domingo, 2 de agosto de 2009

MAIS UMA DE COLUNA

Não existe mal maior do que o da coluna. Não há reunião festiva ou conspiração política, mesa de bar ou reunião de trabalho, festa de casamento ou velório sem que alguém venha a ensinar, ao coitado sofredor, uma mezinha já testada, um tratamento miraculoso ou um massagista japonês infalível. O “colunista” é acima de tudo um irritado sofredor social. Começa a detestar até aos amigos mais solícitos e bem-intencionados.
O pior é quando a coluna é de um engenheiro calculista, que começa a suspeitar de uma absoluta inadaptação estrutural de seu esqueleto. O esqueleto é uma caveira que não para em pé, absolutamente instável. Estrutura hipoestática, não se sustenta por si própria, como ensinava o vetusto professor de Resistência dos Materiais. Daí a chatice de ter que fazer academia ou fisioterapia para a musculatura ficar apta para ajudar o esqueleto a se sustentar.
Também pudera, a tal da coluna, no nosso ancestral peludo era uma viga horizontal. Por culpa de um naturalista subversivo Charles Darwin o bicho começou a se levantar, liberando as patas dianteiras para usar instrumentos. Um deles, mais defeituoso, teve uma mutação e, ao contrário dos outros animais começou a ter um dedo que se movia em direção à palma da mão, o que lhe ampliou a facilidade de usar instrumentos. Aí tudo mudou.
O filme “2001 - Uma Odisséia no Espaço”, feito nessa ocasião, flagrou o momento em que o abusado do símio jogou o osso para os céus e este virou uma nave espacial.
Bem sucedido com essa vantagem competitiva, nosso parente peludo ganhou espaço entre as espécies. Usando suas armas de ossos, paus e pedras, para disputar proteína animal com os grande predadores, começou a desenvolver, no seu cérebro, os rudimentos do raciocínio. Começou a estabelecer a relação entre o uso que faria das ferramentas e os resultados que poderiam ser obtidos. Acabou virando um animal sofisticado, com cérebro maior e especializado, com capacidade de pensar. Deixou de ser animal bicho e virou animal homem, até com direito a ser candidato a Presidente ou Senador.
Mas, ao que parece, o castigo dos céus não demorou muito. Foi condenado a ser um animal inadaptado, pois teve a sua ossatura horizontal, originalmente desenvolvida para funcionar como viga, transformada em um pilar na vertical. Essa foi sua condenação por alterar o rumo natural das coisas. Adicionalmente foi castigado: em qualquer lugar por onde andasse teria que ouvir conselhos sobre como sarar da coluna.
Pedindo perdão antecipado aos especialistas, também dou a minha receita salvadora para curar das dores da coluna: é o sujeito voltar a andar de quatro, aliás, posição que numerosos bípedes pensantes, acomodadamente, já adotam há muito tempo.

