redesenhando todos os paradigmas anteriores.
Para se ter uma medida dessa realidade, segundo previsões da Conferência de Atlanta sobre o Futuro do Mundo, 1995, no Japão no ano 2020, apenas 5% da população terá lugar no mercado de trabalho, 74% do PIB daquele país provirá de bens e serviços que não tinham sido ainda inventados e o estoque de conhecimento humano duplicaria a cada 83 dias.
Nesse contexto novo, os velhos métodos, as receitas tradicionais já não funcionam mais como antes e a perplexidade toma conta das mentes. Os Estados nacionais perdem significância perante os blocos regionais, começam a serem formados os mecanismos de uma nova governança mundial. Assim como o mercado se interconecta instantaneamente, surge o embrião de uma nova sociedade civil mundial. Como parte desse mesmo processo fortalece-se o local como espaço de exercício da cidadania e da democracia. Pelas redes de interesses se articula uma verdadeira cidadania global e local que coloca no horizonte o fim do conceito de estrangeiro.
Vivemos uma verdadeira crise de civilização. No linguajar do filósofo , mais uma vez o que é sólido está se desmanchando no ar. Aí convém chamar um pensador italiano que enxergava a sua época a partir da consciência da univesalidade da regra do movimento. Gramsci ensinava: crise é aquela situação que se instala quando o que é velho já morreu e o que é novo ainda não nasceu.
Nesse contexto, ainda convivem os dois, muitas vezes, cada vez menos, é o velho que lidera e manda. Mas o novo está lá, solerte, buscando o seu espaço de afirmação. Mais adiante será o novo que firmará, inexoravelmente, a sua presença. Apesar da afirmação cada vez maior de valores humanos, conquista do processo civilizatório, afirma-se a disputa pela hegemonia no novo mundo. Cada lado tem seus intelectuais, seus seguidores, e seus militantes.
A direita mundial soube entender esse processo melhor do que a esquerda. Por isso liderou a saída da crise afirmando novos paradigmas igualmente excludentes e opressores. Sua ideologia era o pensamento único do neoliberalismo.
A esquerda jogou na defensiva, acabou exercendo um papel conservador. Não percebeu as possibilidades novas, perdeu a inciativa e perdeu a disputa. Muitos mudaram o discurso por oportunismo, não porque o mundo mudou. Na perplexidade e na crise, muitos simplesmente se transformaram em meros síndicos conservadores da massa falida do velho. O desafio que se tem pela frente é, de novo, ela ser portadora de uma utopia transformadora, razão da sua existência. Para isso tem que recuperar a sua liderança “intelectual” e moral, reinventar-se.

