domingo, 30 de maio de 2004

LIMITES DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

Fala-se novamente, no plano estadual, na retomada do orçamento participativo. Essa experiência, transplantada das práticas municipais de algumas prefeituras do PT, era uma espécie de carro-chefe do que se chamava “modo petista de governar”, mas foi absolutamente desmoralizada pela realidade. Ainda se deve à comunidade os recursos colocadas no primeiro orçamento participativo elaborado em 1999.
Essa prática administrativa, sem dúvida com alta motivação democrática, mostrou-se extremamente limitada diante do quadro real da gestão e das finanças públicas.
Muitas são as justificativas que podem ser buscadas para explicar esse fracasso entretanto o desafio é buscar formulações mais avançadas que resgatem a motivação altamente democrática do OP.
É notória a crise de financiamento do Estado Nacional, das Unidades da Federação e dos municípios. A máquina estatal tem se sustentado a custa de aumentos constantes de carga tributária, e artificios para desvincular recursos da distribuição obrigatória como o antigo Fundo Social de Emergência, e em Mato Grosso do Sul o Fundersul e o Fundo de de Investimentos Sociais. O fato concreto é que a capacidade contributiva do brasileiro comum está esgotada e mesmo assim o Estado não dá conta de atender minimamente os investimento em políticas sociais básicas.
O orçamento estadual é altamente inelástico. Atualmente mais de 80% da receita encontra-se percentualmente vinculada a determinadas despesas “obrigatórias”: saúde, educação, repases para outros poderes, repasse para municípios, pagamento de dívidas com a União, cultura, esporte, ciencia e tecnologia.
Falar em espaços participativos em orçamento cujas componentes já tem definição prévia de mais de 80% obrigatórios para com os outros, ficando o restante também bastante comprometido com a execução de despesas básicas na área de pessoal, gestão, arrecadação, desenvolvimento, cultura, esporte, segurança e infra-estrutura básica, dentre outras; Dentro desse quadro é muito pequena a margem passível de decisão dos fóruns participativos;
Falar em orçamentos participativo quando não existe, por antecedência, compromissos com o planejamento participativo é conversa fiada para engabelar o distinto público.
1 - BENEFÍCIOS ESPERADOS
Participação popular na definição das prioridades locais
Debater as necessidades junto com a comunidade, contribuindo para a formulação de políticas públicas eficientes.
Transparência na administração dos recursos públicos
Fornecer informações sobre a gestão dos recursos arrecadados e gastos pelo governo do Estado;
Estimulo as ações de cidadania e controle social
Criar cidadãos ativos, conscientes e informados sobre a administração pública.
2 – ANÁLISE DO PROJETO
Orçamento estadual, excessivamente vinculado. Atualmente mais de 80% da receita encontra-se vinculada a determinadas despesas, ficando o restante também bastante comprometido com a execução de despesas básicas na área de pessoal, gestão, arrecadação, desenvolvimento, cultura, esporte, segurança e infra-estrutura básica, dentre outras; Dentro desse quadro é muito pequena a margem passível de decisão dos fóruns participativos;
O Governo convive e também criou outros fóruns de decisão além do OP: Cogeps, Conselho do FIS, Conselho do Fundersul, Conselho de Saúde, Conselho do Funresp etc
O Governo é tensionado por reivindicações setoriais por salários e vantagens do funcionalismo, que acabam impactando os recursos orçamentários (estaria disposto a jogar tal matéria para um fórum democrático?)
O governo tem adotado a opção política de atendimento das bases parlamentares, inclusive com a adoção negociada de emendas parlamentares (estaria disposto a jogar tal matéria para um fórum democrático?)
Ao se abrir o processo de levantamento amplo de demandas nas assembléias municipais, cria-se uma imensa expectativa na população que só poderá ser atendida em um percentual muito pequeno. Os Fóruns Regionais do OP ao restringirem e priorizarem as demandas já criam frustrações de expectativa e potencial desgaste para o governo.
Participantes das assembléias sem o entendimento adequado do processo do OP e da real necessidade do município, aliada à falta de informação técnica, ocasionam demandas distorcidas que comprometem a execução. Quanto mais amplo o processo mais difícil o debate qualificado via democracia direta.
Mobilização dirigida dos participantes, distorcem a representação favorecendo determinados segmentos sociais, tais como os ligados à área de Educação e Saúde;
O OP acaba implicando em maior rigidez para a administração atender as emergências;
Grande questão: seria politicamente correto manter a ilusão de participação no orçamento quando na verdade a imensa maior parte das questões ficam fora do âmbito de decisão popular, por imperativos legais, por inelasticidade da execução orçamentária ou por coexistência de outros fóruns de decisão?
3 – ANÁLISE DA CAPACIDADE DE GOVERNO
..................................................................................
Para a solução política desse conflito iniciou-se o processo negociado de emendas parlamentares;
Ampliam ainda mais a vinculação da receita a determinados segmentos, como Saúde, em detrimento de outras áreas.
A superveniência de demandas inesperadas acabaram comprometendo a execução do OP;

