quinta-feira, 31 de outubro de 2019


PAIXÃO POLÍTICA E CEGUEIRA
Resultado de imagem para paixão e razão
  Ultimamente, tenho ficado surpreso e assustado com a radicalização das pessoas. Todas são donas da sua verdade e ficam cegas à complexidade do mundo e das situações. Nesse contexto a sociedade passa a ser dominada pela lógica amigo – inimigo.
  Será que o brasileiro deixou de ser o “homem cordial” de que nos falava Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil?
  A expressão “cordial” é comumente mal interpretada. Não significa, ao contrário do que se pensa, apenas bons modos e gentileza, virtudes muito elogiadas pelos estrangeiros. Cordial vem do radical latino “cordis” isto é, relativo a coração. Ou seja, somos pessoas que, de fato, se orientam mais pela paixão do que pela razão.
  Talvez a palavra mais adequada, devesse ser sentimental e não cordial. O próprio Buarque chamava a atenção: “a inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, visto que uma e outra nascem do coração”.
  A rapidez com que o brasileiro passa do caráter amável para a hostilidade seria uma das fortes características do nosso povo. As reações de amor e o ódio têm provocado nas ruas e nas redes, atitudes que desconhecem os limites do que é civilizado. 
  Para ampliar nosso entendimento, talvez devêssemos nos socorrer, também, de Zygmunt Bauman, especialmente em “O Mal-Estar da Pós-modernidade”.  Segundo o sociólogo, vivemos com uma sensação de que algo está errado com a humanidade. O mal-estar social é resultado de algo instalado na consciência do homem atual como uma angústia, que o faz viver como um peregrino sem rumo histórico.
  Assinala ainda que a sociedade contemporânea vive um sentimento de fracasso por não alcançar a tão almejada felicidade. As utopias se desmancharam no ar, as ideologias coletivas se fragmentaram em aspirações individuais.
  As questões da nossa identidade enquanto povo, combinadas com os sinais dos novos tempos talvez expliquem os fenômenos políticos que temos assistido no Brasil.
  Nos últimos anos, especialmente após a campanha presidencial, temos convivido com uma onda de ódio e discriminação jamais vistos em nossa história. Fake news, calúnias injúrias, e todo tipo de palavrões marcaram esse período. Esse tempo está mostrando os sentimentos “cordiais” de intolerância e de falta de polidez no nosso convívio social.
  Quem seguiu as redes sociais, e os programas eleitorais se deu conta dos níveis baixíssimos de respeito mútuo e de falta de sentido democrático de convivência com as diferenças.
  Após as eleições, o clima não se desanuviou, muito pelo contrário. O pior é que o próprio presidente, e seu entorno familiar e ideológico, milita diretamente nessa radicalização.
  O reposicionamento internacional do Brasil tem sido feito de maneira desastrosa, implicando em potenciais prejuízos para a nossa economia. A questão ambiental das queimadas na Amazônia demonstrou a insensibilidade do Governo com a questão ambiental. A poluição das nossas praias mostrou um governo despreparado para lidar com crises. As reações quanto às mudanças políticas e eleitorais na América Latina tem sido desastrosas e apontam para o nosso isolamento.
  As ações políticas do governo normalmente tem se processado fora da institucionalidade, com o uso irresponsável das redes sociais, que lhe conduziram, inclusive, a um vergonhoso puxão de orelha pelo Supremo.
  Enquanto isso o país vive sobressaltado à espera do que pode vir a acontecer com a institucionalidade democrática. Essa preocupação parece se estender, também, à cúpula das Forças Armadas que aparentemente não estão seduzidas pelo entorno ideológico do presidente Jair Bolsonaro. Nesse clima, tem predominado a teoria da conspiração que tem induzido seus seguidores a posições extremadas e ingênuas.
  Hoje cada um tem a sua própria narrativa, o que lhe é de direito, mas é impossível cada um ter seu próprio fato. A paixão política tem conduzido o brasileiro à cegueira e o país à incerteza.
FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro civil, professor aposentado da UFMS