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro Civil, professor da UFMS

segunda-feira, 7 de junho de 2004

RESPONSABILIDADE SOCIAL

Um peso e duas medidas, assim tem sido, infelizmente, a política que está sendo posta em prática pelo governo Lula, dando seqüência ao pior da “herança maldita” deixada pelo governo anterior. Tudo para a banca internacional e nacional, e nada para o social.
Enquanto a primeira ganha novos privilégios propostos na Lei das Falências, o segundo é brindado com o salário mínimo de duzentos e sessenta reais, com poder de compra muito aquém daquele determinado pela Constituição que, pelo que se imagina, ainda é a lei maior do País.
A Lei de Responsabilidade Fiscal, mesmo com vício de origem, acabou sendo uma importante medida contra a irresponsabilidade dos administradores quanto aos recursos públicos. Da mesma forma, para garantir a Nação contra a insensibilidade dos governantes, torna-se imperiosa, cada vez mais, uma Lei de Responsabilidade Social.
As bases para uma legislação dessa natureza estão, pouco a pouco, sendo amadurecidas na sociedade brasileira. Após a Constituição de 88 começou a ser consolidada uma rede de organizações sociais ligadas às políticas públicas que sinaliza promissoramente para essa possibilidade. Assim são os conselhos na área de saúde, de educação, de assistência social, de meio ambiente, de cultura, de promoção de direitos entre outros. Tais conselhos ainda têm atribuições e práticas correntes muito limitadas, mas podem dar um salto, enquanto instrumentos de controle social, se amparados e emponderados por uma Lei de Responsabilidade Social.
Dentro dessa perspectiva seria obrigatório, tanto quanto hoje o é a geração de superávits primários, o cumprimento dos mínimos sociais pactuados com a sociedade.
Obrigar-se-ia os governos a executarem planos estratégicos, elaborados com a participação da sociedade, com validade mais ampla do que os períodos dos mandatos. Os governantes seriam levados, assim, a entender que são simples instrumentos da vontade popular.
Impor-se-ia aos governos a gestão por metas de melhorias sociais, bem como a avaliação objetiva da eficácia de sua atuação. Governante que deixasse involuir o Índice de Desenvolvimento Humano - IDH/ONU - ou que produzisse incremento muito baixo desse indicador poderia ser proibido de concorrer a novos mandatos eletivos, tal como acontece hoje com aqueles que não respeitam a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, o Orçamento Anual, mais do que organizarem as prioridades da aplicação apenas dos recursos públicos, sempre insuficientes, seriam organizadores de todos os recursos, financeiros ou não, existentes na sociedade. Na execução de um projeto estratégico produzido pela sociedade, deveriam ser considerados também os recursos das organizações não-governamentais, do conhecimento, das empresas socialmente responsáveis, do voluntariado entre outros.
Os governos se obrigariam a integrar a gestão de suas três esferas - Município, Estado e União – mesmo que de partidos diferentes. Dentro dessas esferas se integrariam, com responsabilidade social, o Executivo, o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público e o Tribunal de Contas.
A Gestão seria necessariamente compartilhada, envolvendo, cada um com a sua responsabilidade específica, o Governo, as Organizações Sociais, a Iniciativa Privada, o Terceiro Setor, o Voluntariado, as Instituições do Conhecimento, os Meios de Comunicação entre outros.
O Balanço Social, ao final de cada ano, seria a medida da responsabilidade social do governo, seu julgamento público perante o Tribunal de Contas da Sociedade.
Utopia? Não sei. O município de São Sepé, no Rio Grande do Sul, já tem um governo com dois pesos e duas medidas.

