quarta-feira, 29 de julho de 2020

BOLSONARO E O CAMINHO PARA 2022


  O país já se move em modo de eleições presidenciais de 2022. As eleições municipais deste ano deverão ser meros lances táticos tendo em conta a estratégia de acumulação de forças para 2022.

  As mudanças na política brasileira foram profundas na última década, acompanhando as tendências mundiais de fortalecimento da direita.  A hegemonia da social democracia na política brasileira deu mostra de esgotamento após os governos FHC e Lula, quando foram produzidos bons resultados sociais. Mas a democracia, também aqui, foi colocada em questão devido ao baixo nível de suas entregas à sociedade, principalmente de serviços públicos de qualidade.

  Os brasileiros estavam cansados da crise econômica, dos escândalos de corrupção e da insegurança pessoal e social. Bolsonaro obteve apoio de eleitores de diversas classes sociais, esperançosos de que o presidente iria impor a ordem, proteger os “cidadãos de bem” da delinquência, defender os valores da família tradicional e colocar fim aos escândalos da corrupção.

  Segundo a professora Esther Solano, os eleitores de Bolsonaro tinham em comum um sentimento de rejeição da política. “É um voto de frustração, de cansaço e inclusive de desabafo contra a política. Representa aquela ideia de politização da antipolítica, que o Bolsonaro captou tão bem, transformando esse mal-estar e o descontentamento num grande capital eleitoral”.

  É nesse contexto que Bolsonaro se elegeu presidente.   Venceu no segundo turno com 55,13% dos votos válidos. Considerando o total de brasileiros aptos a votar, Bolsonaro obteve apoio de apenas quatro em cada dez eleitores, os outros seis se dispersaram entre Haddad, abstenções, brancos e nulos. Esse é o tamanho real da sua legítima vitória.

  O eleitor típico de Bolsonaro, era masculino, com formação universitária, de classe social alta, morava na região Sul e era evangélico.

           Colocando em curso as suas fragmentadas propostas, o governo esbarrou em imensas dificuldades de articulação política e de capacidade de governo. O grande projeto de “tremendo liberalismo” costurado pelo ministro Paulo Guedes, foi encontrando resistência dos outros poderes e da sociedade. O que foi feito, deveu-se muito mais ao protagonismo do Congresso, que das iniciativas do governo. A baixa qualidade do governo foi se revelando em resultados pífios e condução política desastrosa. Com uma oposição fraca, Bolsonaro foi se tornando o maior adversário de si mesmo. A epidemia de Covid-19 foi uma pá de cal na sua gestão, pelos seus custos humanos e econômicos. Bolsonaro agora deve administrar apenas a sua sobrevivência política até as eleições de 2022.

  Pesquisa recente do Ibope (julho) mostra que seu apoiador típico ainda é muito parecido com o que o elegeu. É homem, mora na região Sul, tem meia idade, ensino fundamental, renda alta e é evangélico. Sua oposição típica é mulher, mora na região Sudeste, é jovem, tem ensino superior, renda média e é católica. A mudança perceptível, ao longo do mandato, foi a perda do eleitorado de formação superior. Possivelmente o negacionismo da ciência tenha lhe custado esse preço.

  Mesmo lhe tendo sido arrancado a contragosto, o vale-vírus de R$ 600,00, lhe deu algum fôlego, enquanto durar. Ele quer transformá-lo, junto com vários outros benefícios, em Renda Brasil. Talvez isso possa acenar com avanços no seu eleitorado, principalmente na região Nordeste, que lhe é hostil, mas grande parte dos analistas preveem dificuldades financeiras para a sua implantação.

  Assim, vamos caminhando para as eleições presidenciais de 2022, para a qual ele ainda é, no momento, o grande favorito, principalmente por falta de opções de opositores competitivos.

  Ninguém sabe como isso terminará. Se o país for castigado com a sua reeleição, ele que já entregou a sua promessa de acabar com o horário de verão, talvez possa cumprir outras pendências, como o fim da urna-eletrônica, a substituição da tomada de três pinos, e a anulação do acordo ortográfico.

