quinta-feira, 27 de junho de 2019


REEQUILÍBRIO DOS PODERES


  A última campanha eleitoral foi realizada dentro de um clima de profunda revolta da população contra os políticos e os partidos. Não sem razão, após a grande expectativa criada pela redemocratização, parecia que no Brasil tudo tinha dado errado. 
  Nosso presidente fez sua campanha eleitoral surfando nessa descrença. Discursar contra a política deseduca, e foi uma grande irresponsabilidade, pois ela é o grande instrumento da democracia, para a disputa dos interesses legítimos da sociedade.
   Durante a formação do governo, sem dar trela aos partidos e aos políticos, o Presidente formou sua equipe com quadros militares e do grupo ideológico olavista, em relação ao qual mantinha simpatia. Negociou, também indicações e apoios, com as bancadas temáticas: ruralista (119 votos), evangélica (82 votos) e da segurança (32 votos). Com essas, pretendia montar base de apoio no Congresso.
  Essa estratégia, ao que parece, não deu certo. Após desavenças internas três ministros já foram trocados, em menos de seis meses, entre eles, dois militares. Várias outras mudanças já ocorreram, também no segundo escalão.
  No Congresso o Governo não conseguiu formar uma base de apoio. A aposta que fazia nas bancadas temáticas não deu certo, como se previa, pois todo o processo legislativo é baseado nas estruturas dos partidos políticos, com destaque para as lideranças partidárias. Elas é que decidem o rumo e a articulação das votações, juntamente com os poderosos presidentes das duas Casas. Embora seja da tradição brasileira que todo presidente consegue montar maioria, e controlar o Congresso, tal não está acontecendo. O que se vê é o Legislativo, valendo-se da sua autonomia, assumindo o protagonismo da inciativa política, para desconforto do Presidente.
  Os principais projetos apresentados, o da Reforma da Previdência e o da Segurança, estão ainda vivendo impasses. O da Previdência foi transformado em um substitutivo que o poderoso Ministro Paulo Guedes está rejeitando a paternidade. Transformou-se em um projeto do Congresso, com importantes modificações, especialmente quanto ao BPC – benefício de prestação continuada - a aposentadoria rural e a previdência privada, esta última, menina dos olhos do ministro.
  Barrado na sua principal propostas para o equilíbrio fiscal, e com a continuidade da crise econômica, o Governo começou a sofrer crescente desgaste na opinião pública. Diante disso o Presidente reagiu com uma série de inciativas voltadas para garantir seu eleitorado mais fiel, usando medidas provisórias e decretos, de validade contestada pelo Legislativo e pelo Judiciário. Assim aconteceu nos casos da liberação de armas, das medidas de segurança no trânsito, da nomeação de reitores, da militarização do ensino entre outras. Impasses surgiram também quanto a sua competência exclusiva para nomeação de dirigentes das agências reguladoras e quanto à demarcação de terras indígenas pelo Ministério da Agricultura.
  Nesse contexto, devemos saudar o fortalecimento do Congresso. Esse é o mais importante locus da política e da democracia. Enquanto o Executivo é representativo da vontade majoritária da nação, o parlamento é representativo da pluralidade da sociedade. Esse Congresso, que passou por grande renovação nas últimas eleições, está sendo capaz de melhorar sensivelmente a PEC da Reforma da Previdência.
  Essa situação está tensionando fortemente a relação entre os Poderes da República. Isso será muito bom se resultar na afirmação de cada deles, dentro do princípio constitucional da independência e harmonia. Poderemos ver, então, o encerramento da tradição da “ditadura do Executivo”. O Presidente não está gostando desse reequilíbrio de forças, mas na democracia, um Presidente não pode tudo.
  O Presidente diz que não quer ser “Rainha da Inglaterra”.  Nesse caso, talvez tudo ficasse resolvido, mudando o nome do País. Que tal rei de Bruzundangas, acima de tudo?
Fausto Matto Grosso
Engenheiro Civil, professor aposentado da UFMS

sexta-feira, 14 de junho de 2019


VAI UMA EMENDINHA AÍ?

