terça-feira, 1 de dezembro de 2015

PREFEITOS: GERENTES OU LÍDERES?

Campo Grande viveu nesses três últimos anos um período de crises na administração municipal. Será que prefeitos mais ou menos competentes fariam diferenças fundamentais nos resultado para a população, especialmente naquilo que se refere ao seu desenvolvimento humano integral?
As crises profundas, apesar dos sofrimentos que impõem, muitas vezes são oportunidades para enxergarmos o que ocorre nas profundezas submersas da estrutura da sociedade.
Há muito vivemos uma crise de financiamento do Estado, em todas as suas esferas - nacional, estadual e municipal - e uma crise ética que se coloca com toda a sua contundência. Déficits públicos crescentes, aumentos de impostos, infraestrutura sucateada, serviços públicos de péssima qualidade. Corrupção, estilos autoritários de decidir e governar, falta de confiança nos governantes e descrédito na política. Esses são sinais visíveis dos problemas que marcam o tempo presente.
O olhar para esses fenômenos sinaliza, para alguns, a discussão de mais Estado ou menos Estado, para outros a simples troca dos nossos políticos e escolha de gestores mais competentes. Errado: esse tipo de Estado e esse tipo de governo estão esgotados, já não conseguem resolver os desafios de uma sociedade que sofreu profundas transformações, tornando-se mais complexa, mais articulada, e mais consciente da sua autonomia. Esse é o cerne da questão.
Todo governo tem que ter capacidade de gestão, mas isso não é suficiente. Não é possível resolver a imensa demanda reprimida da sociedade sem mobilizar os imensos recursos que estão fora dos orçamentos públicos. Fora do governo existem recursos imensos desperdiçados. São recursos, financeiros, cognitivos, organizativos, políticos entre outros. Há que se somar toda essa riqueza, articulando um orçamento ampliado por uma nova governança baseada na democracia e na responsabilidade solidária.
Colocando em termos práticos, quanto vale o eficiente trabalho da Pastoral da Criança no combate à desnutrição infantil, quanto vale o imenso voluntariado da cidade a serviço da solidariedade humana, quanto vale o potencial produtivo e de responsabilidade social das nossas empresas, quanto vale o conhecimento das nossas Universidades, o potencial dos pequenos negócios e das organizações da sociedade civil? Tudo isso é desperdiçado, não converge para ajudar no enfrentamento dos desafios do desenvolvimento da cidade.
Há que se juntar esse imenso potencial em um projeto baseado na maximização da coesão social, na organização das interdependências do conjunto dos atores da sociedade para produzir níveis crescentes de desenvolvimento humano. Há que se perceber que a sociedade política, sem a sociedade civil, já não da conta das imensas demandas de uma sociedade democrática, complexa e articulada em redes. Essa apartação é a fonte da nossa crise de capacidade de governo e de deslegitimação da representação.
Nessa visão, o governo deve ser um agente organizador das potencialidades existentes. Essa é a experiência de regiões que trilharam caminhos mais sustentáveis de desenvolvimento. Robert Putnam estudou e identificou esse modelo nas cidades desenvolvidas no norte da Itália. É dele o conceito de capital social: o conjunto formado pela confiança social, pelas normas e redes articuladas para resolver os problemas comuns com compromisso cívico. Quanto mais densas forem estas redes, mais possibilidades existirão de que os membros de uma comunidade cooperem para obter um benefício comum.
Para cumprir esse papel novo não são suficientes gerentes. A materialização dessa utopia possível depende de uma mudança cultural, depende do surgimento de lideres que possam entusiasmar e ter o crédito da sociedade. Esses líderes seriam capazes de organizar com a sociedade um grande projeto de longo prazo, onde houvesse a convergência ampla de interesses e fosse calçado em uma liderança moral inequívoca.
Os momentos de crise podem, muitas vezes, serem as oportunidades de criação do novo. As crises são como momentos de partos, elas são caracterizadas pela existência de uma situação em que o “velho já morreu, mas o novo ainda não nasceu”. As possibilidades são apenas duas, acreditar em mais do mesmo ou ousar no parto de novos paradigmas para a gestão pública.
Apressar a emergência de um novo estilo de liderança e de um modo novo de governar é um dos maiores desafios contemporâneo do pensamento progressista.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro, professor aposentado da UFMS