..................................................................................

domingo, 23 de maio de 2004

NUMEROLOGIA DE CAMPO GRANDE

A eficiência e o crescimento econômicos são pré-requisitos fundamentais para o desenvolvimento sustentável, a conservação ambiental é seu condicionante, entretanto, a elevação da qualidade de vida e a equidade social são os objetivos centrais desse estilo de desenvolvimento.
Nesse sentido a ação dos Governos e da sociedade deve ter sempre em conta essa prioridade a ser conferida à esfera do desenvolvimento social. Esse é um entendimento que hoje faz parte de um consenso mundial, cada vem mais amplo. O homem deve ser a finalidade do desenvolvimento.
Assim, o Brasil assumiu, no âmbito ONU, o Compromisso do Milênio, que estabelece metas bem definidas de desenvolvimento social, a serem atingidas até 2015. Essa Instituição, através do seu Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD – monitora o país através do cálculo do seu Índice de Desenvolvimento Humano – IDH.
Esse índice mede, numa escala de 0 a 1, a combinação das condições de longevidade, de educação e de renda per capita da população.
O Brasil atingiu, segundo relatório de 2003, o IDH 0,766, o que o coloca como um país médio de desenvolvimento. Nesse contexto, Mato Grosso do Sul ocupa o 7o lugar entre os estados brasileiro, com IDH 0,769 e Campo Grande, no estado, ocupa o 2o lugar com IDH 0,814, perdendo para Chapadão do Sul com IDH 0,826.
Focando especificamente nossa Capital, sua posição relativa é muito boa. Seu IDH 0,814 situa-se ligeiramente acima de 0,800 que é o limite entre a classificação de médio e de alto desenvolvimento, condição muito melhor do que a média nacional, porém muitolonge do primeiro lugar que é ocupado por São Caetano do Sul, com IDH 0,919. Isso mostra o quanto ainda é possível avançar.
Esse indicador de qualidade de vida deveria ser a nota do “Provão” dos administradores municipais. Quanto cada gestão avançou durante o seu período, deveria ser a medida do sucesso ou do fracasso das políticas implementadas. Uma medição insuspeita como essa, conduzida pela ONU e pelo IPEA poderia afastar a população da propaganda enganosa de falsos sucessos administrativos.
A próxima administração municipal, ao orientar e priorizar as políticas públicas, deve observar que o indicador educacional - IDH 0,915 - indica o relativo sucesso da política educacional que deve ser mantida e aprofundada.
O indicador de longevidade – medida da expectativa de vida ao nascer - na nossa capital é de 0,757, ou seja, bem abaixo do IDH global do município. Aumentar a longevidade da população depende dos cuidados com a saúde e com a salubridade do local onde habitam e trabalham as pessoas. Influem também, negativamente, nesse indicador a violência e os acidentes de trabalho ou de trânsito. Saúde, saneamento e segurança devem ser prioridades municipais.
Da mesma forma, o indicador de renda do município é baixíssimo - IDH 0,77 - contribuindo para baixar em muito o indicador de qualidade de vida no município. Criar oportunidades de trabalho, emprego e renda deve ser política central da nova administração.
A combinação de políticas que possibilitem desenvolvimento econômico com políticas de capacitação torna-se importante missão da próxima admininstração. É importante, entretanto, combinar a velha política de atração de grandes industrias, com o fortalecimento das micro e pequenas empresas, essas sim, grandes geradoras de emprego e renda. Há que se ficar de olho também nas mudanças que se operam na economia contemporânea que apontam para o fortalecimento do setor de serviços modernos.
Igualmente importante é a articulação das políticas públicas do município com as das administrações dos municípios vizinhos, todos eles com IDH bem desnivelados com o de Campo Grande. A futura região metropolitana da capital, já prevista na Constituição Estadual, não poderá ter sucesso diante de tamanhos desníveis.

