quarta-feira, 28 de dezembro de 2016


O QUE ESPERAR DO FUTURO PREFEITO


Os campo-grandenses terminam o ano com certa sensação de alívio. A crise política e de gestão vivida nos últimos anos não vai deixar saudades, mas seus efeitos deverão se projetar para os próximos anos. Não há como fugir dessa herança e, pior, em um contexto de grave crise econômica, social, política e ética em toda a nação brasileira.
O prefeito eleito, no seu ato de diplomação,apontou para revisão de conceitos e atitudes, e para parceria, união, diálogo e construção paciente de consensos com a sociedade civil. Apontou o desafio de criar marcos estruturantes para a gestão e pediu tempo e paciência. Afirmou querer ser o "melhor prefeito que essa cidade já teve".
Supondo coerência entre palavras e atos, foi um boa mensagem de fim de ano.
Anunciou também uma equipe de governo que, pelos currículos divulgados, apresenta bom nível de formação técnica, alguns com experiência nas áreas nas quais atuarão.
Tomando posse em janeiro encontrará imensos problemas para enfrentar, herdará uma máquina administrativa deteriorada e um orçamento já pronto, eivado de ficções. A nova administração terá pela frente, também, uma cidadania e uma sociedade civil mais exigentes.
Todo governo, para ter sucesso, precisa articular bem três elementos fundamentais: plano, capacidade de governo e governabilidade.
Naturalmente o plano de governo não poderá ser aquele que usou para ser eleito, orientado pelo marketing político, haverá de ser cotejado com a realidade. Se tanto, valerá a boa intenção. Chegou a hora dura da realidade.
Governar é eleger prioridades. Que essa escolha não seja feita com vista à reeleição, como costuma acontecer, mas sim com o olhar de águia sobre o futuro da cidade, para definir aquilo que chamou, em seu discurso, de marcos estruturantes.
O tempo que pediu à população será marcado por uma ampulheta implacável que funcionará a partir de primeiro de janeiro. Entretanto o seu governo não começará no primeiro dia. O normal é que ele decida, aperte o botão e a máquina não funcione ao seu simples comando. Acontece isso com todo governo. É preciso o tempo de construção da capacidade da nova equipe. Será preciso, também, aproveitar-se, sem preconceitos, da experiência acumulada nos nichos sadios da administração herdada, que precisarão ser identificados e mobilizados. Assim o governo poderá antecipar resultados e ganhar mais "tempo útil" de gestão.
O terceiro desafio responde pelo complexo nome de governabilidade, ou seja a capacidade política de tornar possível aquilo que precisa ser feito. Terá que conquistá-la em um ambiente marcado pela crise de desconfiança. De certa forma, o futuro prefeito tem feito, até o momento, uma carreira solo. Conseguiu eleger-se em um momento em que os principais partidos políticos, enfrentavam uma crise de hegemonia, o que permitiu a sua eleição, concorrendo, no segundo turno, com 30,85% de abstenção, nulos e brancos.
Mesmo sendo minoritário na Câmara, pela tradição da política, não será difícil começar o governo com uma base parlamentar de apoio. Normalmente funciona assim para quem tem um mínimo de habilidade política, o que parece ser o caso.
O futuro prefeito pediu crédito de confiança e de credibilidade para ser gasto ao longo do mandato. Precisará disso, mas 2017 já começará sob o clima das próximas eleições estaduais, onde a Prefeitura de Campo Grande é uma posição estratégica. Em algum momento essa governabilidade poderá se estiolar. Se chegar ao colapso, acabará o governo, antes de terminar o mandato.
O final da história não precisará, necessariamente, ser esse, desde que ele revise os conceitos de governabilidade e pratique a anunciada "parceria, união, diálogo e a construção paciente de consensos com a sociedade civil".
Torço por Campo Grande, espero o prefeito tenha sucesso para, pelo menos, poder desejar, a todos, um Feliz 2018.

