quinta-feira, 27 de maio de 2021

 

PASSANDO A BOIADA NA SAÚDE



Quanto mais avança a CPI da COVID, mais fica clara a responsabilidade direta do Presidente Bolsonaro no agravamento da pandemia. Sua centralização das decisões, compartilhadas apenas com um “gabinete secreto”, tem sido desastrosa desde o começo da crise.

Durante o atual governo, passaram pelo Ministério da Saúde quatro ministros, contando com o atual. Os dois primeiros, Mandetta e Nelson Teich, renunciaram declarando incompatibilidade com as orientações do Planalto, especialmente quanto ao tratamento precoce com a Cloroquina. O ministro Pazuello em seu depoimento na CPI, admitiu que as questões estratégicas do ministério já vinham empacotadas pelo escandaloso gabinete paralelo, para serem cumpridas sem discussão. “Um manda o outro obedece” docilmente admitiu.  O atual Ministro Marcelo Queiroga esgueira-se com mil cuidados para não contrariar os desejos do Planalto. O resultado disso é que o país navega sem bússola na politica de saúde e nas orientações quanto à pandemia.

Na raiz de tudo está o negacionismo. Tosco, o Presidente não acredita na ciência. Repudia a vacina e as medidas preventivas e preconiza a solução natural de imunização de rebanho, pelo aumento da contaminação. Com isso atende também o interesse econômico, valorizando-o em relação às vidas humanas.

O conceito de imunidade de rebanho, ou comunitária, diz respeito a uma situação em que se atinge um ponto em que há uma quantidade suficiente de pessoas imunes ao vírus, o que interrompe a transmissão comunitária. Com menos indivíduos suscetíveis ao vírus, ele vai aos poucos deixando de circular. Forma-se uma espécie de “cordão natural” de isolamento.

Há duas formas de atingir essa imunidade. Por vacinação ou por contaminação natural, esta última preconizada pelo Presidente. Pela vacinação se exigiria cerca de 70% da população vacinada. Atingir tal índice pela forma natural iria nos custar a morte de entre 1,5 milhão a dois milhões de pessoas. Segundo a comunidade científica, essa opção deve ser rechaçada, pois é antiética, devido ao grande saldo de vítimas que pode gerar. "Criminoso" e "genocídio" são as palavras usadas pelos especialistas. Apesar disso, bolsonaristas com cabresto e buçal, na maior cara dura, teimam em defender que a morte de 1,5 milhões não representa nada diante da nossa população de mais de 213 milhões de pessoas.

Hoje, se entende que é um crime defender imunidade de rebanho por infecção natural da doença. Se a gente normaliza isso, vamos normalizar mais mortes, mais demanda hospitalar. Nenhum país sério considera essa teoria. Nem com gado se opta por essa via.

Diante desse pano de fundo se entende todo o comportamento do Presidente e do Ministério da Saúde.

O presidente primeiramente negou a doença, chamou de “gripezinha”, depois foi contra o isolamento, o lockdown, depois minimizou o uso da máscara e estimulou aglomerações. Receitou remédios comprovadamente ineficazes, insistiu no “kit Covid” e comportou-se com negligência na compra de vacinas, inclusive criando desastrosos atritos ideológicos com a China, nosso maior fornecedor.

Bolsonaro nunca quis comprar vacinas. Só mudou de postura, por razão eleitoral, diante das iniciativas do governador Dória, quando começou a ficar isolado na opinião pública. Daí a nossa situação de mais de 445 mil mortos e cerca de dois mil mortos por dia.

Essa é a história da pandemia entre nós. Na mesma lógica de “passar a boiada” do ministro Salles, Bolsonaro enquanto enganava os tolos com a Cloroquina e a Ivermectina foi mandando os brasileiros para o matadouro. “Gado a gente marca, tange, ferra engorda e mata, mas com gente é diferente”.

Maria Augusta S. Rahe Pereira (médica)

Fausto Matto Grosso (Engenheiro de professor aposentado da UFMS)

quarta-feira, 19 de maio de 2021

 

ARTISTAS DO PARTIDÃO
(Esta crônica será publicada no livro Histórias que ninguém vai contar)




Eles eram poucos. E nem puderam cantar muito alto a Internacional naquela casa de Niterói em 1922. Mas cantaram e fundaram o partido. Assim nos conta Ferreira Gullar sobre o nascimento do PCB.

No mesmo ano, aconteceu a Semana de Arte Moderna em São Paulo com a consolidação do movimento modernista, movimento esse que rompeu com os paradigmas elitistas e marcou época na cultura brasileira. Vários intelectuais que fizeram parte do movimento modernista se filiaram no Partido Comunista, Oswald de Andrade, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral, entre outros.

