quinta-feira, 24 de maio de 2018

A LENDA DO DITADOR BONZINHO


O relatório da CIA divulgado recentemente, pelo professor Matias Specktor (UFRJ), desmistificou a lenda de que o presidente Ernesto Geisel não endossou a tortura e assassinatos nos quartéis.  O documento Memorandum From Director of Central Intelligence Colby to Secretary of State Kissinger, pode ser encontrado no endereço eletrônico do Departamento de Estado dos EUA (https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1969-76ve11p2/d99).

O documento da CIA, com data de 11 de abril de 1974, relata reunião entre os responsáveis pela segurança no governo Médici e a equipe que assumiu essa função no governo Geisel. Estavam presentes o Presidente Geisel e o general Figueiredo, este que assumira o Serviço Nacional de Informações (SNI). Presentes ainda o general Milton Tavares que fora chefe de Centro de Informações do Exército (CIE) no governo de Médici e o general Confúcio Danton Avelino que estava assumindo essa função no Governo Geisel.O general Milton falou sobre suas atividades à frente do CIE e pediu então que "métodos extralegais" continuassem a ser empregados. Informou que, no último ano, 104 pessoas haviam sido sumariamente executadas pelo CIE. Figueiredo “apoiou a política de extermínio e pediu a sua continuidade", diz o informe.
No dia 1°de abril, após ter pedido tempo para pensar, Geisel informou ao general Figueiredo que a política de assassinatos deveria continuar, mas que "mais cuidados deveriam ser tomados para ter certeza de que apenas subversivos perigosos fossem executados" e que os assassinatos só deveriam ser efetivados depois de autorizados pelo General Figueiredo, do SNI. Assim o Presidente centralizou a política da repressão e assumiu a responsabilidade pessoal sobre a repressão aos opositores do regime.
Mas, afinal, o que foi o Governo Geisel, que assumiu o poder em 15 de março de 1974?
Geisel chegou ao poder através de eleição indireta, no Colégio Eleitoral, onde conquistou 400 votos, enquanto seu opositor Ulisses Guimarães obteve apenas 76 votos com a sua anticadidatura.
No aspecto econômico, o “milagre brasileiro” tinha perdido o seu impulso e o país começara a conviver com o aumento da dívida externa e com a inflação, que era de 15,54% na sua posse e no final do seu mandato atingiu 40,81%%.
O descontentamento da população começou a se manifestar. Nas eleições de outubro de 1974, quando foi renovado um terço do Senado, o MDB obteve vitória em 18 dos 22 estados. Foi a primeira grande derrota eleitoral do regime.
O ano de 1977 se abriu com Geisel anunciando medidas de "arrocho" na economia, indispensáveis para a redução da inflação e do endividamento externo. O temor de que as reações sociais às restrições econômicas fossem exploradas politicamente, pode explicar o recuo do governo no plano político.
Geisel reagiu com a Lei Falcão (1976) – que emudeceu a propaganda na TV - e o Pacote de abril (1977) com o objetivo de desfavorecer a oposição nas próximas eleições (1978). Nessa ocasião Geisel fechou o Congresso Nacional e baixou, por decreto, uma reforma constitucional que instituía eleições indiretas para governadores e para 1/3 do Senado criando os famigerados “senadores biônicos”. 
Já tendo sido derrotada a luta armada, quem eram então os novos “subversivos mais perigosos” que deveriam ser executados?
Eram aqueles que lutavam, sem armas, contra a ditadura. A linha adotada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), de investir na luta pelas liberdades democráticas, era percebida, pelos órgãos de repressão, como a mais “inteligente” e perigosa, para o projeto do regime.
O ano de 1974, após a derrota eleitoral do regime, foi especialmente duro para o PCB. Nesse período, foi assassinado um terço dos membros do seu Comitê Central. Diante desses fatos, pela primeira vez na sua história desde 1922, a direção do PCB teve que se exilar e dirigir o partido desde o Exterior.
Mas a repressão atingiu também vários dos seus militantes, entre os quais se podem citar o operário Manoel Fiel Filho e o jornalista Vladmir Herzog, casos que tiveram grandes repercussões e serviram para ampliar a luta contra a tortura e os assassinatos políticos.
O documento da CIA, passado os anos, apenas veio confirmar o que já se sabia, jogando luz sobre a lenda do general Geisel como ditador bonzinho.
 Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor aposentado da UFMS