Fausto Matto Grosso,
Membro do Movimento por uma Cidade Democrática.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

NOVOS VEREADORES

 
Há um sentimento generalizado de decepção em relação aos detentores de mandatos eletivos. Em muitas cidades, plenários de Câmaras Municipais chegaram a ser invadidos pela população que clamava pela diminuição do número de vereadores, de suas remunerações ou dos percentuais de repasses financeiros para os legislativos.
Entretanto, em uma democracia desenvolvida, os legislativos são mais importantes do que os executivos, especialmente nos municípios. Naturalmente não estou falado desse parlamento em crise, mas sim de sua reinvenção. Neste ano serão realizadas eleições municipais, o que esperar da nova safra de vereadores, o que cobrar deles?
Muitas são as questões a serem enfrentadas. A crise clama por uma radical inovação nos legislativos municipais. Há um déficit de representatividade, um déficit de afirmação da autonomia e prerrogativas, e um déficit de qualidade do processo legislativo.
A distância entre a sociedade política e a sociedade civil é imensa. Na exacerbação do individualismo, que marca os tempos atuais, os parlamentares, no geral, representam as suas próprias vaidades ou projetos pessoais e não as opiniões existentes na sociedade. De um lado a política virou profissão, do outro a sociedade não se organiza para qualificar a representação.
A palavra vereador é afim de dois termos do latim: verear e vereda. Verear é andar pela cidade, e vereda significa caminho. O papel do vereador é conhecer a cidade e traçar o seu rumo. Não existe função mais importante do que essa. Entretanto, vereador, normalmente faz campanha como se fosse prefeito e depois não cuida da essência da função de verear, fazer e aprovar leis e fiscalizar a administração municipal. Promete o que não pode entregar ou acaba entregando sua autonomia ao executivo, muitas vezes em troca de favores ou nomeações para atender a sua “clientela”.
É necessária a transformação das câmaras municipais em caixa de ressonância da sociedade, em lugar de encontro da democracia participativa com a representação. Sim, porque, ao contrário do senso comum, em sociedades complexas, onde as questões não podem ser resolvidas apenas em decisões simplórias do tipo “sim ou não”, o parlamento deve ser o local - e a política a arte necessária - para a construção democrática de consensos ampliados, em torno de interesses legítimos da sociedade. As câmaras municipais devem ser os locais de construção de projetos de futuro das cidades, compartilhados com a cidadania, para se obter um mínimo de coesão social e uma governabilidade baseada em valores éticos, cívicos e republicanos.
Fortalecida pela representatividade, a Câmara pode afirmar a sua independência em relação ao Executivo, rompendo com a tradição de executivos que fazem leis, subvertendo a lógica natural, e de vereadores alinhados segundo os pobres critérios de serem “bases” ou serem oposição, que aviltam o papel dos vereadores.
Há ainda o déficit de qualificação da ação legislativa. Há que se ter também um mínimo de profissionalização nas assessorias nas câmaras municipais, um bom exemplo disso é a assessoria do Senado. As assessorias parlamentares não podem ser apenas o exército de reserva de cabos eleitorais para as próximas eleições. Fiscalizar o Executivo não é tarefa trivial, não é apenas fiscalizar a legalidade dos atos, exige informação precisa sobre o andamento e resultados dos programas e projetos executados pela administração, com base em indicadores, estudos e pesquisas. Para isso, mediante concurso público, a Câmara deve montar assessorias técnicas competentes, talvez, até remanejando cargos de assessorias individuais dos vereadores para viabiliza-las.

Fausto Matto Grosso
Professor da UFMS.

Diretor da Fundação Astrojildo Pereira

domingo, 5 de junho de 2016

ENTREVISTA

‘É necessário construir novas regras, nova ética, novas relações, nova governança’