FAUSTO MATTO GROSSO

Engenheiro Civil e Professor da UFMS

sexta-feira, 14 de maio de 2004

GOVERNANÇA DE NOVO TIPO

Vivemos nas últimas décadas um processo verdadeiramente revolucionário em escala planetária. Trata-se da superação dos paradigmas da sociedade industrial pelos novos ditames da revolução do conhecimento e da informação.
Quantos milhões de pessoas marcharam pelas ruas do mundo contra a eminente Guerra do Iraque, sem seguir a nenhuma organização centralizada, sem nenhum comando único. Quantos milhões de espanhóis foram às ruas após o atentado de Madri e mudaram a rumo político do País, num movimento cidadão. As fotos das torturas nas prisões iraquianas, que hoje correm o mundo mobilizando a indignação mundial podendo até mudar o curso da guerra, constituem outro exemplo do novo contexto da globalização. Por trás de tudo uma sociedade em rede, organizada pela comunicação on-line, pela internet.
Vivemos em escala global e local a criação de uma sociedade mais complexa, onde os atores determinantes não são mais apenas o Estado, os sindicatos e os partidos políticos. No jogo complexo com esses atores tradicionais existem outros novos interlocutores ativos: as organizações sociais, o terceiro setor, os conselhos de políticas públicas, as instituições ambientalistas, as universidades, os meios de comunicação, as empresas socialmente responsáveis, entre outros.
Esta realidade nova demonstra a existência de uma esfera pública que vai além do Estado tradicional e lhe cobra uma radical transformação. Apressar a emergência de um novo modelo de Estado é um dos maiores desafios contemporâneo do pensamento progressista.
Não há mais espaço para o Estado centralizado, já com alvará vencido, e sim um Estado descentralizado em instâncias locais. Não mais o Estado verticalizado pela figura do líder salvacionista e sim o Estado horizontalizado pela participação cidadã. Não mais o Estado fragmentado em setores ou níveis de governo mas sim o Estado integrado em busca de maximização de resultados. Não mais um Estado instrumental dos interesses econômicos dominantes e sim um Estado finalístico voltado para o bem comum. Não mais um Estado isolado e fechado, mas um Estado profundamente articulado com a sociedade. Não mais um Estado rígido e burocrático mas um Estado flexível, on-line, em rede e na internet.
Não se pode pensar novas gestões municipais na atualidade sem essa visão contemporânea. Há que se abrir à construção de novas formas de governança social, democráticas, participativas e descentralizadas. É necessário avançar na construção do que tem se chamado de Poder Local.
O Poder Local não é apenas o poder da Prefeitura, ou da Câmara, mas ao poder dessas deve ser somado o poder da sociedade organizada. Esse Estado ampliado deve, além dos atores tradicionais, envolver novos atores reais da construção da vida da cidade: o Ministério Público, o Judiciário, as instâncias públicas federais e estaduais que atuam no município, a iniciativa privada, as organizações sociais e entidades do terceiro setor, os conselhos públicos territoriais, dos idosos, da saúde, da educação, as universidades, os meios de comunicação entre outros.
Esta é a base orgânica para a construção de cidades democráticas. Cidades onde habitem cidadãos não apenas votantes, não apenas beneficiários, não apenas reivindicantes, mas cidadãos com autodeterminação, cidadãos gestores, participantes de uma governança de novo tipo.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil e Professor da UFMS

14 de maio de 2004

domingo, 9 de maio de 2004

PROGRAMAS DE GOVERNO

Acabou-se o tempo em que se podia fragilizar os adversários eleitorais, dizendo que eles não tinham planos. Hoje os principais candidatos, em quaisquer eleições majoritárias, exibem, em coloridos e ilustrados cadernos, as suas propostas salvacionistas, redentoras da vida dos cidadãos. Esse material se transforma, através da mídia, em discurso eleitoral, principalmente na televisão.
Entretanto, a grande questão, mais do que a necessária qualidade do programa, é o fidelidade real que os candidatos têm com os compromissos que anunciam à sociedade.
Planos delegados a terceiros, a especialistas ou não, quase sempre são peças de retóricas sem conseqüências. Os planos têm de ser sempre a expressão combinada do que pensam os candidatos, com a pregação dos partidos que representam. Por isso a necessidade de os partidos terem também programas para valer.
Portanto, o desafio do plano, mais do que técnico, é profundamente político. A arte do programa é a combinação coerente das ideologias e programas, dos partidos que se alianciam, com os estilos pessoais dos candidatos, figuras essas centrais no estabelecimento dos vínculos e dos compromissos com a população.
Programas devem ser pactos políticos dos partidos entre si. Serem os documentos que selam as alianças e que deverão ter o papel de balizar a sua continuidade ou não. A solidariedade política futura deve ficar condicionada ao seu cumprimento.
Devem refletir o que pensam também os candidatos, seus principais intérpretes e responsáveis pelo estabelecimento do pacto político-social com a população. Os candidatos não devem apenas representar, como se atores fossem, os programas e sim poderem olhar nos olhos dos eleitores como a expressão mais assumida do que pregam seus programas.
Elaborar programas exige a arte de saber ler as aspirações da sociedade, nas suas diversas manifestações. De envolve-la pela sua participação direta ou de suas lideranças. Deve ter o condão de tira-la do ceticismo, e faze-la acreditar no sonho possível, mas não se limitar a isso. Fazer apenas o possível é obra dos políticos medíocres. O desafio é o de tornar possível aquilo que é necessário, só assim passaram para a história os lideres com vocação de estadistas. Portanto, programas sem ousadia e sem uma adequada dose de utopia não se prestam à política que pretende resolver os graves problemas que hoje parecem sem solução.
A administração futura deverá sempre tê-lo sobre a mesa para não se esquecer da sua razão de existir. Rasgá-lo, na prática administrativa corrente, deveria ser motivo para enquadramento na Lei de Responsabilidade Política e Moral, como falta grave.
Falo de Brasil sim, mas daquele que temos a responsabilidade de construir.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil, professor da UFMS.

