domingo, 26 de agosto de 2007

QUANDO TUDO ACONTECE

Os partidos e os políticos estão sobre crítica velada, ou aberta, da sociedade. Muitos já são os brasileiros que não acreditam que haja salvação para tais instituições. Fossem apenas descaminhos localizados e pontuais, bastava trocar de partidos e de políticos. Mas, temos que reconhecer que, após a redemocratização, todos os grandes partidos já governaram o país, inclusive os de esquerda e foram incapazes de mudar a política.
Tal situação é grave e coloca em descrédito e risco grave a própria democracia, afinal não inventaram ainda democracia sem política. Não se trata de simples crise conjuntural que diga respeito a alguns partidos e políticos, mas sim, uma crise estrutural da política com instrumento de construir a convivência civilizada entre pessoas, instituições e grupos sociais.
O momento atual, reconhecidamente, é de crise grave. Entretanto partidos e lideranças políticas parecem não se darem conta disso.
Neste exato momento se prepara a reprodução de uma prática política profundamente condenável, o troca-troca partidário de natureza pragmática e oportunista, pois em setembro esgota-se o prazo de filiação dos pretensos candidatos de 1988. É agora quando tudo acontece.
Tais mudanças não são motivadas por razões de consciência, por posicionamentos programáticos ou ideológicos, mas sim, por busca de espaços eleitorais mais favoráveis para a próxima eleição. Esses novos filiados, não raramente, já chegam ao novo partido com a futura traição anunciada. Usam-no enquanto isso for útil, e o abandonarão na próxima conveniência.
Nesse sistema de conveniência imoral, não existem vítimas ou culpados. É a reprodução do quadro de desagregação ética da política. Normalmente as lideranças majoritárias mais competitivas, portanto com maior capacidade de agregação de interesses, encaminham seus apoiadores para diferentes partidos “satélites” para “armar o time” e estes aceitam tais filiações para serem recompensados por alguma benesse da futura coligação.
Não se nota um esforço, por parte dos partidos, de incluir lideranças emergentes dos movimentos da sociedade, dos grupos representativos, da cidadania organizada, ou seja, gente capaz de arejar a política e os partidos. Trata-se, apenas, de um sistema de rodízio, de reciclagem dos mesmos quadros da política tradicional, muitos deles velhos fregueses de candidaturas sem representatividade.
Mudar essa situação é um enorme desafio pois encontra grande dificuldade diante dos costumes e praticas políticas tradicionais que ainda permanecem fortes e hegemônicas nos partidos. Por isso, cada vez mais, se adiciona combustível para a crise ética da política.
Mas, como caracteriza toda crise, a falência do velho pode abrir caminho para uma revolução na cultura política do país, na forma de exercer mandatos, na forma de ser governo e na forma deste se relacionar com a sociedade. Há que se construir uma política nova baseada em valores, em comportamentos republicanos e de sentido ético.
A vigilância cívica da cidadania pode dar uma resposta contundente nas próximas eleições.

FAUSTO MATTO GROSSO,
Professor da UFMS, aposentado.

faustomt@terra.com.br

terça-feira, 14 de agosto de 2007

CAMPO GRANDE MAIS VINTE - O FUTURO DE CAMPO GRANDE

O futuro é uma construção humana aberta, que vai sendo edificada pelos diferentes atores sociais, com suas ações ou pela falta delas. Campo Grande do futuro será o resultado da resposta que for sendo dada, ao longo dos anos, para os seus desafios fundamentais, e estes não são poucos.
No contexto da globalização, a cidade, se quiser se projetar progressista, deverá buscar seu espaço na rede mundial e nacional de cidades. Isto significa estar conectada com outros centros dinâmicos com os quais trocará cultura, bens e serviços. Muitas são as condições para tal. A sua posição estratégica no interior brasileiro e no contexto sul-americano, a credencia para tanto. O início da construção do Porto Seco sinaliza, promissoramente, nesse sentido. Sua condição de pólo distribuidor do turismo ecológico mundial para o Pantanal e Bonito reforça essa possibilidade.
Paralelamente à globalização surge o desafio do processo de localização, ou seja, o de se tornar um ponto particular do universo a partir da sua especificidade sócio-cultural, econômica e ambiental. Tanto mais global será, quanto mais valor de identidade local incorporar à rede. Na dialética da mundialização Campo Grande poderá se afirmar como única, a partir de uma construção consciente da sua sociedade.
No contexto da revolução científica tecnológica, e da afirmação da sociedade pós-industrial, terá que se definir entre o tradicionalismo da sua economia ou do salto para economia baseada produção de bens simbólicos e de mercadorias de alta densidade de conhecimento. Muito ainda há o que se fazer nessa esfera da modernização da economia.
Entre todas as questões, a democratização é o maior desafio, porque permite a construção da cidade a partir de um projeto mais coletivo, mais generoso, mais compartilhado, mais cidadão. Mais do que a infra-estrutura, mais do que a capacidade de arrecadação, mais do que a qualidade dos governantes, o que é decisivo para o desenvolvimento de uma cidade é o seu capital social. Quanto mais ampla e organizada for a rede de relações entre as instituições da cidadania, maior será a qualidade do desenvolvimento e maior a sua sustentabilidade.
Nesse sentido, Campo Grande ainda terá que forjar, com a participação ampla dos seus atores sociais, um grande projeto utópico, de longo prazo, condicionador de sucessivos governos aos desígnios da cidadania e ao controle social. Tal instrumento poderá garantir continuidade nas políticas públicas e nos investimentos estratégicos e articular os limitados orçamentos públicos com os recursos existentes na sociedade sob a forma do empreendedorismo, da responsabilidade social e do voluntariado. Paralelamente ao orçamento público poderá se estruturar um “orçamento da cidade” contando com todos esses recursos adicionais, normalmente não contabilizados, mas disponível para projetos construídos compatilhadamente.
Campo Grande poderá realizar a utopia da radicalidade democrática, diminuindo a separação entre governantes e governados. O Poder poderá ser compartilhado entre as instituições e estas serem organizadas na escala dos cidadãos. Assim o executivo e o legislativo, as universidades e a iniciativa privada, as igrejas e o terceiro setor, o judiciário e o ministério público, os movimentos sociais e o voluntariado poderão serão parceiros de um desenvolvimento pactuado coletivamente.
A cidade tem o desafio de se edificar em uma escala mais humana. A infra-estrutura deverá ser pensada como um instrumento e não como um fim em si próprio, para se ter melhor qualidade de vida, melhor qualidade ambiental e mais integração cultural. A infra-estrutura poderá cumprir um papel de minimizar a exclusão e de ajudar a democratizar as oportunidades, possibilitando, a todos, o acesso aos benefícios do desenvolvimento.
Nossa cidade pode se fazer promissora, se articular-se para enfrentar essa desafiadora realidade e construir capacidade para vencer tais desafios. Essa utopia mobilizadora pode ser um sonho factível se for capaz de mobilizar as das energias cristalizadas na sua, ainda tímida, sociedade civil. A cidade do futuro será feita da realização dessas utopias.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro, professor da UFMS
faustomt@terra.com.br

14 de agosto de 2007