Essa relação entre os intelectuais e o partido se tornou quase que um caminho natural desses artistas. Por longo período, para ser intelectual progressista era quase necessário estar próximo ou passar pelo Partido Comunista. Essa foi a nossa história. Assim fomos, ao longo do tempo, contando com a participação de intelectuais e artistas como Oduvaldo Vianna Filho, Oscar Niemeyer, Oswald de Andrade, Graciliano Ramos, Ferreira Gullar, Gianfrancesco Guarnieri, Paulo Pontes, Arnaldo Jabor, Carlos Diegues, Carlos Nélson Coutinho, Leon Hirszman, Carlos Estevam Martins e José Carlos Capinam, entre tantos.

Aqui em Mato Grosso do Sul, também, sempre estivemos próximos ao movimento artístico e cultural. Talvez o precursor dessa ligação dos artistas com o partido tenha sido o pintor Ilton Silva. Na UFMS, tínhamos muito contatos no Departamento de Comunicação e Artes que proporcionaram a filiação de Richard Perassi, Marli Damus e Darwin Longo de Oliveira, bem como uma grande franja de simpatizantes que atuavam conosco. Durante meu período de Pró-reitor, com Richard Perassi na Coordenadoria de Cultura coordenamos a reabertura do Teatro Glauce Rocha, a seleção e produção do disco Caramujo Som, bem como a realização de duas edições do Festival Latino-Americano de Artes e Cultura Popular de Corumbá, referência para o atual Festival América do Sul Pantanal.

  Contribuíram também para a nossa aproximação com os artistas as nossas gestões na secretaria de cultura no estado e no município da capital, com Ângela Costa, Richard Perassi e Athayde Neri. Assim, ao longo da nossa historia fomos construindo sólidas relações. Os artistas ajudavam várias atividades do partido em várias áreas, em especial nas campanhas eleitorais.

  Muitos eram os artistas que participavam das campanhas das mais variadas formas. Desenvolvendo músicas e jingles, onde se destacava o Zedú, pintando nossas mensagens em muros e paredes, criando camisetas e contribuindo na nossa discussão política. Aí vem a lembrança, entre outros, do Jacinto, do Marson, da Anita, do Cecílio Veras.

Eu me lembro dessa participação na nossa candidatura a deputado estadual em 1990. Nosso “marqueteiro”, Natalino Luiz Gonzaga, conduziu a campanha tentando mudar minha imagem, muito séria e sisuda. Foi resolvido que a campanha seria baseada em festas. Para mim, esta foi uma das eleições mais sofridas. Fazer discursos em festas era um constrangimento pessoal enorme. Eu não sabia onde colocar as mãos. Nas nossas festas, numerosos artistas faziam performances, com especial destaque para a pintura de quadros a quatro mãos feitas por Ilton, Darwin e seu irmão Lelo. Em muitas ocasiões, a venda dessas obras garantia a gasolina da volta para Campo Grande.

Foi uma campanha com muitas dificuldades financeiras. Eu me lembro de que naquele ano havia sido lançada a cerveja Schincariol. A cerveja era muito ruim, mas era a mais barata. Nossas festas eram regadas a Schincariol.

Um dessas festas foi realizada em Dourados na Danceteria Beliscos no fundão da Rua Marcelino Pires. Nossos convidados se misturavam com os frequentadores usuais do local, o que tornava mais constrangedor o discurso político. Lá estavam pintando ao vivo e a quatro mãos Ilton e Darwin e tocando o músico Paulo Gê. Terminada a festa, este manifestou o desejo de voltar ainda à noite para Campo Grande. Acordei com uma polêmica travada, em altas vozes nos corredores do hotel.  Era uma briga pela posse da chave do carro. Ilton gritava: “Você não é filiado, então não pode dirigir o carro do partido”. Tive que entrar no meio e fazer o apaziguamento, já que ninguém tinha condições de dirigir coisa alguma àquela altura dos acontecimentos.

Lembrou-me outro dia o Darwin, de outra festa, no Clube Surian. Ele pintava um quadro junto com o Ilton. Na falta d’água, molhavam os pinceis em um copo de cerveja. Tocava, com competência, seu instrumento o Zeca do Trombone. Quando chegou a sede, não teve a menor dúvida pegou o copo dos pinceis e o secou em grandes talagadas, sem reclamar de nada.

Assim, eram as nossas campanhas com os artistas. Divertidas, com cerveja de péssima qualidade, mas cheias de boas histórias.