FAUSTO MATTO GROSSOEngenheiro e Professor da UFMS
faustomt@terra.com.br

Jornal da Cidade - 02/08/2009

quinta-feira, 28 de maio de 2009

REFORMA POLÍTICA E LISTAS ELEITORAIS

28.05.2009
Não há reforma que dê conta de “resolver” todos os problemas da política e da cultura política hoje existentes. É preciso ter claro que, a cada problema resolvido, surgirão problemas novos, correlatos às novas situações criadas. Defensores e beneficiários do status quo sempre vão acenar com os novos problemas para conseguir que tudo fique como sempre esteve.
Há que ser ter clareza de que não se trata, portanto, de buscar soluções mágicas e sim de comparar custos e benefícios de cada medida que for adotada, sempre partindo do entendimento de que, tal como se encontram hoje, as coisas não podem ficar. Há um claro esgotamento do modelo vigente ao mesmo tempo em que há uma cobrança forte da opinião pública.
Com relação à mudança de listas pós-ordenadas para listas pré-ordenadas, o que deve ser analisado é se o parlamentar deve ser dono do seu mandato, com possibilidade de negociá-lo nos mercados das vantagens pessoais ou eleitorais ou se ele dever representar as idéias e programas constantes dos programas partidários.
Embora devamos ter presente que há um processo de crise estrutural das formas-partidos, tais como as conhecemos hoje, não há como avançar sem fortalecimento programático dos partidos em relação às representações individualistas que caracterizam a chamada “classe política”. Nesse sentido, tudo que fortalece os partidos é melhor do que aquilo que fortalece a “portabilidade” dos mandatos.
Primeiramente é preciso dizer que entre os países que se utilizam do sistema de eleição proporcional, apenas dois, o Brasil e a Finlândia utilizam o sistema de listas pós-ordenadas.
Atualmente, as eleições para os legislativos são feitas através do sistema proporcional, em listas pós-ordenadas. Ou seja, o número de assentos nos parlamentos é distribuído, entre os partidos, proporcionalmente ao numero total de votos obtidos pela listas de candidatos que apresentaram. Definido o número de vagas a que tem direito os partidos, são conduzidos aos mandatos aqueles mais votados da lista, provocando, portanto, uma disputa interna, pessoal, entre os candidatos do mesmo partido.
Na nova proposta, as eleições continuarão a serem feitas no sistema proporcional, mas as listas seriam ordenadas, anteriormente, pelos partidos.
Aparentemente, há uma diminuição do poder do eleitor. Mas na verdade, o eleitor quando vota, mesmo que não o perceba, primeiro escolhe o partido quando digita os dois primeiros números e só depois é que escolhe o candidato, quando digita o restante dos números.
Além disso, poucos mais de 50% dos eleitores “ganharam” as últimas eleições realizadas em MS, ou seja, viram serem eleitos os seus escolhidos, tanto para deputados federais como para deputados estaduais. O resto “votou, mas não levou” e ainda alguns viram serem eleitos deputados com votações inferiores aos obtidos pelo seu deputado que ficou de fora.
Na eleição em listas pré-ordenadas, desde que todas as listas elejam representantes, a totalidade dos eleitores pode “ganhar”.
Com a lista pré-ordenada evitaríamos também a danças dos trânsfugas, deputados mudando de partidos, portanto fraudando os eleitores qualificados que votam pela opinião política expressa nos programas partidários.
Mesmo que possa haver distorções nas primeiras eleições, pelos vícios da tradição política hoje existente, e elas são previsíveis, sob vigilância dos meios de comunicação e da opinião pública, com o tempo, os partidos teriam que construir as listas mais representativas programaticamente, que melhor expressam os seus compromissos e valores.
Para ficar em alguns exemplos práticos, figuras representativas como Ulisses Guimarães, Mário Covas ou Tancredo Neves, se vivos, ou Gabeira, Freire, Simon, profundamente representativos dos programas dos seus partidos seriam, necessariamente, os puxadores das listas pré-ordenada. Lembro que a cada eleição o velho Ulisses Guimarães sempre corria o maior risco de não ser eleito. Não é muito diferente a situação dos outros lideres citados.
O sistema de listas abertas, pós-ordenadas, permite exatamente o oposto, ou seja, a potencialização das oportunidades daqueles que são capazes de mobilizar volumosos e escandalosos financiamentos eleitorais, ou daqueles que são portadores de visibilidade despolitizada ou populista na mídia. Mudando a regra, dificilmente um parlamentar que “lixasse para a opinião pública”, ou que fosse envolvido em escândalos, teria chance de encabeçar uma lista pré-ordenada e ter prioridade em uma eleição. Atualmente são esses os grandes beneficiários das regras vigentes.
Um aprimoramento que ainda poderia ser contemplado na reforma seria a abertura das listas à participação de lideranças não filiadas à legenda, tal como acontece em alguns partidos europeus, possibilitando uma interface dos partidos políticos com os movimentos e os novos atores políticos e sociais, cada vez mais numerosos e diferenciados da sociedade moderna. Essa proximidade poderia produzir uma grande oxigenação da política partidária.
Outro aspecto de relevância é que haveria uma grande economia nas campanhas e a simplificação do controle dos gastos eleitorais. Em vez de fiscalizar centenas de contas individuais, uma de cada candidato, a justiça eleitoral teria que fiscalizar uma única conta referente a cada lista partidária. Nesse sentido, o sistema de eleições por listas partidárias fechadas é, praticamente, uma condição imprescindível para o estabelecimento do financiamento público responsável das campanhas eleitorais.
Os opositores dessa proposta acenam à opinião pública, com a falta de credibilidade dos partidos, e a pouca confiabilidade das direções partidárias. Mas o desgaste dos partidos fundamentalmente vem do desgaste da maneira como os políticos votam e como exercem seus mandatos privados. Ao mesmo tempo, não se pode pensar a política futura com os partidos resultantes do sistema eleitoral atual.
A aprovação das listas partidárias fechadas provocará uma modificação na consciência do cidadão que será forçado a melhorar a sua informação política, saindo do alcance da baixa política hoje dominante. Mudando o sistema eleitoral tenderá a mudar a visão dos eleitores e, portanto, mudarão para melhor os partidos e os políticos eleitos.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro civil e professor da UFMS