  

sexta-feira, 18 de outubro de 2019


NOBEL DA PAZ BEM ESCOLHIDO
  O primeiro-ministro da Etiópia Abiy Ahmed Ali agraciado com o Nobel da Paz vencendo a disputa com 301 candidatos sendo 223 personalidades e 78 organizações.
  A lista completa dos candidatos é reservada, por 50 anos, mas entre as personalidades indicadas estavam a jovem ativista ambiental Greta Thunberg e dois brasileiros, o Cacique Raoni e o ex-presidente Lula.
  Desde 1901, o Nobel da Paz tem sido atribuído, segundo o critério deixado no testamento do seu idealizador, às pessoas que "fizeram o melhor ou o melhor trabalho pela fraternidade entre as nações, pela abolição ou redução de exércitos permanentes e pela realização e promoção de congressos de paz”.
  Atualmente se entende como Paz, não apenas a ausência da guerra, mas a existência de sociedades pacíficas e inclusivas (ODS-ONU). Desta forma, o prêmio tem sido atribuído também para ativistas, personalidades e instituições que se empenham pelos direitos humanos, contra a pobreza, pela defesa do meio ambiente, entre outros. Devido à sua natureza política, o Prêmio Nobel da Paz, tem sido sempre objeto de inúmeras controvérsias.
  A Etiópia, país do último premiado compõe com a Eritreia, o Djibuti e a Somália a região chamada de Chifre da África, que margeia o Mar Vermelho pelo lado oeste.  É, portanto, uma região estratégica por conta das rotas do petróleo e, por muitos anos, foi disputada por americanos e soviéticos, sendo palco de inúmeros conflitos armados locais.
  A Etiópia de Abiy Ahmed é um dos sítios mais antigos da existência humana, sendo considerando, por cientistas, o lugar em que o Homo Sapiens se originou. Foi reino da Rainha de Sabá que, segundo passagens bíblicas, foi seduzida e engravidada pelo rei Salomão, iniciando assim a linhagem dos seus imperadores até Haile Selassie  que reinou até 1974.
  Tem uma tradição de independência. Quando o continente africano foi dividido entre as potências europeias na Conferência de Berlim (1885), a Etiópia foi um dos três países africanos que mantiveram sua independência. A nação foi membro da Liga das Nações após a Primeira Guerra, e após um breve período de ocupação italiana, tornou-se membro das Nações Unidas, após a Segunda Guerra.
  Conhecida no Ocidente como Abissínia, com a separação da província da Eritréia, a Etiópia virou um país interior, sem saída para o mar, uma das razões da guerra entre os dois países.
  É nesse contexto que surge o líder Abiy Ahmed Ali. Engenheiro de computação por formação, ingressou ainda jovem no grupo armado que forçou a queda do ditador Mengistu, que havia derrubado o Imperador Haile Selassie em 1974.  Posteriormente, entrou no Exército, onde realizou tarefas de comunicação e inteligência cibernética.
  Abiy Ahmed Ali, em abril de 2018 foi eleito primeiro-ministro da Etiópia, tendo se dedicado, desde então, à efetivação de um acordo de paz com a Eritreia, encerrando uma guerra de duas décadas. Notabilizou-se, também pela mediação no processo de transição no Sudão, que levou este ano a um acordo entre civis e militares.
  Considerado um líder carismático e reformista, iniciou uma verdadeira revolução democrática em seu país. Concedeu anistia a dissidentes políticos, libertou jornalistas encarcerados, nomeou mulheres para 50% dos cargos de seu gabinete e encabeçou a campanha para o plantio de 350 milhões de árvores na Etiópia. Apoiou para a presidência do país Sahle-Work Zewde, a única mulher chefa de Estado na África.
   A premiação de líder etíope é um forte incentivo para a pacificação dessa região da África.
  A jovem ativista ambiental Greta Thunberg, com seus 16 anos, tem tempo para esperar. O Cacique Raoni, prestes a completar 90 anos, já teve a sua nova candidatura lançada para 2020, pela Fundação Darcy Ribeiro.          
  Quanto ao ex-presidente Lula, com inegáveis méritos relativos à inclusão social durante seu governo, não conseguiu repetir Mandela, prisioneiro político que emocionou o mundo.
FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil, professor aposentado da UFMS