Fausto Matto Grosso

Modificado em 25/05/2021, em função de novas informações de companheiros


sábado, 15 de maio de 2021

 

TEMER E A JUSTIÇA



Todos nós fomos surpreendidos com as manchetes de que Juiz absolvera Temer, Cunha e ex-deputados do 'quadrilhão' do MDB. Além dos já citados, foram incluídos na sentença os ex-ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco, e os ex-deputados Henrique Eduardo Alves, Geddel Vieira Lima e Rodrigo da Rocha Loures. O Juiz de Brasília é o mesmo que absolveu Lula em processo semelhante.

Ao todo, Temer já foi denunciado cinco vezes pelo Ministério Público e é investigado em dez inquéritos. Quando deixou a Presidência quatro denúncias foram para a 1ª Instância da Justiça Federal em Brasília; quatro estão na Justiça Federal em São Paulo; uma foi para a Justiça Federal no Rio de Janeiro; e uma está na Justiça Eleitoral, também em São Paulo.

À Justiça Federal de São Paulo caberá julgar as denúncias a respeito das irregularidades no Porto de Santos, que levou o presidente temporariamente à prisão, junto mais nove pessoas presas na mesma operação. Um HD externo com cerca de 80 gigabytes de informações foi enviado pelo Supremo, para ajudar os procuradores de São Paulo. Seria tudo mentira? Ou seria excesso de provas?

Em São Paulo está a denúncia relativa à Operação Descontaminação, que envolveria corrupção e tráfico de influência no caso da Eletronuclear, onde o ex-presidente está denunciado junto com o seu assessor e amigo coronel Lima e o presidente da empresa Othon Luiz Pinheiro da Silva.

Ainda em São Paulo, na Justiça Eleitoral, corre o caso da doação de Odebrecht para campanhas eleitorais do MDB com um pagamento de R$ 10 milhões, uma das mais bem fundamentadas acusações.

Na Justiça Federal em Brasília, correm quatro casos.

O caso JBS é talvez o mais rumoroso de todos. Na ocasião da denúncia houve dúvidas sobre se Temer continuaria no cargo, ou renunciaria. Fazem parte desta investigação as famosas imagens gravadas pela Polícia Federal do ex-deputado e ex-assessor de Temer, Rodrigo Rocha Loures andando com uma mala contendo R$ 500 mil em dinheiro pelo centro de São Paulo e o apartamento-cofre de Gedel, cheio de caixas e malas de dinheiro.

Também em Brasília "quadrilhão do MDB" é parte de um pacote de denúncias apresentadas pelo ex-Procurador Geral da República Rodrigo Janot contra as cúpulas de três partidos: PP, PT e MDB. No caso do MDB, foram duas acusações: uma dirigida à cúpula do MDB no Senado; e outra à cúpula da Câmara. Janot acusou Temer e outros emedebistas de cometer vários crimes de corrupção a partir de 2006, envolvendo vários órgãos e empresas públicas: Petrobras, Furnas, Caixa Econômica, Ministérios da Agricultura e Integração Nacional, e a própria Câmara que foi dirigida por Temer por dois mandatos. Pelo meu entendimento leigo, acho que foi neste caso que Temer conseguiu recentemente se livrar de condenação, trata-se de sentença de 1º grau, sujeita ainda ao crivo do Tribunal do Estado, e, possivelmente do STJ. Ainda tem pano para manga.

Procurando entender melhor os casos me vi enrolado em um cipoal de decisões, instâncias, recursos, protelações, pedidos de vistas, um verdadeiro inferno. Só consegue acesso a esse pântano, gente do ramo. As coisas da justiça não são para os mortais indignados. A gente acaba não sabendo com quem se indignar se com os denunciados, se com o Ministério Público descuidado/leviano ou com os juízes pusilânimes. O fato é que tudo parece muito confuso para o brasileiro, depois de tanta acusação ver o denunciado dar a volta por cima. O caso Temer parece ser uma absolvição por excesso de provas. Um espanto.

Do jeito em que as coisas estão, temo que daqui a alguns anos, Bolsonaro, o capitão sem curso de Estado Maior, possa ser libertado da cadeia por falta de prova das mortes pelo COVID 19.

  Assim, como disse Luiz Werneck Viana, isolados do resto do mundo, não temos para onde fugir. As portas do êxodo estão fechadas para nós, que temos de ficar aqui e encontrar as vias de saída do inferno que nosso país se tornou.

