terça-feira, 29 de junho de 2004

A AGENDA

A AGENDA



Em uma cerimônia singela, mas densa em simbolismo, foi lançada na semana passada a Agenda 21 – Campo Grande Nosso Lugar. Trata-se da sintonização da nossa cidadania local com a cidadania global que tenta construir um mundo melhor para se viver. Campo Grande, adotando esse compromisso do milênio, ganha maioridade e estatura cosmopolita.

Um dos marcos dessa construção foi Conferência Mundial sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente - Rio 92, promovida pela ONU, onde se avançou na conceituação do Desenvolvimento Sustentável e em uma pactuação que envolveu mais de 170 países. Passou a ser compromisso planetário a busca de um novo padrão de desenvolvimento que articule adequadamente eficiência econômica, conservação ambiental e inclusão social.

Em nossa cidade a construção da Agenda foi um trabalho que envolveu, desde 2001, mais de 80 instituições públicas e da sociedade civil, provavelmente uma das mais densas articulações já exercitada em nosso Estado, sobre a coordenação do Instituto Municipal de Planejamento Urbano e Meio Ambiente – PLANURB.

Na parceria para a construção da Agenda 21 foram envolvidos os três níveis de governo, o federal, o estadual e o municipal e as três esferas de poder, o executivo, o legislativo e o judiciário fundindo e pactuando responsabilidades comuns, mostrando a possibilidade de superar as competições autofágicas ou o auto-isolamento a que, tradicionalmente, se impõem.

No meio disso a sociedade civil passando de uma postura meramente reivindicatória para uma atitude pró-ativa, tentando tomar nas mãos o destino do seu lugar. Foram entidades profissionais, sindicatos, instituições culturais, universidades, organizações não governamentais, movimentos sociais, exercitando a construção democrática do futuro comum.

Não há vento favorável para quem não sabe para onde ir, ensinava Sêneca, 500 a.C. Campo Grande começou a se autodefinir. Essa agenda consagra rumos a serem trilhados pelas construções dos diversos governos e diversos atores do desenvolvimento. Um documento como esse deve estar acima dos planos de governo, dos projetos partidários e dos interesses privados individualistas ou predatórios.

Os governantes têm que entenderem que seus espaços de poder, outorgados pelo povo, os submetem a mandados maiores do que seus projetos pessoais, por mais competentes e bem intencionados que sejam. Estes devem ser medidos pela relação que têm com as referências construídas pela sociedade civil, até porque esta, numa democracia, é também espaço de poder que articulado adeqüadamente, com o poder público pode viabilizar tarefas muitas vezes impossíveis se baseadas exclusivamente na vontade e nos instrumentos das lideranças políticas.

Se as perspectivas são promissoras pelo lado da cidadania, são ainda muito sombrias pelo lado do poder público. A marca do nosso tempo ainda é a de governantes que participam apenas formalmente desses processos mas não o colocam no centro de sua política. Exemplo disso foi o que aconteceu com o MS 2020, que perseguia, em nível estadual, os mesmos objetivos da Agenda 21 de Campo Grande.

Muito se terá que caminhar para que uma nova realidade se imponha, mas esse é o rumo do processo democrático. As distâncias são ainda muito longas, prova disso é que a solenidade do lançamento da Agenda 21 foi vazia de lideranças políticas. A base da sociedade civil , entretanto, estava lá, constatando esse fato profundamente educativo.


FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil, professor da UFMS

 29 de junho de 2004

segunda-feira, 14 de junho de 2004

NOVO VERSUS VELHO

Começamos a morrer no dia em que nascemos, diz o filósofo. Não se atravessa o mesmo rio duas vezes afirma o outro. Embora o movimento e a mudança façam parte do nosso cotidiano, muitas vezes só enxergamos a permanência e a continuidade na realidade do dia a dia. Às vezes acontece ainda pior, temos vontade de voltar ao que já passou, como se essa máquina do tempo já tivesse sido inventada.
O mundo em que vivemos tem sido marcado pelo ritmo alucinante da mudança, mas nem sempre isso significa melhoria para a humanidade. Esse novo vai ser configurado pela luta entre as forças que disputam a hegemonia no processo de mudança.
A Revolução Industrial, introduzindo as máquinas na produção e produziu a modernidade do Século XX, mas também as suas injustiças. As máquinas eram meras extensões motoras dos braços do homem. Apesar de ser uma coisa simples, essa mudança afirmou o capitalismo como sistema dominante, mas na disputa sobre o futuro, fez nascer a idéia do socialismo e o sistema socialista mundial que chegou a dividir quase ao meio o mundo existente . Surgiram, com os perfís atuais, os Estados Nacionais, os Partidos e os Sindicatos.
A Revolução Científico-Tecnológica, ao intensificar o uso produtivo do conhecimento e da informação, criando os novos materiais, o computador, a robótica, os supersensores, levou à produção uma extensão do cérebro humano. O impacto disso no mundo está redesenhando todos os paradigmas anteriores.
Para se ter uma medida dessa realidade, segundo previsões da Conferência de Atlanta sobre o Futuro do Mundo, 1995, no Japão no ano 2020, apenas 5% da população terá lugar no mercado de trabalho, 74% do PIB daquele país provirá de bens e serviços que não tinham sido ainda inventados e o estoque de conhecimento humano duplicaria a cada 83 dias.
Nesse contexto novo, os velhos métodos, as receitas tradicionais já não funcionam mais como antes e a perplexidade toma conta das mentes. Os Estados nacionais perdem significância perante os blocos regionais, começam a serem formados os mecanismos de uma nova governança mundial. Assim como o mercado se interconecta instantaneamente, surge o embrião de uma nova sociedade civil mundial. Como parte desse mesmo processo fortalece-se o local como espaço de exercício da cidadania e da democracia. Pelas redes de interesses se articula uma verdadeira cidadania global e local que coloca no horizonte o fim do conceito de estrangeiro.
Vivemos uma verdadeira crise de civilização. No linguajar do filósofo , mais uma vez o que é sólido está se desmanchando no ar. Aí convém chamar um pensador italiano que enxergava a sua época a partir da consciência da univesalidade da regra do movimento. Gramsci ensinava: crise é aquela situação que se instala quando o que é velho já morreu e o que é novo ainda não nasceu.
Nesse contexto, ainda convivem os dois, muitas vezes, cada vez menos, é o velho que lidera e manda. Mas o novo está lá, solerte, buscando o seu espaço de afirmação. Mais adiante será o novo que firmará, inexoravelmente, a sua presença. Apesar da afirmação cada vez maior de valores humanos, conquista do processo civilizatório, afirma-se a disputa pela hegemonia no novo mundo. Cada lado tem seus intelectuais, seus seguidores, e seus militantes.
A direita mundial soube entender esse processo melhor do que a esquerda. Por isso liderou a saída da crise afirmando novos paradigmas igualmente excludentes e opressores. Sua ideologia era o pensamento único do neoliberalismo.
A esquerda jogou na defensiva, acabou exercendo um papel conservador. Não percebeu as possibilidades novas, perdeu a inciativa e perdeu a disputa. Muitos mudaram o discurso por oportunismo, não porque o mundo mudou. Na perplexidade e na crise, muitos simplesmente se transformaram em meros síndicos conservadores da massa falida do velho. O desafio que se tem pela frente é, de novo, ela ser portadora de uma utopia transformadora, razão da sua existência. Para isso tem que recuperar a sua liderança “intelectual” e moral, reinventar-se.