terça-feira, 8 de outubro de 2019

TRABALHO, RENDA E FUTURO
  Há hoje no mundo, uma intensa controvérsia a respeito dos impactos das novas tecnologias, na vida social. Uma das mais preocupantes é sobre como será afetado o mundo do trabalho.
  Há aqueles que defendem que para cada posto de trabalho extinto, surgirão outras novas oportunidades.
  Outros imaginam que as novas tecnologias de informação e os robôs criarão um explosivo mundo de humanos descartáveis. Além desse desemprego estrutural, haverá estagnação da demanda e agravamento das crises sociais no mundo inteiro.      Todos os grandes saltos tecnológicos, da revolução agrícola até a revolução tecno-científica do século passado, impuseram perdas para muitos e redefiniram ganhadores e perdedores. Mas a humanidade acabou fazendo as transições.
  Será que a mesma lógica prevalecerá para o nosso futuro próximo? A que preço? Eis a grande questão.
  Por conta disso, urge pensar a sociedade pós-trabalho, a economia pós-trabalho e a política pós-trabalho. No mínimo por precaução.
  Isso não é fácil, pois a lógica que preside nosso tempo é a lógica do trabalho. A Reforma Protestante reconceituou o trabalho indicando-o como um dever para que se possa merecer a graça divina. Também David Ricardo com sua teoria do valor-trabalho apontou que a criação de qualquer valor só poderia vir do trabalho humano, conceito esse apropriado também pelo pensamento marxista.
  Trabalhar significava dar sentido à vida, e passou a ser considerada a fonte de dignidade humana. Tudo isso agora está em xeque, quando caminhamos para uma sociedade sem trabalho, onde a inteligência artificial e os robôs trabalharão desempregando as pessoas. Mudar essa maneira de pensar significa uma verdadeira revolução que provavelmente será disputada por diferentes visões de mundo
           O próprio baronato do Vale do Silício, que vive próximo do futuro, começa a articular alternativas para esse cenário devastador. O bilionário Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, em recente discurso de formatura em Harvard, se manifestou “Chegou a hora de nossa geração definir um novo contrato social”. Apontou também que os Estados devem garantir uma renda mínima a seus cidadãos, para que eles deem conta de despesas básicas como alimentação, moradia, saúde e requalificação profissional permanente.
  Isso mesmo, proposta semelhante àquela do projeto do ex-Senador Suplicy, sua razão de vida, transformado em lei em 2004 e que nunca foi regulamentado.
  Mas Zuckerberg não é doido, nem está sozinho. Ele faz parte de um grupo de lideranças do Vale do Silício que, por estarem muito próximos da fronteira do futuro, estão preocupados em encontrar saída, no mesmo sentido.
  Países como Holanda, Finlândia, Canadá e Quênia (este, com ajuda de recursos do Vale do Silício) têm projetos em fase inicial de adoção. Cidades da Escócia e da Espanha discutem a ideia. Mas ainda há um longo caminho pela frente até que iniciativas do gênero sejam adotadas em larga escala.
  Enquanto isso, a esquerda, que se julga a maior responsável pelos interesses dos trabalhadores, no dizer de Tessa Morris (New Left Review), tem fracassado em aplicar análises mais profundas quanto às transformações econômicas implícitas na economia do conhecimento. Ainda estão perplexas sem saber onde foi parar a mais valia, no geral, pensando o mundo atual com o ferramental que Marx usou para entender o capitalismo do Século 19.
  São necessárias perspectivas novas e críticas sobre as profundas mudanças econômicas pelas quais estamos vivendo – mesmo que isso envolva um risco real de “heresia" ou ao fuzilamento por “revisionismo”
   Há que se disputar o futuro, para não deixar as iniciativas para os neoconservadores que vendem a idéia de que a revolução digital trará um mundo perfeito, com final feliz para todos.      
   
FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil e professor aposentado da UFMS