sexta-feira, 25 de junho de 2021


O TRATORAÇO


Durante as campanhas eleitorais, “nossos representantes” costumam dizer que “vão trazer dinheiro de Brasília”. Eleitos, grande parte deles joga quase toda a sua energia para a encarniçada batalha pelas emendas, se precisar, vendem a alma ao diabo. Através dessas emendas é que se estabelece um jogo espúrio e imoral do cabresteamento dos votos dos parlamentares pelo Executivo. 

Emendas parlamentares deformam as prioridades e fragmentam as políticas públicas, reforçam o clientelismo de eleitores e instituições, bem como são brechas para os mais espúrios casos de corrupção. Durante a execução, as emendas têm “donos” e, segundo a praxe, estes ficam com o direito de cobrar “pedágio” para que esse dinheiro chegue até a obra, equipamentos ou serviços indicados.  A prática da emenda parlamentar tem sido um dos recantos mais escuros e malcheirosos da política. Esse é o reino do baixo clero, a Sapucaí da política brasileira, já exposta em inúmeros escândalos no Congresso.

Atualmente, as emendas ao orçamento são de quatro tipos: individual, de bancada, de comissão e do relator. Todas são de execução obrigatória. As emendas individuais são reservadas a cada deputado ou senador, neste ano é de R$ 8 milhões, distribuídas de forma igualitária entre os parlamentares da situação ou da oposição. As emendas de bancada são coletivas, de autoria das bancadas estaduais ou regionais. Também são coletivas as emendas apresentadas pelas comissões técnicas da Câmara e do Senado.

Já as emendas do relator (também conhecidas no jargão burocrático pelo código RP9) são feitas pelo relator do Orçamento. Em 2021, o relator-geral do Orçamento foi o senador Marcio Bittar (MDB-AC).

  As emendas de relator, em princípio de pequeno valor, serviriam para ajustes técnicos do orçamento, como a destinação de recursos para alguma área que precisa ser melhor contemplada ou para cumprimento de mínimos legais, etc. Ao longo do tempo sua dotação foi aumentando assustadoramente. Neste ano o relator pleiteava R$ 26 bilhões, inclusive avançando sobre recursos de despesas obrigatórias como Previdência, seguro-desemprego e abono salarial.     Mas foi contido e ao final esse valor foi reduzido a cerca de R$ 16 bilhões. É desse montante que saíram os R$ 3 bilhões de reais para distribuição secreta, entre os apoiadores do governo. Sendo classificadas como emendas técnicas do relator, o nome dos deputados ou senadores fica oculto, ninguém sabe nem o nome do parlamentar, nem o valor recebido, ficando tal montante protegido dos órgãos de controle. Para liberação desses recursos, bastava um simples oficio do parlamentar ao ministro.

  As emendas do relator estão concentradas no Ministério de Desenvolvimento Regional, que é o lugar onde estão alocados, os recursos para obras de pavimentação, calçadas, rede de abastecimento de água, esgotamento sanitário, contenção de encostas - todas elas iniciativas de grande apreço dos deputados e senadores, porque isso gera votos. Também os parlamentares pediram pavimentação de estradas, compra de tratores, pás carregadeiras, roçadeiras, caminhões, escavadeiras, usinas de asfalto. Segundo o Estadão muitos preços estão superfaturados, tendo o governo chegado a liberar R$ 359 mil para compra de um trator, cujo custo normal seria de até R$ 100 mil.

Bolsonaro, que prometera acabar com o toma lá da cá, é politicamente beneficiário desse jogo político do orçamento paralelo, também apelidado de tratoraço, ou bolsa deputado, uma imitação do mensalão para comprar apoio dos deputados e senadores. A inovação foi esconder essas emendas. O orçamento paralelo foi montado por ocasião da eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, de grande interesse para o Governo. Essa escandalosa operação está sendo questionada no Supremo, por ação do PSB e do Cidadania, bem como foi aberta uma investigação pelo subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU. É importante acompanhar os desdobramentos dessas iniciativas.

 

FAUSTO MATTO GROSSO,

Engenheiro e professor aposentado da UFMS


3 comentários:

Jose Augusto Guedes disse...

Esse é o reino do baixo clero, a Sapucaí da política brasileira, já exposta em inúmeros escândalos no Congresso. Alô Fausto, tudo certo? Seguinte: outro de seus didáticos artigos, mas discordo desse trecho,comparando a Sapucaí ao reino do baixo clero. Abs, Zé Augusto

Unknown disse...

Bastante esclrecedor e didático . !!!

O caminho se faz ao caminhar disse...

Parabéns, Camarada Fausto, pelo esclarecimento digno de quem passou boa parte da militância política formando quadros e na vida profissional abrindo horizontes: política, a base da democracia e do Estado Democrático de Direito, é dar asas, instrumentos, para o pleno exercício da cidadania. Obviamente, esses mecanismos de mercantilização do exercício da política não só desvirtuam a soberania popular, como comprometem a atuação parlamentar, independentemente da posição político-partidária (e ideológica) dos eleitos pelo voto popular.
Por outro lado, ver o nome do Márcio Bittar, Irmão das queridas Amigas-Companheiras-Camaradas Marisa e Mariluce (saudosa), ex-presidente da União Campo-grandense de Estudantes (UCE), nos alegra, muito embora hoje nossas posições sejam diametralmente opostas. Mas como é bom vermos um ex-militante da luta pela democratização, um ex-camarada, contribuindo de alguma forma neste cenário tétrico e sombrio. Com sinceridade, torço por que continue a velar pelos interesses maiores do grande povo brasileiro, que não merece sofrer pela inação deliberada dos filhotes da ditadura.
Parabéns, parabéns, parabéns!!!