01.12.2015

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

INDIGNAÇÃO


A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las. Santo Agostinho
Vivemos um momento de apagão ético na política e na gestão da coisa pública. Baixemos nosso olhar para a situação concreta da nossa cidade.
É um dever moral a indignação diante desse quadro.
Por outro lado, é preciso ter coragem cívica para lutar contra forças poderosas que tentam manter essa situação. Só não entende essa responsabilidade os desinformados, os covardes e os beneficiários diretos e pensionistas desse poder corrupto. Esse é o jogo do momento, no qual a sociedade tem tudo para ganhar. As tripas do monstro da corrupção estão expostas cobertas de vermes, graças a um novo momento em que vive a Justiça no país.
Ainda assim, existe uma manifesta intenção de nos roubarem qualquer réstia de esperança. Querem nos fazer acreditar que nunca vai mudar essa regra do jogo perverso no qual se transformou a política. Querem nos submeter pela alienação, ou pelo medo, aos poderosos beneficiários desse reinado de impunidade.
É o caso da pretensão de esmagarem uma rebelde, a vereadora Luiza Ribeiro. Tentaram desmoralizá-la por fazer, supostamente, denuncias sem provas, quando apenas relatou, como testemunha convocada pelo Ministério Público o que o povo fala em todas as esquinas. Ora, será que queriam que ela dissesse que nunca tinha ouvido falar de corrupção na gestão pública de Campo Grande? Seu depoimento foi um imperativo ético da sua responsabilidade de representação. Cabe ao Ministério Publico levantar as provas, que estão sendo fartamente documentadas e que, em pouco tempo, tomaremos conhecimento.
Na verdade, o posicionamento da vereadora, desde o início do seu mandato, mexeu na colmeia dos que sobrevivem da moagem espúria dos interesses da baixa política. Por isso querem destruí-la, precisam de uma punição exemplar para manter, pelo medo, a política que combina mediocridade com interesses menores, no jogo de faz de conta da representação popular. Por isso clamam por sangue, por punição exemplar que possa criar símbolos que causem medo e acomodação aos que sonham com mudanças na política.
Atualmente a vereadora Luiza Ribeiro está para ser pregada na cruz da Comissão de Ética na má companhia de nove vereadores que o Ministério Público apontou como suspeitos de participarem de esquema de compra de votos que cassaram o prefeito Bernal. Não é de todo estranho que só Luiza seja condenada e os outros sejam protegidos pelo corporativismo. A acusadora virar réu não é coisa estranha na realidade brasileira, por mais repugnante que seja essa situação.
Por traz disso tudo, a ação dos grupos poderosos que tem dominado a política em Campo Grande, nos últimos anos. Porque esses gigantes da política, como todo o seu exército de seguidores, temem Luiza Ribeiro? Afinal a desigualdade da força é a mesma de um elefante, diante de uma formiguinha, de um Golias diante de Davi. A resposta é única, uma vendetta exemplar para desacreditar a possibilidade de uma política baseada no bem comum e na motivação republicana. Querem esmagar a coragem dos que sonham com um mundo melhor.
Nessa luta desigual a vereadora Luiza tem só uma pedrinha na funda. Mas essa pedra é de uma densidade neutrônica. Concentra a indignação da população, que ela tão bem representa, combinada com a esperança das pessoas que querem dignidade na política desta cidade.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor aposentado da UFMS