       23.05.2018

quinta-feira, 3 de maio de 2018

O BRASIL QUE EU QUERO

Governar é resolver problemas. Por conta disso, surgem nos períodos eleitorais, pesquisas sobre quais seriam os principais problemas do País. Também a Rede Globo, lançou o Programa o Brasil que eu quero para o futuro, pesquisando as percepções das pessoas sobre os problemas existentes.
  Tem uma meia dúzia de problemas que constam de todos os levantamentos: corrupção, saúde, desemprego, segurança, educação e drogas. Nos últimos levantamentos, corrupção, desbancou a tradição da saúde no topo do ranking.
  Será possível escolher um deles, como prioridade absoluta, para resolver o país? Imagine, por exemplo, que Sergio Moro coloque na cadeia todos os corruptos. Como estaria o Brasil, do dia seguinte? Só para ajudar no raciocínio: foi estimado que o país perdeu, em 2016, 69 bilhões de reais com a corrupção, enquanto foram pelo ralo 500 bilhões com a sonegação.
  Na verdade, todos esses problemas têm uma interdependência sistêmica. Articulam-se no estilo de desenvolvimento, são frutos de opções estratégicas adotadas. Elas explicam nossa situação atual, bem como e para onde devemos buscar a saída.
Todos esses problemas tem que serem enfrentados com uma dosimetria adequada. O problema é que cada um dos brasileiros tende a pensar os problemas olhando para si, situação tão corriqueira na cultura individualista atual. Por exemplo, no topo do ranking, atualmente, está a corrupção. Será que na hora da eleição esse problema orientará a decisão do voto? Alguns analistas duvidam disso. Apostam que na hora do vamos ver, o voto será orientado pela pergunta: o que eu irei ganhar com isso?
Selecionar e priorizar problemas tem lá os seus segredos. Alguns problemas são graves, outros são urgentes e outros têm a tendências de agravamento se não forem tratados a tempo.
  A título de exemplo, a saúde é dos mais graves, pois diz respeito à vida e à dor das pessoas, mas sua solução tem baixa repercussão nos demais problemas. Entretanto, parece que deva ser valorizado pela existência de um modelo de sucesso, já criado, o SUS, um dos mais avançados do mundo. Falta dinheiro, gestão e combate à corrupção.
  A corrupção deve ser priorizada, pelo critério da tendência. Perder a oportunidade criada pela Lava Jato e deixar para depois, seria permitir um retrocesso inaceitável. Além disso, ajudará a melhorar a qualidade das políticas públicas em todas as áreas.
  Um exemplo de problema urgente é o desemprego pelo efeito devastador que tem produzido na sociedade. Seu encaminhamento, ajuda na saúde, nas drogas, na segurança entre outros, tem grande efeito multiplicador.
  Por outro lado, para enfrentar os problemas, é preciso baixar a bola e nos enxergarmos como realmente existimos. Estamos muito mal. Somos a oitava economia do mundo, mas somos um país profundamente desigual. No aspecto territorial, somos dois países, um de Belo Horizonte para cima e outro com o que fica abaixo. Além disso, somos uma sociedade profundamente desigual no aspecto social.
  Sétimo PIB mundial, segundo as Nações Unidas, estamos em 64º lugar em PIB per capita (2014), atrás da Argentina, Panamá, Chile, Venezuela e Uruguai. Se o critério for o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do PNUD, estamos em 74º lugar, atrás de Cuba e Venezuela, entre outros latino-americanos.
Segundo o Relatório da ONU sobre felicidade humana (2017) nos saímos um pouco melhor, conquistando um 22º lugar, onde entre os seis primeiros, cinco são os países nórdicos, construídos pelo projeto social democrata. Nosso sucesso relativo, talvez se deva ao futebol e o carnaval.
A partir dessa nossa realidade complexa, temos que estabelecer um novo estilo de desenvolvimento, sem medo de mudar, pois a característica principal do mundo atual é o da redefinição dos paradigmas.
É preciso, assentar os primeiro os trilhos, como diz o senador Cristovam Buarque, para, então, por a correr a locomotiva.
Falta redefinir rumos para o Brasil, em um mundo em profunda transformação, com a globalização e com as novas tecnologias que se assentam no conhecimento. Nada, jamais, será como já foi um dia.
Fausto Matto Grosso
Engenheiro, professor aposentado da UFMS.
03.05.2018