Para Fausto Matto Grosso, a sociedade política se afastou enormemente da sociedade civil, que deveria ser a fonte da sua representatividade
5 JUN 2016
Por CRISTINA MEDEIROS
Diante da indiscutível crise que o mundo ocidental vivencia na efetivação de uma (real) democracia representativa, quais medidas sociais, políticas e jurídicas podem ser implementadas com o objetivo de que a desejada confiança do povo seja alcançada, uma nova governança seja criada e a parceria entre governo e sociedade se estabeleça? Estas e outras questões fazem parte das reflexões de um grupo de pessoas em Campo Grande, que formou o Movimento por uma Cidade Democrática. Dele faz parte o professor aposentado e engenheiro civil Fausto Matto Grosso, que nesta entrevista ao Correio do Estado fala, entre outras coisas, da necessidade de refundação da política em novas bases, de maneira a que se recupere a confiança social.
CORREIO PERGUNTA
O senhor faz parte de uma plataforma nacional intitulada Cidade Governança Democrática. Poderia explicar de que se trata e por que sua adesão?
Francisco Fausto Matto Grosso Pereira - Na atualidade, há uma grave crise na maneira de fazer política e de fazer governo. Os políticos, os partidos e os governantes estão profundamente desacreditados. Há uma profunda crise de representação. A sociedade política se afastou enormemente da sociedade civil, que deveria ser a fonte da sua representatividade. Há que se reconstruir essa relação da política com a sociedade, fazer a política e os governos cumprirem suas finalidades públicas, pautarem-se por princípios cívicos e republicanos, comporem-se de quadros representativos e capazes, serem transparentes e confiáveis, para que se recupere a confiança social, base para a necessária parceria entre governo e sociedade. Essa é a ideia central, é necessário construir novas regras, nova ética, novas relações, em outras palavras, nova governança.
Essa nova governança, democrática por sua natureza, representaria a refundação da política em novas bases, de maneira a que se recupere a confiança social. Esta é a resposta para a crise que vivemos, é a única possibilidade de se criar a sinergia necessária, entre todas as forças vivas da sociedade, para enfrentar os enormes desafios existentes nas cidades. É nisso que acredito, por isso estou empenhado na construção coletiva dessa nova política.
O senhor e um grupo de pessoas criaram o “Movimento por uma cidade democrática”, que se propõe desenvolver ações contra a degradação política em Campo Grande. Quem são estas pessoas e quais as principais propostas de vocês para que Campo Grande se torne uma cidade melhor?
Somos um grupo de pessoas, formadoras de opinião, com certa experiência de militância política, na boa política, que já exerceram mandatos ou funções públicas, das mais diversas filiações partidárias, ou mesmo sem nenhuma vinculação a partidos, que se reúne para entender as razões mais profundas da crise ética que tem marcado a nossa política e articular ações concretas de denúncia e, ao mesmo tempo, apontar saídas para a superação da velha política. São pessoas das mais variadas formações profissionais, que produzem artigos de opinião publicados em vários jornais, que se pronunciam em entrevistas de rádio e nas mídias sociais, que proferem palestras, sempre defendendo a política como atividade imprescindível na democracia, mas que se encontra profundamente degradada. Nossa proposta é de provocar a sociedade para o desafio de mudar a política a partir de uma visão sócio-centrada e não estado-centrada, ou seja, de subordinar a política e os governos à sociedade e não ter a sociedade tutelada pelos governos e pela política.
Esta degradação política a que o senhor se refere é algo detectado a partir de que?
É só abrir os jornais ou ouvir os noticiários para perceber esse apodrecimento da política tradicional. Ela perdeu referências programáticas e ideológicas, se transformou em negócios privados escabrosos. Os assuntos da política passaram a ser assuntos típicos de páginas policiais. É um descalabro. Mas, felizmente, estas coisas começam a aparecer, a serem trazidas à luz do dia, e saúda-se a Operação Lava Jato, a Lama Asfáltica e a Coffee Break que estão dando nome aos bois, inaugurando um novo clima de esperança de que a lei valha para todos e, ninguém, por mais poderoso que seja, pode ficar acima dela. Isso nunca vimos acontecer antes.
Qual a posição do grupo em relação a acontecimentos como a Lei da Mordaça e a Operação Coffee Break?
Nosso grupo é um ponto de encontro para reflexão e organização de ações. Nossa contribuição mais específica, pelas características da nossa composição, é a de pensar os problemas para além de suas manifestações aparentes, buscando as raízes mais profundas, normalmente ocultas. Nesses temas que você cita, posicionamo-nos em artigos, entrevistas e estivemos presentes em manifestações públicas em caráter coletivo ou individual e sempre procurando somar com outras iniciativas existentes na sociedade. No caso da Lei da Mordaça, por exemplo, elaboramos um manifesto pelo veto da lei, envolvendo centenas de pessoas, fomos ao Prefeito pedir o veto, fomos à Câmara pedir a manutenção do veto ao projeto, articulamo-nos com outras instituições, a exemplo da OAB, que nos convidou para contraditar com os propositores dessa malfadada lei na reunião do seu Conselho. Tudo isso somado a palestras, entrevistas, debates onde tivemos presença ativa.
Podemos dizer que o atual papel político na transformação da cidade de Campo Grande – e das cidades em geral – está equivocado num tempo de evolução tecnológica e redes sociais?