12.11.2015

domingo, 6 de setembro de 2015

UMA CÂMARA REPUBLICANA


A Câmara Municipal é a instituição pública mais importante da democracia. Mais do que o Executivo, a Câmara é o espaço público mais aberto à cidadania, é através dela que se pode praticar a chamada “democracia de contato”. Enquanto o Executivo representa o voto da maioria, a Câmara é o espaço da representação da diversidade da sociedade, essa que é o maior desafio da democracia contemporânea. Alguns pensadores opinam, inclusive, que para experimentação e para educação política da população, o parlamentarismo devesse começar pelos municípios, situação essa que promoveria ainda mais a importância dessa Instituição.
No dia 25 de agosto, um tsunami varreu a política de Campo Grande. Um prefeito foi derrubado, outro prefeito foi reconduzido, o Presidente da Câmara foi destituído e oito vereadores foram conduzidos, “sob vara”, para prestar depoimentos na justiça, em um escândalo, sem precedente, envolvendo a denúncia de compra de votos com dinheiro proveniente da corrupção. Muitos outros desdobramentos são ainda esperados.
Esses episódios puseram a nu a grave deterioração institucional que, no geral, atinge as Câmaras Municipais. Não faço essa crítica a partir de uma posição moral, já que a moralidade pública deve ser um padrão universal, dos agentes públicos. Essa situação vexatória dos parlamentos municipais tem componentes históricos e políticos. Os homens são eles próprios e os seus contextos.
Vivemos nas últimas décadas a perda de referências ideológicas na política, do referencial coletivo representado pelos programas partidários, do senso do bem comum, do sentimento republicano, que foram sendo substituídos pelo pragmatismo e pelo individualismo daqueles que encaram os mandatos como se fossem passos de uma carreira profissional. Em um tempo da radicalização da ideologia do liberalismo, cada um é um, a perseguir o seu projeto individual de pequenas ambições e grandes apetites, amparado em uma política de clientes e financiadores.
Tem jeito? O futuro não está escrito, nada está garantido, mas vejo na crise atual uma oportunidade de dar bons passos na direção da mudança. O Brasil não vai acabar, nem Campo Grande. Existem ainda focos de resistência da boa política a perseguir boas causas e principalmente existem muitos cidadãos decentes que podem, em um contexto de mudanças, assumir a política como dever de cidadania. Isso vai exigir mudanças radicais de posturas das pessoas, e instituições renovadas.
O Prefeito não pode ignorar a representatividade do legislativo, mas essa relação tem que ser claramente mediada pelo interesse público. É necessário que seja duro, contra a velha política de trocas que está indo parar na barra dos tribunais, talvez atrás das grades.
Por sua vez, o Legislativo não pode ser subserviente ao Executivo, tem que ser afirmativo, mas exclusivamente dentro das suas atribuições legais de fazer leis e fiscalizar. Vereador não pode ser um despachante subalterno das reivindicações clientelistas que os tornam dependentes dos favores do Executivo. A população tem que se relacionar de maneira direta e cidadã com os órgãos da administração, através dos seus próprios líderes, entidades e movimentos. Nem sempre os vereadores gostam disso, pois muitos querem estabelecer relações farsescas que lhes permitam cobrar pedágio político dos eleitores por ocasião das eleições.
A Câmara, pela representatividade que tem, deve se transformar em um grande fórum dos problemas da cidade, de discussão da qualidade e dos resultados das políticas públicas. Para isso tem que se qualificar tecnicamente, para poder discutir, em alto nível, os projetos próprios e aqueles provenientes do Executivo. Não se constrói qualidade legislativa apenas com contratação de cabos eleitorais que ficam o tempo todo preparando a próxima campanha.
Imagino que o Ministério Público e o GAECO, com sua ação na Prefeitura e na Câmara, em nome da moralidade pública, fizeram uma nova proclamação da República em Campo Grande no dia 25 de agosto. Cabe agora à cidadania garanti-la e aprofundá-la nas próximas eleições para barrar essa “classe política” despreparada e irresponsável.