  No início deste mês, a toque de caixa e por iniciativa própria, o Congresso Nacional aprovou a PEC do Orçamento Impositivo. Esse dispositivo tornou obrigatória a execução das emendas parlamentares de bancadas, aquelas indicadas por acordos dos parlamentares de cada estado. Foi uma das primeiras derrotas do Presidente Bolsonaro no Congresso. Em 2015, durante o governo Dilma, já havia sido tornada obrigatória a execução de emendas parlamentares individuais. 
  É sabido que as emendas de bancadas, por acordo interno, são divididas, posteriormente, entre os deputados para uso político ou de outra natureza. Mesmo sendo obrigatórias, o Governo tende a só liberá-las nas ocasiões de votações importantes no Congresso, como moeda de troca.
  Tal situação tem sido rotineira, mas alguns casos são exemplares. Em 1993, estourou o escândalo dos “anões do orçamento” e em 2006, o da máfia das ambulâncias.         Em 2014, a Presidente Dilma, pilhada em “malfeitos”, distribuiu emendas para tentar livrar-se da acusação de crime de responsabilidade e do impeachment, embora sem sucesso. Em 2017, para livrar-se da acusação de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução da justiça o Presidente Michel Temer distribuiu a parlamentares, cerca de R$ 32,1 bilhões de emendas e outras concessões, segundo o jornal O Estado de São Paulo.
  Agora é a vez do Presidente Bolsonaro. Para a aprovação da reforma da previdência, estariam prometidos pelo governo R$ 40 milhões em emendas, para cada deputado, em troca de votos, segundo Jornal A Folha de São Paulo, citando ministro Onyx Lorenzoni e lideranças partidárias. Vai ter que cumprir isso, goste ou não goste, afinal é o Congresso eleito pelo povo brasileiro.
  Emendas parlamentares deformam as prioridades e fragmentam as políticas públicas, reforçam o clientelismo de eleitores e instituições, bem como são brechas para os mais espúrios casos de corrupção.
  Estudo acadêmico, em 2010, realizado com dados do Programa de Fiscalização da CGU, demonstrou a existência de forte relação entre emendas parlamentares. Municípios que receberam recursos de emendas parlamentares apresentaram, em média, 25% mais episódios de corrupção.
  Durante as campanhas eleitorais, “nossos representantes”, costumam dizer que “vão trazer dinheiro de Brasília”. A partir daí, grande parte deles joga quase toda a sua energia para a encarniçada batalha pelas emendas, mediante as quais se estabelece um jogo espúrio e imoral entre o Executivo e o Legislativo.
  Durante a execução dessas emendas o escândalo é ainda maior.  Elas têm “donos” e, segundo a praxe, estes ficam com o direito de cobrar “pedágio” para que esse dinheiro chegue até a obra aprovada. Em muitos casos, são as próprias empresas executoras que as propõem. Esse é o reino do baixo clero, a Sapucaí da política brasileira, já exposta nos inúmeros escândalos do Congresso.
  Ou os parlamentares não sabem para que serve um deputado, ou é, descaradamente, uma confissão antecipada da velhacaria da política.  A prática da emenda parlamentar tem sido um dos recantos mais escuros e malcheirosos da política.
  A análise e aprovação do orçamento deveria ser a atividade mais importante e qualificada do Parlamento, o coroamento do processo legislativo, mas não tem sido assim.
  É necessário jogar luz nesse assunto. Isso é importante até para que políticos íntegros e bem intencionados, imagino que eles existam, possam escapar desse lodaçal.
  Marco Túlio Cícero advogado, escritor, considerado o maior dos oradores e pensadores políticos romanos, eleito cônsul em Roma em 63 a.C. já alertava:  “o orçamento nacional deve ser equilibrado. As dívidas devem ser reduzidas, a arrogância das autoridades deve ser moderada e controlada. Os pagamentos a governos estrangeiros devem ser reduzidos se a nação não quiser ir à falência. As pessoas devem, novamente, aprender a trabalhar, em vez de viver por conta pública”.
Fausto Matto Grosso.
Engenheiro Civil e professor aposentado da UFMS
14.06.2019