faustomt@terra.com.br

domingo, 17 de maio de 2009

REFORMA POLÍTICA E CULTURAL

Mais uma vez retorna à luz dos holofotes a questão da reforma política, agora contando com a articulação ostensiva do Poder Executivo e de sua base de apoio. Carregando a complexidade do tema e a diversidade dos interesses envolvidos, estão na ordem do dia o estabelecimento da votação em listas eleitorais pré-ordenadas para os legislativos, o financiamento público das campanhas, a “janela” para mudança de partidos um mês antes das convenções e o fim das coligações nas eleições proporcionais.
Muitos outros temas correm por fora, como é o caso do voto distrital e do estabelecimento do sistema parlamentarista de governo, este último, mesmo sendo o mais importante, pode, mais uma vez, vir de maneira casuística para resolver eventual impasse na sucessão presidencial.
O certo é que nenhuma medida pontual será capaz, sozinha, de produzir o milagre da recuperação da crença na política, assim como, mudança mais profunda no sistema político, não poderiam se resumir, a mudanças das regras eleitorais e partidárias, mas sim exigiriam um verdadeiro choque na cultura política das instituições e dos cidadãos.
Para começar, teríamos que contrapor o conceito de representação política ao de “classe política” composta de donatários de mandatos pessoais com “portabilidade”. Teríamos que acabar com a promiscuidade entre a máquina pública e as campanhas eleitorais. Teríamos que acabar com a imoral votação por amor, comprado.
Teríamos ainda que por fim a esse jogo cínico existente entre políticos de profissão e cidadãos-clientes, bem como ao jogo espúrio entre políticos investidores e os financiadores-de-mandatos. Nos dois últimos casos a ávida cobrança vem depois sob a forma de favores pessoais ou do ressarcimento dos investimentos feitos, sempre debitados ao erário público. Por trás de todas essas causas, que produzem a crise da representação, se encontram a fragilidade da cidadania, a debilidade da participação política e a fragilidade dos partidos políticos. Brasileiros que “não gostam” de política não podem reclamar da política que resulta das suas omissões.
Não há possibilidade de democracia sem participação cidadã. A democracia também não pode prescindir de políticos e de partidos políticos fortes, construídos em cima de programas nos quais se possa acreditar. É a esse déficit cívico que deve ser atribuída a qualidade, tão criticada, dos nossos representantes. Iguais aos jabotis em cima das árvores, nossos deputados e senadores só ascendem aos mandatos por votos conferidos pelos seus eleitores.
Nesse sentido, a qualidade da representação está diretamente ligada à qualidade da participação dos cidadãos. Mesmo considerando a profundidade da mudança necessária, alguns avanços, se adequadamente dirigidos, podem ajudar a desatar o atual nó da crise da política e da crise da democracia representativa. Uma grande marcha começa com o primeiro passo, já ensinava o professor Mao Tsé Tung. Entretanto, se de um lado a crise atual da representação pode ser a parteira de mudança, é preciso ter claro que ela será feita pelos políticos nascido das velhas formas que entraram em crise.
É necessário, portanto a pressão e a vigilância da opinião pública para que as expectativas hoje existentes não se frustrem e a reforma não se constitua em mero artifício esperto, para abrir as janelas para mudanças de partidos ou para aprovar um terceiro mandato presidencial, como alguns analistas têm apontado.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro civil e professor da UFMS
faustomt@terra.com.br