Fausto Matto Grosso

Diretor da Fundação Astrojildo Pereira/MS

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

"O descrédito da política"


A cada dia a população fica mais chocada com os noticiários. Além da violência pura e simples, hoje predomina a violência da criminalidade política, que aos poucos vai mostrando, o mundo da política dominado, no dizer do Ministro Celso Mello, “por um grupo de delinqüentes que degradam a atividade política”.  A política real, predominantemente, se transformou em campo de ação de bandoleiros. 
Essa situação parece ter recrudescido nas últimas duas décadas. No plano nacional já foi atingido o Judiciário e, em uma escala sem precedentes, o Executivo e o Legislativo, estes, flagrados em conúbios com o sistema financeiro, estatais, fundos de pensão e com as maiores empresas de obras públicas do País. 
Essa crise de valores republicanos se irradia também em todas as esferas do poder público, assim vemos os escândalos atingindo os Estados e Municípios, como acontece atualmente em Mato Grosso Sul e em Campo Grande, demonstrando o caráter endêmico da crise ética com o correspondente descrédito da população nos políticos e nos partidos.
Na raiz dessa degradação está a perda do sentimento de coletividade, de bem comum, substituídos pelo egoísmo do individualismo, fruto da radicalização da ideologia do liberalismo. A idéia do mercado, como valor supremo da vida econômica, se transbordou gravemente para todas as esferas da vida social.  Hoje, partidos e políticos, no geral, são produtos de mercado. No dizer de Alfredo Reicilin, “criou-se um círculo vicioso: uma classe política inculta e irresponsável produz um mundo cínico de clientes e financiadores”. Na falta das grandes causas, utopias e esperança, só se ouve – parafraseando Montesquieu – o lamentável ruído das pequenas ambições e dos grandes apetites.
Recente pesquisa, patrocinada pelo Conselho Nacional de Justiça, sobre a credibilidade das instituições, feita pela FGV, mostra que apenas 5% da população confia nos partidos políticos. Vou na contramão desse sentimento difuso. Conheço políticos dignos, eles existem.
Acredito na política, porque acredito na democracia e esta precisa da política, o seu antônimo é a barbárie. Mas a presente crise é grave. Fosse apenas uma crise política, bastava trocar os partidos e os políticos e o problema estaria resolvido, mas trata-se de algo muito mais grave, é a crise de credibilidade na política, esse produto dos mais sofisticado da civilização, cuja função é regular as relações humanas. 
É certo que, para além dos problemas da conjuntura, há uma crise estrutural, que exige novos paradigmas.  Hoje, os partidos já não possuem o monopólio representação política dos cidadãos. A pressão das ruas, os mecanismos de participação direta, as redes e mídias sociais são novos elementos que vieram para ficar. Entretanto, seria uma imensa ingenuidade supor que estas possam substituir as instâncias institucionais da política. Já não vivemos na polis grega, mas em sociedades complexas que exigem institucionalidade sofisticada, inclusive para garantir, não apenas os direitos da maioria, mas também a representação de toda a diversidade existente na sociedade.
O grito dos “indignados”, as pressões dos movimentos, essenciais para fazer valer a vontade democrática dos cidadãos deve colocar em questão, não a política como valor, mas sim a qualidade da representação e dos partidos, em uma pressão salutar para a qualificação da democracia e dos partidos.
Abertos a essa realidade, temos que fazer a transição para novas formas-partidos, principalmente daqueles que se pretendem transformadores. Tenho convicção de que isso precisará muito de gente que, olhando a política atual, “não quer fazer política”, mas tem brios de cidadania. É preciso construir utopias novas, mobilizadoras das energias da sociedade. Os partidos e a política terão que se refundarem em novas formas e conteúdos se quiserem ter protagonismo no futuro. 