Sem dúvida. O mundo mudou profundamente e quem continuar pensado com a cabeça formada nos contextos que foram superados, morreu intelectualmente, embora muitos não percebam isso. A cidadania hoje interage horizontalmente nas redes de informações e comunicações e não se sente representada nas estruturas verticalizadas, articula ações participativas que colocam em xeque o sistema tradicional de poder. Ninguém mais precisa de intermediação para cobrar, criticar, propor coisas diferentes e inclusive, tem criado redes de cooperação para resolver problemas. O nível de participação aumentou muito, nunca se discutiu tanta política, e nessa efervescência está a energia para o surgimento de uma nova política, para esse mundo novo que vai se afirmando.
O senhor concorda que para se conseguir maior participação na vida política e pública da cidade é necessário que o cidadão sinta-se pertencente àquela cidade? O que fazer?
Isso é absolutamente verdadeiro. Mas, afinal, o que é a cidade, genérica e abstratamente? É aquilo que está na cabeça do prefeito, ou do governador, ou de cada vereador ou dos candidatos das próximas eleições?
Esse sentimento de pertencimento só poderá ser verdadeiro se a cidadania fizer parte da definição do que se pretende para a cidade, ou seja, da construção de um projeto de futuro compartilhado por todos. Aí sim, cada um pode vir a assumir uma postura de cumplicidade, de corresponsabilidade com essa construção coletiva, saber qual é o espaço do seu interesse legítimo e qual o papel que pode cumprir.
Como a sociedade civil pode colaborar na transformação real de sua cidade?
Nós estaremos vivendo este ano uma boa oportunidade para essa intervenção, por conta do processo eleitoral. A sociedade civil pode atuar melhorando a qualidade da representação política, convocando quadros para essa missão, repudiando os políticos que representam apenas seus próprios interesse e projetos pessoais. Outro desafio é o de fortalecer a articulação das diversas instituições existentes para uma interlocução organizada com os futuros candidatos, cobrando-lhes compromissos de novas relações entre a futura administração e a sociedade, cobrando-lhes programas de governo consistentes, comprometendo-os com a elaboração de planos de longo prazo compartilhados com a sociedade, cobrando-lhes fichas limpas, transparência, qualidade de gestão e posturas republicanas.
Como seria o modelo ideal de gestão pública?
Se é certa a constatação de que forma tradicional de governar está em crise, que a administração pública perdeu a sua capacidade de financiamento, que os problemas se avolumam diante de um estado que já bateu no teto da capacidade contributiva da sociedade através dos impostos, que as necessidades são crescentes e evoluem em um ritmo maior do que permite o crescimento da economia, não é trivial apontar um modelo milagroso para a saída do impasse. O novo não tem receita pronta e acabada. O fato é que não basta ser bom gerente, ou honesto, para dar conta dos desafios das novas administrações. Isso é pouco. Há necessidade de inovação na maneira de governar.
Hoje, o modelito que norteia a disputa política é de quem é o mais competente para fazer a gestão de infraestrutura e serviços, quem é capaz de conseguir mais recursos para atender as necessidades da população, mas o governante é o árbitro dessas necessidades. A população é tratada como clientela, e o governante é o gerente, trazendo para a administração pública o modelo da gestão privada.
A grande questão é que não há competência que dê conta da crise estrutural e conjuntural de financiamento da máquina pública. Os números são contundentes quando se analisa o gap entre os recursos e as necessidades. É fora de dúvida que qualquer governo tem que ser honesto e ter competência gerencial. Mas isso não é suficiente. A realidade é que não é o governo, a prefeitura que constrói a cidade, ela é fruto da atividade produtiva, social, cultural e política dos cidadãos. O grande desafio é criar a sinergia entre todas as energias e recursos existentes na sociedade - econômicos, de conhecimento, de experiência de organização, de articulação social, de trabalho voluntário, entre outros. Essa é a função mais desafiadora a ser exercida pelo administrador público, ou seja, a da articulação da sociedade. Isso significa construir uma nova relação entre governo e sociedade, focada no que deve ser a razão da ação pública: o desenvolvimento humano, o que contempla equidade social, eficiência econômica, sustentabilidade ambiente e convivência democrática.
A gestão descentralizada, aplicada em importantes cidades pelo mundo, é o melhor caminho, mesmo num país como o Brasil, onde em muitas cidades é a lei do mais forte que ainda manda?
A descentralização é uma regra de ouro para a gestão pública, mas tem que ser combinada com a articulação e a integração formando um sistema coerente. Tecnicamente tem que se repensar esses conceitos e seus mecanismos no contexto da sociedade em rede. Cada escola, cada unidade de saúde, cada local de atendimento das pessoas, cada ponto de ônibus pode ser pensado como nó da rede integrada, onde o cidadão possa falar direto, em tempo real, com a administração pública. Quanto à lei do mais forte, não se pode ser ingênuo, ela é a regra cruel do sistema atual, mas pode ser enfrentada. O caminho é o da política, da boa política de juntar forças interessadas nas mudanças, o de criar uma força social mais coesa e democrática que possa enfrentar a lei do mais forte.
PERFIL
FRANCISCO FAUSTO MATTO GROSSO PEREIRA,
Engenheiro Civil pela UFPR, Mestre em Desenvolvimento Local pela UCDB, professor titular da UFMS, aposentado. Foi vereador em Campo Grande pelo PCB, hoje PPS, entre 1983 e 1988. Foi Secretário de Planejamento do Governo de Mato Grosso do Sul, Diretor de Desenvolvimento Regional da Secretaria de Desenvolvimento do Centro Oeste/Ministério da Integração Nacional. Atualmente é pesquisador associado do Grupo de Estudo das Transformações Organizacionais – GETO/UFMS e consultor em planejamento e desenvolvimento regional.
É membro da Direção Nacional do PPS e da Diretoria Executiva da Fundação Astrojildo Pereira