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro Civil, Professor da UFMS

domingo, 30 de maio de 2004

LIMITES DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

Fala-se novamente, no plano estadual, na retomada do orçamento participativo. Essa experiência, transplantada das práticas municipais de algumas prefeituras do PT, era uma espécie de carro-chefe do que se chamava “modo petista de governar”, mas foi absolutamente desmoralizada pela realidade. Ainda se deve à comunidade os recursos colocadas no primeiro orçamento participativo elaborado em 1999.
Essa prática administrativa, sem dúvida com alta motivação democrática, mostrou-se extremamente limitada diante do quadro real da gestão e das finanças públicas.
Muitas são as justificativas que podem ser buscadas para explicar esse fracasso entretanto o desafio é buscar formulações mais avançadas que resgatem a motivação altamente democrática do OP.
É notória a crise de financiamento do Estado Nacional, das Unidades da Federação e dos municípios. A máquina estatal tem se sustentado a custa de aumentos constantes de carga tributária, e artificios para desvincular recursos da distribuição obrigatória como o antigo Fundo Social de Emergência, e em Mato Grosso do Sul o Fundersul e o Fundo de de Investimentos Sociais. O fato concreto é que a capacidade contributiva do brasileiro comum está esgotada e mesmo assim o Estado não dá conta de atender minimamente os investimento em políticas sociais básicas.
O orçamento estadual é altamente inelástico. Atualmente mais de 80% da receita encontra-se percentualmente vinculada a determinadas despesas “obrigatórias”: saúde, educação, repases para outros poderes, repasse para municípios, pagamento de dívidas com a União, cultura, esporte, ciencia e tecnologia.
Falar em espaços participativos em orçamento cujas componentes já tem definição prévia de mais de 80% obrigatórios para com os outros, ficando o restante também bastante comprometido com a execução de despesas básicas na área de pessoal, gestão, arrecadação, desenvolvimento, cultura, esporte, segurança e infra-estrutura básica, dentre outras; Dentro desse quadro é muito pequena a margem passível de decisão dos fóruns participativos;
Falar em orçamentos participativo quando não existe, por antecedência, compromissos com o planejamento participativo é conversa fiada para engabelar o distinto público.
1 - BENEFÍCIOS ESPERADOS
Participação popular na definição das prioridades locais
Debater as necessidades junto com a comunidade, contribuindo para a formulação de políticas públicas eficientes.
Transparência na administração dos recursos públicos
Fornecer informações sobre a gestão dos recursos arrecadados e gastos pelo governo do Estado;
Estimulo as ações de cidadania e controle social
Criar cidadãos ativos, conscientes e informados sobre a administração pública.
2 – ANÁLISE DO PROJETO
Orçamento estadual, excessivamente vinculado. Atualmente mais de 80% da receita encontra-se vinculada a determinadas despesas, ficando o restante também bastante comprometido com a execução de despesas básicas na área de pessoal, gestão, arrecadação, desenvolvimento, cultura, esporte, segurança e infra-estrutura básica, dentre outras; Dentro desse quadro é muito pequena a margem passível de decisão dos fóruns participativos;
O Governo convive e também criou outros fóruns de decisão além do OP: Cogeps, Conselho do FIS, Conselho do Fundersul, Conselho de Saúde, Conselho do Funresp etc
O Governo é tensionado por reivindicações setoriais por salários e vantagens do funcionalismo, que acabam impactando os recursos orçamentários (estaria disposto a jogar tal matéria para um fórum democrático?)
O governo tem adotado a opção política de atendimento das bases parlamentares, inclusive com a adoção negociada de emendas parlamentares (estaria disposto a jogar tal matéria para um fórum democrático?)
Ao se abrir o processo de levantamento amplo de demandas nas assembléias municipais, cria-se uma imensa expectativa na população que só poderá ser atendida em um percentual muito pequeno. Os Fóruns Regionais do OP ao restringirem e priorizarem as demandas já criam frustrações de expectativa e potencial desgaste para o governo.
Participantes das assembléias sem o entendimento adequado do processo do OP e da real necessidade do município, aliada à falta de informação técnica, ocasionam demandas distorcidas que comprometem a execução. Quanto mais amplo o processo mais difícil o debate qualificado via democracia direta.
Mobilização dirigida dos participantes, distorcem a representação favorecendo determinados segmentos sociais, tais como os ligados à área de Educação e Saúde;
O OP acaba implicando em maior rigidez para a administração atender as emergências;
Grande questão: seria politicamente correto manter a ilusão de participação no orçamento quando na verdade a imensa maior parte das questões ficam fora do âmbito de decisão popular, por imperativos legais, por inelasticidade da execução orçamentária ou por coexistência de outros fóruns de decisão?
3 – ANÁLISE DA CAPACIDADE DE GOVERNO
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Para a solução política desse conflito iniciou-se o processo negociado de emendas parlamentares;
Ampliam ainda mais a vinculação da receita a determinados segmentos, como Saúde, em detrimento de outras áreas.
A superveniência de demandas inesperadas acabaram comprometendo a execução do OP;