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro e professor aposentado da UFMS


sexta-feira, 17 de julho de 2020

CORRUPÇÃO NAS ELEIÇÕES


           Desta vez pegaram o Serra e o Alckmin, tucanos da alta plumagem. Quantos mais irão pegar? A Lava Jato já atingiu PT, PSDB, PP, PMDB, DEM, PDT, PR, PSD, Solidariedade, PSC e outros peixes menores. Direita, centro, esquerda, todo o espectro partidário já foi objeto de investigações. A corrupção parece ser um problema transversal a todas as ideologias.
  Marcelo Odebrecht, o empreiteiro bem sucedido, já tinha afirmado “Duvido que tenha um político no Brasil que tenha se eleito sem caixa dois. E, se ele diz que se elegeu sem, é mentira, porque recebeu do partido”. O empreiteiro matou a cobra e mostrou o pau - uma lista de 242 políticos de 19 partidos. Os políticos receberam apelidos pitorescos. Os partidos receberam nomes dos times de futebol. Quase todas as torcidas foram contempladas.  O Trancaferro e o Garanhão foram convocados para ministros do time do Bolsonaro. Até os ex-presidentes Amigo, Escritor e Roxinho participavam desse campeonato. FHC, o príncipe dos sociólogos, segundo afirmação de Emilio Odebrecht recebeu ajuda, mas não se sabe se tem apelido. Até aqui estivemos falando apenas de uma das empresas de financiamento da política.
  O problema do financiamento eleitoral é antigo, talvez contemporâneo à disputa de interesses em eleições. Copiei o título deste artigo de um homônimo seu, escrito em 20 de Agosto de 1852, no New York Daily Tribune, a respeito da eleição daquele ano para Parlamento Inglês. O articulista afirmava que a eleição revelara “o maior montante de corrupção eleitoral já posto em prática”. Continuava, afirmando que como decorrência disso os candidatos poderiam “ser obrigados a declarar, sob juramento, quem eram seus apoiadores e que tipos de comunicação mantiveram com eles. Ou ser interrogados e compelidos a declarar não apenas o que sabem, mas também o que “acreditam, supõem e suspeitam” a respeito do dinheiro despendido por eles próprios ou por quaisquer outras pessoas atuando - de forma autorizada ou não - em nome deles”. O autor desse artigo, atualíssimo, era um judeu alemão, nascido na Prússia Renana, que atendia pelo nome de Karl Marx.
           Como efeito das revelações da Operação Lava Jato, muitas modificações, no geral positivas, foram feitas quanto ao financiamento das campanhas. Hoje está proibido o financiamento empresarial e as contribuições de pessoas físicas estão limitadas a 10% do rendimento pessoal do doador. A maior parte do financiamento virá do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) que é um fundo público, que integra o Orçamento Geral da União.
  O total a ser distribuído por esse fundo é de cerca de R$ 2,0 bilhões. Número dessa magnitude é de difícil percepção pelas pessoas. Para se ter parâmetros para comparação, o Orçamento do ministério da Saúde é de R$ 127,07 bilhões e o da Educação R$ 103,00 bilhões. O número mais gritante é o da isenção de impostos oferecida pelo governo às empresas que é de R$ 330,6 bilhões.
  O recurso do Fundo de Campanha será distribuído, entre 33 agremiações com base em resultados eleitorais passados e representatividade na Câmara Federal e no Senado. Com os critérios adotados, o Partido dos Trabalhadores (PT) receberá o maior montante, com mais de R$ 201 milhões, seguido pelo Partido Social Liberal (PSL), com cerca de R$ 199 milhões. Dois partidos abriram mão dos recursos do FEFC o partido Novo e o PRTB.
  Para ficar mais clara a economia propiciada pelo financiamento público, basta compararmos com os valores já arrecadados pela Lava Jato. Tomando em conta apenas a força-tarefa em Curitiba, o total de valores previstos em acordos de leniência, colaboração, TAC e renúncias voluntárias chega a R$ 14,3 bilhões, dentre os quais, mais de R$ 4 bilhões já foram restituídos. Eleições mais limpas, transparentes e democráticas valem esse investimento de dinheiro público.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro e professor aposentado da UFMS