FAUSTO MATTO GROSSO,

Engenheiro de Professor aposentado da UFMS

segunda-feira, 3 de maio de 2021

GOLPISMO E AUTOGOLPE


Se há uma permanência na história brasileira é a do golpismo. Nossa história republicana sempre foi marcada por rupturas institucionais. A Proclamação da República Brasileira, também referida na  história como Golpe Republicano, foi liderada em 1889 pelo Marechal Deodoro e um grupo de militares do exército brasileiro que destituiu o então chefe de Estado, imperador D. Pedro II.

Em 1891 Deodoro enfrentou a oposição, fechando o Congresso e governando com o estado de sítio.  Foi um primeiro autogolpe da República que nascia. Obrigado a renunciar, assumiu o vice Floriano Peixoto que deveria convocar as eleições, o que não o fez aferrando-se ao poder, governou como ditador. Foi outro autogolpe.

 Em 1937 Getúlio Vargas realizou um autogolpe dos mais bem sucedidos na historia brasileira, impondo o Estado Novo, e governando com poderes ditatoriais por oito anos, até 1945.

Em agosto de 1961, quando Jânio Quadros renunciou pretendia voltar nos braços do povo, como acontecera com o general Charles de Gaulle na França. O autogolpe desta vez falhou.

Assim chegamos ao golpe civil-militar de 1964, onde foi destituído o presidente João Goulart, assumindo Castelo Branco que deveria convocar eleições em 1965, mas que ampliou seu mandato até 1967. Daí, se iniciou uma sequência de autogolpes dentro do próprio regime militar. Costa e Silva, já em 1968 decreta o AI-5, fechando o Congresso e implantando um dos períodos mais repressivos da ditadura.

Com a morte de Costa e Silva, deveria assumir seu vice-presidente, o civil Pedro Aleixo, mas, num novo golpe, assumiu uma Junta Militar que preparou a transição para o general Garrastazu Médici. Em um embate entre a linha dura e a moderada das forças armadas, acabou assumindo o general Geisel que fechou o Congresso.  Na sequência tivemos o general Figueiredo, que entregou o país, melancolicamente falido para o primeiro governo Civil, o de José Sarney após a morte de Tancredo Neves eleito pelo Congresso Nacional. Com a primeira eleição democrática já sob a Constituição de 1988, assume o primeiro civil eleito, Fernando Collor de Mello, logo cassado por corrupção.

Tivemos a partir daí com Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula um período de razoável estabilidade, até o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, cassada pelo Congresso Nacional.  O país então se dividiu gravemente, mobilizado pela narrativa do PT de que impeachment era golpe. Esse tipo de narrativa pode futuramente acabar sendo usado pelos seguidores de Bolsonaro seus antípodas.

As palavras são perigosas, pois sempre tem um contexto e visam construir narrativas. Buscando significados, golpe de estado consiste numa derrubada ilegal, de um Estado ou de uma ordem constitucional legítima. Já um autogolpe é uma forma de golpe que ocorre quando o líder de um país, que chegou ao poder através de meios legais, dissolve ou torna impotente o  Congresso Nacional, anulando a Constituição e suspendendo tribunais civis. Com essa compreensão entendo que contra Dilma não houve um golpe, mas uma destituição dentro de todos os parâmetros constitucionais.

Em 2018 surge em cena o capitão Bolsonaro, vindo de uma longa tradição parlamentar de defesa do golpe militar e até de elogios a torturadores como o general Brilhante Ulstra. Tosco, o tenente terrorista que pretendeu lançar bombas acabou sendo excluído do Exercito, como capitão, não tendo feito nem o Curso de Estado Maior.

Bolsonaro, entretanto, teve inegável sucesso na organização de um movimento reacionário, de massas, de extrema direita, que mobiliza até agora cegas paixões. Já na campanha, seu filho Eduardo Bolsonaro, assinalava confrontos institucionais dizendo que para fechar o Supremo bastava mandar um soldado e um cabo, que não precisava nem um jipe.

Já no governo, não tem um mês em que o Capitão Bolsonaro, com seu governo militarizado, não comete uma provocação ao Congresso e ao Supremo e toma medidas que favorecem a hipótese de um autogolpe, como o controle das polícias militares, com o afrouxamento do controle de armas e o incentivo de suas milícias para que cometam atos de desatinos contra as instituições democráticas.

Bolsonaro se encontra hoje sobre forte pressão da CPI do Covid, que pode leva-lo ao impeachment. Está sem saída. Segundo o general chinês Sun Tsu um adversário sem saída, lutará ainda mais desesperadamente. Portanto é hora do cuidado extremo com a democracia.  Uma eventual tentativa de golpe, não está afastada da nossa tradição política.

FAUSTO MATTO GROSSO,

Engenheiro e professor aposentado da UFMS