Nascido em 02 de janeiro de 1949

quarta-feira, 25 de maio de 2016

"Por trás das aparências"


Aproximam-se as eleições. Os primeiros pré-candidatos começam a aparecer. Será que teremos boas opções ou seremos reduzidos, mais uma vez, à triste condição de votar no menos pior?
O pano de fundo do processo eleitoral que se aproxima é o da frustração provocada pela natureza da pratica política existente em nosso País, caracterizada pelo descompromisso programático, pela promiscuidade entre o público e o privado, pela corrupção, pelo clientelismo e pela degenerescência das práticas políticas, situação essa que afeta os mais diferentes partidos e suas lideranças.
Mas afinal, como separar o joio do trigo, se nas eleições todos os discursos são parecidos e os candidatos aparentam serem todos iguais, aos olhos dos eleitores?
Uma boa ajuda para a tomada de decisão do voto pode vir da análise da tipologia de lideres políticos construída pelo chileno Carlos Matus. Chimpanzé, Maquiavel e Ghandi, assim o autor tipificava os estilos de liderança política, em uma escala do pior para o melhor.
Tais como nos grupos de chimpanzés, os líderes, assim classificados, são caracterizados pela expressão “o fim sou eu”. A forca representa o seu atributo político principal. Não existe projeto algum - o líder guia a manada a lugar nenhum e é guiado pela lógica de que “o projeto é o chefe e o chefe é o projeto”. É o estilo mais primitivo de fazer política. Os ditadores sul-americanos, velhos e novos, são uma boa representação desse espécime.
“Os fins justificam os meios” essa é a síntese da ideologia que sustenta o estilo Maquiavel. Em relação ao estilo anterior, a grande diferença é que neste caso há um projeto, que transcende o líder. O projeto não é mais individual, é coletivo, tem base social, mas é impossível realizá-lo sem o líder messiânico. Aqui o poder pessoal não é o objetivo, mas o instrumento. Nesse contexto, não há adversários, e sim inimigos que devem ser derrotados e, se necessário, eliminados. A esquerda autoritária foi pródiga em produzir tais lideranças.
Mas a humanidade já conseguiu produzir, embora mais raramente, outro tipo de líder, que baseia a sua liderança na força moral e no consenso. Ghandi é o paradigma desse tipo de liderança política. Talvez um bom exemplo mais recente seja Nelson Mandela.
Também aqui o projeto é coletivo, mas o líder não disputa para sê-lo. Não precisa força física, lidera pela superioridade de seus valores e da sua ética. Não precisa construir inimigos para vencê-los, mas sim subordinar e ganhar os adversários pela razão objetiva do projeto socialmente superior. Pratica a coerência entre discurso e ação, essa coisa hoje tão rara na política, cuja escassez está na origem da desmoralização dos líderes políticos.
Esses estilos de lideranças políticas raramente são encontrados em estado puro. Também, o líder não os escolhe ao seu bel prazer. O estilo real de cada político acaba sendo uma combinação particular entre esses estilos básicos e ainda vai depender do contexto dentro do qual se realizam as disputas.
A cada estilo de liderança vai corresponder, no exercício do poder, um comportamento político esperado. O de pensar e usar o governo como coisa sua, ou comportar-se segundo princípios republicanos. O de isolar-se no uso pessoal do poder ou de compartilhá-lo com a sociedade. O de perpetuar conflitos ou buscar convergências que possam viabilizar projetos de interesse público.
A essa altura, cada um deve estar procurando colocar as figurinhas dos líderes das disputas nos álbuns de personalidades, ou nos porta-retratos que lhes correspondem. O critério é de cada um, assim como a responsabilidade do acerto ou erro.