Publicada no Jornal da Cidade - 17/05/2009

domingo, 29 de março de 2009

A MAROLINHA E O TSUNAMI

O Presidente, sem querer, acertou em cheio o diagnóstico. A marolinha que varre o mundo nem de perto tem o impacto demolidor do maremoto silencioso que vem jogando por terra a civilização industrial e fazendo ascender a civilização do conhecimento.
Essa é a verdadeira crise. O velho já morreu e o novo ainda não se espraiou dominando definitivamente o mundo material e as consciências. Vivemos a dor do parto do novo, à qual se somou o nada desprezível resfriado da recente crise econômica mundial
O tsunami destruiu todas as referências ideológicas, políticas, econômicas e sociais da velha sociedade industrial. Foi por água abaixo o sistema do socialismo real, o Estado do Bem-Estar Social e o Liberalismo que era a moda da temporada. Estão em processo de esgotamento os Estado Nacionais, os partidos e os sindicatos. Vivemos a tendência do fim do emprego, tal como o conhecemos nas décadas passadas, e a sua substituição por outras formas de trabalho e de obtenção de renda, inclusive com o fortalecimento de redes de cooperação produtiva de pequenos e médios empreendedores.
Apesar de muita produção intelectual e de reflexões estratégicas ocorridas na segunda metade do século passado, poucos líderes perceberam esse processo e se prepararam para aproveitá-lo. A China, a Índia e a Coréia, entre poucos outros jogaram todas as fichas no investimento nas pessoas, na produção de conhecimento e no desenvolvimento tecnológico. Gorbatchov, a seu tempo, o percebeu encaminhando o arquivamento da corrida armamentista da guerra fria, destruidora de esforços produtivos, fazendo a Glasnost, a Prestroika, mas não tendo tempo de fazer a sua Uskorenie, nome que dava ao processo de aceleração do desenvolvimento tecnológico. A nova Rússia, companheira do Brasil nos BRICs também saiu da sua grande crise olhando para frente.
O Brasil não. Faltaram clareza e líderes com pensamento estratégico. Surfou imprudentemente na expansão da economia mundial, desperdiçando oportunidades e morrendo na praia, com taxas medíocres de crescimento, porque continuava, com raras exceções, produzindo commodities agrícolas e minerais, cada vez em maior quantidade, para receber, cada vez menos em valores reais. Adotou a ortodoxia monetarista quando poderia ter feito reformas estruturais de profundidade para gerar um ciclo virtuoso de desenvolvimento moderno.
Enquanto os outros apostavam na produção do futuro, sucateávamos nossas universidades e centros de pesquisas. A popularidade alta propiciada pela participação marginal na produção de riqueza dos outros, toldava a visão de todos e embalava os governos na frágil popularidade de curto prazo, garantida pelas ações de natureza compensatória e de resultados efêmeros. Faltou lucidez para aproveitar os bons momentos e mudar o Brasil, sem mudança não poderia haver esperança.
Há quem possa considerar as afirmações acima como alienadas, fora do contexto da crise da conjuntura, diletantes ou sonhadoras. Posso estar errando nas cores, mas tenho o convencimento de que o quadro é esse. Nada mais prático do que uma boa teoria.
Não podemos enfrentar a crise atual, de origem no mundo da especulação financeira, pensando em salvar o velho. É preciso ter um olho na crise financeira mas é necessário deixar dois olhos atentos nos novos paradigmas. Essa postura permitirá priorizar a salvação do que tem futuro. Não é razoável combater a crise com medidas defensivas da velha economia, o desafio é ter proatividade na saída pra cima e para frente, dirigir os esforços para fomentar a economia portadora do futuro.
Não adianta olhar para trás na busca de receitas. Não adianta saborear a falência do liberalismo, pensando no retorno a modelos com prazos já vencidos. Não basta resgatar a frase, falsamente atribuída a Marx – todos os internautas devem tê-la recebido - prevendo, em 1867, que o consumismo levaria à quebra e à estatização dos bancos. É preciso sim resgatar a ciência da história no que ela tem de poderosa ao nos permitir entender que não se pode fugir para trás, o passado não se repete, a não ser como farsa. Vale disso tudo apenas uma verdade: ainda é preciso o Estado, não basta apenas o mercado. E para que os dois não fiquem sócios é inequívoca a necessidade do fortalecimento da sociedade para controlá-los.
A solução deverá vir de apostas fundamentadas na nova economia do conhecimento e não nas grandes montadoras automobilísticas, serviço de quarta categoria há muito já transferido para os países da periferia do mundo enquanto o centro cuida de coisas mais importantes como o projeto, o patenteamento e a logística mundial de colocação desses produtos. Existem empregos em jogo, é lógico, para esses a proteção social e uma vigorosa recapacitação, mas necessário perceber que quantidades muito maiores de postos de trabalhos estão nas micros, pequenas e médias empresas, nos arranjos produtivos locais - as primeiras que deveriam ser socorridas. Não dá para sair dessa crise mais dependente ainda da produção de vulneráveis commodities agrícolas e minerais, com preços historicamente declinantes. Produzir alimentos sim, mas focado no mercado interno, felizmente fortalecido nas últimas décadas. Desta forma se poderá abrir espaço para a democratização da economia agregando pequenos produtores da agricultura familiar.
Há que se olhar para a economia dos serviços modernos, para o turismo, para a ampliação da produção limpa de alimentos e de energia, apostar na nossa biodiversidade para sustentar a revolução da biotecnologia.
Há que se apostar na qualificação das pessoas, no empreendedorismo, em pesquisa e desenvolvimento, que nos Estados Unidos produziu o Vale do Silício e que no Brasil começa se formar como espaços de competência e prosperidade no eixo UFSCar – USP – UFRJ – ITA, este último que deu a base para a moderna indústria aeronáutica brasileira. Essas são as principais ocupações e empregos as serem salvas, pois são os que têm futuro.
Embora os economistas e os analistas políticos se dividam na interpretação da duração e de amplitude dessa crise, o fato é morrendo na praia a marolinha, o mundo não será mais o mesmo, porque é o tsunami é que está por trás de tudo.