Fausto Matto Grosso

Diretor Geral da Fundação Astrojildo Pereira/MS

quarta-feira, 15 de julho de 2015

PODER E DEMOCRACIA
NO MUNICÍPIO: UM DESAFIO À
REFUNDAÇÃO DA POLÍTICA

Estou disponibilizando um link youtube, onde acabei de colocar uma aula que dei em uma universidade virtual durante as eleições de 2004. É um material um tanto quanto desatualizado em relação ao que eu diria hoje, mas enfim já continha algumas idéias que ainda podem serem úteis: http://youtu.be/_LUFXItvLC0..

segunda-feira, 6 de abril de 2015

''O significado do Fora Dilma''

As manifestações de rua no 15 de março demonstraram a desaprovação e a grave crise de confiança dos brasileiros no governo.
A última pesquisa da CNT/MDA aponta que apenas 10,8% apontam a gestão Dilma ótima ou boa, enquanto 64,8% a tem como ruim ou péssima. Pior, mostra ainda que se a eleição presidencial fosse hoje, Aécio Neves venceria a disputa por folgados 55,7% contra 16,6%. Em relação aos escândalos na Petrobras, 68,9% acham que a presidente é culpada e 59,7% se diziam favoráveis ao impeachment, contra 34,7% que se dizem contrários. 
Inicialmente o governo e o PT tentaram descredenciar os manifestantes como sendo expressão dos derrotados da eleição presidencial, defensores do golpe militar, ou reacionários que se opunham aos avanços sociais. Ao contrário, o que move as ruas é a indignação com o presente e o imenso medo do futuro. 
A generosa intenção política de combinar desenvolvimento com justiça social não se assentou em bases sólidas. O projeto de criar um ciclo longo de desenvolvimento baseado na expansão do mercado interno tinha limites e centrou-se apenas em ações conjunturais de incentivo ao consumo individual, criando uma bolha de consumo, sem se preocupar com reformas estruturais que pudessem lhe dar longo curso, o que configura uma postura ideológica absolutamente conservadora: compre mais e vote no PT.
Houve um grande descuido quanto à expansão de bens e serviços coletivos como saúde, transporte público, saneamento, segurança e habitação, vitais em um País altamente urbanizado, com a população concentrada em grandes cidades, onde a vida do cidadão acaba se tornando um inferno cotidiano. 
Os equívocos da política econômica levaram à desindustrialização do País. A participação desse setor no PIB desceu ao nível dos anos 1940. A nossa economia voltou a se assentar crescentemente na produção primária, um recuo vergonhoso em termos da história econômica brasileira. A taxa de crescimento do PIB do primeiro governo Dilma foi o segundo pior resultado da história republicana.
Pior ainda, a crise fiscal começa a colocar em xeque todos os instrumentos de distribuição de renda montados nos últimos 20 anos. Os aumentos do salário mínimo acima do aumento da produtividade média da economia deverão se tornar cada vez mais improváveis, entre outras razões pela crise da Previdência.  A continuidade dos programas de transferência de renda já se encontra sob pressão em função do ajuste fiscal. A dura realidade do desemprego marcará os próximos dois anos, pelo menos. Enfim, deu no que tinha que dar a política de distributivismo sem geração de riqueza.
A outra crise se dá no plano da política. A governabilidade foi montada a partir do loteamento do estado nacional, para a manutenção da base de apoio político-partidária. O escândalo da Petrobras é apenas a ponta de um iceberg imenso que está ainda por se conhecer.  Esse tipo de prática rebaixou a credibilidade do sistema político, tornando a denúncia da corrupção o principal mote das vozes roucas das ruas.
Esse quadro mostra o esgotamento de um ciclo na política brasileira. Enfim, a pequena política, de curto prazo, sem dimensão estratégica, de simples projeto de poder sem projeto nacional, levou o País a uma imensa crise, que se reflete na crescente mobilização nas ruas. O próximo 12 de abril deverá comprovar isso. A festa acabou e esse bloco de poder não tem nada mais a oferecer ao País.
O que nos alivia é que o Brasil não vai acabar. Mas para passar por esse difícil período precisaremos da boa política, da grande política, que tem faltado ao Brasil. Com Dilma ou sem Dilma, esse problema terá que ser enfrentado com o esforço da nação. Poderá ser com Dilma? Isso é o que atualmente garantem a Constituição e as regras do jogo democrático. Mas para isso Dilma terá que, dialeticamente, se transformar no contrário do que é, com ou sem PT.


