quinta-feira, 20 de setembro de 2018


FIGURINHAS POLÍTICAS

Aproximam-se as eleições. Os principais contendores, segundo as pesquisas, têm também, as maiores rejeições. Temos pela frente uma eleição de ódio e medo, dois maus conselheiros. O país que herdaremos poderá ser um Brasil ainda mais dividido, com mais instabilidade política e social.
O pano de fundo da eleição que se aproxima é o de esgotamento da política tradicional, caracterizada pelo descompromisso programático, pela promiscuidade entre o público e o privado, pela corrupção, e pelo clientelismo, situação essa que afeta os mais diferentes partidos e suas lideranças.
Diferentemente de eleições anteriores, quando todos os candidatos pareciam iguais aos olhos dos eleitores, hoje a cena está mais iluminada. A exposição dos candidatos nos debates, nas pesquisas e nas mídias eletrônicas está deixando mais claro o que cada um representa. Será que escolheremos o mais acertado?
Uma boa ajuda para a tomada de decisão do voto pode vir da análise da tipologia dos líderes políticos construída pelo chileno Carlos Matus. O autor tipificava os estilos de liderança política em Chimpanzé, Maquiavel e Gandhi, em uma escala civilizatória.
Tais como nos grupos de chimpanzés, os líderes, assim classificados, são caracterizados pela expressão “o fim sou eu”. A forca representa o seu atributo político principal. Não existe projeto algum - o líder guia a manada a lugar nenhum e é guiado pela lógica de que “o projeto é o chefe e o chefe é o projeto”. É o estilo mais primitivo de fazer política. Os ditadores sul-americanos, velhos e novos, são uma boa representação desse espécime.
“Os fins justificam os meios” essa é a síntese da ideologia que sustenta o estilo Maquiavel. Em relação ao estilo anterior, a grande diferença é que neste caso há um projeto, que transcende o líder. O projeto não é mais individual, é coletivo, tem base social, mas é impossível realizá-lo sem o líder messiânico. Aqui o poder pessoal não é o objetivo, mas o instrumento. Nesse contexto, não há adversários, e sim inimigos que devem ser derrotados e, se necessário, eliminados. A esquerda autoritária foi pródiga em produzir tais lideranças.
Mas a humanidade já conseguiu produzir, embora mais raramente, outro tipo de líder, que baseia a sua liderança na força moral e no consenso. Gandhi é o paradigma desse tipo de liderança política.
Também aqui o projeto é coletivo, mas o líder não disputa para sê-lo. Não precisa força física, lidera pela superioridade de seus valores e da sua ética. Não precisa construir inimigos para vencê-los, mas sim subordinar e ganhar os adversários pela razão objetiva do projeto socialmente superior. Pratica a coerência entre discurso e ação, essa coisa hoje tão rara na política, cuja escassez está na origem da desmoralização dos líderes políticos.
Esses estilos de lideranças políticas raramente são encontrados em estado puro. O estilo real de cada político acaba sendo uma combinação particular entre esses estilos básicos, sendo, normalmente, possível identificar o que é preponderante em cada um.
A cada estilo de liderança, a cada combinação de estilos, vai corresponder, no exercício do poder, um comportamento político previsível. O de pensar e usar o governo como coisa sua, ou comportar-se segundo princípios republicanos. O de isolar-se no uso pessoal do poder ou de compartilhá-lo com a sociedade. O de perpetuar conflitos ou buscar convergências que possam viabilizar projetos de interesse público.
A essa altura, cada um deve estar procurando colocar as figurinhas dos líderes da atual disputa, nos álbuns de personalidades que lhes correspondem. O critério é de cada um, assim como a responsabilidade do acerto ou erro.
De acordo como os líderes são hoje, é possível prever como serão seus governos. Repare bem, não adianta reclamar depois.
Fausto Matto Grosso.
Engenheiro Civil, Professor aposentado da UFMS
20.09.2018