FAUSTO MATTO GROSSO
Professor da UFMS, engenheiro
faustomt@terra.com.br

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

MAIS UMA DE COLUNA

Não existe mal maior do que o da coluna. Não há reunião festiva ou conspiração política, mesa de bar ou reunião de trabalho, festa de casamento ou velório sem que alguém venha a ensinar, ao coitado sofredor, uma mezinha já testada, um tratamento miraculoso ou um massagista japonês infalível. O “colunista” é acima de tudo um irritado sofredor social. Começa a detestar até aos amigos mais solícitos e bem-intencionados.
O pior é quando a coluna é de um engenheiro calculista, que começa a suspeitar de uma absoluta inadaptação estrutural de seu esqueleto. O esqueleto é uma caveira que não para em pé, absolutamente instável. Estrutura hipoestática, não se sustenta por si própria, como ensinava o vetusto professor de Resistência dos Materiais. Daí a chatice de ter que fazer academia ou fisioterapia para a musculatura ficar apta para ajudar o esqueleto a se sustentar.
Também pudera, a tal da coluna, no nosso ancestral peludo era uma viga horizontal. Por culpa de um naturalista subversivo Charles Darwin o bicho começou a se levantar, liberando as patas dianteiras para usar instrumentos. Um deles, mais defeituoso, teve uma mutação e, ao contrário dos outros animais começou a ter um dedo que se movia em direção à palma da mão, o que lhe ampliou a facilidade de usar instrumentos. Aí tudo mudou.
O filme “2001 - Uma Odisséia no Espaço”, feito nessa ocasião, flagrou o momento em que o abusado do símio jogou o osso para os céus e este virou uma nave espacial.
Bem sucedido com essa vantagem competitiva, nosso parente peludo ganhou espaço entre as espécies. Usando suas armas de ossos, paus e pedras, para disputar proteína animal com os grande predadores, começou a desenvolver, no seu cérebro, os rudimentos do raciocínio. Começou a estabelecer a relação entre o uso que faria das ferramentas e os resultados que poderiam ser obtidos. Acabou virando um animal sofisticado, com cérebro maior e especializado, com capacidade de pensar. Deixou de ser animal bicho e virou animal homem, até com direito a ser candidato a Presidente ou Senador.
Mas, ao que parece, o castigo dos céus não demorou muito. Foi condenado a ser um animal inadaptado, pois teve a sua ossatura horizontal, originalmente desenvolvida para funcionar como viga, transformada em um pilar na vertical. Essa foi sua condenação por alterar o rumo natural das coisas. Adicionalmente foi castigado: em qualquer lugar por onde andasse teria que ouvir conselhos sobre como sarar da coluna.
Pedindo perdão antecipado aos especialistas, também dou a minha receita salvadora para curar das dores da coluna: é o sujeito voltar a andar de quatro, aliás, posição que numerosos bípedes pensantes, acomodadamente, já adotam há muito tempo.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro e Professor da UFMS
faustomt@terra.com.br
Publicado no Correio do Estado em 03.02.2009 e