Engenheiro e professor da UFMS aposentado Fausto Matto Grosso 

domingo, 8 de fevereiro de 2015

TERRORISMO E CULTURA DE PAZ


Passados os dias, os massacres de Paris, cada vez mais, se tornam emblemáticos dos desafios que a humanidade vive nos tempos atuais.
Os massacres despertaram reações de grande conteúdo emocional, instigadas e pasteurizadas pela comunicação da sociedade de massas. Inicialmente, o mote era a defesa da liberdade de imprensa e a sagração dos mortos como seus mártires.
Ato contínuo o presidente francês, aproveitando para se recuperar da baixa popularidade, respondeu com a ampliação da presença militar francesa no Oriente Médio. Também a direita francesa e européia, xenófoba e intolerante mobilizou suas multidões apontando para o chamado “choque de civilizações”: o pensamento islâmico seria incompatível com os valores culturais do ocidente. Marine Le Pen declarou: “a nação foi atacada, a nossa cultura, o nosso modo de vida. Foi a eles que a guerra foi declarada”, apontando para a segregação e o apartheid.
Já no mundo muçulmano, da Chechênia ao Afeganistão, da Argélia à Palestina, explodiu a indignação contra o desrespeito a sua cultura religiosa. No Níger chegaram a incendiar 45 igrejas cristãs causando 10 mortes. Essas manifestações continuam nos dias atuais e são a senha para a radicalização do mundo islâmico, contra o ocidente.
Diante da radicalização, o papa Francisco clamando pela moderação e pela responsabilidade foi incisivo: “Não se pode ofender, ou fazer guerra, ou assassinar em nome da própria religião ou em nome de Deus. Você não pode provocar e insultar a fé dos outros, você não pode zombar da fé. Não se pode fazer das religiões dos outros um brinquedo”. Enfático afirmou: “Se xingar minha mãe, espere um soco”, disse o Papa sobre ataque em Paris.
A grande pergunta é onde vamos parar com esse tipo de confronto onde todos têm razão. Minha convicção é que esse conflito não se resolverá pelas armas. Por essa via não haverá vencedores, pois é um permanente jogo de perde, perde. Diante dessa situação de completo contrassenso, é que evoco a lembrança da Guerra Fria e de como ela foi desarmada.
Lembro-me de Gorbatchov dizendo que apesar de todas as contradições existentes, de toda a diversidade de sistemas políticos e sociais, de todas as diferenças de escolhas feitas pelas nações, o mundo era uno. Ressaltava “estamos no mesmo barco, a Terra, e não podemos permitir que ele se afunde, não haverá uma segunda Arca de Noé”.
É esse tipo de responsabilidade moral que se espera dos líderes mundiais, a partir dos 50 que compareceram à marcha de Paris. O Ocidente tem a principal responsabilidade na saída dessa crise, porque é o lado mais forte e também por que não pode se arriscar em uma nova guerra do Vietnã, em um mundo globalizado e fragmentado, com a exacerbação do individualismo. A propósito, lembro que o Vietnã venceu os EUA dentro da sua própria casa. O povo americano, clamando pela paz, desarmou a sanha do Império, o que destaca o grande papel que pode ser representado pela opinião pública.
A solução dos impasses nessa guerra com o terrorismo, não é fácil, mas tem que ser buscada, em nome da humanidade. Acredito que o desarmamento dessa armadilha está nas mãos das potências ocidentais e que a solução dessa guerra passa por uma política internacional. Imagino que a partir da pluralidade representada pelos 50 líderes presentes em Paris, incorporando outros de lideranças incontestes, como o Papa e seus equivalentes das diversas religiões e apaixonando amplamente a sociedade se possa buscar uma saída. Precisa que, a partir dos principais fóruns internacionais, se possa adotar iniciativas que passem pela delimitação do Estado Palestino e pelo controle dos rentáveis negócios das armas, do petróleo e da terceirização das guerras, mas principalmente aponte para o desafio principal que é a construção de uma nova, forte e universal Cultura de Paz.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor aposentado da UFMS

Jornal da Cidade - 08/02/2015