9 de maio de 2004.

sábado, 1 de maio de 2004

PATRIMONIALISMO

A aprovação, pelo Plenário do Senado, da Medida Provisória que cria 2793 cargos comissionados na Casa Civil da Presidência, o apelidado “trem da alegria do PT”, chama a atenção para um problema bem maior, de natureza estrutural.
Desde Collor, justificado pela ideologia do “Estado Mínimo”, o serviço público vem sendo paulatinamente desmontado no País.Vivi isso, de corpo presente, na Universidade e também durante o ano passado em Brasília.
Na Secretaria de Desenvolvimento do Centro-Oeste, onde trabalhava, o único funcionário do quadro efetivo, era a copeira. Os demais eram ou terceirizados (em alguns casos isso pode ser justificável), ou contratados temporariamente via convênios de cooperação técnica com organismos internacionais (artifícios para fugir dos concursos públicos) ou ainda eram ocupantes de cargos comissionados, de livre provimento, os famigerados “cargos de confiança”.
Portanto não se deve discutir a Medida Provisória focando na falsa questão do inchaço dos cofres do PT pela contribuição partidária obrigatória do filiados que preenchesse tais “cargos de confiança”. O que é chave nessa discussão é o reflexo dessa disfunção na qualidade da administração pública.
A análise é clássica. A capacidade de governo tende a aumentar com o tempo. O governante só consegue governar, efetivamente, após a sua maquina administrativa atingir um mínimo de maturidade. Antes disso o dirigente aperta o botão e não acontece nada. Esse parece ser ainda o estágio da atual administração – o governo aparenta não ter começado. O simbolismo usado pelo PFL de comemorar o aniversário do governo com um bolo com só dois terços, embora cruel é impecável.
Contrariamente a isso, os governantes costumam começar a gestão com seu nível máximo de apoio. Afinal, a opinião pública acabou de se manifestar a seu favor, a oposição fica cuidadosa para não enfrentar esse sentimento majoritário, enfim, todo mundo dá um voto de confiança ou pelo menos “um tempo”. Essa governabilidade tende a cair ao longo do tempo. Aproximando-se das eleições, complica-se mais a obtenção de apoio geral. Existe um mínimo de governabilidade que diz quando o governo acabou, que não tem mais condição política para tomar iniciativas.
Essa contradição temporal entre a capacidade de governo e a governabilidade faz com que o tempo eficaz de governo não seja de quatro anos e sim bem menos. Obter o mais rapidamente possível capacidade de governo é o desafio chave. Obviamente isso não se consegue com mudanças radicais nos quadro “técnicos” da administração.
O quadro da Administração Pública tem que ser profissionalizado em nível máximo possível. Isso é que vai garantir o acúmulo da experiência e a consolidação de uma cultura administrativa que garanta resultados.A falta de resultados do Governo atual tem muito a ver com a descontinuidade administrativa provocada pela substituição radical dos “cargos de confiança”. Aí é que “mora o perigo”: democracia sem resultados não se sustenta.
Via redução drástica dos cargos de livre nomeação e a realização de concursos públicos combinados com avaliações permanentes de desempenho, tem que ser consolidado um serviço público profissional que independa dos governantes de plantão. Tais servidores o são do público e não dos governantes. Esse é o imperativo republicano a que devem se submeter os governantes.
Além do mais, convenhamos, chamar cargos comissionados de “cargos de confiança” expressa um patrimonialismo inaceitável em qualquer político com compromisso democrático e republicano.

FAUSTO MATTO GROSSO
Engenheiro Civil e Professor da UFMS

1º de maio de 2004