POR DETRÁS DAS LEIS
Carmelino Rezende
(Esta crônica será publicada no livro Histórias que ninguém iria contar)
Houve um
tempo, durante o período da Ditadura, em que os órgãos de repressão passaram a
privilegiar a informação à repressão pura e simples. Mais importante do que prender passou a ser
saber o que os “inimigos” estão fazendo.
Foi graças a
essa mudança “civilizatória” da repressão que me livrei de uma bela enrascada.
Meu primeiro
endereço como advogado, em Campo Grande, foi na rua 13 de maio, entre a Av Afonso Pena e a Barão do Rio Branco. Passados uns anos, bem em frente,
estabeleceu-se a Direção da Polícia Federal.
Frequentava o
escritório meu amigo fraterno, colega de faculdade, Aleixo Paraguassu, recém
empossado Juiz de Direito. Antes de aqui
chegar, ele havia sido Delegado de Polícia em Brasília e, estudioso que sempre
foi, tinha sido lá professor na Escola Nacional de Polícia.
Logo, muitos
dos policiais da Federal o reconheceram, reatando antigo relacionamento da
época da Escola. Sempre juntos, passei
também a dividir as conversas com os amigos de meu amigo.
Passado algum
tempo, um dos policiais, que se dizia estudante de Direito, pediu para
frequentar o escritório, como estagiário.
Volta e meia pedia algum livro emprestado, discutia um tema qualquer e
assim se tornou pessoa presente em nosso cafezinho.
Naquela
época, de dura repressão, o jornal do Partido era o “VOZ OPERÁRIA”, impresso e
distribuído clandestinamente, com poucos exemplares, em cada órgão estadual,
que o repassava aos militantes de mão em mão, até que o último o
incinerava. Quem fosse pego com a V.O.
na mão, estava dispensado de interrogatório...
Um belo dia,
recebi a V.O. do mês. Enquanto me
preparava para passá-la adiante, escondi o exemplar na biblioteca do
Escritório, na estante da coleção de leis editadas pela “LEX”, com uns 100 volumes.
Chegando de
repente da rua, a Secretária me informou que o amigo da Polícia estava na minha
sala, procurando um livro. Abri a porta
e me deparei com o “cara da Federal” com a mão em cima da estante da “LEX”, bem
próximo de onde estava escondido o “tesouro”.
Não sei quem
se assustou mais, se ele ou eu, mas ambos mantivemos a serenidade, com uma
desconversa qualquer. Logo ele se
desinteressou pela pesquisa da Lei que procurava e atravessou a rua.
Até hoje não
sei se o “cara da Federal”, apiedado com a franqueza do trato que sempre teve,
quis apenas dar um aviso, até porque o volume ficou fora do alinhamento, ou,
se, de fato, não chegou ao “tesouro”.
Uma coisa,
porém, mudou muito depois disso. O estagiário raleou suas visitas e sua
presença no cafezinho não foi mais tão frequente, até que desapareceu. E o meu amigo Juiz percebeu também que sua
amizade com seus antigos alunos foi se esfriando, até mesmo com indiretas sobre
o embaraço de se ter certas amizades inconvenientes.
O fato é que,
depois do susto, por muito tempo nossa “base” de advogados não se reuniu mais
no escritório, nem a V.O. foi entregue nesse endereço. Mas, como na vida tudo passa, com o
enfraquecimento do regime, com a campanha da anistia, das diretas, e com as
primeiras eleições, aquele “aparelho” virou comitê de vários desses movimentos
e até mesmo a Polícia Federal acabou mudando-se para sua nova sede, onde está
até hoje.
Carmelino Rezende
Um comentário:
O meu pai Agenor Leal era o vendedor das Colecoes da LEX. O esconderijo. Eu tambem camuflava algumas coisas atrás dos livros de minha casa...risos...Bela lembrança do Carmelino.
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