Jornal da Cidade On line em 02.08.2009

sábado, 24 de janeiro de 2009

QUANTO MAIS MUDA, MAIS FICA A MESMA COISA

A Hidra de Lerna na mitologia grega tinha um corpo de dragão e dez cabeças enormes de serpentes, que exalavam um hálito mortífero, e que se regeneravam à medida que iam sendo cortadas, ou seja, matava-se uma e surgia imediatamente outra em seu lugar. Apenas uma das cabeças era mortífera e Hércules teve que encontrá-la para liquidar o monstro.
Qual será o segredo da tão clamada mudança da política em nosso Pais? Haverá solução para a sua mal-cheirança? Haverá algum ponto chave para o abate dessa coisa monstruosa? na qual se transformou “a mais nobre das atividades dos homens”, como a caracterizava Aristóteles.
No meio a uma enorme expectativa de mudanças da política existente na sociedade, a última eleição representou mais do mesmo, ou seja, quanto mais mudou, mais ficou a mesma coisa.
Se perguntarem à maioria dos candidatos a vereadores, eleitos ou não, o que tinha mudado nessa última eleição em relação à de 2004, é provável que poucos tenham consciência que disputavam um mandato que não lhes pertenceria e sim aos seus partidos com os seus programas respectivos. Essa foi a decisão do TRE em outubro de 2007, que causou enorme e positiva expectativa na opinião pública, como sinalização de que se ferira de morte a velha política.
Diante disso, era de se esperar que a última eleição municipal se processasse em um clima totalmente novo, pois afinal quem disputaria seriam os partidos, as idéias e os programas, e não os candidatos. Qual nada, a velha e fedorenta hidra continuou exalando o hálito mortífero, contra as esperanças de mudanças, foi uma eleição igualzinha às outras. Continuou a prevalecer o conceito criado nos últimos tempos, descaradamente, de que política é coisa para “profissionais” e não para o habitante da polis, o cidadão.
Os partidos, salvo alguns pequenos de esquerda, praticamente não existiram no último processo eleitoral. Não se discutiram diferenças político-ideológicas ou programáticas em relação à cidade. Toda a campanha foi feita no singular do discurso individualista dos candidatos inclusive prometendo coisas que não lhes competiria realizar, a não ser através de uma inaceitável relação de troca com o Executivo.
Fui um dos que procuravam os partidos nos adesivos dos automóveis. Quanta dificuldade. Em alguns, precisava-se encostar o dedo no vidro, pois só a essa distância era possível enxergar o nome do partido-candidato. É possível que com essa dificuldade, muita gente tenha votado no preposto e não no partido-candidato, talvez se caracterizando uma eleição-estelionato.
Haveria condição para uma eleição diferente? O povo entenderia e se contentaria em escolher o partido – como o faz sem saber – em vez do candidato? Uma mudança na cultura política dos eleitores não é assim tão fácil, tenho consciência disso, mas se perdeu uma enorme oportunidade de começar um processo de educação e qualificação política dos eleitores. Como falou Gabeira, vitorioso politicamente no Rio de Janeiro, já passou da hora de banir a hipocrisia da política. Mas contra isso se postaram os representantes-beneficiários da política tradicional, diante da omissão indesculpável dos partidos.
Construídos da maneira como o foram, como funcionarão nos novos parlamentos municipais? Serão os palcos dos partidos e programas, como manda a lei, e a boa política, ou serão a continuidade do vôo solo dos projetos pessoais.
Como serão as relações institucionais entre as câmaras e os executivos? As novas alianças terão bases programáticas, envolvendo os partidos-eleitos ou continuarão a serem marcadas pela cooptação por meios, não raro, pouco dignos?
Dizia o velho nordestino que “pau que nasce torto morre torto”. Quem sabe a política em nosso Estado nos cause uma surpresa agradável que possa desmentir esse adágio e comece a ser feita com a grandeza que merecemos nós os cidadãos.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro e Professor da UFMS