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro Civil, professor da UFMS

segunda-feira, 7 de junho de 2004

RESPONSABILIDADE SOCIAL

Um peso e duas medidas, assim tem sido, infelizmente, a política que está sendo posta em prática pelo governo Lula, dando seqüência ao pior da “herança maldita” deixada pelo governo anterior. Tudo para a banca internacional e nacional, e nada para o social.
Enquanto a primeira ganha novos privilégios propostos na Lei das Falências, o segundo é brindado com o salário mínimo de duzentos e sessenta reais, com poder de compra muito aquém daquele determinado pela Constituição que, pelo que se imagina, ainda é a lei maior do País.
A Lei de Responsabilidade Fiscal, mesmo com vício de origem, acabou sendo uma importante medida contra a irresponsabilidade dos administradores quanto aos recursos públicos. Da mesma forma, para garantir a Nação contra a insensibilidade dos governantes, torna-se imperiosa, cada vez mais, uma Lei de Responsabilidade Social.
As bases para uma legislação dessa natureza estão, pouco a pouco, sendo amadurecidas na sociedade brasileira. Após a Constituição de 88 começou a ser consolidada uma rede de organizações sociais ligadas às políticas públicas que sinaliza promissoramente para essa possibilidade. Assim são os conselhos na área de saúde, de educação, de assistência social, de meio ambiente, de cultura, de promoção de direitos entre outros. Tais conselhos ainda têm atribuições e práticas correntes muito limitadas, mas podem dar um salto, enquanto instrumentos de controle social, se amparados e emponderados por uma Lei de Responsabilidade Social.
Dentro dessa perspectiva seria obrigatório, tanto quanto hoje o é a geração de superávits primários, o cumprimento dos mínimos sociais pactuados com a sociedade.
Obrigar-se-ia os governos a executarem planos estratégicos, elaborados com a participação da sociedade, com validade mais ampla do que os períodos dos mandatos. Os governantes seriam levados, assim, a entender que são simples instrumentos da vontade popular.
Impor-se-ia aos governos a gestão por metas de melhorias sociais, bem como a avaliação objetiva da eficácia de sua atuação. Governante que deixasse involuir o Índice de Desenvolvimento Humano - IDH/ONU - ou que produzisse incremento muito baixo desse indicador poderia ser proibido de concorrer a novos mandatos eletivos, tal como acontece hoje com aqueles que não respeitam a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, o Orçamento Anual, mais do que organizarem as prioridades da aplicação apenas dos recursos públicos, sempre insuficientes, seriam organizadores de todos os recursos, financeiros ou não, existentes na sociedade. Na execução de um projeto estratégico produzido pela sociedade, deveriam ser considerados também os recursos das organizações não-governamentais, do conhecimento, das empresas socialmente responsáveis, do voluntariado entre outros.
Os governos se obrigariam a integrar a gestão de suas três esferas - Município, Estado e União – mesmo que de partidos diferentes. Dentro dessas esferas se integrariam, com responsabilidade social, o Executivo, o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público e o Tribunal de Contas.
A Gestão seria necessariamente compartilhada, envolvendo, cada um com a sua responsabilidade específica, o Governo, as Organizações Sociais, a Iniciativa Privada, o Terceiro Setor, o Voluntariado, as Instituições do Conhecimento, os Meios de Comunicação entre outros.
O Balanço Social, ao final de cada ano, seria a medida da responsabilidade social do governo, seu julgamento público perante o Tribunal de Contas da Sociedade.
Utopia? Não sei. O município de São Sepé, no Rio Grande do Sul, já tem um governo com dois pesos e duas medidas.

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro Civil, Professor da UFMS