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domingo, 23 de maio de 2004

NUMEROLOGIA DE CAMPO GRANDE

A eficiência e o crescimento econômicos são pré-requisitos fundamentais para o desenvolvimento sustentável, a conservação ambiental é seu condicionante, entretanto, a elevação da qualidade de vida e a equidade social são os objetivos centrais desse estilo de desenvolvimento.
Nesse sentido a ação dos Governos e da sociedade deve ter sempre em conta essa prioridade a ser conferida à esfera do desenvolvimento social. Esse é um entendimento que hoje faz parte de um consenso mundial, cada vem mais amplo. O homem deve ser a finalidade do desenvolvimento.
Assim, o Brasil assumiu, no âmbito ONU, o Compromisso do Milênio, que estabelece metas bem definidas de desenvolvimento social, a serem atingidas até 2015. Essa Instituição, através do seu Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD – monitora o país através do cálculo do seu Índice de Desenvolvimento Humano – IDH.
Esse índice mede, numa escala de 0 a 1, a combinação das condições de longevidade, de educação e de renda per capita da população.
O Brasil atingiu, segundo relatório de 2003, o IDH 0,766, o que o coloca como um país médio de desenvolvimento. Nesse contexto, Mato Grosso do Sul ocupa o 7o lugar entre os estados brasileiro, com IDH 0,769 e Campo Grande, no estado, ocupa o 2o lugar com IDH 0,814, perdendo para Chapadão do Sul com IDH 0,826.
Focando especificamente nossa Capital, sua posição relativa é muito boa. Seu IDH 0,814 situa-se ligeiramente acima de 0,800 que é o limite entre a classificação de médio e de alto desenvolvimento, condição muito melhor do que a média nacional, porém muitolonge do primeiro lugar que é ocupado por São Caetano do Sul, com IDH 0,919. Isso mostra o quanto ainda é possível avançar.
Esse indicador de qualidade de vida deveria ser a nota do “Provão” dos administradores municipais. Quanto cada gestão avançou durante o seu período, deveria ser a medida do sucesso ou do fracasso das políticas implementadas. Uma medição insuspeita como essa, conduzida pela ONU e pelo IPEA poderia afastar a população da propaganda enganosa de falsos sucessos administrativos.
A próxima administração municipal, ao orientar e priorizar as políticas públicas, deve observar que o indicador educacional - IDH 0,915 - indica o relativo sucesso da política educacional que deve ser mantida e aprofundada.
O indicador de longevidade – medida da expectativa de vida ao nascer - na nossa capital é de 0,757, ou seja, bem abaixo do IDH global do município. Aumentar a longevidade da população depende dos cuidados com a saúde e com a salubridade do local onde habitam e trabalham as pessoas. Influem também, negativamente, nesse indicador a violência e os acidentes de trabalho ou de trânsito. Saúde, saneamento e segurança devem ser prioridades municipais.
Da mesma forma, o indicador de renda do município é baixíssimo - IDH 0,77 - contribuindo para baixar em muito o indicador de qualidade de vida no município. Criar oportunidades de trabalho, emprego e renda deve ser política central da nova administração.
A combinação de políticas que possibilitem desenvolvimento econômico com políticas de capacitação torna-se importante missão da próxima admininstração. É importante, entretanto, combinar a velha política de atração de grandes industrias, com o fortalecimento das micro e pequenas empresas, essas sim, grandes geradoras de emprego e renda. Há que se ficar de olho também nas mudanças que se operam na economia contemporânea que apontam para o fortalecimento do setor de serviços modernos.
Igualmente importante é a articulação das políticas públicas do município com as das administrações dos municípios vizinhos, todos eles com IDH bem desnivelados com o de Campo Grande. A futura região metropolitana da capital, já prevista na Constituição Estadual, não poderá ter sucesso diante de tamanhos desníveis.

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro Civil e Professor da UFMS