Fausto Matto Grosso.
Professor da UFMS, membro do Movimento por uma Cidade Democrática

25 MAI 2016

sexta-feira, 29 de abril de 2016

ROTEIROS PARA TRAGÉDIA BRASILEIRA


Dizia um filósofo nascido no reino da Prússia, que os homens fazem a história, mas não a fazem como desejam, nem dentro das condições que gostariam, suas ações são condicionadas, assim, pelo contexto histórico em que vivem. Parto dessa ideia para analisar as difíceis saídas para a tragédia vivida pelo país.
Considero, também, alguns pressupostos. Primeiramente, a continuidade do processo democrático está garantida em qualquer circunstância. O Brasil amadureceu e as instituições democráticas funcionam normalmente, garantidas pela Constituição, pelas instituições existentes e pela vontade majoritária da Nação. Não há hipóteses de golpes.
Da mesma forma, ninguém conseguirá segurar o processo de apuração dos atos de corrupção desencadeados pela operação lava-jato e outras, que sinalizam uma nova marcação no tempo histórico da sociedade brasileira. Tombarão tantos quantos forem sendo apontados, comprovadamente, pelas ações do Ministério Público e da Polícia Federal, com inteiro apoio da população.
Outro aspecto importante é que, em hipótese alguma, existe a possibilidade de o bloco de poder atual voltar a ter condições de liderar o processo de saída da crise. Não há volta nesse processo desencadeado a partir do impeachment na Câmara, com previsível confirmação de legitimidade pelo Supremo Tribunal Federal. Presenciamos o esgotamento do ciclo do lulo-petismo.
O futuro, entretanto, poderá nos reservar ainda muitas surpresas com vários desdobramentos possíveis. O fator de maior impacto ficará por conta de uma eventual anulação das eleições de 2014 pelo TSE, por conta de financiamento eleitoral ilegal, decorrente da corrupção. Com seu rito próprio, esse tipo de decisão costuma ser demorado. O tempo do TSE poderá implicar em novas eleições diretas ainda neste ano ou eleição indireta pelo Congresso a partir de janeiro do próximo ano.
Diante disso, no processo da vida real, o contexto em que vivemos é o de termos, em curto prazo, Michel Temer como presidente. É assim que manda o ordenamento jurídico existente. Temer estará brevemente diante do desafio do seu contexto histórico. Terá ele capacidade de montar um ministério de alto nível, com capacidade técnica e política e representatividade nas forças sociais que apostam nas mudanças? Imagino que sim, até por instinto de sobrevivência, poderá fazê-lo, repetindo um papel semelhante ao de Itamar Franco após o impeachment de Collor.
Só assim, com um amplo entendimento nacional – político e social – poderá o novo governo, responsavelmente, arrancar o Brasil da sua crise, ainda assim por um processo extremamente penoso. Não me refiro a esse arranjo congressual espúrio que tem marcado a política brasileira nos últimos anos. A representação política está em crise, a qualidade dos políticos piorou muito, falta-nos lideres com compromissos republicanos e com credibilidade. A votação do impeachment na Câmara, a despeito do resultado positivo, com poucas exceções, foi de bizarrice explícita e chocante, exibição pública de personalismo alienado, de populismo e de provincianismo.
O conjunto das forças políticas e sociais que vierem a compor esse governo de transição deverá estar tão solidamente alicerçado, de maneira que esse arranjo possa sobreviver até mesmo à substituição de Temer, se atingido pela justiça. Poderá esse bloco, inclusive se projetar como futura aliança eleitoral no caso de convocação antecipada de novas eleições complementares. Naturalmente ficará fora desse arranjo o PT, o que não é novidade histórica.
Caberá a essa nova gestão o desafio de realizar as reformas estruturantes que não podem mais ser adiadas e, para tanto, precisará da contribuição de todos aqueles verdadeiramente comprometidos com o país. Assim, após uma transição penosa, diante da magnitude da herança maldita deixada pelo lulo-petimo, o país poderá encontrar caminho mais seguro a partir das eleições de 2018.