OBAMA – O PRIMEIRO LIDER GLOBAL

Surfando uma imensa onda de esperança, Obama chegou à Casa Branca. Na sua posse afirma que o mundo mudou e que os Estados Unidos vão se ajustar a esse mundo novo retomando a inspiração fundadora dos ideais da Revolução Americana.
O novo Presidente americano ganhou as eleições em todos os países do mundo globalizado e na sua posse além dos milhares de americanos presentes, outros milhões de homens e mulheres, dos mais distantes rincões do mundo, tomaram posse do presidente americano, como líder.
Pela primeira vez, está posta a possibilidade de um líder global, que baseia sua força, não no arsenal bélico que comanda, mas na sintonia com o tempo em que vive e na liderança moral que foi construindo na sua campanha, lavando a alma de jovens, de excluídos, de celebridades do mundo das artes, de cientistas, de ambientalistas, de libertários e humanistas de todos os matizes, do mundo inteiro.
Antes isso não seria possível, o mundo novo permitiu esse espaço, o mundo da multipolaridade. A seu tempo, talvez só o líder Gorbatchov tenha conseguido tamanho consenso na opinião pública mundial, mas o mundo ainda era o velho mundo da Guerra Fria, que ele conseguiu desarmar. Apesar disso caiu derrotado pelo conservadorismo do Estado Soviético, e pelas máfias já incrustadas nas estruturas de poder. Isso aponta um alerta para o novo presidente americano.
Por seu lado, Obama, por enquanto, conseguiu derrotar, eleitoralmente, as forças mais reacionárias dos interesses americanos, especialmente as da indústria da guerra, fazendo uma campanha memorável de 10 milhões de endereços eletrônicos, de militância de milhares de jovens voluntários, de engajamento das ONGs, de personalidades do mundo da cultura e dos movimentos sociais. Se mantiver a sustentação interna e externa, pode o novo Presidente, estabelecer um novo estilo de liderança dos Estados Unidos no mundo.
A possibilidade de existir um primeiro líder realmente mundial está colocada, esse é o desafio do Presidente norte-americano. Vencerá a crise econômica sem jogar a conta para países pobres? Conseguirá o recolhimento dos seus exércitos do Iraque e do Afeganistão? Fechará Guantánamo? Modificará a posição dos Estados Unidos em relação a Cuba? Esses são os primeiros “rubicões” que terá que atravessar depois da posse rodeada de jovens esperançosos, dos shows gratuitos de grandes bandas, U2 à frente, e dos 50 grandes bailes.
Fora as questões internas da crise econômica, do desemprego, do deficiente sistema de proteção social e à saúde, ao longo do mandato terá imensos desafios globais a enfrentar. Reposicionará estratégicamente os Estados Unidos no mundo multipolar? Ajudará a criação de uma nova ordem econômica mundial, inclusive com maiores controles sobre o sistema financeiro? Apoiará a reformulação do sistema das Nações Unidas? Levará seu país a uma posição mais responsável diante da crise ambiental mundial?
O bom é saber que ele não está sozinho no front interno. Antecedendo à posse, a serviço dessa obamamania militante que o elegeu, importantes organizações progressistas americanas, que apoiaram sua campanha, já articularam uma plataforma de apoio às mudanças e à mobilização da opinião pública para que o sentido de “união nacional” necessário para o enfrentamento da crise não subverta os compromissos com as mudanças. Essa governabilidade ampla, na sociedade, pode fazer toda a diferença, e se constituir na garantia do cumprimento da promessa de mudanças.
Todas as mudanças anunciadas são possíveis e o mundo inteiro torce por elas. Estará o líder americano à altura dessas expectativas e desafios? Agora sim, vai ser testado se Obama pode. Se a sociedade americana pode. Se o mundo está, mesmo, diante do primeiro líder global.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro e Professor da UFMS