sexta-feira, 14 de maio de 2004

GOVERNANÇA DE NOVO TIPO

Vivemos nas últimas décadas um processo verdadeiramente revolucionário em escala planetária. Trata-se da superação dos paradigmas da sociedade industrial pelos novos ditames da revolução do conhecimento e da informação.
Quantos milhões de pessoas marcharam pelas ruas do mundo contra a eminente Guerra do Iraque, sem seguir a nenhuma organização centralizada, sem nenhum comando único. Quantos milhões de espanhóis foram às ruas após o atentado de Madri e mudaram a rumo político do País, num movimento cidadão. As fotos das torturas nas prisões iraquianas, que hoje correm o mundo mobilizando a indignação mundial podendo até mudar o curso da guerra, constituem outro exemplo do novo contexto da globalização. Por trás de tudo uma sociedade em rede, organizada pela comunicação on-line, pela internet.
Vivemos em escala global e local a criação de uma sociedade mais complexa, onde os atores determinantes não são mais apenas o Estado, os sindicatos e os partidos políticos. No jogo complexo com esses atores tradicionais existem outros novos interlocutores ativos: as organizações sociais, o terceiro setor, os conselhos de políticas públicas, as instituições ambientalistas, as universidades, os meios de comunicação, as empresas socialmente responsáveis, entre outros.
Esta realidade nova demonstra a existência de uma esfera pública que vai além do Estado tradicional e lhe cobra uma radical transformação. Apressar a emergência de um novo modelo de Estado é um dos maiores desafios contemporâneo do pensamento progressista.
Não há mais espaço para o Estado centralizado, já com alvará vencido, e sim um Estado descentralizado em instâncias locais. Não mais o Estado verticalizado pela figura do líder salvacionista e sim o Estado horizontalizado pela participação cidadã. Não mais o Estado fragmentado em setores ou níveis de governo mas sim o Estado integrado em busca de maximização de resultados. Não mais um Estado instrumental dos interesses econômicos dominantes e sim um Estado finalístico voltado para o bem comum. Não mais um Estado isolado e fechado, mas um Estado profundamente articulado com a sociedade. Não mais um Estado rígido e burocrático mas um Estado flexível, on-line, em rede e na internet.
Não se pode pensar novas gestões municipais na atualidade sem essa visão contemporânea. Há que se abrir à construção de novas formas de governança social, democráticas, participativas e descentralizadas. É necessário avançar na construção do que tem se chamado de Poder Local.
O Poder Local não é apenas o poder da Prefeitura, ou da Câmara, mas ao poder dessas deve ser somado o poder da sociedade organizada. Esse Estado ampliado deve, além dos atores tradicionais, envolver novos atores reais da construção da vida da cidade: o Ministério Público, o Judiciário, as instâncias públicas federais e estaduais que atuam no município, a iniciativa privada, as organizações sociais e entidades do terceiro setor, os conselhos públicos territoriais, dos idosos, da saúde, da educação, as universidades, os meios de comunicação entre outros.
Esta é a base orgânica para a construção de cidades democráticas. Cidades onde habitem cidadãos não apenas votantes, não apenas beneficiários, não apenas reivindicantes, mas cidadãos com autodeterminação, cidadãos gestores, participantes de uma governança de novo tipo.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil e Professor da UFMS

14 de maio de 2004

domingo, 9 de maio de 2004

PROGRAMAS DE GOVERNO

Acabou-se o tempo em que se podia fragilizar os adversários eleitorais, dizendo que eles não tinham planos. Hoje os principais candidatos, em quaisquer eleições majoritárias, exibem, em coloridos e ilustrados cadernos, as suas propostas salvacionistas, redentoras da vida dos cidadãos. Esse material se transforma, através da mídia, em discurso eleitoral, principalmente na televisão.
Entretanto, a grande questão, mais do que a necessária qualidade do programa, é o fidelidade real que os candidatos têm com os compromissos que anunciam à sociedade.
Planos delegados a terceiros, a especialistas ou não, quase sempre são peças de retóricas sem conseqüências. Os planos têm de ser sempre a expressão combinada do que pensam os candidatos, com a pregação dos partidos que representam. Por isso a necessidade de os partidos terem também programas para valer.
Portanto, o desafio do plano, mais do que técnico, é profundamente político. A arte do programa é a combinação coerente das ideologias e programas, dos partidos que se alianciam, com os estilos pessoais dos candidatos, figuras essas centrais no estabelecimento dos vínculos e dos compromissos com a população.
Programas devem ser pactos políticos dos partidos entre si. Serem os documentos que selam as alianças e que deverão ter o papel de balizar a sua continuidade ou não. A solidariedade política futura deve ficar condicionada ao seu cumprimento.
Devem refletir o que pensam também os candidatos, seus principais intérpretes e responsáveis pelo estabelecimento do pacto político-social com a população. Os candidatos não devem apenas representar, como se atores fossem, os programas e sim poderem olhar nos olhos dos eleitores como a expressão mais assumida do que pregam seus programas.
Elaborar programas exige a arte de saber ler as aspirações da sociedade, nas suas diversas manifestações. De envolve-la pela sua participação direta ou de suas lideranças. Deve ter o condão de tira-la do ceticismo, e faze-la acreditar no sonho possível, mas não se limitar a isso. Fazer apenas o possível é obra dos políticos medíocres. O desafio é o de tornar possível aquilo que é necessário, só assim passaram para a história os lideres com vocação de estadistas. Portanto, programas sem ousadia e sem uma adequada dose de utopia não se prestam à política que pretende resolver os graves problemas que hoje parecem sem solução.
A administração futura deverá sempre tê-lo sobre a mesa para não se esquecer da sua razão de existir. Rasgá-lo, na prática administrativa corrente, deveria ser motivo para enquadramento na Lei de Responsabilidade Política e Moral, como falta grave.
Falo de Brasil sim, mas daquele que temos a responsabilidade de construir.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil, professor da UFMS.