domingo, 16 de setembro de 2018

  NÓS CONTRA ELES


   O Brasil hoje é um campo de guerra. Cada um procurando um inimigo para esmagar. Vivemos tempos de ódio e de medo. Cabe aqui a advertência de Mahatma Gandhi: olho por olho e o mundo acabará cego.
  É muito comum pessoas que, na busca de sua de sua afirmação individual, expressam sua diferença por contraposição a um “inimigo”. O inimigo dá sentido para sua vida. O mesmo ocorre com organizações políticas. Nesse sentido é a luta contra um inimigo, real ou imaginário, que as fazem existir. Mais grave ainda quando essa divisão não é feita tendo por base a ideologia, mas sim, o oportunismo eleitoral.
  Assim, surge a prática de afrontar divergentes e antagonistas, de difamar e espalhar notícias inverídicas (fake news), de agitar e chantagear, de insuflar os ânimos para agredir adversários e transformá-los em inimigos. Essas são práticas que negam a democracia e bloqueiam a vida civilizada.
  O conceito de Inimigo não serve para a política. Inimigo não é feito para falarmos com ele, e sim feito para a guerra.
  Não servem aqui, portanto, os ensinamentos do general chinês Sun Tzu, na “Arte da Guerra”, tampouco os de Von Clausewitz que associam guerra e política, orientando que a política deve ser a preparação para a guerra.
  Em uma sociedade democrática, que queremos ser, a política deve ser a prática de escutar o outro, o diferente e o divergente. É preciso despir-nos de nós próprios, de largarmos a obsessão com a nossa identidade. Na realidade, a solução de um problema dificilmente virá apenas da nossa verdade, mas sim uma nova síntese que também incorpora as verdades do adversário.
  Política é o instrumento civilizado de nos relacionar com o outro. Isso não significa despirmo-nos da nossa identidade, mas sim exploramos as possibilidades de avançar, mesmo limitadamente, onde possa existir espaço para algum consenso que permita avançar a nossa causa. Fora disso é a guerra.
  Nos últimos anos surgiu, entre nós, um partido que se afirmou com essa lógica. Todos conhecem a história e os responsáveis pelo “nós contra eles”. Nós, que representamos o povo, “eles”, os inimigos do povo. A ideia de bons contra maus, de santos versus golpistas é o caminho mais curto para a quebra do pacto democrático que nos sustenta, ou deveria.
  Aqui entre nós, a arrogância salvacionista do projeto de 20 anos de poder era uma clara demonstração de falta de compromisso com a democracia e com a alternância do poder.  Do alto da sua prepotência chegou a ameaçar “extirpar o DEM da política brasileira”, demonstrando seu desprezo pelo respeito ao pluralismo.
  Em algum momento, em alguma curva da estrada, o “nós contra eles” termina por se tornar o “eles” contra nós todos.
  Explode agora o conservadorismo e o autoritarismo. “Eles” saíram do armário e hegemonizaram uma multidão de inocentes úteis, de incautos e simplórios despolitizados, cheios de si e dispostos a construir uma nova hegemonia. Trata-se de uma regressão histórica.
  Em tempos recentes os sinais de perigo já se materializam. Em 2013 a aparição dos Black blocs, recentemente os tiros no ônibus de Lula em uma estrada do Rio Grande do Sul, também no acampamento pró-Lula em Curitiba e o deplorável atentado contra Bolsonaro.
  Que esses graves episódios, façam os brasileiros repensarem a raiva, essa péssima conselheira, e apostarem na tolerância democrática. Essa postura requer que todos encarcerem os seus demônios e mais uma vez aprendam com a sabedoria popular de que é impossível existir só pessoas boas de um lado e só más do outro.
  Também aprendamos, mais uma vez, com Mahatama Gandhi que o “fraco jamais perdoa, o perdão e uma das características do forte”.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro civil e professor aposentado da UFMS
14.09.2018



quinta-feira, 6 de setembro de 2018



REQUIEM AETERNAM PARA LUZIA


Enterrada por cerca de 12 500 anos, Luzia foi desenterrada no início dos anos 1970. A descoberta do seu crânio fossilizado, o mais antigo encontrado na América, foi obra da arqueóloga francesa Annette Laming-Emperaire. O crânio foi descoberto em escavações na Lapa Vermelha, uma gruta no município de Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Na antropologia ficou conhecida, mundialmente, como um exemplar do “Homem da Lagoa Santa”.
Os fósseis são as principais fontes de informação utilizadas pelas pessoas que estudam a origem da humanidade. Falta muito ainda para completarmos nossa história natural. A moderna tecnologia hoje disponível, como a datação pelo método urânio-tório, os estudos de DNA, a impressão 3D, entre outras, nos levarão a muitas novas descobertas. Pesquisas atuais lideradas pelo paleontologista Don Swanson, do Museu de História Natural de San Diego, Califórnia, estão a indicar que o homem chegou à América 115.000 anos antes do que se acreditava até agora. Como se vê, falta muito ainda para completarmos nossa história natural. Daí a importância da preservação dos fósseis humanos como de Luzia.
O estudo da morfologia craniana de Luzia revelou traços que lembram os atuais aborígenes da Austrália e os negros da África. Esse fato desmontou uma versão hegemônica de que o homem americano provinha de uma única corrente migratória. Os homens-caçadores asiáticos provenientes da região do Cáucaso e da Sibéria, durante a última glaciação, teriam atravessado do Estreito de Bering e chegado à América.
  A partir da descoberta de Luzia, passou-se a acreditar em duas migrações separadas, uma por Bering e outra transoceânica, segundo a qual homens que habitavam a Polinésia (na região da Oceania) se locomoveram em direção à América do Sul em pequenos barcos. Esses teriam se movido por meio das correntes marítimas que os conduziram. Luzia ajudou a sabermos quem somos e de onde viemos.
  Seria isso importante? 
  O senador Cristovam Buarque, que entre 2003 e 2004, como Ministro da Educação do governo Lula, lançou as diretrizes da Política Nacional de Museus, recentemente respondeu afirmativamente a isso, dizendo que o povo que não respeita os museus, não respeita seus antepassados. "O museu é o álbum de retrato do povo", disse. Afirmou ainda, que o incêndio do Museu Nacional foi uma “uma tragédia sem precedentes” - “cremamos a memória do Brasil” clamou o senador.
  Há que ressaltar também a desmoralização internacional do Brasil, que se mostrou incapaz de administrar um patrimônio, que não é apenas nacional, mas mundial. Foi um constrangimento para o País no exterior, especialmente perante a comunidade científica e cultural mundial.
  Alguns haverão de defender que faltou dinheiro por causa da crise econômica, mas governar é definir prioridades. Convém lembrar que o governo Dilma queimou dinheiro com as Olimpíadas e a construção de 12 estádios para a Copa do Mundo de 2014. Os garotos propagandas dessa causa eram o governador Sérgio Cabral e o Presidente Lula, este ensandecido pelo sucesso efêmero, tentava ser Secretário-Geral da ONU. Uma total irresponsabilidade que hoje nos cobra a conta.
  Luzia, a primeira brasileira, ao que parece destruída definitivamente pelo fogo, foi enterrada novamente, pelas cinzas. Cantamos enlutados a sua nova despedida.
  Triste situação de uma Nação que não valoriza a cultura.
Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor aposentado da UFMS
05.09.2018