sexta-feira, 3 de julho de 2020


O NOVO MARCO LEGAL DO SANEAMENTO


  “Sanear” é uma palavra que vem do latim e significa tornar saudável, higienizar e limpar. O tratado de Hipócrates “Ares, Águas e Lugares” já ensinava aos médicos quanto à forte relação entre o ambiente e a saúde.
  Atualmente, vivemos sob uma epidemia onde a principal recomendação é lavar as mãos. Entretanto, dos nossos 210 milhões de habitantes, temos 39 milhões sem abastecimento de agua potável (equivalente à soma da população do RS, SC, PR, MT, MS, RO e TO) e 101 milhões sem acesso a serviço de esgoto (equivalente à soma da população SP, MG, RJ, BA).
  O novo marco legal do saneamento (PL 4.162/2019), que está nas mãos do Presidente da Republica para sanção, é uma iniciativa que promete resolver esse déficit de infraestrutura e serviços.
  A Constituição de 88 definiu o saneamento como direito do cidadão e atribuiu aos municípios a responsabilidade da titularidade, fiscalização e regulação dos serviços de saneamento básico. Esses poderiam prestar o serviço diretamente ou delegar para companhias de saneamento básico estaduais ou privadas, como tem funcionado até hoje. Nada disso muda com a nova legislação. Os contratos vigentes poderão até ser prorrogados por mais 30 anos.
  Entretanto, duas mudanças fundamentais estão estabelecidas: o fim do direito de preferência das empresas pública na contratação dos serviços e o condicionamento desses contratos a metas de universalização dos serviços. Essa universalização prevê até 31 de dezembro de 2033 o atendimento de 99% da população com acesso a água potável e 90% com acesso a coleta e tratamento de esgoto.
  Essas medidas vêm acompanhada da expectativa de atração de investimentos de R$ 700 bilhões em 12 anos, aplicados nesse setor estratégico para a geração de empregos, ajudando a enfrentar a falta de recursos públicos para investimentos e melhorias na eficiência no setor.
  A menos de reparos que se possa fazer aqui é ali, o projeto merecia a aprovação pelo Congresso Nacional. Ficaram contra apenas alguns poucos setores mais ideológicos de esquerda que ainda confundem o estatal com o público, e por miopia enxergam nessas medidas uma terrível “privatização da água”, que não existe. Outros ainda se opuseram, por considerar o lucro nessa área, como imoral, regredindo a uma discussão que Marx, a seu tempo, já havia encerrado. O lucro não é moral, tampouco imoral, é amoral. É conceito de outro plano, alheio à economia real e à política pública.
  Não há aqui uma comparação entre as virtudes do sistema público ou do privado. Existem empresas públicas, como a SABESP de São Paulo, que são exemplares, prestam bons serviços e apresentam lucros, inclusive mantêm capital aberto nas bolsas. Essas poderão até concorrer em novas licitações, mas não é o caso geral. A população não pode pagar pela ineficiência na prestação de serviços, seja por entes públicos ou privados. O líder chinês Deng Xiao Ping, ao seu tempo, já ensinava “não importa a cor do gato, contanto que ele cace o rato”. Na União Soviética, quando Gorbatchov descobriu isso, já era tarde.
  Não é adequado, também, ficar imaginando que basta a segurança jurídica trazida pela nova legislação de Saneamento. Não se pode acreditar na bala de prata. A decisão de investir ainda vai depender da confiança política, que no momento atual tem afastado os investimentos privados. Ademais, os resultados só serão seguros com regulação transparente, responsável e autônoma tanto em relação ao Estado quanto aos interesses do mercado.
  Há quase 100 anos existem estatais no ramo e temos grande parte da população sem esgoto e sem agua. O novo marco abre uma alternativa que deve ser saudada pela possibilidade de mobilização de recursos que as estatais não possuem. É irresponsabilidade social continuar esperando mais 100 anos. O novo marco legal do saneamento é uma oportunidade para entrarmos no século XXI.
FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro civil e professor aposentado da UFMS