9 de maio de 2004.

sábado, 1 de maio de 2004

PATRIMONIALISMO

A aprovação, pelo Plenário do Senado, da Medida Provisória que cria 2793 cargos comissionados na Casa Civil da Presidência, o apelidado “trem da alegria do PT”, chama a atenção para um problema bem maior, de natureza estrutural.
Desde Collor, justificado pela ideologia do “Estado Mínimo”, o serviço público vem sendo paulatinamente desmontado no País.Vivi isso, de corpo presente, na Universidade e também durante o ano passado em Brasília.
Na Secretaria de Desenvolvimento do Centro-Oeste, onde trabalhava, o único funcionário do quadro efetivo, era a copeira. Os demais eram ou terceirizados (em alguns casos isso pode ser justificável), ou contratados temporariamente via convênios de cooperação técnica com organismos internacionais (artifícios para fugir dos concursos públicos) ou ainda eram ocupantes de cargos comissionados, de livre provimento, os famigerados “cargos de confiança”.
Portanto não se deve discutir a Medida Provisória focando na falsa questão do inchaço dos cofres do PT pela contribuição partidária obrigatória do filiados que preenchesse tais “cargos de confiança”. O que é chave nessa discussão é o reflexo dessa disfunção na qualidade da administração pública.
A análise é clássica. A capacidade de governo tende a aumentar com o tempo. O governante só consegue governar, efetivamente, após a sua maquina administrativa atingir um mínimo de maturidade. Antes disso o dirigente aperta o botão e não acontece nada. Esse parece ser ainda o estágio da atual administração – o governo aparenta não ter começado. O simbolismo usado pelo PFL de comemorar o aniversário do governo com um bolo com só dois terços, embora cruel é impecável.
Contrariamente a isso, os governantes costumam começar a gestão com seu nível máximo de apoio. Afinal, a opinião pública acabou de se manifestar a seu favor, a oposição fica cuidadosa para não enfrentar esse sentimento majoritário, enfim, todo mundo dá um voto de confiança ou pelo menos “um tempo”. Essa governabilidade tende a cair ao longo do tempo. Aproximando-se das eleições, complica-se mais a obtenção de apoio geral. Existe um mínimo de governabilidade que diz quando o governo acabou, que não tem mais condição política para tomar iniciativas.
Essa contradição temporal entre a capacidade de governo e a governabilidade faz com que o tempo eficaz de governo não seja de quatro anos e sim bem menos. Obter o mais rapidamente possível capacidade de governo é o desafio chave. Obviamente isso não se consegue com mudanças radicais nos quadro “técnicos” da administração.
O quadro da Administração Pública tem que ser profissionalizado em nível máximo possível. Isso é que vai garantir o acúmulo da experiência e a consolidação de uma cultura administrativa que garanta resultados.A falta de resultados do Governo atual tem muito a ver com a descontinuidade administrativa provocada pela substituição radical dos “cargos de confiança”. Aí é que “mora o perigo”: democracia sem resultados não se sustenta.
Via redução drástica dos cargos de livre nomeação e a realização de concursos públicos combinados com avaliações permanentes de desempenho, tem que ser consolidado um serviço público profissional que independa dos governantes de plantão. Tais servidores o são do público e não dos governantes. Esse é o imperativo republicano a que devem se submeter os governantes.
Além do mais, convenhamos, chamar cargos comissionados de “cargos de confiança” expressa um patrimonialismo inaceitável em qualquer político com compromisso democrático e republicano.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil e Professor da UFMS