Fausto Matto Grosso

(Engenheiro e Professor, membro do Diretório Nacional do PPS)

sexta-feira, 11 de março de 2016

A marcha de março


No próximo 13 de março a cidadania deverá ir novamente às ruas. Será a quarta marcha mobilizada pelo sentimento contra a corrupção e pelo impeachment da Presidente Dilma. Essas marchas, nos três últimos eventos, tiveram declínio de participantes, embora as pesquisas mostrem o crescente descontentamento com o quadro político, social e econômico do País. Qual a razão desse paradoxo?
Enxergo pelo menos três razões intimamente interligadas. A condução sectária do movimento, a falta de foco e a arrogância política dos seus condutores. Essas posturas diferem em tudo do que levou ao sucesso as grandes manifestações históricas que deram certo no Brasil, como a Campanha pelas Diretas e o Fora Collor. É certo que o Brasil dessas campanhas vitoriosas era muito diferente do país atual, fortemente influenciado pela organização da cidadania através das mídias sociais. Se as formas de mobilização mudaram, as experiências políticas anteriores, a meu ver, continuam válidas.
O sectarismo transformou uma causa nacional ampla da cidadania em briga entre fanáticas e despreparadas torcidas organizadas. As mídias sociais, que potencializam a convocação, se transformaram em locais de “briga de rua” virtual. Um dos sinais dessa radicalização, do lado de cá, é o inaceitável bulling pessoal, imposto a personagens envolvidos em escândalos, que são cercados, perseguidos e humilhados. A ofensa pessoal pode dar um contentamento momentâneo às nossas frustrações políticas, mas não é atitude politizada, é intolerância pura e perigosa. Lembra-me episódios de humilhações nazistas aos judeus, coisa degradante e na contramão da civilização. Vade retro.
As palavras de ordem são desfocadas do objetivo principal, reproduzem formulações que são elaborados por movimentos centralizados que tem objetivos pouco conhecidos. Pior ainda, são acriticamente reproduzidos e amplificados por lideranças locais, no geral, despreparadas. É bom que se diga que as mídias sociais, importantes instrumentos de mobilização da cidadania, não são os melhores lugares para refinar pensamento político. 
O grito mobilizador tem que ser amplo e não causar desconforto aos participantes, muitos dos quais não se sentem representados, outros tantos nem comparecem, devido à ignorância e ao primarismo político predominante. Essas palavras de ordem jogam, pela direita, o mesmo papel desmobilizador que os black blocs, da esquerda anarquista. É necessário que as palavras de ordem sejam agregadoras capazes de representa integralmente todos que estão solidários com a campanha de moralização da política.
Um dos exemplos do despreparo e da arrogância política do movimento é a rejeição à participação dos políticos e dos partidos políticos favoráveis ao impeachment. As ruas, importantes e legítimas na democracia, não governam e não votam leis. Tanto é assim que os movimentos acabam acampados nos gramados do Congresso Nacional ou fazendo pressão pelos votos dos parlamentares. O papel mais importante da democracia diretas das ruas é o de pressionar e qualificar a representação política institucional. É importante chamar a atenção que os partidos da oposição e muitas personalidades destacadas estão também convocando, de maneira organizada, a presença nas ruas no próximo dia 13.
Percebo nesse comportamento, pretensamente apartidário, um oportunismo enrustido de querer, com o impeachment, aproveitar para conduzir o País a uma política reacionária ou a soluções golpistas e autoritárias. Sob a sombra desses movimentos já se organizam candidaturas presidenciais, novos partidos políticos, bem como filiações partidárias e lançamento de candidatos nas próximas eleições. O maior desafio que está posto é o de abrir a participação para todos os que estão pelo impeachment, para que lá aparecerem, se manifestem e se comprometam. Gostaria de ver uma próxima manifestação com todas as bandeiras contra a corrupção e pelo impeachment.
Povo na rua sim, basta à corrupção sim, impeachment sim, mas sem manipulação. É necessária responsabilidade política, palavras de ordem que unam e que construam compromissos com a solução da crise pela via democrática e republicana.