1º de maio de 2004

domingo, 25 de abril de 2004

EM DEFESA DA POLÍTICA

Das múltiplas facetas da crise brasileira, a mais perigosa é a da descrença da política como meio de enfrentar os desafios do País.
Em pesquisa recente sobre a democracia na América Latina, feita pela ONU, 56% da população acha o desenvolvimento econômico mais importante do que a democracia, 54,7% apoiaria um governo autoritário se este resolvesse os problemas econômicos e 36% concorda que o Presidente não leve em consideração os Partidos e o Congresso.
Esse quadro perigoso e preocupante chama a atenção para a imperiosa necessidade de recuperar a confiança na política como meio civilizado de resolver conflitos e problemas, mas também exigem intervenções profundas que modifiquem a maneira com se faz política no Brasil atualmente.
A Reforma Política é a mãe de todas a reformas, a que deveria ter merecido prioridade. Um processo verdadeiro de mudanças deveria começar por ela, pelo potencial que tem de mobilizar a opinião política da cidadania para a solução dos problemas.
Existe, entretanto, um paradoxo que se constitui numa dificuldade real para as mudanças. Anos e anos de prática dessa política tradicional, hoje desacreditada, criou na cidadania um sistema de crenças em falsas premissas, que não permite que se enxergue para além desse sistema político que está em crise.
É o caso, por exemplo, da crença de que o mais importante é votar no candidato e não no partido. Para ficar apenas nas últimas eleições, em 2002 foram registradas candidaturas de 88 deputados federais, apenas 8 foram eleitos. Somando os votos desses candidatos constata-se que 54% dos eleitores não lhes destinaram votos, ou seja, a maioria da população não escolheu seu deputado. Os votos dados aos perdedores ajudam a somar números para a legenda, quantitativo esse que vai definir, pela regra da proporcionalidade, a participação de cada partido na bancada, ou seja, votando em candidatos estamos, na verdade votando em listas partidárias "abertas”, sem termos uma percepção muito clara disso.
Mais ainda, no Congresso, na maior parte dos casos, esses deputados não votam e são representados ou orientados pelos votos das lideranças dos partidárias. Nas questões decisivas, os partidos “fecham questão” unificando partidariamente os votos.
Trocando em miúdos, na democracia representativa, quem faz a política são os partidos e não os parlamentares individualmente. Vem daí a necessidade de tornar esse jogo claro e fazer a cidadania optar conscientemente pelo conjunto de idéias em que acredita e que julga representativa dos seus interesses.
A Reforma Política que se encontra tramitando no Congresso cria o sistema de listas partidárias “fechadas” para substituir o atual sistema de listas “abertas”. Neste último caso, são eleitos os mais votados da lista, nem sempre os mais representativos da política partidária que praticarão e sim aqueles que dentro de cada partido conseguem montar uma maquina eleitoral mais poderosa.
Prevalecendo a proposta das listas fechadas, proposto pela Reforma, todos os cidadãos terão a condição de escolherem a política que desejam ver praticada. A lista fechada, tira a falsa ilusão criada pelo voto no indivíduo, avança a educação política da população e fortalece os partidos, sem os quais não existem pratica democrática nos marcos do nosso estágio civilizatório atual.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil, Professor da UFMS

25 de abril de 2004