Fausto Matto Grosso
Engenheiro e professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

VEREADORES PARA QUE?


Há um sentimento generalizado de decepção em relação aos detentores de mandatos eletivos. Em muitas cidades, plenários de Câmaras Municipais chegaram a ser invadidos pela população que clamava pela diminuição do número de vereadores, de suas remunerações ou dos percentuais de repasses financeiros para os legislativos.
Entretanto, em uma democracia desenvolvida, os legislativos são mais importantes do que os executivos, especialmente nos municípios. Naturalmente não estou falado desse parlamento em crise, mas sim de sua reinvenção. Neste ano serão realizadas eleições municipais, o que esperar da nova safra de vereadores, o que cobrar deles?
Muitas são as questões a serem enfrentadas. A crise clama por uma radical inovação nos legislativos municipais. Há um déficit de representatividade, um déficit de afirmação da autonomia e prerrogativas, e um déficit de qualidade do processo legislativo.
A distância entre a sociedade política e a sociedade civil é imensa. Na exacerbação do individualismo, que marca os tempos atuais, os parlamentares, no geral, representam as suas próprias vaidades ou projetos pessoais e não as opiniões existentes na sociedade. De um lado a política virou profissão, do outro a sociedade não se organiza para qualificar a representação.
A palavra vereador é afim de dois termos do latim: verear e vereda. Verear é andar pela cidade, e vereda significa caminho. O papel do vereador é conhecer a cidade e traçar o seu rumo. Não existe função mais importante do que essa. Entretanto, vereador, normalmente faz campanha como se fosse prefeito e depois não cuida da essência da função de verear, fazer e aprovar leis e fiscalizar a administração municipal. Promete o que não pode entregar ou acaba entregando sua autonomia ao executivo, muitas vezes em troca de favores ou nomeações para atender a sua “clientela”.
É necessária a transformação das câmaras municipais em caixa de ressonância da sociedade, em lugar de encontro da democracia participativa com a representação. Sim, porque, ao contrário do senso comum, em sociedades complexas, onde as questões não podem ser resolvidas apenas em decisões simplórias do tipo “sim ou não”, o parlamento deve ser o local - e a política a arte necessária - para a construção democrática de consensos ampliados, em torno de interesses legítimos da sociedade. As câmaras municipais devem ser os locais de construção de projetos de futuro das cidades, compartilhados com a cidadania, para se obter um mínimo de coesão social e uma governabilidade baseada em valores éticos, cívicos e republicanos.
Fortalecida pela representatividade, a Câmara pode afirmar a sua independência em relação ao Executivo, rompendo com a tradição de executivos que fazem leis, subvertendo a lógica natural, e de vereadores alinhados segundo os pobres critérios de serem “bases” ou serem oposição, que aviltam o papel dos vereadores.
Há ainda o déficit de qualificação da ação legislativa. Há que se ter também um mínimo de profissionalização nas assessorias nas câmaras municipais, um bom exemplo disso é a assessoria do Senado. As assessorias parlamentares não podem ser apenas o exército de reserva de cabos eleitorais para as próximas eleições. Fiscalizar o Executivo não é tarefa trivial, não é apenas fiscalizar a legalidade dos atos, exige informação precisa sobre o andamento e resultados dos programas e projetos executados pela administração, com base em indicadores, estudos e pesquisas. Para isso, mediante concurso público, a Câmara deve montar assessorias técnicas competentes, talvez, até remanejando cargos de assessorias individuais dos vereadores para viabiliza-las.
Tais inovações são utópicas diriam alguns. Sei disso, mas respondo associando Bilac a Galeano: “Ora (direis) ouvir estrelas. [...], perdestes o senso! [...] eu vos direi que muitas vezes desperto [...] abro a janela, [...] e vejo [...] a via-lactea”. É verdade, adoro utopias. A gente dá um passo e elas se afastam um passo, mas têm exatamente esse papel de nos ajudar a caminhar no rumo certo.

Fausto Matto Grosso
Professor da UFMS.

Diretor da Fundação Astrojildo Pereira